05. Apenas um ano (parte 02)

Conto de Luã como (Seguir)

Parte da série O garoto da mesa 09

- esse lugar não mudou nada, né? – não mesmo. Mas parece que ficou mais bonito, mais cuidado. – Felipe fala ao olhar através do lago, o vento balançando seu cabelo e sua camisa xadrez azul claro.

Agora estamos na borda da água, no Parque da Lagoa. A última vez que eu vim aqui faz quase dois anos e só de pensar que faz tanto tempo assim eu me assusto. A correria de Porto Alegre tem me afastado cada vez mais das minhas origens, por mais que eu tente não deixar isso acontecer.

- tá pensativo. O que foi? – Felipe me traz de volta ao aqui e agora, me observando com seus grandes olhos castanhos e cintilantes.

- só fico pensando em como nada muda aqui, mas que tudo parece tão diferente ao mesmo tempo.

- como assim?

Eu sorrio ao tentar reformular minha frase um pouco confusa, mas que parecia tão certa em minha mente, enquanto nos afastamos da borda e vamos em direção à pista de caminhada rodeada pelos mesmos ipês que colorem a grama e os bancos de madeira com um manto amarelo, por causa de suas flores tombadas.

- você já conversou com a Lívia? Sobre ficar com ela lá?

- já. Ela disse que se eu não ficasse, ela ficaria brava comigo. Ela adorou a ideia de me ter lá com ela.

- eu aposto que sim. Ela se sente bastante sozinha morando só ela lá. Você vai ser uma ótima companhia pra ela.

De repente, me sinto um pouco ansioso para ir. Já prevejo que vou me divertir muito morando junto com a Lívia, disso eu realmente não tenho dúvida.

- acho que São Paulo combina com você.

- sério? – olho para ele intrigado, enquanto ele me observa com a expressão brincalhona e seu sorriso de canto lindo como sempre.

- sério. Acho que lá é um lugar pra corajosos. É agitada, mas até mesmo o caos tem seu charme.

- você tem razão. Lugares pra mim e pra Livia sair não vai faltar. Dizem que as baladas de lá são incríveis.

- “dizem que as baladas de lá são incríveis” – ele me imita com a voz fina, me caçoando. – vai sonhando.

- ciumento de uma hora pra outra?

- sempre. Eu cuido do que é meu.

Mesmo a distancia.

Então, após ele me arrancar um sorriso involuntário por sua confissão fofa, eu puxo-o para um beijo. Olho para o relógio e vejo que já está ficando tarde, então seguimos de volta para a casa de minha mãe para me despedir dela. Já fomos na casa de Cesar e de Paula antes, então deixamos para que eu desse tchau para minha mãe por último. Indo em direção à saída do parque, passamos por uma parte do muro que eu não havia visto quando entramos. Está com alguns grafites realmente bonitos, todos se interligando com desenhos e frases. Mas uma delas me chama muito a atenção.

"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar."

Chego a parar por uns instantes de prestar atenção na conversa entusiasmada de Felipe sobre a próxima viagem de trabalho dele, desta vez para Fortaleza, e fico pensando em como essa frase se encaixa na minha situação. Fiquei me questionando muito nos últimos dias sobre o motivo dos meus sonhos estarem tão longe assim para eu ter que buscá-los em outro lugar que não seja Porto Alegre. Mas é isso, nossos sonhos existem justamente para nos jogar pra frente, em direção à algum propósito maior.

__

- promete que vai se cuidar lá, filho?

- prometo, mãe.

- Sao Paulo não é Porto Alegre Eduardo, se você se descuidar um segundo você pode ser assaltado. Deixa o celular sempre no bolso, não anda pela rua tarde da noite e cuidado nas estações de metrô.

- eu sei mãe, pode deixar. – falo enquanto reprimo meu riso. Ela está tendo um ataque de preocupação típica de mães, o que é muito fofo.

- Felipe, fala pra tua irmã ficar de olho nele lá, se ele não se cuidar e pra você me contar. Vou lá e busco ele pela orelha.

- pode deixar, dona Helena.

- e eu vou começar a pesquisar passagens de avião pra te ver. Santo Cristo, vou andar de avião só pra ver você, Eduardo. Tem ideia de como eu tenho pânico de andar naquele troço?

- eu sei disso, mãe. – falo enquanto eu e Felipe rimos de sua reação nervosa.

- bom, agora vão. Tá anoitecendo e não quero vocês pegando estrada tarde. Quando chegarem em Porto Alegre me avisem.

Ela para na porta e me observa alguns segundos, então a expressão de choro surge em seu rosto.

- não chora, mãe. Vai ser apenas um ano, logo eu to de volta.

- eu sei, mas eu vou ficar preocupada aqui todos os dias, filho. Se cuida, por favor.

