10. Fantasmas do passado

Conto de Luã como (Seguir)

Parte da série Dia a dia, lado a lado

Hoje faz um calor escaldante aqui em São Paulo, quente demais até para um dia de dezembro, onde o verão já nos tortura com altas temperaturas. O barulho dos motores potentes das motos invade meus ouvidos e faz meu coração bater rápido, enquanto estamos eu, Samuel, o pai e a mãe de Gustavo no camarote da empresa da família, que é uma das principais patrocinadoras da disputa de agora de tarde, aqui em Interlagos.

- Arthur do céu, esse lugar aqui é o paraíso dos homens gostosos! – Samuel cochicha no meu ouvido, fazendo eu reprimir o riso.

- tenho certeza que você vai poder colocar o título de “Maria Purpurina dos Boxes e Estepes” na sua lista de atributos, depois de hoje.

Samuel, que não é bobo nem nada, tratou de unir o útil ao agradável devido ao calor, e colocou sua regata branca justa, que demarca muito bem seus músculos e atrai olhares nada discretos. De repente vem na minha cabeça a imagem dele se jogando com um cara de macacão e boné em uma pilha de pneus, no fundo do box e fazendo sua tarde valer muito a pena. Sorrio e balanço a cabeça em pensamento, pois essa possibilidade não é tão impossível, já que estamos falando de Samuel.

Então, como se nada tivesse acontecendo, eu e ele mudamos rapidamente de assunto e fazemos cara de paisagem quando Ester chega até nós para conversar, sendo logo conquistada pela simpatia de meu melhor amigo loiro. Agora, um pouco mais livre enquanto eles engatam um papo animado sobre a história das corridas, eu consigo ficar a sós com meus pensamentos. Para minha grande aflição, Gustavo é um dos competidores e carrega o grande peso de ser o vice campeão da última temporada, o que traz uma grande responsabilidade para ele, que não tem apenas a empresa da família como principal patrocinadora e sim várias outras, o que faz ele parecer tenso o tempo inteiro. Agora ele esta conversando com dois homens de bonés iguais, com a mesma estampa da logomarca de uma das patrocinadoras, mais ao longe, ao lado de Diego, que também vai correr. Preciso dizer que Gustavo está de tirar o fôlego com esse macacão de microfibra preto com azul, deixando todo seu corpo escultural demarcado, especialmente seus braços, seu tórax e sua bunda. Ver ele tão compenetrado ouvindo os dois homens faz eu ter a certeza de que ele está aflito com tudo é que quer muito vencer, enquanto Diego parece visivelmente mais relaxado, com o mesmo sorriso descontraído e o olhar sexy, mesmo quando ele não quer o fazer. Por um momento seus olhos saem do pequeno grupo e se voltam para minha direção, então eles se tornam acesos, então ele logo olha pra Samuel e algo prende sua atenção nele por uns bons segundos, o que me faz pensar que meu amigo acabou de se dar bem e achar seu piloto de corrida com direito a macacão apertado e tudo. Eu me animo a falar pra ele e me viro para eles, que agora conversam com Rodolfo sobre o novo modelo das motos e suas várias cilindradas a mais. Cutuco levemente Samuel e aponto com os olhos discretamente para a direção de Diego, que agora também presta atenção em sua pequena reunião. Samuel fica com seus olhos azuis evidentemente cobiçados ao ver o homem alto e loiro de cabelos ondulados e corpo forte logo ao lado de Gustavo, então eu penso que tudo está se encaminhando bem.

- e você Arthur, gosta de esportes?

- ah, não sou fanático, mas sou um apreciador. – digo em resposta a Rodolfo, que tira uma garrafa de água do frigobar e me oferece outra, me tirando da pequena missão de cupido secreto que eu estava começando a fazer.

- eu fui um dos primeiros patrocinadores dessa corrida, sabe? Eu até tentei correr quando era mais novo, mas acabei me acidentando uma vez e perdi o jeito.

- ah, que pena! Mas você nunca mais tentou andar?

- só em pescarias com amigos, com aquelas motos 125 cilindradas, sabe?

Nos quatro rimos e eu imagino a cena, onde um corredor profissional volta a andar com uma moto 125. Claro que ele fez esse comentário pois eu entendo de motores, então eu me sinto feliz por ele estar puxando assunto comigo sobre coisas que eu entenda e goste de falar. Eu meio que ainda fico tenso com esse lance de estar com a família do namorado. Namorado? Essa palavra ainda me deixa sem reação. Gustavo é meu namorado, em um período tão curto de tempo, tudo tão rápido, mas é meu. Isso parece surreal demais pra mim.

