04. Apenas um ano (parte 01)

Conto de Luã como (Seguir)

Parte da série O garoto da mesa 09

Acabamos de cruzar na Rua Duque de Caxias, como também pode ser chamada de minha antiga rua. As tipuanas centenárias passam pela gente do lado de fora do vidro, as copas de um verde musgo que se elevam alto o suficiente para fazer eu erguer o queixo, admirando-as, uma vez que contrastam de uma forma surreal com o céu alaranjado do fim de tarde e me fazendo lembrar dos anos que eu passei por debaixo delas e me trazendo recordações guardadas no fundo da memória de um passado que parece ser mais distante do que realmente é. A sensação de ansiedade dentro de mim cresce gradativamente quando penso que em mais alguns minutos eu estarei abraçando minha mãe. Felipe pega em minha mão e então eu o olho, percebendo que ele está com seu meio sorriso de tirar o fôlego de sempre, enquanto mantém seus olhos na estrada. Lembro-me da vez que passamos por essas árvores pela última vez quando eu morava em São Valentim e estava indo para Porto Alegre. Eram tantas incertezas, tantos medos e aflições, mas Felipe também segurava minha mão, me trazendo um pouco de tranquilidade. As casas dos meus vizinhos de rua não mudaram nada. Continuam com as mesmas pinturas, mesmo ar de casas pacatas de cidade interiorana, aumentando o ar de nostalgia. Mas, ao mesmo tempo em que ele pega em minha mão e tudo parece estar tão bem, eu sei que não é bem assim. Sinto que estamos um pouco estranhos desde que eu contei pra ele sobre a proposta de Cassiano. Ele parece muito feliz por mim, mas também está mais calado, e eu entendo perfeitamente que ele deve estar se sentindo péssimo, ainda mais depois que a gente cancelou tudo o que já estava marcado para o casamento, anteontem. Eu preferi não tocar nesse assunto de mudança nos últimos dias, para o clima não piorar ainda mais. O que o deixou animado nos últimos dias foi que seus pais estão comemorando suas bodas de prata essa semana, motivo pelo qual viemos pra cá hoje.

Assim que o carro estaciona em frente à minha antiga casa, meu coração começa a pular dentro do peito. Acabo de sentar na cadeira e sigo com Felipe pela calçada até que a porta da frente se abre e minha mãe surge de trás dela, abrindo seu sorriso largo e com um pano de prato jogado sobre o ombro. Ela está tão feliz em nos ver e Santo Cristo, como o tempo passou. A medida que me aproximo dela consigo ver suas marcas de expressão no rosto, seu cabelo com mechas grisalhas, isso é a verdadeira prova de que os anos estão passando rápido.

- meus filhos! – ela dá um abraço forte em Felipe, que estava um pouco mais à frente, e então se curva para me dar um dos abraços mais fortes e mais calorosos que eu já recebi dela.

- oi mãe. – digo com a voz carinhosa, enquanto ela se põe ereta novamente. – como você tá?

- to bem, um pouco na correria pra deixar o jantar pronto pra vocês. A Fátima e o Carlos ficaram cuidando do restaurante por mim hoje.

- e o que tá saindo de bom aí? – Felipe pergunta brincalhão, enquanto entramos na sala e meu olfato é seduzido pelo cheiro tentador vindo de dentro de casa.

- escondidinho de carne seca. – ela fala orgulhosa – estou desde o começo da tarde preparando tudo, já que eu ia receber a visita de um chef de cozinha em casa, não podia fazer feio, né?

Eles olham pra mim e eu fico sem jeito. Agora é a hora de eles ficarem me elogiando e eu ficar sem graça, eu acho.

- chef de cozinha? Quase lá, mãe.

- bom, o talento não falta. – ela diz caminhando para a cozinha.

- eu vou levar as malas lá pra cima. – Felipe fala enquanto eu estou seguindo minha mãe.

- tá bom.

- como vão as coisas no restaurante?

- corridas como sempre, filho. To organizando tudo pra começar a reformar.

- sério? Mãe que noticia boa!

- é, o espaço tá ficando pequeno lá faz tempo, então vamos aumentar as coisas.

- e como tá a tia? E o Carlos?

- estão bem também, graças a Deus. Sua tia pergunta de você toda a semana, ela está chateada que você não liga pra ela mais, nem manda mensagem.

- ah mãe, com a correria lá em Porto você sabe que as vezes eu não tenho tempo nem de ligar pra senhora.

- eu sei. Como tá as coisas lá no restaurante?

- vão bem. Quando eu saí de férias o Bruno já tinha voltado, então acho que tá tudo tranquilo. Pelo menos acho que eu segurei bem as pontas no lugar dele.

- tenho certeza que sim.

- ele não só segurou as pontas, ele conseguiu conquistar o paladar da Paola Carosella. – Felipe surge na porta da cozinha, já com as mãos livres da bagagem.

- é sério? – minha mãe me olha incrédula. – Edu, que orgulho meu filho! A Paola, lá do MasterChef?

- a própria.

- e como você não me contou isso antes? Me fala, como foi?

Enquanto eu conto com um sorriso largo ao ver minha mãe orgulhosa, não deixo de reparar que Felipe parece distante, não está de fato aqui, prestando atenção em nossa conversa. Ele está sentado na mesa, sorrindo ao ouvir, mas com os olhos distantes, enquanto brinca com o abridor de latas de forma despretenciosa.

- e lá na agência, como estão as coisas?

Ele parece não ter ouvido minha mãe falando com ele, pois nem seus olhos parecem ter se movido, mas sua mão continua brincando com o abridor.

