07. Conhecendo Lívia

Conto de Luã como (Seguir)

Parte da série O garoto da mesa 09

Fala galera! Segue abaixo o capítulo 7 da série, recheado de revelações. Serão apresentados novos personagens, importantes pra história. Espero que gostem. Boa leitura! (:

07. Conhecendo Lívia

Caminho pela rua sem saber pra onde ir. Meu olho e minhas costas ainda doem. Como meu pai descobriu? Minha mãe contou? Duvido muito. Ela mesmo me pediu pra ser discreto, assim meu pai não descobriria. O mais incrível é que não sinto vontade de chorar. Não agora. Eu no momento apenas penso onde vou ficar.

Toco a campainha, e minha tia abre a porta, com um roupão e os olhos arregalados.

- meu Deus Eduardo, o que aconteceu?

- nada tia, eu só preciso ficar aqui. Você se importa?

- claro que não, entra, tá frio.

Ela me puxa pra dentro já me analisando dos pés à cabeça.

- você foi assaltado?

- não.

- então o que foi? Você tá todo machucado.

- meu pai me expulsou de casa.

Ela então leva sua mão até a boca.

- ele fez isso com você?

Faço que sim com a cabeça. Ela não diz nada, apenas tentando assimilar a situação.

- eu vou pegar o antisséptico.

Fátima sempre esteve comigo. Ela provavelmente sabe sobre mim, assim como minha mãe sabia. Acho que todos nós sabíamos que esse momento chegaria. Mas ninguém contava com uma atitude tão bruta como a do meu pai.

Ela pede para eu sentar no sofá, e começa a limpar meus machucados. Isso dói um pouco, mas é suportável.

- eu não quero te atrasar pro restaurante, tia.

- daqui a pouco eu vou, Edu. Só vou terminar o curativo.

Logo, meu olho, apesar de ainda estar doendo, estava limpo, assim como minhas costas. Nessa hora, o cansaço me bate. Eu só queria deitar minha cabeça no travesseiro e dormir pra esse dia passar logo. Fátima me leva até o quarto onde eu ficaria. É um quarto pequeno, eu costumava dormir aqui quando era criança e vinha pra cá. Tem uma cama de solteiro, um guarda roupa com algumas portas faltando, e uma televisão de tubo de 14 polegadas.

- vou deixar você arrumar as suas coisas. Se precisar me chama, vou me arrumar.

Dou um semblante de um sorriso e assim que ela fecha a porta, me vem a vontade de chorar. Mas não vou. Minha cabeça continua erguida. Não fiz nada de errado.

Arrumo as poucas roupas que eu havia trazido no guarda roupa, e então vou tomar um banho. Minha vontade era de que todas as coisas ruins que me aconteceu hoje fossem embora pelo ralo junto com a água. Tento tomar um banho breve para não abusar da boa vontade de minha tia. Nessa hora, Felipe vem em minha mente. Queria tanto um abraço dele nesse momento. Mas não vou perturbá-lo. Não agora.

Quando saio do banho, minha tia está de saída. Me despeço dela com um abraço, e recebo um beijo na bochecha.

- obrigado, tia.

- fique aqui o tempo que precisar. E se cuide.

Então, ela sai pela porta e eu me sento no sofá, pensando no que vou fazer. Bom, a julgar pelo que meu pai fez, eu não entro mais no restaurante nem pintado a ouro. Preciso de um emprego. E preciso do resto das minhas coisas. Decido voltar até em casa e pegar o que faltava. Após cerca de 40 minutos, estou lá novamente. Os flashes dos momentos de hoje me vem na cabeça, mas eu os afasto. Não é algo que eu queira lembrar. Pego minha cópia da chave no bolso e entro. Os cacos de vidro já não estão mais pelo chão. Minha mãe certamente os limpou. Subo até meu quarto e pego minhas roupas, colocando em minha mala de viagem. Meus livros, CDs e materiais da escola eu levo em outra mochila antiga. Faço tudo com rapidez. Vou até a garagem e pego minha bicicleta. A volta seria bem mais fácil.

De volta à casa de minha tia, arrumo o restante das minhas coisas. O quarto já começa a ficar com cara de quarto. Decido fazer algo para passar o tempo. Como minha tia vive no restaurante, ela não tem muito tempo pra cuidar da casa. Então, decido arrumá-la. Coloco meu pen drive no rádio e arremango as mangas. Não tinha muito o que fazer, apenas lavar louça e varrer o chão. Apesar do pouco tempo, ela é muito caprichosa.