- pode deixar, é sério. Eu pretendo voltar inteiro pra Porto Alegre.

- engraçadinho. – ela me bate com o pano de prato que estava em seu ombro, então me dá um abraço forte antes de a gente sair para o quintal. É oficial, eu estou começando a sessão de despedidas. Nunca fui muito fã disso, mas eu não acho que esteja sendo tão difícil quanto eu pensei. Pelo menos não agora. Talvez seja porque a minha ficha ainda não caiu de que daqui a dois dias eu estou indo pra São Paulo. Passar esses dias em São Valentim foi bastante importante pra mim, ficar um pouco com minha família, na minha cidade natal fez eu me acalmar e encarar as coisas um pouco melhor. Talvez minha atitude seja um pouco infantil demais, mas é que eu nunca passei um tempo tão longo distante de tudo e de todos que eu conheço, então é algo que eu ainda estou tentando digerir, mesmo que eu queira muito ir, não é assim tão fácil. Assim que eu entro no carro e Felipe dá a partida, eu aceno para minha mãe, que está parada no portão nos olhando. Ela sorri e acena de volta, então o carro começa a andar para longe do meio fio, mais uma vez deixando pra trás minha antiga casa.

- tá tudo bem? – Felipe pega em minha mão, acariciando-a.

- tá sim – lanço-lhe um sorriso sincero – mas não é fácil. Eu digo, já fizemos isso uma vez, lembra? Há quase quatro anos, mas com meu pai junto. Achei que eu já tinha me acostumado com despedidas.

- a diferença é que agora não é Porto Alegre. É São Paulo, Edu.

- é, eu sei. – suspiro fundo ao olhar pela janela, ainda com o coração apertado.

- ainda dá tempo de desistir. – seus olhos castanhos me fitam levemente esperançosos.

- eu sei, mas eu vou até o fim.

- então você tem que começar a enxergar tudo isso de uma maneira melhor, se não tudo vai ser mais difícil lá, se você mantiver esse pensamento triste. – ele pega em minha mão e a puxa para beija-la. – você vai gostar muito de lá. Essa tristeza e só por agora, por causa dessas despedidas.

- é, são a pior parte.

- mas são necessárias. São parte da tua escolha, meu amor. Mas não é pra sempre. Logo você vai estar de volta.

Eu o olho e não consigo deixar de sorrir por ver como ele está lidando bem com tudo isso.

- o que? – ele arqueia a sobrancelha, me olhando curioso.

- você tá se saindo muito bem com tudo isso. Melhor até do que eu. Me sinto orgulhoso disso.

- só to tentando encarar tudo isso de uma maneira melhor.

- eu fico feliz por isso.

Ele me olha sorrindo e então volta sua atenção a estrada. Depois disso, eu encosto minha cabeça no encosto do banco e fico observando a paisagem do lado de fora, enquanto saímos do perímetro urbano e começamos a entrar na rodovia.

De repente me vem uma pequena sensação de ansiedade.

Como será que vai ser morar temporariamente em São Paulo? Como que eu vou me virar lá?

Bom, de uma coisa eu tenho certeza: isso eu só vou descobrir com o tempo.

__

"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar."

É com esse pensamento que eu dou um último abraço apertado em Felipe, e isso me destrói por dentro. Já não consigo manter minhas lágrimas dentro dos meus olhos, então deixo-as sair, demonstrando minha angústia ao ter que escolher deixá-lo. Após sentir seu corpo contra o meu, me aproximo da entrada da sala de embarque, mas antes de entrar, olho para ele, que também já chora tentando sorrir e me dar forças, me acenando e me dizendo que me ama. Eu o respondo e sigo, parecendo que meu chão havia desaparecido dos meus pés.

"Estou fazendo isso por nós, meu amor." - repito esse mantra incansavelmente na minha cabeça, a fim de acalmar meus nervos. Enquanto minha mochila passa pela revista por raio x, penso no quão difícil vai ser passar um ano longe de Felipe. Seria egoísmo demais da minha parte pedir para ele largar tudo, justo agora que ele está no comando da agência, para ficar comigo em São Paulo. Mas eu simplesmente não posso deixar essa chance passar.

Automaticamente penso que daqui a um ano eu estarei de volta em Porto Alegre, ao lado dele novamente, e todo o sofrimento causado pela distância vai ter valido a pena. Bom, pelo menos é nisso que eu quero e preciso pensar agora.

Acordo e vejo que já escureceu e que ainda estamos na estrada. Felipe me olha e eu quase consigo ver seu rosto no meio do escuro de dentro do carro, que só está iluminado pelas luzes do painel e do rádio e também pela luz da noite lá fora.

- tá tudo bem?

- tá sim, foi só um sonho ruim.