- Felipe? – minha mãe insiste, então ele parece despertar de seu breve transe e olha pra ela atordoado.

- desculpa helena, eu me distraí. O que você perguntou?

- como estão as coisas lá na agência?

- ah sim, vão bem, graças a Deus. Eu tive que fazer uma viagem até o Rio semana passada pra algumas reuniões com um pessoal de outra agência, mas foi coisa rápida.

- ah, o Rio! Visitou o Cristo? As praias?

- só o Cristo. Era o que eu mais queria ver, as praias tive que deixar pra uma próxima.

- e como vão os preparativos pro casamento? Vocês tão ansiosos? – assim que ela solta faz a pergunta, e como se ela tivesse jogado uma bomba entre eu e Felipe. A gente fica um pouco sem jeito, Felipe nem mesmo olha para mim. Vendo que nenhum dos dois responde, ela estranha. – aconteceu alguma coisa, meninos?

- a gente cancelou tudo, Helena. – sua voz sai fria e minha mãe muda de feição rapidamente, soando bastante surpresa.

- como assim?

- na verdade a gente só adiou, mãe. Eu não pretendia te falar assim sem mais nem menos logo de cara, - dessa vez eu lanço um olhar duro para Felipe, que continua não olhando para mim e dessa vez esta com a cabeça baixa – mas eu recebi uma proposta do Cassiano.

- proposta? Que proposta?

- eu vou ficar um ano comandando o restaurante em São Paulo, enquanto ele vai ter que ficar fora por uns tempos.

- comandando? Tipo sendo o gerente?

- isso, e como eles estão sem chef, vou assumir o posto também.

- gerente e chef? Um ano? São Paulo? Edu, isso é incrível! Eu sabia que você ia conseguir isso logo! – ela vem e me dá um abraço, mas apesar de eu estar sorrindo o mais conviventemente possível, por dentro eu estou com raiva de Felipe por ele introduzir a notícia assim de repente.

- eu não queria falar assim do nada, mas já que o Felipe fez à frente, é isso. Eu vim pra te contar pessoalmente. – falo depois de olhar duro para ele, que me olha rapidamente e volta a fingir que eu não estou no mesmo cômodo que ele. Por que ele precisa ser tão infantil? Minha mãe, percebendo o clima pesado entre a gente, decide não perguntar mais nada sobre o casamento. Eu vejo que ela também está surpresa por cancelar tudo assim de última hora, mas eu também estou. Não é justo o jeito que Felipe está me jogando a culpa, como se eu estivesse feliz em ter que deixar tudo aqui. Eu estou indo atrás do que eu quero, mas há tantas coisas que eu vou ter que pausar aqui para retomar depois, que eu até evito pensar demais para não ficar aflito. Após alguns minutos de um silêncio absurdamente incomodo, o celular de Felipe toca. Pela conversa, vejo que ele está falando com Cesar. Depois de desligar ele parece até mais relaxado.

- gente, eu vou ter que pedir desculpas mas eu vou ver meus pais. Vocês se importam?

- claro que não filho, vai lá.

- obrigado, dona Helena. – ele diz já levantando e pegando as chaves do carro. – vou dormir lá, tudo bem?

Como resposta à sua pergunta tão fria quanto seu tom de voz, apenas aceno com a cabeça que sim, então vejo ele girar em seus calcanhares e seguir com minha mãe para a porta da frente. Agora sozinho, fecho os olhos de forma que eu os aperte e fecho os punhos. Eu estou com tanta raiva, ele quer que eu desista? Será que ele alguma vez tentou se colocar no meu lugar? E se fosse ele que tivesse uma oportunidade dessas? Ele gostaria se eu agisse dessa forma? O sentimento de mágoa me esmaga e eu só consigo pensar que ao mesmo tempo em que é ótimo ele ir para a casa dos pais dele e deixar eu e minha mãe sozinhos para conversar melhor, eu também quero ir até a calçada agora e lhe segurar, pedir para ele ficar e para ele parar com tudo isso.

Minha mãe está de volta à cozinha e me olha um tanto confusa, as rugas no canto dos olhos estão mais expressivas e seus olhos estão me fitando em silêncio, esperando uma resposta.

- ele já foi?

- já. O que tá acontecendo, Edu?

- ah mãe, ele não tá aceitando essa ideia de eu ir pra São Paulo. Eu meio que já esperava isso.

- é, eu entendo a atitude dele. Deve estar sendo difícil pra ele assimilar a ideia de ficar longe de você, filho. Dá um tempo pra ele pensar melhor.

- claro. – eu tento ouvir minha mãe, afinal ela tem razão. Só o que me incomoda é essa distância que ele está deixando entre nós. É como se houvesse um muro sendo construído aos poucos entre eu e ele, nos deixando distantes mais cedo do que o necessário, como se o tempo que eu ficarei fora não fosse o suficiente.

Depois de colocar a mesa para o jantar, minha mãe senta em minha frente, no outro lado da mesa e me analisa. Eu estou comendo apenas para não fazer desfeita, já que eu não estou com fome. Passam-se alguns segundos e ela continua me fitando, então eu fico um pouco sem jeito.

- o que foi?

- você não pensa em ficar lá permanentemente, né?

- claro que não mãe. É apenas um ano. E pra mim isso já parece ser tempo demais. Minha vida é aqui, não lá.

- eu sei, claro que eu sei. Mas assim como sua vida era aqui em São Valentim um tempo atrás, e olha agora. Você tá em Porto Alegre. As coisas mudam, Edu. A vida nunca e a mesma, as ideias nunca permanecem iguais.