O restante do dia eu me ocupo lendo e revisando algumas coisas da escola. Nem vejo minha tia voltar do restaurante.

Acordo pela manhã com barulho no vizinho, que tem a casa colada na da minha tia. Olho para o relógio e já passa das 09:30. Eu dormi bastante. Levanto e minha tia já não está mais em casa. Meu celular toca. É uma mensagem. Merda. Tem mais de 10 mensagens de Felipe no meu celular. Respondo rapidamente.

“Felipe, o que aconteceu?”

“Caralho Eduardo, cadê você? Por que você não me responde?”

“Só vi as mensagens agora, me desculpa.”

“Onde você tá?”

“To na casa da minha tia.”

“Me encontra no parque da lagoa, to saindo de casa agora.”

Meu coração acelera. O que aconteceu? Será que meu pai tentou fazer algo contra ele? Se ele tentou, eu não respondo por mim. Meu pai precisa parar. Me visto sem nem ligar pra roupa, e saio de casa às pressas. Quando chego no parque, Felipe já me esperava, sentado em um banco, aflito. Assim que ele enxerga meu olho, ele se levanta.

- meu Deus.

- ei, tá tudo bem.

- como assim tá tudo bem, Eduardo? Olha pra você.

- é, eu que estou com o olho roxo dessa vez.

Meu senso de humor um tanto negro não funcionou. Felipe está quase chorando.

- ei, calma. Não precisa ficar assim. Eu estou bem, falo sério.

- eu não vou perdoar minha mãe. Ela não podia ter feito isso.

Eu estremeço. Paula?

- como assim?

- eu acordei hoje e minha mãe já não estava mais em casa. Sua mãe ligou pro meu celular, que estava na sala, e meu pai atendeu. Sua mãe estava desesperada atrás de você, e disse que minha mãe havia ido até sua casa para dizer que estávamos namorando, que você havia mudado minha cabeça e que precisavam fazer alguma coisa pra nos proteger, que eu não podia namorar com você, e que eu não correria o risco de sofrer preconceito por você. Seu pai ficou transtornado. Acho que logo depois você chegou.

Filha da puta. A que ponto ela chegou?

- então, meu pai e ela discutiram feio, e ela foi embora.

- o que ela fez não tem perdão, Felipe.

- me desculpa.

- não precisa se desculpar, você não tem culpa. Mas sua mãe precisa entender limites. Caramba, olha o que aconteceu por causa disso.

Ele está de cabeça baixa, então decido parar. Ele não merece ouvir isso. E apesar de tudo, é sua mãe. Aquela vadia. Meu sangue ferve, pois eu deveria saber desde a discussão deles em Porto Alegre, a vinda repentina, que havia algo errado. Mas eu nunca imaginava que ela chegaria nesse ponto. Percebo que Felipe está chorando, e não sei se é por sua mãe ou por mim, ou pelos dois, mas eu o abraço.

Acho que a cabeça dele deve estar tão bagunçada quanto a minha.

- ei, não chora. Eu estou aqui com você. Sempre vou estar.

Ele levanta a cabeça e sorri, agradecido.

- você sabe pra onde ela foi?

- provavelmente pro apartamento em Porto Alegre.

- sinto muito que isso esteja acontecendo.

Ele me olha, um pouco confuso.

- Edu, não é sua culpa. Você não precisa sentir muito. Ela fez algo, e está pagando por isso.

- eu sei, mas é que de um dia pro outro mudou tanta coisa, tá tudo uma bagunça.

Ele me abraça, e eu me sinto, pela primeira vez desde ontem pela manhã, antes de sair do taxi, uma paz e um alívio, só por estar com ele.

- eu também estou aqui com você, e sempre vou estar. Temos um ao outro, e é isso que importa.

Acho que meu mundo fica com um pouco mais de luz depois de ouvir isso. Começo a sentir o chão sob meus pés novamente. O chão que me foi tirado quando eu entrei em casa ontem.

Estou assistindo TV na sala quando minha tia chega. Ela está um pouco molhada pela garoa que acabara de começar.

- oi Edu.

- oi tia. Tudo bem?

- tudo sim. O clima lá no restaurante não está dos melhores, mas tá tudo bem.

- imagino. – sinto uma pontada de tristeza, imaginando a situação que minha mãe e ela vivem ao lado do meu pai. Sinto que a culpa é minha. Logo tento afugentar esse pensamento. – tem comida pronta, se você quiser.

