05. Seguindo em frente

Conto de Luã como (Seguir)

Parte da série O garoto da mesa 09

Sua voz marcante atende do outro lado.

- fala caipira!

- oi.

Que droga. Minha voz sai muito chorosa, mesmo eu tentando não transparecer.

- Edu? Aconteceu alguma coisa?

- você pode vir me buscar aqui no apartamento?

- claro, mas o que houve?

Nessa hora, eu não consigo mais me controlar e começo a chorar novamente. Ela ouve e fica mais preocupada.

- Edu você tá chorando? O que aconteceu?

- nada, só vem me buscar logo por favor.

Ela não responde, apenas desliga o celular rapidamente. Agora estou do outro lado da rua, sentado na calçada. Minha cabeça dói. Como Felipe é sujo. Sinto nojo de ter beijado sua boca, de ter feito sexo com ele, de ter dito que o amava. Vejo Caio saindo com o olho roxo. Provavelmente por causa do meu soco. Mas ele parecia um pouco mais machucado. Será que os dois brigaram? Ele entra em seu carro, que até então eu não tinha percebido, mais acima na rua, e sai cantando pneu. Eu poderia ir até ele e terminar o que eu comecei lá em cima, mas não quero. Não preciso disso. E não estou tendo forças pra fazer nada. A decepção é tão grande que me deixou atordoado. Pouco depois o carro de Marina estaciona na frente do prédio, me tirando dos meus pensamentos. Eu me levanto enquanto ela sai do carro, e ao me ver, atravessa a rua. Eu começo a chorar e a abraço, não sabendo como começar.

- ei, o que aconteceu?

- Caio.

- o que tem ele?

- eu o encontrei no quarto com Felipe.

Ela se afasta um pouco para me olhar, abismada. Depois, me abraça mais forte.

- não acredito nisso.

Começo a controlar um pouco o choro para poder falar.

- eu preciso de um lugar pra ficar.

- você vem comigo.

- minhas coisas estão lá em cima.

- eu pego. Aproveito e já falo algumas coisas que o Felipe precisa ouvir.

- não precisa. Nem se dê ao trabalho. Só pega algumas roupas minhas e a minha mochila que eu deixei na porta do quarto.

- Ok.

Ela me solta e vai em direção ao prédio, entrando e sumindo da minha visão. Eu espero que ela não demore. Estou louco pra sair daqui. Sair daqui e nunca mais ver a cara de Felipe na minha frente. Cerca de quinze minutos depois ela está de volta, com minha mochila de antes e mais uma mala de viagem. Sua expressão é raivosa.

- aquele cínico.

- o que foi?

- estava se fazendo de desentendido. Quase dei uns tapas na cara dele pra ver se ele se manca.

Nessa hora eu quase rio, imaginando a cena. Ah Mari, como eu agradeço pela sua amizade.

- vem, vamos embora.

Ela passa o braço em minha volta, me guiando até o carro. Eu estou com o coração aos pulos, querendo saber o que aconteceu lá em cima quando ela chegou, o que ele falou, como ele estava, mas não vou perguntar nada. Não preciso saber de nada. Estamos agora indo em direção à república, enquanto Marina escolhe bem as palavras pra perguntar o que havia acontecido lá.

- eu simplesmente entrei no quarto e enxerguei ele dormindo de cueca, e Caio estava lá de cueca também. Aquele desgraçado.

Lembrar seu rosto faz a raiva me inundar novamente.

- se você quiser a gente procura ele outra hora e quebra a cara dele. Mas não agora. Não pensa nisso agora. Vamos apenas ir pra casa.

Logo ela estaciona em uma casa muito charmosa, com um muro não muito alto e com grades brancas. Ela me ajuda com minhas coisas e faz a frente, abrindo a porta para eu passar. Logo de cara já vejo um menino e uma menina na sala assistindo televisão, com um pote de pipoca repousado no sofá. O menino está deitado no sofá maior, com uma camiseta do Star Wars e calção de pijamas. A menina está vestindo uma calça de moletom e uma regata, sentada no chão próximo ao garoto, dividindo a pipoca. Logo quando me veem se ajeitam, um tanto surpresos.