- eu sei mãe, mas nesse caso foi diferente. Eu sempre quis ir pra Porto Alegre. Foi só questão de tempo até eu me mudar pra lá. Nesse caso eu estou indo pra São Paulo sozinho, sem querer muito, pra ser sincero, mas eu preciso ir. É um passo largo na minha carreira, sabe? Mas assim que o Cassiano voltar do Nordeste, eu volto pra cá na mesma hora.

- eu espero que sim. – ela deixa essa frase solta no ar, me deixando um pouco pensativo. Será que o Felipe pensa do mesmo jeito que ela? Que eu vou e que talvez eu não queira voltar? Será que é por isso que ele está assim? Se for assim, ele realmente não me conhece.

Depois de jantarmos, eu ajudo minha mãe com a louça e então ela sobe para pegar meu colchão de solteiro do meu antigo quarto e trazer para a sala. Fico parado no fim escada e ajudo-a com tudo, levando até perto do sofá. Ela, ainda ofegante, me pede desculpa pela falta de infraestrutura da casa, e eu como sempre digo que isso não tem problema. Sempre que eu venho pra cá e assim. Ela se sente mal por eu ter que dormir no chão da sala, mas como as escadas são um obstáculo difícil demais, eu prefiro não complicar as coisas.

Agora já passa das 23h e minha mãe já está me dando boa noite. Ela se abaixa e me planta um beijo na testa, agora que já estou deitado no colchão já pronto para dormir.

- dorme bem filho. Qualquer coisa me chama.

- pode deixar mãe. Você também.

Ela acaricia meu rosto e então se levanta e segue para cima, então eu me ajeito em minha cama improvisada e tento me concentrar para dormir, embora minha mente esteja agitada demais pra isso. Olho para o visor do meu celular e nada muda. Não há nenhuma chamada não atendida, nem sequer um SMS de boa noite. Isso me deixa com o peito apertado. Dormir sem falar com Felipe é tão estranho que nem parece ser real. Eu só espero que ele consiga me entender e que essa situação toda se resolva logo. Com esse pensamento eu coloco o celular no chão ao lado do colchão e fecho os olhos, na esperança de que meu sono venha logo e que amanhã seja um pouco melhor.

__

Estou parado em frente a escada enquanto vejo a mulher mais linda do mundo descer com um sorriso estampado no rosto, vestindo uma camisa florida com tons de azul, uma calça jeans escura e um sapato.

- que gata!

- para com isso guri. – ela fala visivelmente sem jeito.

- to falando sério, tá linda.

- obrigado filho. Você também. Já falou com o Felipe hoje?

- ainda não. – falo abaixando a cabeça. – ele nem ligou, nem mandou mensagem.

- pode ser que ele estava ocupado, Edu. Deve estar uma correria lá hoje, então não vá ficar pensando bobagem. Daqui a pouco ele está aí e você vai ver, vai estar tudo melhor.

- e se não estiver?

- você tenta fazer ficar. Vocês dois são orgulhosos. Você sabe que você também é. Mas não gasta teu tempo em Porto Alegre com ele desse jeito. Vocês vão se arrepender depois.

- é, a senhora tem razão. – digo lhe esboçando um sorriso mais animado. – obrigado, mãe.

Nos dois sorrimos e ela vai até o sofá pegar sua bolsa para guardar o celular. Vou até o banheiro dar uma última olhada no cabelo e tudo mais. Eu acho que estou bem comum com minha polo vinho e com minha calça branca, mas para a ocasião está ótimo. Não queria estar arrumado demais, nem simples demais. Estou apagando a luz e indo para a sala novamente quando Felipe buzina do lado de fora e eu sinto meu coração bater mais rápido. Eu estou tão cansado dessa distância de nós dois. Eu espero que as coisas estejam mais fáceis hoje para tentar uma aproximação. Saímos para o final de tarde bastante agradável para o meio do verão no sul. Meus olhos correm até o meio fio da calçada e lá está ele, lindo como sempre, escorado na lataria do carro, nos olhando com um sorriso lindo.

- tá linda, Helena!

- ah filho, você também! – minha mãe arruma uma mecha do cabelo pra trás, sem graça com o elogio, como sempre. Mas em relação ao Felipe, ela está certa. Ele está vestindo uma camisa preta de linho, com uns detalhes brancos bem sutis nas mangas, que estão dobradas na altura do cotovelo. Sua calça jeans clara e o sapato social preto terminam sua produção, que acentuam ainda mais sua beleza. Eu me aproximo dele e lhe olho sorridente, mas ele apenas me dá um breve beijo nos lábios, sem mudar q expressão do rosto ao me ver, nem parecendo que passamos a noite longe um do outro. Ele me ajuda a entrar no carro enquanto meu animo desanda por terra. Minha mãe entra no banco de trás e então esperamos ele retornar para seguirmos até a festa. O caminho todo ele permaneceu frio, sem conversar muito comigo, apenas com a minha mãe. Isso faz eu me afundar no banco do carro e ficar olhando pra fora o caminho todo, já achando que não vou ter muito o que me divertir essa noite. Logo ao cruzarmos a esquina já posso ver a rua repleta de carros, eu presumo que seja dos convidados da festa. Como era de se imaginar, logo ao passarmos pelo portão para dentro eu vejo uma festa de grandes proporções. Acho que deve ser de família, pois na festa de casamento do tio de Felipe também foi mais ou menos assim, e até nas festas de aniversário de Felipe, César, Paula ou Pedro, embora fosse um pouco mais simples, não deixava de ser grandioso. A iluminação baixa do gramado da frente da casa da destaque para as plantas ornamentais, enquanto um conjunto de luzes no chão iluminam o caminho até a porta da frente. Logo quando entramos na sala Cesar nos recebe com um sorriso largo, nos recepcionando em meio a algumas dezenas de convidados.