- só vou trocar de roupa e tomar um banho. Volto em um minuto.

Quando ela retorna, a mesa já está arrumada. Eu não havia jantado ainda, esperando por ela. Sinto falta dessa tradição lá de casa, não quero perder isso.

- preciso de um emprego. – digo enquanto termino de servir a comida.

- eu acho que tem um amigo meu que tá precisando de gente pra trabalhar com ele. Se você quiser, eu falo com ele.

- eu adoraria, tia.

- eu falo com ele amanhã.

Ficamos por alguns segundos em silêncio. Lembro que faz quase dois dias que não vejo minha mãe. Meu coração se aperta.

- tia?

- oi.

- como tá a mãe?

Nesse momento, meus olhos começam a lacrimejar.

- ela tá sofrendo muito por tudo o que aconteceu Edu, e sente muito a sua falta.

- eu também sinto muito a falta dela. Não queria que as coisas tivessem sido assim.

- ninguém queria, Edu. E você não precisa ficar se martirizando, pois você não tem culpa.

Eu seguro a mão de minha tia sobre a mesa, em um gesto de agradecimento.

O dia amanhece chovendo. Aproveito para ficar enrolado no cobertor assistindo filme na sala e comendo besteiras. Meu celular toca. É minha mãe. Meu coração se aperta, eu estou com tanta saudade.

- mãe?

- meu filho.

Sua voz já é chorosa.

- você tá bem?

- eu to indo Edu. As coisas não estão fáceis.

- eu sei, e eu me sinto mal por tudo isso. Espero que não tenha sobrado pra você.

- eu estou bem, não sobrou nada pra mim. Eu e seu pai não nos falamos direito desde aquele dia.

- e ele tá bem?

- ele parece bastante frustrado, triste. Mas não bebeu mais desde aquele dia.

- fico feliz, queria muito que ele parasse.

Escuto ela chorando mais.

- o que foi mãe?

- eu não sei o que fazer Edu. Preciso cuidar do seu pai em relação a bebida, mas sei que você também precisa de ajuda.

- ei mãe, eu estou bem, falo sério. Mas você tem que cuidar é de você também. Você já ocupa seu tempo no restaurante e ainda cuida da casa e família. Não seja tão aflita. Os outros conseguem se virar um pouco sem você.

- eu sei, obrigado filho. Aqui no restaurante tá uma correria, eu preciso ir agora.

- tudo bem. Obrigado por ligar, eu estava com saudades mas não sabia se você podia falar.

- eu vou tentar ir ai na sua tia te ver ainda essa semana. Se cuida meu filho. Te amo.

- eu também te amo mãe.

Quando desligamos, eu desabo. Tinha conseguido não chorar até agora, mas ouvir minha mãe foi demais pra mim. Eu tiro tida a tristeza e a angústia que estava presa em minha garganta.

Quando minha tia chega de noite, eu havia acabado de tirar o frango do forno.

- Edu, tenho uma noticia boa.

Fátima parece eufórica.

- o que foi tia?

- falei com o Humberto, meu amigo, e ele quer que você já conhece lá na floricultura amanhã. Pode ser?

Meus olhos brilham.

- caramba, obrigado tia! – digo enquanto eu a abraço forte e a beijo no rosto.

As coisas estão começando a se ajeitar novamente.

Mal consigo dormir de ansiedade. Quero que amanheça logo.

Quando o celular toca o despertador, corro pra escolher a roupa e tomar banho. Eu escolhi uma polo azul escuro e jeans. Chego na frente da floricultura e respiro fundo. Um frio na barriga aparece repentinamente. Entro e logo avisto Humberto. Aparenta ter uns quarenta e tantos anos, mas bem conservado. Olhos azuis, cabelo já grisalho, mas com boa aparência.

- bom dia, eu sou o Eduardo, sobrinho da Fátima.

Ele me olha e seu rosto já se anima ao escutar meu nome.

- ah, olá filho! Como você está?

- eu vou bem, obrigado. E o senhor?

- ah me chame de Humberto, não precisa de formalidades. Venha, vou te mostrar a loja.