- ei gente, temos um novo membro na família. O Edu vai ficar com a gente a partir de agora.

Eles não conseguem evitar a expressão de surpresa e curiosidade, pelo fato de sem mais nem menos eu aparecer lá com minhas coisas. Tento fazer minha melhor cara alegre, mas não tenho tanta certeza de que fui convincente.

- Edu esses são Bernardo e Bárbara. Gente, esse é o Edu.

Cumprimento eles e não posso deixar de notar na beleza dos dois, cada um com suas particularidades. Bernardo é muito parecido com Marina. Cabelos ruivos naturais, curtos e bagunçados, pele clara, algumas sardas tímidas no rosto. Os olhos são de um verde diferente, com traços de castanho. São profundos, intrigantes. Ele tem um furo no queixo também, lhe dando um charme a mais. Seus traços são fortes e marcantes. Não é nem muito magro, e nem definido. Tem um corpo normal. É um garoto lindo, com uma beleza exótica. Já Bárbara é uma negra linda. Corpo de modelo, cabelos naturais bem armados estilo black power, mas que lhe dão um ar delicado. Seu sorriso é lindo também, de um branco impecável.

- finalmente estou conhecendo o famoso Eduardo.

Bárbara se levanta e me da um abraço amistoso, e eu me sinto bem vindo.

- antes tarde do que nunca né?

- com certeza.

Marina me leva até um quarto, onde eu deixo minhas coisas. Depois eu arrumo tudo. Não estou com disposição pra isso agora.

- olha fica a vontade Edu. Aqui é o quarto do Bernardo. Se você não se importa, é o único quarto que tem uma cama vaga. Se caso você preferir, pode ficar no sofá.

- aqui tá ótimo amiga, obrigado.

- não tem que agradecer.

Eu lhe olho emotivo e lhe dou um abraço.

- para com isso caipira. Deixa de ser fresco.

Tudo bem, vejo que não vou poder ter momentos emotivos com ela. Eu sorrio e ela me deixa a vontade para eu me instalar. Então decido trocar de roupa e me juntar a eles para o filme. Acho que isso pode me distrair um pouco. Deixo meu celular no quarto. Não quero ficar checando de minuto em minuto para ver se há alguma ligação ou mensagem dele. Quero simplesmente esquecê-lo. De verdade. Quando retorno para a sala, Marina está na cozinha, e eu sinto um cheiro bom. Vou até ela para ver o que é. Ela está fazendo brigadeiro de panela. Isso parece perfeito. Pipoca, brigadeiro, filme, boa companhia. Isso me ajudaria a esfriar a cabeça. Eles alugaram um filme de comédia, que eu não havia ouvido falar até agora, mas que parece ser bom. No final, me rende boas gargalhadas.

Estou arrumando a cama de solteiro que estava sobrando quando Bernardo entra no quarto. Estava com a cabeça longe, e o barulho me faz dar um pulo.

- te assustei?

- não, é que eu tava com o pensamento longe.

- tá tudo bem?

Eu respiro fundo. Não sei se quero falar sobre isso.

- se não quiser falar, tá tudo bem.

- não, tudo bem. Só que é complicado.

- problema amoroso?

Eu balanço a cabeça, rindo sem motivo. Acho que é mais fácil rir do que chorar.

- eu sei como é. Eu também me decepcionei com uma pessoa há pouco tempo. No começo dói, mas passa.

E então, o olho por um instante. Ele tem um jeito tímido, mas parece ser sábio.

- era namoro sério?

- mais ou menos. A gente se conhecia há um tempo. Trabalhávamos no mesmo lugar. Comecei a gostar dele, mas ele não me falou que tinha namorado. Estávamos saindo há duas semanas quando o namorado dele deu o flagra. Me senti um lixo. Um destruidor de relacionamentos.

- você não sabia.

- sim, não sabia. Mas mesmo assim me decepcionei. A gente tenta achar um jeito de colocar a culpa em nós mesmos. Mas no final, acabamos descobrindo que apenas não era pra ser.