- Edu, Helena! Como vocês estão?

- estamos bem. Parabéns pelas bodas, aliás. – minha mãe soa mais formal e um tanto tímida, o que me faz contorcer um riso. Ela não é assim, tão séria, acho que ela está acuada por causa do nível dos convidados. É algo que demora a se acostumar, eu mesmo também me sinto assim até hoje, mesmo tendo frequentado poucas festas grandes da família.

- obrigado. E você Edu, como está?

- estou bem, bastante feliz por vocês. Meus parabéns, César. – chamo-o para um abraço, tentando não transparecer que estou triste por Felipe. – onde está a Paula?

- está lá nos fundos, cumprimentando o pessoal. Vão lá, ela vai gostar de ver vocês.

Caminhamos entre as pessoas, cumprimento os poucos que eu conheço e então chegamos nos fundos da casa. A piscina está com as luzes azuis da parte de dentro ligadas, que se espalham pelas duas bordas maiores e deixam a água mais realçada, além do fato de ter varias velas artesanais e aromáticas espalhadas por ela. Há algumas mesas com toalhas brancas no quintal, bem no estilo da família Queiroz de se festejar. Percorro meus olhos pelo pessoal e encontro Paula conversando com um casal, linda como sempre. Está usando um vestido de cetim azul escuro de alças finas, o cabelo solto com algumas mechas onduladas pendendo sobre os ombros e um sapato preto de salto.

- Paula! – eu falo quando chego ao seu lado. – você tá linda!

- oi Edu! Obrigado. – ela sorri e se curva para me abraçar. – você também. Gente esse é o meu genro, Eduardo, noivo do Felipe.

O casal me olha e me cumprimenta e eu mal consigo acreditar no que eu acabei de escutar. Ela me apresentou como noivo do Felipe, na maior naturalidade. Por dentro eu estou explodindo de felicidades pelo avanço.

- e você também tá linda, Helena.

- obrigado Paula. Parabéns pelas bodas. A festa tá linda.

- obrigado. – ela responde com um sorriso gentil. – Edu a Livia tá só perguntando por você, já achou ela?

Livia! Que saudade que eu estou dela. Faz tanto tempo que não a vejo.

- ainda não. Mas estou indo procurar agora, não quero te monopolizar. A gente se vê por aí.

Me despeço dela e começo a andar procurando por Livia. Minha mãe fica com Paula e eu fico aliviado por ela não ficar se distanciando. Do jeito que minha mãe se sente desconfortável com eventos assim, pensei que ela ficaria sentada em uma mesa a noite toda. Quando olho para o outro lado da piscina, vejo ela conversando com uma outra mulher que eu não conheço.

- que moça linda.

Ela me olha e arregala os olhos.

- Edu! Ai que saudade de você, seu louco! – ela diz se curvando e me abraçando forte. – como você tá?

Ela se despede da mulher e se senta na mesa vazia que estava vazia no nosso lado.

- eu to bem, feliz por estar em São Valentim de novo. Tava com saudades daqui. E como estão as coisas lá em São Paulo?

- tão bem, corridas como sempre. Vou ficar por aqui até depois de amanhã. E pouco tempo, mas já dá pra aproveitar.

- sim eu imagino. Eu vou ficar uma semana, depois eu e o seu irmão vamos viajar para Gramado e Canela.

- aí lá é lindo! Eu ia quando era menor. Mas é melhor ainda no inverno, é tão friozinho.

Enquanto conversamos, olho para onde minha mãe e Paula estão e vejo Felipe junto com elas. Meu peito se aperta ao ver ele lá e estarmos nesse clima. Quando eu não estou perto ele parece mais sorridente, como agora, por exemplo. Mas é só eu chegar perto que seu rosto fica triste. Eu não queria causar isso nele. Mas eu também não posso desistir do que eu sonho.

- Edu?

Livia me olha curiosa enquanto eu volto ao aqui e agora.

- desculpa, eu me distraí.

- tá tudo bem?

- tá sim, eu só... – eu não resisto e olho novamente para o outro lado da piscina, dessa vez Felipe olha para mim. Quando nossos olhos se encontram, e como se faíscas saíssem pelo ar.

- você e ele não estão bem, né?

Eu faço que não com a cabeça, não conseguindo esconder a situação dela. Livia sempre capta no ar as coisas.

- o que aconteceu? O Felipe tá triste pelos cantos o dia todo e não me conta o que houve. Aí você chega e tá do mesmo jeito.

- ah Livia, é complicado. – eu dou de ombros.

- não quer me contar? Talvez eu possa te ajudar.

Eu olho pra ela e sinto que eu preciso desabafar com ela. Como irmã dele, e vivendo uma situação parecida com a minha, de sair pra um lugar longe pra buscar os sonhos, ainda mais sendo o mesmo lugar que o meu, ela pode dar alguns conselhos pra ele. Eu concordo com a cabeça e decido desabafar. Ela pega na minha mão e eu começo a escolher as palavras pra contar.

- é que eu... – quando estou prestes a falar, o barulho das caixas de som me interrompem. Cesar está com o microfone na mão, batendo com o dedo indicador para testar o som. Vejo que essa conversa vai ter que ser em um momento mais tarde.