- garotos, se vocês nos dão licença, eu e Ester temos que cumprimentar alguns convidados.

- claro, vai lá. – lhe respondo com um sorriso caloroso, enquanto eles se afastam e eu faço a contagem regressiva mental para Samuel me perguntar quem é o cara que eu lhe mostrei.

“3,2,1”

- quem é ele?

A curiosidade estampada na voz de Samuel me faz pensar que eu não tenho sombra de dúvidas que eu conheço ele dos pés à cabeça.

- irmão do Gustavo.

- oi?

- é, parece que há algum imã com os homens dessa família.

- até o pai dele não é de se jogar fora, vamos combinar. Adoro um barrigudinho também.

- Samuel! Sua puta.

- obrigado pelo elogio. – ele fala sarcástico, ao tomar um gole de água. – e você sabe que ele é podre de rico, né?

- quem, o Rodolfo?

- é, ele é acionista majoritário de tipo, mais de 5 empresas enormes e minoritário de uma multinacional! Já trabalhou na Wall Street e tudo. Tá bom ou quer mais?

Uau, agora sim eu estou impressionado. Não basta apenas Gustavo ter conquistado sua fortuna em tão pouco tempo, os pais dele também tem que ser podres de ricos. Acho que além da beleza, a habilidade com negócios também tá no sangue.

- e como você sabe de tudo isso?

- ah Arthur, para né! Ele tá sempre estampado nas revistas, seja de economia ou de celebridades, você nunca viu?

- hum, o rosto dele não me era estranho, mas eu não lembro de ter visto ele em alguma revista. Acho que talvez você seja obcecado em impressos de fofocas. – eu solto, venenoso, então ele percebe que eu estou querendo fazer nossos joguinhos irônicos.

- eu não preciso disso, querido. Sou uma pessoa muito atarefada.

- ah é? Com o que?

- com meu plano de fisgar seu cunhado gostoso.

- então aproveita que ele tá vindo aí, Don Juan.

Ele se vira para o lado e eu vejo que ele toma isso como um desafio, pelo modo como ele deseja Diego apenas com os olhos a medida que ele e Gustavo se aproximam.

- e aí gente, curtindo?

- muito! – digo para Gustavo, que me dá um beijo breve e um abraço intenso, fazendo eu sentir sua roupa colada e querer um pouco mais.

- Diego, esse é meu amigo, Samuel. Samuel, esse é o irmão do Gustavo, Diego.

Pronto! Acabei de soltar a bomba de desejo entre os dois. Como um pontapé inicial bem sucedido, vejo que Diego estende a mão para Gustavo aparentemente investindo todo seu charme infalível, inclusive aveludando mais sua voz.

- prazer, Samuel.

- o prazer é meu, Diego. – vejo Samuel retribuir o aperto de mão de forma firme e não deixar de olhar nos olhos dele um segundo sequer, então acho que não há mais nada para ser feito. Os dois já estão em sintonia.

- Samuel, você me empresta o Arthur uns minutinhos?

- claro! Só devolve ele inteiro.

Aproveito que Samuel vai estar em ótima companhia e então não me importo nem um pouco de ser tomado emprestado por Gustavo, seja pelo tempo que for.

Andamos pra fora do camarote, onde eu achava que já estava calor o suficiente, mas só então quando chegamos no lado de fora que eu vejo o quanto o ar condicionado estava ajudando. Passamos pelo longo corredor cheio de pessoas ansiosas e agitadas na correria que o pouco tempo para o início da corrida provoca, então estamos indo em direção ao box, onde o barulho das motos e ainda mais alto e é aí que eu vejo o nervosismo que eles sentem, estando no centro de tudo, de toda a expectativa, onde tudo realmente acontece. Passamos reto e agora vamos em direção dos banheiros e só aí que eu percebo as reais intenções de Gustavo. Minha nossa! Mais uma fantasia prestes a ser realizada, mas dessa vez, eu achei que seria mais a cara de Samuel se pegar com alguém nos bastidores da corrida. No entanto, hoje eu estou um tanto Samuel, se é que eu vocês me entendem. Essa roupa colada, esse ar de tensão no ar, esse ambiente diferente, tudo me faz ter tantas ideias, ideias essas que eu acho que Gustavo também está tendo.