O prédio é consideravelmente grande pra uma floricultura. Há o cômodo da frente, muito bem arejado, cercado com grades e livre de paredes justamente para as plantas receberem a luz e o calor necessário. Mais à frente, o balcão do caixa, e uma porta que dá pros fundos, onde há o banheiro, uma pequena cozinha com uma mesa, geladeira, microondas e pia. No quintal dos fundos, uma área coberta onde fica o restante das plantas numa espécie de estoque. Após me explicar tudo como funciona, eu já começo a trabalhar. Troco algumas flores de lugar, varro o chão para tirar a terra que caiu dos vasos. A manhã passa rápido, e quando vejo já é meio dia. Não havia levado nada pra comer. E estava me batendo fome.

Estou carregando alguns vasos para a frente da loja quando avisto Carlos entrando, e fico espantado. O que ele faz aqui? Olho para sua mão, e há uma marmita enrolada em uma sacola. Meu coração de aquece.

- ei garoto, quanto tempo.

Estranhamente, eu havia sentido falta de Carlos.

- ei Carlos, como você está?

- eu vou indo. Como tá o emprego novo?

- comecei hoje. Estou gostando.

- que bom, fico feliz por você. Espero que você esteja bem.

- eu estou. Obrigado pela preocupação.

- olha, sua mãe mandou pra você. Ela mandou dizer que está com saudades. Mandou boa sorte no novo emprego.

Santo Cristo, toda vez que ouço falar sobre minha mãe eu sinto vontade de chorar. Quero tanto vê-la, mas com meu pai na cola é impossível. Engulo em seco.

- fala pra ela que eu também to morrendo de saudades. E agradeça a comida por mim.

Ele me da um breve abraço, e segue porta afora. Eu vou para a cozinha aquecer a comida. Humberto está no caixa mexendo em alguns papéis.

- quem era Edu?

- ah, era Carlos, funcionário lá do restaurante. Me trouxe o almoço.

Ele volta para seus papéis e eu sigo para os fundos. Estava com saudade da comida da minha mãe. Como com gosto. Pela tarde, Humberto me ensina como operar o caixa, e me mostra algumas coisas importantes, que eu anotava em uma folha para levar pra casa depois. O dia foi fraco de movimento, mas passou rápido. Me despeço de Humberto e sigo pra casa. No caminho, ligo para Felipe.

- ei.

- oi Edu, como você tá? E como foi o primeiro dia?

- eu estou bem, trabalhar lá é ótimo. O dia passou rápido.

- que bom. E eu estou com saudade de você.

- eu também estou. A gente pode se ver amanhã?

- claro. Você quer vir aqui em casa? Minha irmã está vindo nos ver, e ela quer te conhecer.

- claro, vou adorar conhecer ela. Você me encontra aqui na loja depois que fechar?

- vou esperar ansioso.

Eu sorrio pelo telefone, e percebo que ele também.

- eu vou indo. Te aviso quando chegar em casa.

- tudo bem, se cuida. Te amo.

Eu suspiro ao ler a última frase.

- também te amo.

Quando minha tia chega, estou eufórico por meu dia. Tenho muita coisa para contar.

Durante o almoço, Carlos aparece novamente com uma sacola de marmita. Dessa vez, havia um pequeno pote em cima. Acho que é sobremesa.

- assim eu vou ficar mal acostumado. – falo enquanto pego a sacola.

- sua mãe faz questão de te mandar comida todos os dias, assim você não precisa se preocupar. Eu trago pra você.

- obrigado, Carlos.

Humberto chega e se junta à conversa.

- olá, tudo bem? Carlos né?

Humberto estende a mão para cumprimentá-lo.

- isso.

- prazer, Humberto.

Não sei se é impressão minha, mas surge um clima diferente. Eu observo os dois, que se olham brevemente enquanto se cumprimentam, mas de uma forma um tanto estranha. Ou pode ser coisa da minha cabeça. Após Carlos ir embora, vou almoçar.

- Edu, pode vir aqui um momento?

- claro.

Humberto está fazendo algumas anotações nos fundos, e presumo que seja da mercadoria que chegou esta manhã.

- esse Carlos, ele é solteiro?

Me sinto surpreso pela pergunta.

- acho que sim.

- bom, e você acha que...

Ele não termina a pergunta, visivelmente sem jeito.

- Carlos? Bem, eu não sei. Na verdade, eu nem desconfiava de você.

Ele sorri, e parece um pouco mais aliviado.

- mas eu vou me manter informado. Se souber de algo, te aviso.

Caramba, meu chefe é gay! Como que eu não havia reparado? Na verdade, pra mim ninguém parecia gay nessa cidade. Ou talvez todos soubessem disfarçar bem. Rio comigo mesmo.