Fico em silêncio, refletindo sobre o que ele acabou de dizer. Ele se deita na cama, me desejando boa noite, e eu respondo, quase que automaticamente, ainda com a cabeça no mundo da lua. Ele tem razão. Não é minha culpa. Poderia pensar que é porque eu sou menos bonito, ou porque não sou rico, ou não tão interessante. Mas não. Eu sou perfeito pra mim. Eu me basto, e tenho certeza que há alguém que vai me achar suficiente, sem me prometer o mundo e depois transar com o primeiro cara gostoso que aparecer dando mole. Mas uma coisa que Bernardo não sabe – e nem sei se poderia compreender – é que ser machucado por Felipe é muito mais complexo do que parece. Quando o primeiro amor é forte o bastante para te mudar completamente para o bem, tornando você alguém que você nunca pensou que seria, ele tem a mesma proporção de te destruir quando tudo acaba.

Minha semana se resume em ignorar as chamadas de Felipe e excluir suas mensagens sem ao menos lê-las. Por que ele não poupa seu esforço? Na terça, eu o vejo na saída da faculdade. Estava no portão, seus olhos me procurando na multidão. Eu tento passar despercebido entre os outros, tentando não deixar Marina perceber sua presença.

- Eduardo!

Droga. Ele me viu. Sua voz ecoa na minha cabeça, fazendo meu coração subir na garganta. Eu não quero passar por isso. Ele se aproxima e eu fico parado, sem saber o que fazer. Marina está parada do meu lado.

- Eduardo, a gente precisa conversar.

- não tem nada pra conversar.

Dou um passo pra frente, querendo sair de perto dele, mas ele me fecha. Marina fecha o punho, ficando com uma expressão dura.

- você não ouviu ele? Ele não quer conversar.

- não Marina, tá tudo bem. Ele já entendeu. Não é , Felipe?

Ele me olha sem dizer nada, e libera passagem. Me sinto destruído. Por que ele torna tudo tão mais difícil? Estamos indo em direção aonde o carro de Marina está estacionado, enquanto tento me acalmar. Meu coração fica agitado enquanto eu lembro de seu rosto abatido, olhos fundos, barba mal feita. Não sei por quê ele está assim. Foi ele quem escolheu isso. Por isso não consigo sentir pena. Agora o caminho está livre pra Caio, e espero que eles consigam ser felizes juntos. Mas o fato é que eu também não estou conseguindo superar tão bem tudo isso. Queria muito ser durão, não sentir nada, mas é impossível, depois de tudo o que a gente viveu e planejou. Esse filho da mãe. Minhas noites ficam mais longas e mal dormidas, e eu começo a ficar muito ansioso.

Estou terminando de lavar a louça quando Marina me assusta, chegando sem avisar.

- Edu, larga isso ai.

- o que?

- vem, vamos nos arrumar.

- pra que?

- vamos sair.

- ah não Marina. Eu não estou no clima.

- isso não está aberto pra discussão. Estou fazendo uma intervenção. Vamos.

- intervenção? Por que?

- por que você precisa se distrair um pouco. Vai de casa pro trabalho, do trabalho pra faculdade. Vive trancado dentro do quarto. Eu não quero te ver assim. Tá na hora de superar.

- eu já superei.

- claro que já. Agora vai se arrumar.

Eu reviro os olhos, e ela sorri. Vejo que não tento escolha. Tento tomar um banho rápido e colocar uma roupa decente. Agora já estou com minhas roupas e coisas pessoais aqui. Não sobrou quase nada no apartamento. Marina buscou pra mim no começo da semana. Não tenho ideia de onde vamos ir, então decido colocar uma camiseta básica preta, uma calça jeans e meu coturno. Estou com um ar mais adulto. Estou terminando de arrumar meu cabelo quando Bernardo surge no quarto, também arrumado e pronto.

- você também vai?

- claro. Só a Dani que não vai.

Daniela é uma menina quieta. As vezes tenho a impressão de que ela não gosta de mim, mas acho que é bobagem. Ela nunca se junta a nós quando estamos reunidos, e vive no quarto também.

Mal dá bom dia ou boa noite. Mas prefiro não pensar que seja algo pessoal. Bernardo está muito bonito, vestindo uma camiseta cinza escura com um colar prata à mostra, calça jeans e tênis. Seu cabelo ruivo está bagunçado como sempre, mas o estilo lhe cai bem. Parece um bagunçado premeditado. Nos juntamos a Mari e Barbara, que estão lindas como sempre.