Assim que fechamos a porta, Gustavo me prende em seus braços e me beija forte no meio do cômodo, respirando alto e soltando pequenos sons que arranjam sua garganta e quase não se fazem audíveis, mas que eu sinto não só em meus ouvidos mas em todo o meu corpo, através do desejo. Eu o empurro pra trás até entrarmos em uma das cabines, então temos um pouco mais de segurança em caso de alguém entrar de repente, além de privacidade para fazermos outras coisas que eu começo a querer. Desde que eu esbarrei com Gustavo, grande parte da minha vida começou a ter bastante adrenalina e tudo o que fazemos me soa bastante perigoso e sexy, o que me atiça ainda mais e desperta um desejo incontrolável por ele. O empurro contra a parede e isso causa um barulho que o pega de surpresa, fazendo-o sorrir pela minha força empregada e parecer ainda mais estimulado, com seus olhos castanhos me encarando quentes, muito quentes.

- hoje você tá no ponto certo, hein?

- você nem imagina.

Então, volto a o beijar. Passo uma de minhas mãos em seu corpo, em sua malha lisa e desço até chegar em seu volume notável no meio de suas pernas. Meu toque o faz reagir com um suspiro forte e com um gemido mais alto, me deixando saber que eu estou no caminho certo.

Suas mãos então começam a desbravar meu corpo e tomá-lo pra si, enquanto eu fricciono minha calça em sua malha e causa um atrito delicioso, mas o barulho da porta se abrindo e uma conversa entre duas vozes nos faz parar imediatamente e ficarmos imóveis, controlando o riso.

“Acho que elevamos o nível de perigo um pouco mais por aqui.” – penso comigo mesmo. Os dois homens conversam animados sobre suas apostas para o resultado da prova enquanto eles nem desconfiam que bem ao lado deles há dois homens escondidos na cabine, se divertindo. Bom, que estavam. Agora a diversão não é sexual e sim genuinamente engraçada, pois estamos nos segurando ao máximo para não ter uma crise de risos ali mesmo e sermos descobertos.

Quando finalmente a porta volta a fazer barulho e por fim se fechar, eu e ele suspiramos aliviados.

- você ainda vai me colocar em problemas sérios, Arthur.

- eu? Se eu bem me lembro, a ideia foi sua.

Ele endurece a mandíbula e me analisa, os olhos cintilantes e divertidos com a adrenalina.

- você sempre tem uma resposta pronta, né?

- hum, eu acho que sim.

Gustavo dá um sorriso de canto e em seguida morde o lábio inferior, fazendo eu lhe beijar mais uma vez. Até que, em um movimento rápido, ele me troca de posição e agora sou eu quem está preso na parede, enquanto ele me deixa encurralado com os dois braços em volta de mim.

- se eu desistir da corrida e te pegar aqui nesse banheiro mesmo a tarde inteira, a culpa vai ser sua.

- seu pai ficaria muito, muito bravo. – eu jogo, a voz cômica e os olhos estreitos.

- disso eu não tenho dúvida.

- mas esse não é o caso. Você vai lá, vai ser o melhor e levar a taça pra casa.

- você tá apostando alto em mim, então.

- com certeza. Bom, o troféu de melhor barraca armada você já tem, sem dúvida.

Eu falo isso e olho pra baixo e então ele me acompanha, olhando para o relevo logo abaixo de sua barriga.

- agora me diz como eu vou sair desse banheiro?

- sabe que eu não sei?

Então eu tiro seus braços de volta de mim e, sorrindo, destranco a porta da cabine e saio do banheiro, deixando ele sem escolha. Posso até ver sua cara de desolação é isso me causa ainda mais divertimento, pois se tem algo que eu amo nesse mundo é torturar Gustavo.

De volta ao camarote, vejo Samuel entretido olhando através do vidro para a linha de largada, que é bem em nossa frente, logo após a grade de proteção. Me aproximo e vejo que já há vários homens fazendo as checagens finais na pista, inclusive com um carro do evento, então eu me dou conta que eu e Gustavo ficamos tempo demais no banheiro.

- ei, pensei que tinha desaprendido o caminho de volta! Cadê o Gus?

- provavelmente correndo pro box e se preparando pra ouvir sermão dos patrocinadores pela demora.