- boa noite a todos.

Todos respondem em uníssono.

- eu gostaria primeiramente de agradecer a presença de todos vocês aqui esta noite. Isso significa muito pra mim e pra minha esposa. – ele dá uma pausa e sorri, parecendo procurar as palavras certas para continuar, em seguida olha rapidamente para Paula, que agora está sentada na mesa com minha mãe e Felipe, olhando-o sorridente. – em segundo lugar queria agradecer a ela. Paula. 25 anos de união. Uau. Parece que foi ontem que minhas mãos tremiam e suavam quando eu lhe dava o primeiro beijo, dentro do cinema. Hoje, depois de um quarto de um século, eu tenho a mesma sensação por estar aqui na frente de todos para falar pra você o quanto eu te amo. Quero te agradecer por ser essa esposa sensacional, essa mãe protetora pros nossos três filhos, essa mulher incrível de um modo geral. Eu tenho muita sorte de ter você do meu lado, Paula. Obrigado por tudo.

Ao terminar seu pequeno discurso, César chama Paula até o pequeno palco montado perto da piscina e lhe dá um beijo, fazendo com que todos formem uma salva de palmas enquanto olham sorridentes para eles. Então, César vai em direção da mesa e se senta, um pouco emocionado. Paula está com o microfone na mão e parece estar tão nervosa quanto ele estava antes.

- era abril de 1989, fazia um frio absurdo em Curitiba e eu teimei com meus pais para sair com minhas amigas até uma sorveteria do centro. Quando eu estava lá, avistei um homem muito bonito, aparentando ter no máximo 20 anos, que também me olhava...

No meio do discurso eu olho para Felipe, que está sentado na mesa olhando para sua mãe enquanto toma um copo pequeno e redondo do que me parece ser whisky. Ele me olha novamente e é como se por um instante seus olhos transbordassem magoa e um pouco de raiva. Meu estômago se embola dentro da minha barriga. O que está acontecendo com a gente? Me assusto com a outra salva de palmas, anunciando o fim do discurso. Eu preciso conversar com ele, resolver isso agora.

- Livia, se você me der licença eu tenho que ir lá falar com o Felipe.

- tudo bem, vai lá.

Assim que eu me viro para seguir para o outro lado da piscina, vejo que ele também está de pé, seguindo em direção do palco. Paula já está de volta com eles, e eu não posso deixar de notar que o copo que ha menos de cinco minutos estava cheio, agora está vazio. Ele dá uma pequena cambaleada, mas não chega a perder o equilíbrio totalmente, então eu engulo em seco. Mas que droga, ele tá bêbado?

O garçom passa com a bandeja cheia de taças com champanhes, então ele pega mais uma e segue até o palco. Ao chegar, ele toma o microfone na pequena mesa e também toca com a ponta do indicador, para testar o som. Eu volto para a mesa e olho apreensivo para Livia, que também não está muito à vontade com a situação.

- boa noite a todos.

Muitas pessoas O respondem, mas não todos. Acho que algumas pessoas já viram que ele não está sóbrio o suficiente para fazer discurso.

- bom, em primeiro lugar eu gostaria de parabenizar meus pais, que estão fazendo vinte e cinco anos de casados hoje. Isso é muito tempo, ne? Quando a gente encontra uma pessoa, a gente espera que aconteça isso, sabe? Que as coisas deem certo desse jeito. Então, meus pais são um exemplo pra mim, algo que eu quero seguir pra vida. Parabéns, pai, parabéns, mãe. – ele fala olhando pra eles e ergue a taça, fazendo todos aplaudirem. Mas o clima ainda continua tenso. Cesar e Paula o olham apreensivos da mesa, assim como eu. – mas eu queria principalmente parabenizar uma pessoa aqui essa noite. Uma pessoa muito especial pra mim. Meu noivo, Eduardo! – ele grita meu nome mais alto que o normal, fazendo as caixas de som ficarem com interferência e transmitir um barulho ensurdecedor. Meu sangue parece que sobe todo para a cabeça. Ele está realmente fazendo isso? – ele acabou de receber uma proposta de emprego em São Paulo, vai morar lá! Eu estou muito orgulhoso de você, meu amor!

Suas palavras saem tão sarcásticas e impregnadas de veneno que fazem eu querer chorar. Olho para os lados e todos estão olhando para mim agora. Minha vontade é de sair daqui agora e ir embora, mas eu sei que quero ficar e ver até onde esse circo vai. Nessa hora Livia já está de pé e indo em direção ao palco, certamente para tirar ele de lá e acabar com o show.

- nós até cancelamos nosso casamento pra ele poder ir, sabe? Ele vai pra lá porque Porto Alegre é muito pequena pra ele e pro talento dele. Então ele vai e eu vou ficar aqui, mas eu sei que ele vai estar bem, porque a gastronomia é tudo na vida dele. Um brinde ao Eduardo! Nossa grande estrela! – ele ergue a taça de champanhe bem alto, fazendo um pouco da bebida cair, então Livia sobe no palco e o pega no braço, puxando-o pra fora. Ele resiste e fala para ela o soltar, mas ela o puxa de novo e ele começa a sair, largando o microfone. Todos estão em um completo silêncio, apenas observando absortos a cena vergonhosa. Olho para Paula e César e eles olham incrédulos para Felipe. Nessa hora eu estou de cabeça baixa, tentando ao máximo não chorar e deixar tudo ainda pior.