Quando a loja fecha, eu tiro meu uniforme e me despeço de Humberto. Quando chego do lado de fora, Felipe me esta me esperando logo adiante, quase na esquina. Eu sorrio automaticamente quando o vejo e ele me retribui.

- oi.

- oi.

Queria muito o abraçar, ou até o beijar, mas nossos olhares já são suficientes.

- ansioso pra conhecer a Lívia?

- com certeza. Ela já chegou?

- já, faz pouco tempo. Ainda estava desfazendo as malas quando eu sai.

- e como ela reagiu quando soube sobre a sua mãe?

- ela ficou espantada e triste, mas ela também conhece a mãe que tem. Não foi assim tão inacreditável.

Decido não falar nada. Eu me sinto mal por toda a situação.

Ao chegarmos, já ouço a conversa alta antes mesmo de entrar dentro da casa. É a primeira vez que estou na casa de Felipe, e fico impressionado. É uma casa linda. Um tanto moderna, branca, com grandes janelas de vidro que ocupavam quase toda a altura dos cômodos e um gramado verde vivo. Podia avistar a piscina, ao fundo. Ao entrar, já avisto a família toda na cozinha, enrolada preparando o jantar. Lívia é linda. Jovem, com cabelos castanhos de comprimento médio, levemente ondulados, presos em um rabo de cavalo. Está usando um vestido floral super jovial, e rasteiras com pedras na parte dos dedos. Sua pele é levemente bronzeada.

- então esse é o famoso Edu?

Ela grita ao nos ver.

- eu mesmo, fico feliz em finamente te conhecer, Lívia.

Me aproximo e lhe dou um abraço caloroso.

- gente como você é bonito! Felipe não havia me dito isso.

Acho que ruborizo.

- estamos atrapalhados com a comida Edu, e a gente sabe que você entende do assunto, não queremos fazer feio.

- oi César, eu fico feliz mas não precisam se preocupar não. Eu não sou de frescura. Mas o que tá saindo ai? O cheiro está ótimo.

- panquecas e arroz de forno.

- finalmente eu vou comer comida de verdade. Lá em São Paulo é tanta correria, que não me alimento do jeito que eu deveria.

- quero bolo de chocolate!

Pedro grita da sala onde assiste televisão.

Todos nós rimos.

- acho que não temos todos os ingredientes.

- não se preocupa pai, eu vou buscar. Você me empresta o carro?

Ele a analisa, com uma sobrancelha levantada.

- qual é pai, eu dirijo bem.

- tudo bem. Mas juízo.

- Edu, vem comigo?

Fico surpreso com o convite, mas aceito na hora.

Estamos a caminho do mercado. Ela dirige talvez um pouco rápido demais, mas é habilidosa.

- então, o que você pretende fazer depois que a escola terminar?

- eu planejo ir pra Porto Alegre pra fazer gastronomia.

- Porto Alegre? Corajoso. Acho que a gente pensa da mesma forma.

Fico feliz pelo elogio. Não havia me encarado como corajoso até agora. Cabeça dura talvez. Mas não corajoso.

- e como é São Paulo?

- sabe, eu vivo uma relação de amor e ódio com São Paulo. É caótico, perigoso, estressante, mas eu amo lá. Acho que se saísse de lá algum dia eu morreria de saudade. Logo quando eu cheguei eu fiquei assustada. Quase voltei chorando pra casa. Mas meu sonho era maior que meu medo, então eu fiquei. Por isso acho que você vai gostar de Porto Alegre. É grande, pode assustar um pouco, mas lá é cidade pra quem corre atrás dos sonhos, feito você.

Sorrio pra ela em agradecimento.

- você já falou com a sua mãe? Avisou que chegou?

Sua expressão muda um pouco, como eu esperava. Acho que não deveria ter perguntado isso.

- ainda não. Eu estou com saudades dela, mas o que ela fez foi ruim. Ela merece ficar um tempo pensando um pouco mais nas atitudes dela. Mesmo ela tendo os motivos dela, você e meu irmão não tem culpa.

- motivo? Qual motivo?

Ela parece organizar os pensamentos para transformar em palavras.

- na verdade, isso é algo que ela não comenta com quase ninguém. Quando ela era pequena, e ainda morava em Curitiba, cidade onde ela nasceu, os pais dela estavam em crise no casamento. Um tempo depois meu avô saiu de casa, e logo veio a tona que ele estava tendo um caso com outro homem muito antes da separação. Minha mãe tem um trauma muito grande por causa disso.