- quer parar pra tomar uma água ou comer alguma coisa?

- não, não precisa. A gente já tá chegando?

- já sim, mais uns quinze minutos e já estamos em Porto.

- tá bom. Vou tentar descansar mais um pouco.

Me viro e tento me acalmar um pouco. Pelo menos eu não deixei Felipe ver que eu fiquei agitado por causa do pesadelo. Esse sem duvida foi um dos sonhos mais reais e mais angustiantes que eu já tive. Isso só faz eu perceber que eu não quero que Felipe vá comigo até o aeroporto. Isso só pioraria as coisas e eu talvez não tenha forças o suficiente pra entrar naquele avião. Então, eu não quero nem Felipe e nem ninguém indo comigo até lá. Prefiro ir sozinho e passar por isso sem ter que dificultar tudo mais ainda.

__

Agora eu estou sentado na mesa, enquanto Marina debate calorosamente com Felipe sobre os títulos do Internacional em comparação com os do Grêmio, mas apesar de estarmos todos bastante animados, comendo e bebendo, eu estou com meu coração apertado pelo simples fato de essa reunião ser a minha despedida dos meus amigos. Marina, Bárbara, Tais, Marcos, Patricia e Felipe estão aqui, estão aqui por mim. Eu não ando parando muito pra pensar na falta que vou sentir deles, mas de uma coisa eu tenho certeza: não quero ninguém indo comigo até o aeroporto. Nem mesmo Felipe.

Acho que principalmente se ele fosse eu não sei se eu embarcaria.

Ao fundo, o cantor do bar entoa Onde Haja Sol, do Jorge e Matheus, fazendo eu ficar ainda mais balançado pela profundidade da letra. Eu nunca parei muito pra escutar musicas nacionais, e eu sei que não devo me orgulhar disso, mas Jorge e Matheus é uma banda fantástica, com letras perfeitas e que parecem se encaixar em toda e qualquer situação da vida de quem está os ouvindo. Com meus olhos ao longe eu acompanho a frase do refrão, enquanto tento colocar na minha cabeça que um ano e pouco tempo, que passa rápido e que eu vou lá, vou ter essa experiência única pra minha carreira e depois eu volto correndo pra cá, que onde é o meu lugar.

“To indo pra onde haja sol, pois o meu coração é o meu lar.”

Talvez realmente a música tenha razão. Meu coração pode ser o meu lar. Nos últimos anos eu provei pra mim mesmo que, do contrário do que eu sempre pensei, eu não sou apenas um garoto do interior que vive na capital. Mas há algo em garotos do interior que saem em busca de algo maior em outros lugares que eu não sei explicar ao certo, mas eles são incrivelmente destemidos, buscando coragem de algum lugar dentro de si pra seguir em busca de seus sonhos. Mas sempre que eu ouço ou falo a palavra Porto Alegre, meu coração dispara. Viver aqui sempre foi minha meta natural de vida. Depois veio Felipe, que me acompanhou de volta para onde ele nasceu, então eu encontrei outra pessoa de cidade pequena em busca de sonhos na cidade grande. Marina. A ruiva mais linda e mais aloprada que eu já conheci, tendo como primeiro contato um quase atropelamento. Porto Alegre me recebeu de braços abertos desde o primeiro instante que eu cheguei. E eu sei que eu posso estar indo pra São Paulo agora, mas eu volto. Pois nenhum lugar do mundo se compara a esse lugar.

Voltando dos meus devaneios, vejo que o cantor, que até agora estava embalando a todos com sua voz e seu violão continuamente, fez uma pausa. Eu olho para o palco, que está a poucos metros de distância de mim e por alguns segundos acho que meus olhos estão me pregando uma peça.

- é, hum... Oi gente! Boa noite. Eu sei que vocês estão curtindo o nosso amigo aqui cantar, mas eu gostaria de falar algumas coisas para um grande amigo meu que está aqui hoje. – o que ela tá fazendo? De repente todos os olhares da nossa mesa se revezam entre eu e ela, além de muitos sorrisos. Só eu que não estava sabendo disso?

- meu melhor amigo tá indo embora amanhã pra São Paulo. Sabe, isso é difícil de dizer assim, em voz alta. Eu preferia manter isso trancado na minha mente, como se de alguma forma isso adiantasse alguma coisa. Mas você tá indo pra lá e não teria como ser diferente. Eu como tua melhor amiga ruivona só tenho que te desejar boa sorte e que você domine aquela cidade como ninguém. Eu sei que é apenas um ano, mas vai ser um ano bem longo longe de você, caipira.

Nessa hora tanto eu quanto ela já estamos com os olhos marejados. Caramba, ela é bastante imprevisível às vezes.