Chegamos em nosso destino, e de cara me simpatizo. É outro barzinho, mas dessa vez muito mais aconchegante.

Sentamos em uma mesa um pouco afastada do palco, ainda vazio, onde um homem começará a tocar daqui a pouco. Ele agora está terminando de ajeitar as últimas coisas. Seu violão parece ser seu único instrumento. Parece ser bom. Meu celular vibra em cima da mesa. Nem precisaria olhar pra saber quem é. Mas eu olho. E é ele. Deslizo a opção de ignorar chamada na tela, e mando-o ir a merda em pensamento. Eu não quero deixar ele estragar minha noite. Mas quando vejo, o celular está tocando de novo. Que saco, ele não desiste. Bernardo parece perceber minha inquietação.

- acho melhor você desligar o celular, se quiser ficar em paz.

Eu o olho um pouco atordoado.

- não, não precisa.

Marina me olha, e já sabe o que se passa.

- Edu, me da o seu celular.

Sua voz intimidante não me deixa outra escolha. Lhe passo o telefone e ela guarda sua bolsa.

- pronto.

Eu sorrio para ela, e tento desligar meu pensamento de qualquer coisa que se ligue a Felipe. Marina e Bárbara nos pedem licença e dizem que vão até o banheiro. Logo estamos eu e Bernardo na mesa, e eu não sei puxar assunto. Ele também é um pouco tímido as vezes, o que não facilita.

Eu fico olhando o movimento do restaurante, enquanto um silêncio um pouco desconfortável paira sobre nós.

- você tá gostando de Porto Alegre?

A voz de Bernardo sai um pouco sem jeito. Ele parece estar se esforçando para não ficarmos desconfortáveis na ausência das meninas.

- claro. Digo, eu sempre quis vir pra cá. Cidade grande é mais a minha praia.

- eu sei como é. Eu também não gostava de morar na minha antiga cidade. Eu e a Marina sempre esperamos pela hora de nos formar na escola e sair de lá.

- o sonho de todos do interior. Ir pra cidade grande, né?

Nos dois sorrimos, e depois ele me olha por alguns instantes. Eu fico sem jeito, e desvio o olhar. Ah não Bernardo, isso não. Preciso continuar a conversa de uma forma amigável, pra ele não levar para outro lado.

- você não me falou qual curso você faz.

- ah, claro. Eu estudo química na UFRGS.

- uau. Isso é ótimo.

- obrigado.

- você pretende ficar aqui depois que se formar?

- bem, eu tenho planos de me mudar para a Alemanha depois que eu terminar a faculdade.

- por que tão longe?

- lá e um ótimo país. Tenho alguns amigos lá que sempre me falam para tentar a sorte. Acho que seria uma boa forma de sair daqui. E você?

- não, eu sou mais pé no chão. Minha maior loucura foi sair da casa dos meus pais e vir pra cá, mas eu estou a 3 horas de lá. Não ficaria tão longe da minha mãe.

- você é bastante sentimental.

Bernardo é bem observador. Isso não soou como uma suposição, e sim como uma afirmação.

- bem, isso é fato. Meu coração pesa muito nas minhas decisões.

- isso é uma grande qualidade. Eu também sou assim, na maioria das vezes.

- não deixa de ser um defeito também. Quando a gente se decepciona, dói mais.

- mas sempre há uma nova chance de fazer direito, né?

Eu o olho, sorrio e concordo com a cabeça. Ele sabe que tem razão. E eu também sei.

As meninas voltam para a mesa, e só agora percebo o quanto elas demoraram.

- pensei que tinham perdido o caminho.

- a fila estava grande.

Elas se sentam, e o homem no palco começa a tocar. Sua voz é suave, com um bom timbre. Está cantando uma música romântica. Isso deixa o ambiente mais leve, aconchegante. Felipe está quase invadindo meus pensamentos novamente, mas eu me mantenho firme. Tenho que seguir em frente. Há sempre uma nova chance de se fazer direito, certo? Eu vou limpar a bagunça que ele fez na minha vida, e logo vou estar melhor do que nunca. Pelo menos, vou me agarrar nesse pensamento até que eu possa fazê-lo.