- vocês não tem jeito mesmo. – ele me olha com tom de desaprovação e eu encolho os ombros. – eu to começando a achar que vocês são ninfomaniaco ou algo parecido.

- ah Samuel, vai cagar. Aposto que você também tava louco pra dar uns amassos com o Diego, se pudesse.

- ah meu amigo, disso você não tenha dúvida! Mas o dia ainda não acabou. – o modo como ele fala soa como um predador da pior espécie, então eu balanço a cabeça em reprovação e volto meus olhos para a pista, onde os competidores já estão se posicionando.

Não demora muito para que eu veja Diego e depois Gustavo na pista, ocupando seus lugares. A largada é dada e eu vou ao delírio quando os dois saem em disparada na frente, páreo a páreo com outros dois competidores, e esse sentimento me angustia durante toda a prova, fazendo eu ansiar pra eles darem as voltas e passar por nós para eu ver em qual posição eles estão. Para minha surpresa, na última volta Gustavo ultrapassa o homem que até agora era quem estava à frente, com Diego logo atrás, então assim que eles fazem a curva e se aproximam da chegada, Gustavo e o primeiro a cruzar a linha, seguido do outro homem e depois de Diego. Eu e Samuel entramos em um estado de euforia enorme e começamos a gritar e comemorar dentro da sala, mas a agitação e tanta que saímos do camarote e descemos até a grade de proteção, onde ficamos perto deles e eu consigo ver a felicidade de Gustavo de ter conquistado o primeiro lugar.

Depois de receberem os trofeus no pódio e tirar algumas fotos, além de fazer o tradicional banho de champanhe, posso finalmente parabenizar Gustavo e Diego pela vitória dos dois, sendo pego de surpresa por Gustavo através de um beijo e de um semi banho de champanhe quando ele me ergue levemente pra cima quando estamos nos beijando. Depois eu vejo Samuel cumprimentando Diego e vejo que os dois estão no maior entrosamento, o que me faz pensar que logo logo estaremos vendo um novo casal na área. Pra finalizar a noite, nos quatro saímos para comemorar pela noite paulistana, indo jantar no Skye e depois cair com tudo na Yatch, aproveitando que também estamos perto de finalizar o ano que? pelo menos para mim e para Samuel, foi um ano de muitas novidades.

__

O barulho da champanhe sendo aberta aguça meus ouvidos, enquanto eu subo as escadas em direção à proa, onde Gustavo está simplesmente lindo com sua polo de tricô branca, uma bermuda social café e seu chinelo, com a felicidade estampada no rosto e, assim como eu, visivelmente animado por estarmos passando a virada do ano a sós, apenas eu, ele e o oceano em nossa volta. O único vestígio de civilização está a uma boa distância, onde as luzes da beira da praia formam pontos no horizonte, junto com alguns fogos de artifícios antecipados no céu.

Há uma mesa posta logo à frente, entre eu e Gustavo, no meio de seu luxuoso iate, pronta com um jantar à base de frutos do mar e que me parece ter um gosto ótimo. Isso só me faz ter certeza que meu chefe, além de ter todas as atribuições positivas que eu já sabia, também sabe cozinhar pratos exóticos com maestria.

- com fome? – ele pergunta ao me alcançar uma taça com o champanhe, a retina brilhando com a luz da noite.

- um pouco. O cheiro e a cara estão ótimos.

- bom, eu tenho que admitir que me esforcei pra te impressionar.

Ah, então estamos tendo uma sessão de sinceridade pura aqui! São poucas as vezes que eu vejo Gustavo sem seu jeito confiante e autoritário. Como resposta eu lhe lanço um riso de agradecimento e lhe planto um beijo nos lábios. O gosto da champanhe só deixa sua boca ainda mais tentadora, com sua língua molhada me envolvendo e me deixando aceso.

- vem, vamos jantar antes que esfrie.

Eu prontamente obedeço e me sento à mesa com ele, observando tudo e me sentindo bobo por ele ter feito tudo isso pra mim. Se a comida parecia ótima apenas pela cara, o gosto e ainda melhor, com o excêntrico sabor da lagosta e do polvo dourado na chapa com manteiga, tomates cereja, pimentão amarelo e verde, champignon e molho branco, além de um ensopado de camarão, arroz branco e salada de cenoura com rúcula. O gosto do vinho branco como bebida deixa o sabor do prato ainda mais realçado, enquanto eu penso que Gustavo, ao contrário do que eu achava, é um ótimo cozinheiro.