- e pra marcar esse dia, e pra você não esquecer da gente aqui em Porto, eu gostaria de cantar pra você. É uma música bastante conhecida, se chama Amigos para sempre.

Meu coração se aquece quando a melodia vinda do violão começa e ela me olha sorridente de cima do pequeno palco. Sua voz começa a ecoar pelo lugar e me parece tão doce e tão envolvente que eu me surpreendo. Não sabia das habilidades de cantora de minha melhor amiga durante todos esses anos. Será que isso é normal?

Não demora muito até que todas as pessoas acompanham a letra de suas mesas, instalando um coro no lugar e me fazendo ficar arrepiado. A sensação de acolhimento ali era intensa e eu estou sorrindo feito bobo a todo o momento, certo de que foram poucas as vezes que eu senti algo assim na vida.

Assim que ela termina de cantar e as pessoas começam a aplaudir, sinto meu rosto molhado de lágrimas. Caramba, como eu vou sentir falta dela. Minha maior amiga, minha irmã de coração, uma das poucas pessoas que eu sei que posso contar pra sempre na vida. Ela sai do palco e vem para um abraço, enquanto todos na mesa estão aplaudindo também, tão bobos quanto eu pela cena de agora.

- eu te amo, Marina.

- eu também te amo, Edu.

Quando nos desvencilhamos, mais surpresas. Felipe não está mais do meu lado como estava alguns segundos atrás. Na verdade ele está fazendo seu caminho até o palco, o que faz meu coração bater mais forte. O que e isso? O dia das declarações? É alguma tentativa de me fazer ficar com o peito apertado o suficiente pra não ir mais? Porque se for isso, eles estão quase conseguindo.

- bem, gostaria de agradecer ao nosso amigo aqui que está cedendo seu tempo pra gente. Mas eu não poderia deixar de falar algumas coisas hoje. Amanhã o dia vai ser triste demais pra pensar em algo pra dizer é também você não quer que ninguém vá com você no aeroporto, então eu vou aproveitar que hoje estamos reunidos com nossos amigos pra te dizer o quão orgulhoso eu estou de você. Eu estou orgulhoso porque você é corajoso, Edu. Você tá indo atrás dos teus sonhos em uma cidade estupidamente grande, e mais estupidamente ainda maior do que Porto Alegre. Lembra na escola, em uma de nossas conversas, que você me disse que queria vir morar aqui e eu ri, achando loucura você querer morar em uma cidade que era muito maior que São Valentim? – eu sorrio e confirmo com a cabeça enquanto começo a chorar novamente, lembrando da conversa como se fosse ontem. – pois é. Te admiro pois são poucas pessoas que têm a força de vontade que você tem. E quero te dizer que esse um ano vai ser complicado, dormindo na nossa cama sem você, sem te abraçar e sem sentir seu cheiro. Mas eu vou torcer todos os dias pra que esse tempo passe voando e que logo você esteja aqui de novo. E aproveitando que a Marina fez a frente, eu gostaria de cantar uma música também. Talvez eu não tenha a mesma voz bonita que ela, então eu peço desculpas pra todos desde agora por isso. – nessa parte todos do bar começam a rir, enquanto ele parece começar a ficar nervoso. Então, pra minha grande surpresa, ele pega o violão da mão do cantor e se ajeita em um banquinho. Nesses anos todos ele pegou o violão apenas três ou quatro vezes perto de mim. Enquanto o cantor vai para a ponta do palco e pega uma garrafa de água, ele começa a dedilhar pelo violão, emitindo alguns sons enquanto ele tenta achar o tom certo. Então ele começa a tocar uma melodia calma e bastante familiar para mim, até que ele começa a cantar as primeiras palavras e minha teoria se confirma. Ele está cantando Lionheart, da Demi Lovato. É uma música que eu ando escutando muito ultimamente e meio que se tornou importante nesse período de transição de Porto Alegre pra São Paulo. Ao contrário do que ele tinha dito antes de começar, ele canta muito bem. Sua voz soa leve e suave, me causando alguns arrepios quando alcança as notas mais altas do refrão. A música na voz dele parece muito mais sentimental e íntima, pois a letra encaixa bem com o que somos e o que significamos um para o outro. Praticamente o bar inteiro está em silêncio ouvindo-o cantar sua declaração pra mim, enquanto eu sinto que meu peito está quase explodindo de felicidade e de orgulho. Orgulho do que construímos até agora, do quão seguro eu me sinto ao lado dele e do quanto ele faz eu me sentir valorizado ao seu lado.

Mais uma vez a música termina e eu estou chorando com um sorriso largo no rosto. Começo a aplaudir, assim como os outros, enquanto Felipe me olha também sorrindo ao longe. Ele agradece o moço e devolve o violão e então caminha em minha direção. Ao chegar, ele abraça forte enquanto o cantor comenta sobre o quão lindo isso foi, na medida que volta a tocar uma melodia no violão e as pessoas ainda aplaudem a cena de agora.