- então é por isso que ela não aceita a opção sexual do Felipe. Por trauma.

- exato.

De repente, eu já não sinto mais ódio dela. Sinto pena. Ela tem uma mente perturbada por um trauma do passado, e isso a afetou quando percebeu o que acontecia entre Felipe e eu.

- mas e como ela reagiu quando ela soube sobre o Felipe?

- meu irmão sempre deu sinais desde pequeno. Ela teve tempo pra se preparar, pra quando chegasse o dia que ele se assumisse. Mas ela não conseguiu. Sempre evitou o assunto, chorava escondida. Eu já vi ela muitas vezes assim. E uma espécie de cicatriz não curada dela.

- e ela tem contato com o pai?

- não, meu avô morreu quando eu era pequena. Acho que isso fez tudo piorar. Ela não teve chance de voltar a falar com ele.

- eu sinto muito.

Ela me lança um olhar confortante, e eu decido não perguntar mais nada.

O resto da noite foi muito agradável. Lívia contou suas aventuras em São Paulo, enquanto estávamos reunidos na sala. Me diverti muito. Na hora de ir embora, me despeço de todos, mas em especial Lívia. Sinto que havia feito uma amiga.

- adorei te conhecer. não demore pra voltar aqui.

- eu também adorei te conhecer Edu. E quando puder pega meu irmão e vão me visitar. Me sinto sozinha as vezes lá. Ia adorar mostrar a cidade pra você.

- a gente combina tudo. Se cuida.

Dou um abraço e sigo para a rua. Felipe me acompanha.

- obrigado pela noite. Adorei conhecer a Lívia.

- tenho certeza que ela também adorou te conhecer.

- eu preciso ir. Tá tarde.

- eu te levo até o ponto.

- não precisa, aproveita ai com a sua irmã.

- certeza?

- certeza.

- quero te ver amanhã de novo. Na verdade, eu queria te ver todos os dias.

Ele se aproxima e me beija. Eu sinto sua boca quente e seu beijo úmido. Senti falta disso.

Então eu sigo até o ponto de ônibus e vou para casa, perdido em pensamentos sobre o que descobri sobre Paula hoje. Eu começo a entender o lado dela. Não justifica o que ela fez, mas ela tem sérios problemas com isso.

Estou na floricultura. Havia acabado de chegar. Humberto teve que sair pra resolver alguns problemas da loja, e eu estou cuidando de tudo. Estou trocando um vaso que está rachado quando percebo que alguém entrou na loja. Rapidamente me levanto, e quando o vejo, tomo um susto. Meu pai está parado bem em minha frente, o rosto surpreso. Ele sabia que eu trabalho aqui? Provavelmente não. Meu coração está acelerado. Ninguém fala nada. Eu tento falar algo, mas minha mente não forma nenhuma frase. Merda.

Comentários

Há 5 comentários.

Por Dougglas em 2015-12-25 06:41:02
Simplesmente incrível... Eu estou muito apaixonado por essa história haha. Andei procurando alguma que tivesse um enredo atrativo e uma escrita boa, e acabei descobrindo essa. Você ganhou um fã assíduo rsrsrs. Adorei os. Assuntos tratados nesse capítulo. Eu sei bem como é o sentimento do Edu no começo do capítulo, e fiquei feliz quando vi as coisas se resolvendo mesmo na confusão toda. Adorei a Livia, e todo o motivo pelo comportamento da Paula. Eu fiquei tão apaixonado por essa história que fiz uma conta e tô voltando agora mesmo pra deixar meu comentário nos capítulos anteriores. Parabéns.
Por Niss em 2015-08-11 00:40:55
Acho bom a segunda temporada mesmo viu hahaha
Por Luã em 2015-08-10 16:34:15
Oi galera! Tudo bom? Tem capítulo novo, acabei de postar! E tenho uma noticia boa pra vocês. A história agora já tá indo pro final, mais uns 5 ou 6 capítulos e acabou ): Maaaas, eu pretendo fazer uma segunda temporada! Já tenho o projeto pronto. O que vocês acham? Abraços!
Por Niss em 2015-08-06 23:26:08
Meu oxigenio ta acabandoooo. genteee é muit emoção pra um só capitulo. Gostei bastante da Livia, confesso que mesmo com esse trauma da Paula, ela não deveria descontar nos outros, mas, fazer o que. Espero o proximo capitulo. Kisses, Niss.
Por luan silva em 2015-08-06 09:04:06
ja quero e preciso do proximo..