Jantamos enquanto conversamos sobre seus planos de viajar comigo para eu conhecer a sua casa de campo, logo quando possível. Depois disso, ele toma mais um gole de sua bebida e vai até seu iPod e troca de música até parar em Wild Things, da Alessia Cara e apesar do ritmo não ser próprio para uma dança, ele exclama que gosta dessa música e me convida pra dançar. Eu hesito por um segundo e rio de sua cara de expectativa enquanto estende a mão pra mim, então eu cedo e seguro sua mão, levantando e me juntando a ele para a dança. Gustavo tenta bancar o engraçadinho fazendo um movimento brusco e, devido às ondas fortes e repentinas balançarem um pouco a embarcação, isso faz nos desequilibrar e cair de volta na cadeira, sem jeito. Após sorrirmos com a situação embaraçosa e engraçada, Gustavo passa sua mão em volta do meu pescoço e me puxa para um beijo, fazendo eu sentir um calor muito forte e instantâneo.

- acho que a gente tem um assunto pendente de ontem. – sua voz é bem sugestiva e deixa suas intenções bem claras.

- ah temos?

- Uhum. E eu preciso que você me ajude a matar uma curiosidade

- qual? – o ambiente já começa a mudar de clima e eu sei que agora somos caça e caçador.

- toda a virada do ano as pessoas escolhem a cor das roupas por um significado. O que será que significa se a gente passa a virada sem roupa?

Uou! Direto e franco, tanto que me deixa sem resposta por alguns segundos.

- ahm, acho que essa é uma pergunta ué vamos ter que solucionar juntos.

- me parece uma ótima ideia. – sinto ele se levantar comigo em seu colo e então eu reprimo um grito e quase peço para ele me por no chão, mas antes que eu pudesse pensar em algo, ja estávamos na parte de dentro do iate, entrando no quarto peculiar de madeira escura e com o guarda roupa embutido no mesmo material, sem contar com a janela redonda que deixa tudo ainda mais diferente. Gustavo me põe deitado na cama e fica de pé em minha frente, então se livra de sua polo e fica me olhando por um par de segundos, me deixando na expectativa por seu próximo passo, a antecipação me corroendo por dentro. Eu o olho curioso e sinto que o desejo cresce impiedoso dentro de mim.

- não me olha assim, Arthur, você sabe que esse é meu ponto fraco.

- assim como?

Forço ainda mais meu melhor olhar, então ele sorri e avança pra cima de mim novamente, a sede por sexo estampada em seus olhos. Quando nossas bocas se encontram, é como se fosse o encontro de fogo e gasolina, com nossos corpos explodindo e querendo um ao outro, então em um segundo eu já estou sem minha camisa, no outro estamos sem calça e no outro estamos totalmente sem roupa na cama, o calor de pele a pele me deixando sem fôlego e nossos olhos em sintonia, firmes, imóveis, brilhando com o desejo.

Sem perder tempo, Gustavo desce com sua língua por meu corpo até chegar em meu pênis reluzente e duro, que esperava ansioso por esse toque desde que fomos interrompidos ontem na cabine do autódromo. Solto um gemido abafado quando ele faz de sua boca uma casa para meu membro, o tomando por inteiro, da ponta a base, parecendo que não importa-se o quanto ele engolisse, ainda não seria o suficiente. O modo como ele manuseia a língua, o movimento com a boca e até suas expressões faciais com tamanha maestria me deixam ainda mais desestabilizado, fazendo revirar os olhos e querer sentir tudo o que eu estou tendo vontade nesse momento, sozinho com ele no meio do mar. Mais que prontamente, ele levanta minhas pernas e começa a friccionar seu membro contra minha bunda e soltar aquele sorriso safado que me deixa fora de mim. A antecipação toma conta de mim e eu começo a ficar sem fôlego, ansiado para ter ele por inteiro dentro de mim. Seu pênis está tão duro e pronto para o combate que eu sinto ele forçar mais do que o necessário e quase faz seu caminho em mim. Para chegar logo ao nosso desejo real, sem rodeios, ele se estica e puxa um pacote de preservativos e um tubo de lubrificante de dentro da gaveta ao lado da cama.

“Sempre preparado.” – penso comigo mesmo, ficando feliz por isso.