- você sempre me surpreendendo, ne felipe?

- fico feliz em saber disso. – agora ele me olha fundo nos olhos, ainda curvado com as mãos na minha cadeira, os rostos a alguns centímetros de distância.

- te amo, meu amor.

- eu também. – ele passa a mão em meu rosto, enquanto eu fecho os olhos em reação ao toque.

Felipe volta a se sentar ao meu lado e eu não consigo deixar de pensar que ele está tendo uma relação bem intensa com palcos nas últimas semanas. Pelo menos dessa vez ele fez algo certo, o que é ótimo.

...

Chego em casa e só então sinto o cansaço bater. Foi um dia e tanto, sem dúvida. Sigo até o quarto e olho para as malas arrumadas perto da janela e meu coração se aperta um pouco. Tá tão perto e eu estou começando a sentir um pouco de medo. Sim, medo. Já senti saudades antecipadas, angústia de sair de perto de todos, mas só agora eu senti medo. Medo de ir pra longe, pra onde eu não conheço nada direito. Engulo em seco e continuo tentando não pensar muito sobre como vai ser amanhã. Felipe entra no quarto e eu me viro para olhá-lo. Ele está me observando quieto, encostado no batente da porta. Vejo seus olhos correrem rapidamente para as malas e voltarem para mim. Ele suspira pesado e antes que eu pudesse pensar em algo, ele fala primeiro.

- vou preparar alguma coisa pra comer. Quer também?

- pode ser. Vou tomar um banho enquanto isso.

- tudo bem. – ele tenta sorrir enquanto se vira e sai porta afora, mas eu sei que ele não está bem. E óbvio que ele não estaria bem. Vejo que Felipe está tentando segurar as pontas durante esses dias todos, mas agora que estamos a algumas horas de eu ir embora, não teria nem como ele ser forte, porém ele está sendo, o que me impressiona.

Vou até o guarda roupa e pego uma bermuda confortável pra dormir e sigo para o banho. Assim que meu corpo entra em contato com a água quente e acolhedora, meus músculos se relaxam e eu fecho os olhos, a medida que meu cabelo se molha e desce pela minha testa. Fico ali pelo que me parece um bom tempo, apenas sentindo a água me envolver e me aquecer enquanto tento esvaziar a minha mente turbulenta. Quando vejo que já estou aqui tempo o suficiente, desligo o chuveiro e começo a me secar. Depois que visto meu calção, sigo até a cozinha para ver o que Felipe está cozinhando. Assim que eu chego na porta, vejo ele parado de costas para mim, apoiado na pia cortando um tomate.

- o cheiro tá ótimo. – eu falo brincalhão. Mas quando ele se vira e eu vejo ele chorando, meu coração se quebra em mil pedaços.

- você tá chorando?

- ah Edu... – ele mal consegue terminar de falar e chora mais. Então, em um movimento quase que involuntário, eu sigo até ele e o puxo para um abraço.

- eu tentei não fazer isso a semana toda, que droga. – ele choraminga com a voz abafada, com o rosto afundado em meu pescoço.

- não precisa se fingir de forte, Felipe. Eu sei que não é fácil assim.

- eu vou sentir muito a sua falta.

- eu também vou. – agora eu não consigo mais conter minhas lágrimas e começo a chorar também. – já estou antecipando o sofrimento a semana toda, mesmo que eu tenha tentado evitar isso o tempo todo, inclusive em pensamento.

- eu não sei como vai ser sem você aqui esse tempo, Edu. Eu nunca fiquei tanto tempo longe de você, e me dói muito só de imaginar que essa é a tua última noite aqui comigo.

Então, em um impulso de pura necessidade, eu puxo seu rosto pra perto do meu e o beijo. Beijo para guardar seu gosto em minha mente e ter como lembrar quando a saudade apertar. Beijo para tentar acalmar meu coração, que nesse momento está batendo mais forte, ao mesmo tempo que os músculos do meu estômago se contraem dentro de mim.