Quando finalmente consigo levantar a cabeça, vejo Livia levando Felipe para dentro de casa. Eu estou com tanta raiva dele agora que eu poderia ir até lá e dar uns tapas na cara dele e perguntar quantos anos ele tem, se ele precisava mesmo estragar a festa dos pais dele por algo tão infantil. Mas agora eu só quero ir embora. Atravesso a piscina e vou até à mesa deles para chamar minha mãe e sair desse lugar o mais rápido possível.

- Edu, olha eu nem sei o que dizer, o Felipe...

- não precisa falar nada Cesar. Eu que peço desculpas pelo vexame. Mas agora eu acho melhor a gente ir embora, né mãe? – agora eu olho pra ela, que concorda com a cabeça.

- não precisa Edu. Fica pelo menos pra jantar. – Paula é quem fala dessa vez, tentando amenizar as coisas, visivelmente constrangida orla atitude de Felipe.

- eu agradeço Paula, mas eu realmente quero ir.

- deixa eu levar vocês então.

- Cesar, não precisa. A festa é de vocês, não tem cabimento você sair daqui pra levar a gente lá. Nós vamos de táxi,

- Edu, deixa de ser cabeça dura. Eu levo vocês,

- eu vou me sentir mal se você fizer isso, César. A gente vai de taxi, é sério.

- você que sabe. Te peço desculpas pelo que aconteceu, Edu. Amanhã eu vou ter uma conversa com o Felipe.

- tudo bem, já passou. Obrigado mesmo assim. Vamos mãe?

Ela se levanta e então seguimos entre os olhares curiosos de algumas pessoas até a porta dos fundos. Minha mãe não tenta falar nada, o que eu definitivamente agradeço por agora. Não quero ter que falar sobre o que aconteceu agora. Quando estamos quase chegando na porta da frente, Livia aparece descendo as escadas, o rosto tenso me encarando com aflição.

- vocês já vão?

- acho que não há mais muito o que fazer aqui, Livia.

- eu peço desculpas pelo que ele fez. Coloquei ele na cama, resmungou um pouco mas já dormiu.

Eu não consigo falar nada, ainda confuso demais para pensar em algo. Livia se aproxima de mim e me abraça forte, então a vontade de chorar volta novamente, mas ainda assim eu controlo. Me despeço dela e ligo para o taxi nos buscar, torcendo para que não demore muito até que eu esteja em casa e que eu possa dormir rápido o suficiente para tentar esquecer esse dia.

__

O sol forte atravessa meus olhos fechados de forma insistente até que eu me acorde. Esta fazendo um dia lindo lá fora e eu poderia quase ficar feliz por isso, se eu não me lembrasse logo sobre a noite catastrófica de ontem e isso já me deixasse desanimado. Aposto que isso será o assunto de todos os convidados hoje. Reviro os olhos. Que se dane isso. Aliás, que se dane tudo. Ouço um barulho na cozinha e então estico o pescoço para ver se enxergo minha mãe. Logo enxergo ela pela porta, levando o bule de café pra mesa. O cheiro inconfundível me abre o apetite, fazendo eu logo me transferir pra cadeira e ir até ela.

- bom dia. Caiu da cama?

- hoje eu trabalho, filho. Queria ficar em casa com você. – ela fala visivelmente frustrada.

- é eu também, mas depois mais eu vou lá pra almoçar, aí aproveito e vejo o pessoal.

Ela para e me olha um pouco, então vejo que não vou ter escapatória.

- tá tudo bem?

- tá, por que não estaria?

- Edu...

- sim mãe, eu sei que a cena de ontem foi ridícula, mas eu não tenho nada a dizer sobre isso. Não vou mudar minha decisão só por um ataque de criancice do Felipe.

- eu sei, nem deve. Mas acho que vocês precisam conversar melhor. O que aconteceu ontem podia ter sido evitado, se vocês tivessem uma comunicação melhor.

- ou se ele fosse menos extremista. Eu não vou correr atrás dele. Ele é quem vai ter que vir e pedir desculpas. A vergonha que eu passei ontem foi grande.

- bom, como já diz o ditado: em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher. Vocês que se resolvam depois. Agora vem tomar café. – ela dá o veredito e eu não posso resistir. A mesa como sempre está variada, parecendo até um certo exagero, mas é sempre assim quando eu estou aqui. Ela me serve uma xícara de café com leite do jeito que só ela sabe fazer, enquanto eu passo doce de leite e nata no meu pedaço de pão feito em casa.

- você sabe quando vai pra São Paulo?

- não, ainda não. Na verdade nem falei pro Cassiano que eu me decidi. Acho que vou ligar pra ele amanhã.

No meio da conversa meu telefone toca e eu já sinto minha raiva voltar, achando que é o Felipe. Posso até prever o texto enorme de pedido de desculpas, mas quando eu verifico, não é ele. É Livia.

“Bom dia cunhado. Já acordou? O que você acha de a gente almoçar juntos hoje? Preciso falar com você. Beijos.”

“Oi Livia! Bem, eu acabei de combinar com a minha mãe de ir almoçar lá no restaurante dela. Quer ir comigo?”

“Eu adoraria, me passa o endereço depois que a gente se encontra lá as 12:30. Beijo!”

Sorrio e então passo o endereço pra ela. Minha mãe termina de tomar seu café me contando animada sobre os detalhes da reforma. Toda vez que eu venho para São Valentim me bate uma saudade imensa daqui. Eu adoro morar em Porto Alegre, mas nada tira o prazer de sentir a calma e a simplicidade de voltar pra cá de tempos em tempos e sentir tudo desacelerar, tudo descomplicar. Parece que as coisas aqui não mudam nunca.