Nossa noite é muito agradável, e ficamos no bar jogando conversa fora até tarde.

Estou terminando de colocar alguns livros no lugar quando olho no meu relógio de pulso. Já está na hora de ir. Vou até meu armário e troco de roupa, me apressando em pensamento porque não posso me atrasar hoje. Vamos ter uma avaliação, e será na primeira aula. Me despeço de todos pelo caminho e quando saio pela porta, meu coração para por uns instantes. Felipe está em minha frente. Ele me vê, e eu penso em voltar pra dentro novamente, mas ele me segura pelo braço.

- Eduardo, por favor.

- Tira. Sua. Mão. De mim. Eu sibilo fuzilando-o com os olhos, e ele me larga.

- você não me deu nem a chance de falar.

- e nem vou dar. Não tenho nada pra conversar com você.

- Eduardo, eu não fiz nada com Caio.

- ah serio? Vocês estavam de cueca no quarto por que? Fazia parte do projeto lá da agência?

Ele franze a testa, e eu mantenho meu olhar duro.

- eu não lembro de nada do que aconteceu, mas eu não fiz nada. Eduardo eu te amo.

- claro que ama. Agora deixa eu ir embora.

Tento passar por ele mas ele fecha minha passagem. Eu o olho e ele está chorando. Meu Deus, não faça isso Felipe. Você não tem noção do quanto isso tem sido difícil pra mim. Eu não posso chorar com você. Não posso demonstrar o quão mal estou. Tenho me saído bem com minha armadura. Não a faça cair e me desmascarar.

- eu sinto a sua falta.

- Felipe, não. Não torne isso mais difícil.

- eu não consigo mais dormir, nem comer, nem trabalhar direito desde que você foi embora.

- eu espero que você melhore. De verdade. Mas eu não posso fazer nada. Me desculpa.

Eu me livro dele, saindo de perto e caminhando o mais rápido possível sem parecer que estou fugindo, para poder desabar longe dele. Quando estou na quadra debaixo, me sinto à vontade para colocar pra fora o nó na garganta que estava me sufocando. E choro. Choro por vê-lo desse jeito. Choro por não poder fazer nada pra mudar meu sentimento por ele. Choro pelo que ele fez com a gente. Eu não aguento mais chorar. Mas não posso evitar.

Chego na faculdade ainda absorto pelo que aconteceu. Eu quero tanto perdoar Felipe e pelo menos tentar ser seu amigo. Tivemos uma história muito bonita, apesar de ter sido muito breve, e eu não queria acabar tendo ódio de alguém que foi tão importante pra mim. Mas isso seria algo que levaria tempo. Encontrar ele sempre é algo que mexe muito comigo, pelo fato de tudo ter acabado tão recentemente. Eu paro e analiso o que acabei de pensar. Acabou. Não dá pra acreditar.

- ei caipira!

Marina me assusta, chegando do nada do meu lado e me acompanhando o restante do caminho até a sala.

- você me assustou.

- tá no mundo da lua?

- mais ou menos. – digo mostrando um breve sorriso.

- você já ouviu falar da novidade?

- não. Qual?

- vão selecionar alguém daqui da faculdade pra competir naquela prova de gastronomia, daqui a duas semanas.

- boa sorte pros veteranos. A gente nem tem chance de competir.

- quem sabe. Estão todos sendo avaliados. Turma por turma.

- sério?

- sim!

Bem, eu não sei se tenho chances. Mas seria divertido. Nunca participei de nenhuma competição. Mas eu decido não criar muita expectativa.

- edu, posso te fazer uma pergunta?

- claro.

- o que você achou do meu irmão?

Eu a olho, sorrindo.

- por que a pergunta?

- só curiosidade.

- ah, achei ele muito gente boa. Bonito também.

Ela me olha com a sobrancelha arqueada, e eu reviro os olhos.

- não há nada demais Marina. Eu adorei seu irmão, mas você sabe que eu ainda gosto do Felipe.

À medida que eu ia completando a frase, minha voz ia diminuindo. Saiu quase que automaticamente.