Felipe então me puxa pra perto dele, me beijando com mais força. Sinto suas lágrimas caindo por seu rosto e encostando paralelamente ao meu, o que me deixa ainda mais angustiado. Nossos beijos se intensificam até que eu começo a sentir um calor fora do normal é uma necessidade de beija-lo mais e mais. De repente estamos indo em direção ao quarto, até que em pouco tempo eu estou sendo colocado na cama por ele, que me acomoda e então volta a me beijar com mais força. Eu afundo meus dedos em seu cabelo e tento o puxar pra mais perto de mim, mas ele se desvencilha de mim e se põe de pé em minha frente, nos pés da cama, então em poucos segundos ele está com a camiseta no chão, mostrando sua barriga e peitos brancos e com alguns pelos. Minha boca começa a salivar só de ter essa paisagem bem em minha frente. Seus olhos me encaram com desejo palpável e então ele volta a subir na cama, chegando até a mim e tirando minha camiseta e me beijando mais. Eu estou com tanto tesao agora que sinto alguns arrepios percorrerem meu corpo enquanto sinto suas mãos me tocarem com necessidade. Sinto seu corpo começar a me empurrar pra trás, até que em dois segundos eu e ele estamos deitados na cama, seu corpo pressionando o meu enquanto eu sinto sua boca percorrer meu pescoço.

“É nossa última noite de amor antes de eu ir embora” – minha mente continua me lembrando disso, de justamente o que eu não quero pensar. Mas é por isso que eu pareço sentir o toque de Felipe ainda mais intenso, como se eu ansiasse por isso, por sentir ele com todas as minhas forças.

Em pouco tempo ele está sem a calça e sem a cueca, enquanto tira o restante da minha roupa também, e eu só consigo ouvir nossas respirações fora do ritmo, altas, intensas.

Ele então se espicha até o criado mudo e abre a gaveta, tirando um envelope de camisinha e abrindo-o com a boca, pegando o preservativo e colocando com jeito em seu mastro que já estava duro feito pedra. Em seguida, com um movimento rápido ele me puxa para cima dele, me pegando com necessidade e me abraçando forte enquanto seu pênis começa a roçar em minha bunda. Após alguns segundos ele pega em seu membro e começa a forçar a entrada, até que lentamente ele começa a entrar em mim. Depois de um tempo parado para eu me acostumar, ele começa a se empurrar mais pra dentro de mim, depois pra fora, e assim sucessivamente, enquanto eu começo a soltar alguns gemidos baixos de prazer. Essa e uma das noites de amor mais intensas que eu estou tendo com ele, pelo simples fato de ser diferente de todas as que a gente já teve até hoje. Eu e ele estamos com sede um do outro, com necessidade de beijar, de abraçar forte, de sentir o calor da pele, de ouvir no pé do ouvido que eu sou dele e que ele é meu.

Ficamos assim pelo que me pareceu muito tempo, mas não sei ao certo o quanto, pois nesse momento estamos apenas eu e ele nos olhando fixo nos olhos depois de termos gozado e ainda estarmos com o corpo mole e a respiração ofegante. Agora Felipe faz carinho no meu cabelo enquanto estamos em silêncio, afundados em pensamentos.

- e se não der certo?

- como assim?

- se eu não me sair bem lá em São Paulo?

- eu tenho certeza que você vai se sair bem. – ele fala sorrindo, me puxando e me virando para que ele me abrace por trás. – mas se caso isso não acontecer, você pelo menos vai ter tentado.

- mas eu vou fazer tudo isso só pra tentar? Eu não gosto da ideia de fazer algo incerto.

- bom, se você não tentar, nunca vai saber se você iria conseguir. É um risco que vale a pena passar.

- é, acho que você tem razão.

- independente do resultado, eu vou estar aqui te esperando daqui a um ano. E dessa vez, eu não vou deixar você escapar pra longe de novo.

- não iria nem se eu quisesse.

- bom, fico feliz em ouvir isso, master chef aventureiro.

Eu sorrio por causa do meu apelido e sinto ele se espichar para me beijar, então eu me viro e sinto seus lábios tocarem os meus de forma leve e carinhosa, antes de voltar a sentir o seu abraço protetor e pegar no sono, torcendo para que o risco realmente valha a pena e que eu não volte pra Porto Alegre apenas como alguém que tentou, mas sim como alguém que conseguiu.

__

Os raios do sol forte penetram meus olhos, fazendo com que eu desperte mesmo sem querer fazê-lo tão cedo. Com apenas um dos olhos abertos eu olho para o relógio. Não são nem 8h, horário que meu despertador está programado, e eu ja estou sentindo o sono ir embora. Me viro e vejo Felipe dormindo de bruços, com o rosto virado para o meu lado. Solto um riso involuntário ao ver sua expressão tão calma a dormir e aproveito para passar minha mão em seus cabelos desarrumados, depois seguindo para sua bochecha e por fim em sua boca. Saio da cama e vou até o banheiro lavar meu rosto e escovar os dentes, ainda um pouco dolorido por ter dormido de mal jeito na noite anterior. Depois entro embaixo do chuveiro e fico sentindo a água cair por uns bons minutos, sem pensar em nada. Estou certo de que eu fiz a melhor decisão em não levar ninguém junto pra me despedir no aeroporto, mas droga, isso me parece tão solitário. Eu me odeio por ser tão covarde, sabe? Queria poder encarar as coisas de uma maneira melhor. Tem gente que consegue lidar tão melhor com despedidas, enquanto eu sou esse fraco que não consegue dar um adeus temporário sem sentir a garganta se embolar em um nó de choro.