Já devidamente protegido, ele passa o lubrificante em mim e nele, para deixar o caminho mais fácil. Sem muita dificuldade, seu mastro começa a deslizar pra dentro de mim e eu sinto como se eu estivesse sendo invadido por um misto violento de sensações prazerosas, mas quando ele está quase lá ele tira novamente, me causando uma contração de desejo e me fazendo segurar firme no lençol com as duas mãos. Até que ele volta a forçar a entrada e quando está tendo sucesso, volta a tirar, só para me provocar. O tesao agora se mistura com ansiedade máxima, me fazendo choramingar e quase implorar pra que ele entre completamente em mim e acabe com a tortura.

- Gustavo...

- você gosta disso? Sua voz ressoa baixa em sua garganta e vibra através do meu corpo, com o tom provocativo é certeiro que me deixa ciente de que hoje é minha noite de sorte. Então ele entra com um pouco mais de intensidade e eu solto outro gemido, agora mais alto.

- gosta?

- sim!

- eu sei que gosta.

Outra tentativa, agora por completo, parecendo que está me rasgando por alguns segundos, mas que estranhamente e a melhor sensação do mundo. Eu jogo minha cabeça pra trás, encostando firme no travesseiro e deixo toda a sensação avassaladora começar a tomar conta de mim. O vai e vem começa devagar e tímido, com nossas respirações cada vez mais descompassadas e com nossas peles em atrito, até que ele se curva em cima de mim e afunda sua cabeça em meu pescoço, fazendo eu sentir com mais intensidade seu perfume misturado com cheiro de shampoo de aloe vera e de sabonete suave. O modo como ele me toma pra ele é tão dominador, tão explicitamente egoista que deixa bem claro que eu sou dele e de mais ninguém, o que absolutamente não é nenhuma mentira. As estocadas ficam mais intensas e eu ouço o barulho dos fogos de artifício subindo e explodido no céu, lá fora. É meia noite.

- feliz ano novo, bebê. – seu rosto já está levemente vermelho e suado por causa da agitação do momento, mas sua voz é suave e calma, apenas ficando um pouco instável por causa dos movimentos que não cessam nem um segundo sequer. Penso que esse é um jeito bem diferente de ganhar um feliz ano novo e eu acho a ideia muito boa.

- feliz ano novo, chefinho.

Então, uma onda de beijos intensos se mesclam com a penetrarão mais agitada. A situação começa a ficar complicada pra mim quando ele começa a soltar gemidos mais altos, com a voz grossa e quase abafada, enquanto ele volta a querer brincar comigo, tirando totalmente seu pênis de dentro de mim e entrando com tudo em seguida, repetidamente, me deixando sem base para me conter e não me restar outra alternativa a não ser perder o controle e deixar que meus instintos fossem soltos. O desejo dentro de mim então se torna ainda mais forte, enquanto eu fecho os olhos e me preparo pra gozar, mas Gustavo percebe e então para com tudo, apenas me beijando e fazendo meu orgasmo ser jogado mais pra frente, o que me deixa um pouco frustrado, mas que é uma estratégia e tanto pra prolongar nossa noite. Rapidamente ele se senta na cama e me coloca em seu colo, suas costas apoiadas na cabeceira macia da cama em tecido preto e agora com seu suor. O cheiro de sexo no cômodo só contribui para o desejo aumentar mais e mais, enquanto eu me ajeito em seu colo e começo a controlar o movimento, dessa vez. Penso que essa é a hora perfeita para torturar Gustavo também, então eu faço ele provar da mesma antecipação que eu provei antes, forçando a entrada de seu membro e mim mas fazendo-o lenta e demoradamente, fazendo ele provar do próprio veneno.

- você não presta, Arthur.

- você percebeu isso só agora? – sou meu melhor sorriso de canto e me afundo nele de vez, enquanto vejo ele fechar os olhos e puxar fundo o ar, o som de satisfação vindo baixo de sua boca, que agora se abre levemente e em seguida se preenche com um beijo meu. Mas o Gustavo que eu conheço logo aparece e toma as rédeas da situação, segurando minha cintura com as duas mãos e se afundando mais rápido e mais intenso em mim, fazendo meu desejo acender mais quando seus olhos em brasa encontram os meus. É apenas questão de tempo para que eu sinta meu orgasmo vir sem nenhuma compaixão e me fazer explodir, jogando jatos de esperma em Gustavo, pegando em sua boca, em seu pescoço e em seu ombro. O que me leva realmente a loucura e o modo como o esperma escorre de sua boca e desce até o queixo, pendendo e ficando suspenso no ar, enquanto ele parece estar adorando a ideia de estar lambuzado e de estar lambuzado com meu gozo. O desejo acende ainda mais em seu rosto e ele volta a acelerar as estocadas, então logo eu vejo ele fechar os olhos com força e soltar gemidos altos enquanto entra na mesma sintonia que a minha, com a respiração ofegante e com o corpo ficando sem forças e com pequenos espasmos de prazer.