- eu sei. Mas eu senti um clima entre vocês no bar. Acho que vocês combinam, e tá na hora de você seguir em frente, não acha?

- eu não sei. Parece cedo demais pra mim.

- meu irmão gostou de você.

Eu a olho surpreso, e ela sorri.

- gostou?

- sim. Não para de falar de você desce que você chegou lá em casa. Mas ele é muito tímido pra falar.

Eu não falo nada, apenas analisando toda a situação. Bernardo é um amor de pessoa, super simpático e tudo mais, mas eu não posso lhe dar esperanças. Eu ainda amo Felipe, e não estou pronto pra tentar um outro relacionamento, nem que seja sem compromisso.

Chego em casa exausto. Está tudo silencioso. Parece que estamos só eu e Marina por enquanto. Vou direto para o quarto tirar a roupa úmida e colocar algo mais confortável. Me deito na cama e pego meu livro que está no criado mudo para terminar de ler. Começo a me prender na história quando escuto a porta abrir. Levanto os olhos e vejo Bernardo enrolado em uma toalha, corpo molhado. Ele me vê e fica assustado.

- Edu? Desculpa. Eu não sabia que você tava aqui.

- não tem problema.

Eu não consigo deixar de olhar. Ele tem duas tatuagens no peito, um pouco abaixo de cada clavícula. É algo escrito em duas frases muito pequenas e difíceis de se ver de longe.

- o que tá escrito?

Ele acompanha a direção do meu olhar e percebe do que estou falando.

- “sabemos o que somos, mas não sabemos o que poderemos ser.”

- isso é Shakespeare?

Ele sorri, tímido.

- sim.

- legal.

Eu abaixo meus olhos para meu livro novamente, deixando ele a vontade para trocar de roupa. Ele vai até seu guarda roupa e pega um calção, uma cueca e uma camiseta e sai novamente do quarto. Poucos minutos depois ele volta, já vestido pra dormir. Eu estou concentrado no meu livro enquanto ele se deita e me deseja boa noite. Eu o respondo e continuo lendo. Não quero o incomodar com a luz ligada, então vou até o interruptor e a desligo, deixando a luminária ligada ao meu lado, no criado mudo. Olho para ele, que está virado para o canto, em direção à parede. Ele é encantador. Educado, bonito, atencioso, sincero, decidido. Não consigo parar de pensar no que Marina me disse mais cedo. Ele está gostando de mim. Eu tenho esse cara incrível querendo ficar comigo, e eu estou sofrendo por outro que me traiu. Por que a gente não consegue mandar na droga do nosso coração? Seria tão mais fácil gostar de Bernardo em um estalar de dedos e esquecer quem eu realmente amo. Mas não dá. Não é assim tão fácil. Por que seria? Eu balanço a cabeça, achando que estou ficando louco. Talvez eu não consiga controlar meus sentimentos, mas posso me esforçar para tirar o que me faz mal de dentro do meu peito. Isso seria um grande favor para mim mesmo. Volto a ler mais um pouco até o sono me vencer, e acabo dormindo.

Estou sentado na mesa da cozinha tomando um copo de suco. Está chovendo lá fora, o que me faz ficar com cara azeda. Seria perfeito se eu pudesse ficar o dia todo embaixo das cobertas. Olho para o calendário e me assusto. Já fazem duas semanas que eu estou morando com Marina. O tempo está voando. E eu estou criando uma amizade muito bonita com Bernardo. Ficamos conversando todos os dias até tarde antes de dormir, e eu já sei muito sobre ele, assim como ele também sabe bastante coisa sobre mim. Felipe já não me incomoda tanto. Quer dizer, ainda há algumas chamadas e mensagens que eu preciso ignorar, mas acho que ele finalmente está percebendo que eu estou falando sério quando digo que não vou voltar. Meu coração já não acelera feio louco quando ouço seu nome, e não estou mais sofrendo tanto por sua falta. No fim das contas, acho que estou superando. Pelo menos, espero estar. Bernardo surge na porta já arrumado, com sua mochila nas costas.

- bom dia.

- bom dia.

Ele vai até o armário e pega um copo limpo e serve um pouco de suco também, se sentando do meu lado.