Após tomar meu banho, me troco e observo Felipe dormir mais um pouco, até que o despertador toca e ele abre os olhos, me vendo sentado perto da escrivaninha, do lado da cama, com as malas ironicamente ao meu lado.

- bom dia.

- bom dia. Acordou cedo. – ele diz se espreguiçando.

- não consegui ficar muito tempo na cama.

- tem certeza que não quer que eu te leve? Se for o caso eu só te deixo na porta do aeroporto.

- não, melhor não. Vamos continuar com o combinado.

- tudo bem, você que sabe.

Enquanto ele se levanta, pego uma das minhas malas e vou até a cozinha, deixo-a perto da porta e decido preparar algo pra comer, mesmo que eu não esteja com fome. Tomo um copo de leite com nescau e belisco algumas bolachas pra forrar o estômago, enquanto eu espero o taxi chegar. Não demora muito ate Felipe surgir pela porta de banho tomado e pronto pra trabalhar, trazendo duas das minhas malas que eu tinha deixado no quarto.

- quando você chegar em São Paulo me avisa.

- tá bom.

- carregou seu celular?

- carreguei.

- eu falei pra Livia ir no mercado comprar algumas coisas pra vocês comerem, porque eu sei que ela não come direito lá, só come porcaria. Caso ela não tenha ido, vai com ela, tá bom?

- tá bom, Lipe. – eu reprimo um riso, achando que eu tenho uma sina com super preocupações vindas dele e da minha mãe.

- você ri, mas eu me preocupo com você.

- vai dar tudo certo. Eu vivo na cozinha, esqueceu? Não vou deixar de comer, não se preocupa.

- tá bom, senhor adulto.

Ele me olha com a expressão brincalhona e eu o puxo para um beijo. Isso é uma das coisas que eu vou sentir mais falta durante minha estadia em São Paulo; o beijo de Felipe. Sentir meu coração acelerado toda vez que eu sinto seus lábios é algo inexplicável pra mim e agora que a gente vai ficar longe por um tempo, vou ter que me acostumar a ficar não só sem seus beijos, mas sem nenhum tipo de contato físico com ele. Quando abro meus olhos novamente e me desvencilho dele, vejo que seu rosto transparece serenidade.

- logo eu to de volta.

- eu sei.

O interfone toca, me assustando momentaneamente e me trazendo para o momento em que eu percebo que estou realmente indo embora. Ele me lança um sorriso e eu não consigo fazer o mesmo. Ele corre pra atender e pede para o porteiro aguardar uns instantes, que eu já estava descendo.

Sigo com a mala menor pela sala até o elevador, enquanto Felipe segue com as outras duas com um pouco de dificuldade bem ao meu lado, cambaleando algumas vezes devido ao peso delas, que dificultava na hora de arrastar pelas rodinhas.

Dentro dele, um pequeno silêncio se instala entre nós, mas eu meio que prefiro assim. Não há muito o que dizer agora e eu também quero ficar quieto, sem ter que pensar muito ou falar muito. Nesse momento estou quase em modo piloto automático pra não sentir um sofrimento antecipado que eu tanto tenho tentado evitar.

Ao chegar no saguão já avisto o taxi laranja forte no meio fio, enquanto as batidas no meu peito se tornam mais altas e mais rápidas. O motorista sai de dentro do carro e nos cumprimenta, pedindo para alcançarmos a bagagem para ele acomoda-las no porta malas.

Me viro para Felipe e o encaro, vendo ele com o cabelo agora um pouco mais seco balançando com o vento e com suas mãos nos bolsos, me olhando sem deixar transparecer muito.

- então é isso.

- acho que sim.

Ele abre os braços e eu o puxo para perto de mim, afundando meu nariz em seu ombro. Tento sentir ao máximo seu cheiro e o calor da sua pele na minha, antes de me desvencilhar e tentar ao máximo segurar meu choro.

- eu te amo.

- eu também te amo. Se cuida lá, por favor.

- se cuida aqui também. Vou pedir pra marina ficar de olho em você.

- pode deixar, eu vou me cuidar.

Ele me ajuda a entrar no carro e então fecha a porta, me observando da calçada. Eu o olho por uma última vez antes do carro ligar e arrancar para a rua, deixando-o pra trás. Pelo retrovisor vejo-o ficando cada vez mais distante, até que não consigo mais te-lo ao alcance dos meus olhos. Durante o caminho todo até o aeroporto, fico apenas escutando o rádio do carro ligado, tentando fazer com que isso abafe meus pensamentos. Logo ao chegar, me dirijo direto para o check in e deixo minha mala para despache, então em pouco tempo estou na sala de embarque, esperando os poucos minutos que faltam para se iniciar os procedimentos da fila, enquanto eu estou sentado olhando para as aeronaves no pátio. O horizonte azul de Porto Alegre logo vai ser trocado pelo cinzento de São Paulo, o que faz meu coração bater mais forte. Meu celular toca e eu saco-o do bolso. É uma mensagem de Marina.