Não demora muito até que minha mãe saia para trabalhar e eu fique sozinho em casa. Agora com tudo em volta na mais completa paz, não tem como eu escapar dos meus pensamentos. Apesar de evitar, não consigo deixar de lembrar do vexame de ontem. Como eu e Felipe deixamos que isso tudo chegasse nesse ponto? Olho para meu celular e nem sinal dele. Nem sequer uma droga de um SMS. Será que ele não se arrependeu nem um pouco do que ele fez? Bem, francamente eu não sei, não estou mais reconhecendo o Felipe nesses últimos dias. Tento me ocupar assistindo televisão até chegar a hora de me arrumar para ir ao restaurante, esparramado no sofá com o ventilador de teto ligado na potência máxima e com minha mente turbulenta me tirando o sossego logo pela manhã, ecoando Felipe nos quatro cantos da minha cabeça.

Assim que o carro estaciona na frente do prédio de tijolos à vista, estufo o peito em um suspiro profundo. Esse lugar não muda nunca. Sempre o mesmo ar pacato, cheio de boas lembranças, me trazendo bons sentimentos. Quando passo pela porta, vejo que a decoração mudou um pouco desde a última vez. Parece um pouco mais alegre, mais colorida, tirando a monotonia dos tijolos e das toalhas de mesa brancas e laranjas. A primeira pessoa que eu vejo é Carlos, passando com a bandeja de prata perto da mesa ao lado da janela. Assim que ele me vê eu aceno para ele, vejo sua boca se abrir em um sorriso, se aproximando de mim claramente feliz em me ver.

- olha quem chegou! Edu, quanto tempo guri! – recebo um abraço caloroso dele, enquanto eu também envolvo meus braços e sinto o quanto senti sua falta. Carlos sempre foi um grande amigo pra mim, rever ele é sempre motivo de alegria.

- é eu sei, tá cada dia mais corrido lá em Porto Alegre.

Como estão as coisas aqui?

- tão bem, graças a Deus. O movimento do restaurante tá ótimo, estamos quase entrando em reforma... Mas eu fiquei sabendo que você recebeu elogios de uma mulher famosa lá no restaurante. Sua mãe me contou toda orgulhosa.

- é, foi sim. Faz um tempinho, mas eu acho que essa vai ser uma daquelas recordações que você nunca vai esquecer, sabe?

- fico tão orgulhoso de você, Edu. Lembrar que você era um guri sem barba que corria pra lá e pra cá com uma bandeja dessas aqui, sonhando em ir pra Porto Alegre e virar um chef. Olha pra você agora!

- obrigado, Carlos, de verdade. – falo um pouco sem jeito. Então ele olha para os lados e eu acompanho seu olhar, vendo que o movimento aumentou e que ele é o único garçom por enquanto, então percebo que estou alugando-o por tempo demais.

- vou deixar você trabalhar. A gente se fala depois, vou lá dar um oi pra minha mãe e pra minha tia.

- tá bom, vai lá. Tua tia não para de falar de você um minuto. Vai ficar feliz de te ver.

Vou até a porta da cozinha e vejo as duas trabalhando em perfeita sincronia juntas. Desde que eu me conheço por gente eu lembro delas assim. Até quando eu era adolescente, lá pelos meus 14 ou 15 anos e quando eu ainda nem ajudava como garçom, eu vinha pra cá depois da aula almoçar e via elas assim. Empurro a porta e chamo a atenção delas, atraindo seus olhares pra mim. Assim que minha tia me vê, ela larga tudo o que tinha na mão e estende os braços para mim.

- Edu! – sinto seu abraço apertado em mim, enquanto eu ainda estou impressionado pelo fato de como o tempo agiu muito mais sobre ela do que sobre minha mãe. As duas se parecem tanto, mas minha tia já tem uma parcela considerável de rugas e de fios brancos visíveis em seu cabelo por baixo da toca. – pensei que tinha se esquecido de mim. Não liga, não procura mais.

- ah tia, as coisas estão tão corridas lá em Porto que eu não tenho tempo nem pra mim direito.

- é, a vida de um moço da cidade grande né?

- exato. – digo sorrindo. – como vão as coisas aqui?

- tudo sob controle. – minha mãe se pronuncia, sorridente, me chamando para me dar um beijo na testa.

- bom, eu vou indo pegar uma mesa porque eu vi que já tá ficando lotado, daqui a pouco vou ter que comer no colo.

- vai lá filho, qualquer coisa chama.

Me despeço delas e volto para o salão, olhando para o relógio e vendo que já está na hora da Livia chegar. Mas quando firmo meus olhos entre as mesas ocupadas, penso que meus olhos estão me enganando por um milésimo de segundos, mas não estão. Ele está lá, sentado na mesa com os braços cruzados em cima da mesa. Lá está Felipe, o meu Felipe, o garoto da mesa 09, na mesa 09. Depois de tantos anos, e como se eu estivesse revivendo a cena onde nos encontramos pela primeira vez. De repente, meu celular toca no meu bolso e eu pego-o. É uma mensagem de Livia.

“Eu sei que você deve estar querendo me marcar agora, mas vocês precisam conversar. Espero que tenham um bom almoço.”

Guardo o celular de volta no bolso e de repente eu sinto que estou contorcendo o riso. Olho para ele e ele me olha com a expressão de cachorro sem dono, visivelmente arrependido do que fez, e eu fico com raiva de mim mesmo por não conseguir manter minha armadura de durão e de bravo com ele nunca. Me aproximo lentamente até que eu esteja do lado da mesa, olhando para ele e esperando ele dar o primeiro passo da conversa. Decido dificultar um pouco as coisas e penso que ele vai ter que trabalhar um pouco nessa reconciliação dessa vez.