Com meu corpo ainda em transe e com minha respiração voltando ao normal, Gustavo me puxa pra perto dele e me abraça por trás, mesmo com nós dois sujos com os vestígios de nossa transa inaugural do nosso ano juntos, então eu começo a pensar longe. Será que eu sou o único que ele trouxe aqui e fez todo esse cenário romântico como agora?

- Gustavo?

- hum?

De certo modo eu acabo travando e não consigo prosseguir, por mais que a minha curiosidade esteja grande.

- não, nada.

Ele se mexe, visivelmente impaciente e eu espero ele dar o sermão.

- sabe que não é nada legal isso? Deixar as coisas no ar?

- é bobagem, deixa pra la.

- se é bobagem, então me fala.

Eu crio coragem e me viro pra ele, olhando em seus olhos castanhos e profundos para buscar as palavras certas.

- é que... quantos caras você trouxe aqui?

- como? – ele parece realmente surpreso com a pergunta.

- quantos caras você trouxe no iate, nessa cama? Ou no Maverick?

- se eu falasse que você foi o único, você acreditaria?

- não sei, me parece muito improvável.

- mas foi. Eu nunca namorei serio, nunca fiz essas coisas com outros caras, só com você. Algo em você me faz perder o equilíbrio, Arthur, me faz perder o juízo.

Ele passa a mão pelo meu rosto e eu fecho os olhos, me sentindo estupido por ficar puxando esse tipo de assunto em uma hora tão inapropriada.

- às vezes eu acho que eu não te mereço.

Sua voz me faz abrir os olhos e sair do meu breve estado de graças, me deixando chateado.

- por que você diz isso?

- você é bom demais pra mim, Arthur. Nunca pensei que eu teria alguém como você.

De repente, vejo em Gustavo alguém que se acha tão inferior a ponto de não merecer o amor sincero de alguém. Por que? Por que esse menosprezo contra si próprio?

- mas você tem. Você tem e eu vou te fazer muito feliz, se você deixar.

Ele sorri e se aproxima pra me beijar. Nosso beijo é lento, intenso e breve.

- você já me faz, Arthur.

__

Samuel está em frente do espelho do meu quarto, terminando de arrumar seu cabelo e ajeitar sua gravata borboleta preta. Eu acabo de entrar no cômodo e vejo que ele está simplesmente deslumbrante com seu blaser de veludo molhado marrom tostado, a camisa branca e sua calça e sapatos pretos, fazendo dessa roupa a mais elegante que eu já vi ele usando, sem sombra de dúvidas. Tenho certeza que ele está bem animado com a festa de Diego, mesmo sendo convidado de ultima hora depois de conhecer ele na corrida de motos, mas não tão de última a hora a ponto de impedir ele de ir atrás da roupa perfeita, logo depois de sairmos do autódromo.

- olha Samuca, cê tá de parabéns. Se tiver algum prêmio de melhor roupa, ja é seu.

- ah meu amigo, isso tudo faz parte do plano.

- plano?

- é, de abocanhar o seu cunhado lindo loiro e sexy. Tenho que caprichar pra impressionar o aniversariante gato, então o investimento tem que ser pesado.

Sorrimos e eu dou uma última olhada no espelho antes de sairmos em direção à garagem.

Assim que o Focus de Samuel encosta no meio fio da casa dos pais de Gustavo, já posso sentir o nível dos convidados, muitos saindo de seus carros importados vestindo roupas elegantíssimas e bem cortadas, fazendo eu me olhar e me sentir um peixe fora da água com meu terno preto simples e sem graça. Apesar disso, todos parecem ser muito simpáticos e cordiais, enquanto fazemos nosso caminho até a porta e logo sendo recepcionados por uma moça simpática que controla a entrada de convidados, pra quem alcançamos nosso convite e esperamos até ela liberar a entrada. Assim que passamos pela porta, Ester nos recepciona visivelmente alegre e eufórica pela festividade, ficando ainda mais linda com seu vestido nude de seda e seu cabelo preso em um coque impecável.