“Ainda estou chateada que você não quis que eu fosse dar tchau, mas eu entendo seus motivos. Boa sorte nessa sua nova etapa caipira, já estou com saudades. Te amo muito, sua amiga ruivona.”

Sorrio e já sinto um aperto no peito por não ver minha melhor amiga antes de ir embora, mas continuo com o pensamento de que é melhor assim. Logo a hora do embarque chega e eu vou para o primeiro lugar da fila de idosos e deficientes físicos, esperando todos se organizarem para que o embarque seja autorizado.

Assim que a passagem é liberada, vou em direção ao finger com o coração batendo mais forte. Só de pensar que estou fazendo a loucura de ir morar em São Paulo por um ano, eu penso que talvez eu seja mais louco que eu pensava que eu pudesse ser. Estou largando tudo aqui pra ir atrás do meu sonho de gastronomia. Estou sendo tão corajoso que chega a ser surreal, mas eu não me arrependo. Já dentro do finger, no meio do caminho para a entrada do avião, olho para fora, em direção ao prédio do aeroporto e minhas pupilas se dilatam, a medida que meu coração acelera violentamente e eu penso que estou tendo algum tipo de visão. Afirmo meus olhos mais ainda para a janela e vejo Felipe. Ele veio? Mas que droga, eu pedi pra ele não vir. Como eu pensava, isso me quebrou por dentro por alguns segundos. Ele está olhando para a minha direção, então tudo o que eu faço é acenar pra ele. Ele acena de volta e faz um gesto com as mãos de que está me jogando um beijo. Eu entro na brincadeira e finjo que o beijo é palpável e que eu peguei ele no ar e guardo-o no coração. Não sei bem ao certo, mas ele parece estar sorrindo agora, mas ao mesmo tempo parece estar com a expressão de choro. Eu sei como ele está se sentindo, pois eu também estou assim; chorando e sorrindo. De repente eu me odeio por ser tão cabeça dura e de embarcar nesse avião, mesmo que eu queira tanto ficar aqui. Me odeio porque minha vontade de crescer e me tornar um chef renomado é insanamente grande, tanto que estou indo pra longe por um ano.

“É apenas um ano.” – repito pra mim mesmo no pensamento.

Mas mesmo tentando soar positivo, sei que assim que a aeronave decolar e deixar Porto Alegre pra trás, muita coisa vai mudar.

Comentários

Há 4 comentários.

Por Luã em 2016-01-29 03:10:46
Obrigado galera! A série tava um pouco parada até agora, mas com o Edu indo pra São Paulo, as coisas vão começar a fluir. Ah, falar nisso, tem capítulo novo! Nosso protagonista mal chega na cidade nova e já tem um desafeto. Vê aí e depois falem o que vcs acharam. Abraços! (:
Por Sirferrow em 2016-01-25 14:19:57
Ótimo capítulo!!!! Esperando o próximo pra ontem!!!
Por diegocampos em 2016-01-23 02:16:01
Amei o capítulo apesar de ter ficado com o coração apertado de ver o edu indo embora espero que eles consigam vencer essa distancia e que o edu volte logo, o capítulo foi o ótimo amei a parte que falou de Jorge e Mateus onde haja sol e uma das minhas músicas preferidas deles, gosto muito também de  Lionheart, da Demi Lovato.  não comentei o capítulo anterior por falta de tempo mas também amei ele também apesar de ter me dado uma raiva do Felipe hahaha. fiquei feliz de saber que a próxima viagem do Felipe e para minha cidade fortaleza kkkkkkk. Super ansioso para o próximo
Por Niss em 2016-01-22 03:16:58
Senhora, o que é finger mesmo?? hahaha adooooro esses termos haha. Enfim... Eles dois são incríveis! Sei muito bem que o amor deles vai conseguir superar essa distancia. Dá um aperto no coração, saber que o Edu tá embarcando sem o Lipe... Mas eu acho que vale a pena, afinal de contas o Edu vai dirigir um estabelecimento em SP, e é algo grandioso, é uma experiencia e tanto que ele vai adquirir com esse trabalho. Eu adoro a Marina haha. Essa homenagem que ela fez foi linda, junto com o do Felipe também. Esse final ficou maravilhoso Mana. Adorei!! Espero pelo proximo. Kisses, Nissan. ;-)