- dormiu bem?

- sim, e você?

- também. Queria ficar mais, essa chuva não me encoraja a sair de casa.

- somos dois.

- mas eu não queria ficar em casa hoje. É sexta feira, e eu não saio há tempos.

- se você tua irmã te ouve falar isso, ela ficaria indignada e perguntaria se você tem medo de chuva.

Nos dois sorrimos, e eu lembro da vez que ela me disse isso. No aspecto de comportamento, eles são muito diferentes.

Ele fica pensativo por uns instantes.

- Edu, você tem algum compromisso hoje depois da aula?

- não, por que?

- você quer dar uma volta?

Seu rosto está da cor de um tomate quando ele termina a frase, e eu acho isso fofo. Mas eu não posso dar esperanças pra ele. Mas penso que não teria nada demais em dar uma volta sem segundas intenções, apenas como amigos. Afinal, é isso o que somos.

- claro, acho uma boa.

Seu sorriso é radiante. Ele fica um pouco atrapalhado pela ansiedade, se levantando para levar o copo até a pia.

- legal, eu te encontro na frente da faculdade depois que você sair.

- por mim tá marcado. Te espero lá.

- legal.

Ele reprime um riso, e eu não sei o que pensar. Talvez eu deva deixar as coisas acontecerem naturalmente, e ver no que dá. Alguma hora eu preciso seguir em frente, e no mínimo Bernardo pode ser um ótimo amigo.

Meu dia passa rapidamente, e por sorte a chuva da uma trégua no início da noite. Estou na biblioteca devolvendo o livro que eu acabei de ler, e vou até as prateleiras procurar algum outro para me manter aquecido. Marina aparece de surpresa e me da um susto. Ela sempre faz isso.

- um dia você ainda vai meu matar do coração.

- eu vi você entrando, você nem me viu. Tudo bem?

- tudo. Só estou procurando alguma coisa pra ler.

- eu e a Bárbara estamos querendo ir comer alguma coisa depois que eu sair daqui, quer vir junto?

- não dá, eu já tenho compromisso. Vou sair com o Bernardo.

Eu tento soar o mais natural possível, mas começo a rir na medida que termino a frase, sabendo qual vai ser sua reação.

- ai meu Deus, isso é ótimo! Ele deve estar pulando de alegria.

- eu sei, mas eu não quero dar esperanças. Estamos desenrolando nossa amizade, e por enquanto é só. Eu ainda não quero nada com ninguém.

- eu sei, mas eu já conversei com ele sobre isso. Ele é bastante compreensível. Não se preocupa, ele não vai misturar as coisas. Bernardo tem cabeça.

- é, eu sei. Obrigado.

Ela me abraça e diz que precisa resolver algumas coisas na secretaria antes que a aula começasse, e então sai às pressas. No final da aula, eu encontro Bernardo no portão, que está me esperando com um sorriso iluminado. Eu tenho medo de magoá-lo. Espero que ele saiba que somos apenas amigos por hora.

- e aí.

- e aí. Onde vamos?

- pensei em te levar em um restaurante super bacana no centro. O que você acha?

- é uma ótima ideia.

Seguimos tendo uma conversa calorosa sobre como foi nosso dia, até chegarmos em um prédio antigo, mas bem conservado, com um espaço ao ar livre bem ao lado da calçada, com mesas e cadeiras rústicas. Assim que entramos eu sinto o cheiro de comida, e me abre o apetite. É uma hamburgueria, muito diferente e exótica, e eu acho muito charmosa. Fazemos nosso pedido entre as muitas opções de pratos gourmet e nos sentamos no lado de fora, para apreciar a vista noturna da rua. Bernardo me conta um pouco sobre sua ideia de ir pra Alemanha, enquanto tomamos nossa cerveja esperando nossos hambúrgueres. Ele parece animado com a viagem. Eu queria ter a coragem dele. Sair pra longe, começar do zero sem conhecer absolutamente ninguém, numa cultura nova. Deve ser uma experiência ímpar. Estou animado ouvindo seus planos e falando sobre os meus, enquanto eu olho para a rua. Minha garganta seca ao ver Felipe parado com o carro no semáforo, nos olhando. Mas que droga. Seu olhar é de raiva misturado com tristeza. Eu me sinto péssimo por isso, pois sei que minha noite acabara de ser arruinada. O sinal fica verde e ele permanece parado, enquanto alguns carros começam a buzinar logo atrás. Ele arranca e sai cantando pneu rua afrente, e eu me afundo na cadeira. Será que ele vai voltar? Eu espero que não. Não quero que ele crie confusão aqui.