- ei.

- ei. – meu tom de voz sai um pouco seco, em contraste com o seu rouco e sentimental.

- gostou da surpresa?

- ainda é cedo pra dizer.

- foi ideia da Livia.

- é, eu sei. – eu francamente não estou aguentando manter essa pose, mas no fundo acho que ele merece um pouco.

- vai ficar monossilábico comigo?

- depende. Você veio pra pedir desculpas?

- depende.

- do que?

- se você vai aceita-las ou não.

Eu franzo o cenho pra ele e ele reprime um riso, então eu também deixou transparecer um pouco do meu verdadeiro humor, quase deixando escapar uma risada. Pra não fazer isso eu olho para o lado, sentindo as batidas do meu coração se acelerarem. Ele é realmente um filho da mae que consegue me deixar balançado toda a vez que ele me olha desse jeito. Isso não é nem um pouco justo.

- o que eu vou fazer com você, Felipe?

- o que você acha que eu mereço?

- uns bons tapas.

- sério?

- não. Na verdade eu estou com tanta saudades suas que eu queria te beijar aqui mesmo e mandar você parar de ser tão cabeça dura.

De repente o ambiente fica tão mais leve, o meu Felipe descontraído e com o mesmo sorriso largo de sempre da as caras novamente, deixando o Felipe que me magoou tanto na noite passada pra trás. Ele muda-se de cadeira, vindo para a outra que está bem do meu lado, sentando-se de lado e ficando de frente pra mim. Então, sua mão direita afaga minha bochecha e o toque de sua mão quente faz meu corpo estremecer.

- você me perdoa? Pelo que eu fiz ontem?

- foi algo que eu não pensei que você faria algum dia, Felipe. Eu me senti humilhado ontem, sai de lá praticamente correndo com vergonha.

- eu sei, a Livia me falou hoje de manhã. – ele fala com a voz ressentida, a cabeça baixa.

- mas eu não quero lembrar disso. Tá no passado. Vamos esquecer, tá legal? – eu pego em seu queixo e levanto seu rosto novamente, seus olhos castanho claros me fitando cautelosos.

- tudo bem. – ele finalmente se desarma, suspirando fundo. – mas a gente ainda precisa conversar sobre São Paulo.

- Felipe, eu não quero brigar mais, por f...

- não, tá tudo bem. Eu não vou me impor, não vou brigar nem nada. Eu estou feliz por você Edu, de verdade. Quero que você vá lá, faça o teu melhor e volte pra cá com a sensação de dever cumprido.

- mas e a gente?

- vamos dar um jeito. Se eu não te apoiasse nisso, eu não seria um companheiro de verdade. Eu nunca me perdoaria se eu fizesse você desistir dos seus sonhos, meu amor. É por isso que eu me senti tão mal depois do que houve ontem.

Eu olho para ele por alguns instantes, absorvendo cada palavra dita para mim agora. Cada letra que saiu de sua boca me pareceu sincera e firme. Meu coração se aquece ao ver ele tão vulnerável, tão honesto e tão maduro, que eu não consigo conter meu sorriso novamente.

- eu te amo tanto, Felipe, mas tanto, que se eu chegasse lá em São Paulo e a saudade fosse demais, eu largaria tudo e voltava pra cá na mesma hora.

- eu não duvido disso. Sabe por que?

- por que?

- por que eu faria o mesmo.

Então, sem me importar com olhar algum a nossa volta, eu me aproximo e o beijo. Não sei ao certo se é pelo fato de estarmos a tantos dias sem nos dar carinho direito, mas assim que nossos lábios se tocam, sinto uma corrente elétrica percorrer meu corpo. Minha mão envolve seu pescoço e sobe para os cabelos macios e castanhos, prendendo firme os dedos e puxando-o mais pra frente. Mas ao mesmo tempo que o beijo é tão necessitado, ele é tão leve e tão terno que eu não sei ao certo como realmente estamos dirigindo a situação; se lenta e delicadamente, ou se feroz e intensamente. Mas a única certeza que eu tenho agora é que estamos em um estado de graças, onde mesmo que tenhamos uma luta travada pela distância mais adiante, sabemos que é uma luta que vale a pena.

Comentários

Há 3 comentários.

Por Legal em 2016-01-09 22:47:05
"Cada letra que saiu de sua boca me pareceu sincera e firme." Eu pensava que o que saía da boca eram sons!!!
Por Felipe Fernandes em 2016-01-09 01:21:25
Migoo cara acontecei um erro tecnico mas a minha produção já providenciou isso. Enfim. que climão esse heim kkk isso chegou ate a me atingir aqui do outro lado do país kkkkkkkkkkkkkk você deixou mais um capitulo bem dahora e to esperando ainda pra ler o proximo capitulo. Beijos da Mana liposa. Abraço. Até breve.
Por Niss em 2016-01-08 01:01:48
Viaadoooo!!! Cara!! Nossa! Eu fiquei tão chateado com o Felipe, o Edu não merecia aquilo.... Mas... Essa ultima parte foi tão, tão, tão ahhh foda, nostálgica, essas palavras deles, essa reação do Edu de não ficar chateado, uau! Esse amor deles é muito lindo! É forte, é como se fosse a primeira vez, maravilhoso! E com esse final lacrativo, eu espero pelo proximo capítulo Mana. Kisses, Mana Nissan.