- aconteceu alguma coisa?

Bernardo não sabia de nada do que estava acontecendo, e eu não queria falar nada para não estragar sua noite também.

- não.

- você tá pálido, parece que viu um fantasma.

Nesse instante o carro de Felipe encosta na calçada, e ele sai do carro transtornado, vindo em nossa direção.

- oi Eduardo! Tudo bom?

Bernardo olha para ele, e não parece entender nada. Seu tom é sarcástico.

Como ele deu a volta na quadra tão rápido?

- o que você tá fazendo aqui, Felipe?

- quis checar de perto pra ver se era você mesmo, já que eu não queria acreditar no que meus olhos viram. To vendo que você superou rápido hein. Parabéns.

Ele começa a bater palma alto, e as pessoas começam a nos olhar. O circo está armado.

- Felipe, para.

- por que? Tá com vergonha? Você banca o bom moço, me julgando sem nem saber o que eu tenho a dizer, mas não perde tempo em procurar outro cara, né? Isso é hilário!

- cara, você não tá ouvindo? Cai fora.

Bernardo se mete no meio, se levantando da cadeira com uma expressão dura, e

agora eu sinto que as coisas não vão acabar bem.

Comentários

Há 7 comentários.

Por Dougglas em 2015-12-25 22:43:27
Confusão, drama, intriga. Adoooooro kkkkkkkkkkkkkk. Eu tô amando esse clima. Ok, confesso, eu adoro um drama, um jogo se ciumes. Eu sei que provavelmente não aconteceu nada entre o Felipe e o Caio, mas com certeza não teria acontecido se o Felipe não desse brecha, e como o Edu não teve culpa nenhuma, quero mesmo é ver ele superando isso, mas não quero ver o Felipe mal. Na verdade, quero só um pouco mais de confusão pra poder ver e eles dois juntos kkk
Por Luã em 2015-09-14 03:05:52
Oi gente! Tudo bom? Sério, eu fico ansioso pra escrever o futuro dos personagens. Cada um é tão importante na história, e contribui pra tudo o que vai acontecer mais pra frente. Logo vocês vão ver os motivos e a versão do Felipe, e pode se tirar conclusões mais claras. Só sei dizer que a cada capítulo as coisas vão esquentar mais. Falar nisso, acabou de sair mais um capítulo! Corre lá pra ver! Abraços (:
Por drim_ura em 2015-09-11 12:16:56
Eu concordo com o Niss, eu já vivi uma história muito parecida como essa com o meu ex, ele tinha muitas amizades e uma dessas amizades extrapolou e deu no que deu, enfim, eu posso até ser egoísta, mais eu não gosto que quem esteja comigo ficar de abraços e intimidades com outros, ainda na mais sem a minha presença! O que é meu, é meu! Então eu apoio 100% o Edu partir pra outra! Bjos PÊ
Por em 2015-09-11 03:59:05
Essa série cada capítulo que passa fica cada vez melhor, fora a ansiedade que fico para ler o próximo. Luã parabéns pelo seu conto vc é um ótimo escritor, várias vezes que estou lendo me identifico com a história e por isso me enconto mais em casa trecho. Sou muito fã dessa série! Já quero o próximo logo rs abraços O/
Por Niss em 2015-09-11 00:49:02
Genteee... Nem sei!!! Só quero ver o Edu feliz novamente, posso até estar sendo visto como egoista, mas, ele não teve culpa de naa, e agora está sofrendo... Espero que de tudo certo!!! Kisses, Niss.
Por diegocampos em 2015-09-10 22:39:00
Espero que eles dois conversem e se resolvam
Por diegocampos em 2015-09-10 22:18:53
Cara o Eduardo devia escutar o Felipe e saber o que ele tem a dizer não achei certo o que o Eduardo fez