- meninos! Que bom que vocês vieram. Como estão?

- bem, obrigado! Você tá linda, Ester!

- obrigado, Arthur. Você também, os dois, aliás! Que blaser lindo, Samuel!

- obrigado Ester, seu vestido também tá ó – ele faz um gesto de positivo com o polegar e o indicador então Ester sorri e nos pede pra ficarmos a vontade, então seguimos para a festa e logo encontramos nossos homens. Gustavo está com um terno cinza escuro e uma camisa azul clara muito bonita, além da gravata borboleta de um tom mais forte de azul que o deixa muito charmoso. Já Diego está com um terno preto com detalhes em polipiel, muito semelhante à couro, na gola, nos bolsos e nas pontas das mangas, além de uma camisa também preta e sendo o único a não estar de gravata até agora, talvez pelo fato de ser o anfitrião da festa e querer estar diferente de alguma forma.

- Samuel! Você veio. – o tom de voz de Diego deixa muito mais do que claro que ele está feliz em ver Samuca, então eu e Gustavo trocamos um olhar de cumplicidade e tenho certeza que compartilhamos do mesmo pensamento de que a noite vai ser ótima para os dois. Ele então vem até a mim e me abraça, fazendo eu sentir seu cheiro tão bom e perceber que eu estava com saudades dele, do seu cheiro, do seu toque, dele por completo.

- você tá lindo. – ele elogia, me olhando de cima a baixo. Eu, como esperado, fico sem jeito e sorrio envergonhado.

- não tanto quanto você. Você chegou faz tempo?

- não muito. E você, o que tá achando?

- o que?

- festa chata, com gente chata...

- acho que isso é a cara da alta sociedade paulistana. Meio que não se encaixa comigo, mas eu aguento, por você.

Sua boca se abre e ele sorri, parecendo satisfeito com o que ouviu.

No meio de nossa conversa, Diego acaba esbarrando em mim e derrubando uma taça de champanhe inteira em minha camisa e em meu blaser.

- ah droga, desculpa Arthur! Olha que estabanado eu. – ele fala com os olhos grandes, realmente arrependido, mas eu não ligo. Acho que eu tava procurando uma desculpa pra tirar esse negocio pesado mesmo, então foi ponto positivo.

- não esquenta, tá tudo bem.

- vem, vamos lá limpar isso.

Eu e ele seguimos pelo meio das pessoas até chegar na cozinha, onde ficamos a vontade e a sós, o que me deixa aliviado, já que o ar chique demais da sala estava me deixando sem graça.

- festa ótima, Diego! Vejo que você tem muitos amigos, isso é bacana!

- que nada, a maioria são contatos do meu pai. Se fosse por mim, um churrasco apenas pros mais chegados seria o ideal.

Mas sabe como é né.

- ah sim, eu sei. Mas a festa tá muito legal, de qualquer forma.

Eu tiro o blaser e abro a torneira para passar um pouco de água, enquanto Diego procura por um pano limpo para eu secar depois. O barulho das conversas mais ao longe são abafadas pelas paredes e pela porta fechada, que nos deixa longe de toda a agitação e das confessas sobre economia e negócios que dominam a grande sala de estar da casa da família.

- sabe Arthur, eu to muito feliz pelo meu irmão. Fazia tempo que eu não via ele tão feliz, sabe?

- ah, obrigado Diego! Fico feliz em saber disso.

- eu só digo a verdade, cunhado! – ele sorri, brincalhao. – ainda mais com todo o lance do passado dele, deve ser difícil pra ele ficar com uma pessoa que entenda tudo e que apoie ele...

O que? Passado?

- como assim?

- ele não te falou nada?

- falou o que?

- ah droga, eu acho que eu acabei falando demais. – ele passa sua mão larga em seu cabelo, me olhando aflito. Que droga é essa agora? – Finge que eu não falei nada, Arthur.

Claro que eu não poderia fingir, a pulga já havia sido implantada atrás da minha orelha e parecia que Diego havia feito isso de proposto, ou talvez seja apenas loucura minha.

- tudo bem, então. – eu rosno, insatisfeito.

- resolveu um pouco a situação aí?

- resolveu sim, obrigado.

De volta para a festa, não encontro nem Gustavo e nem Samuel onde eles estavam antes. Eu e Diego seguimos para a parte dos fundos da casa, onde havia ainda mais gente que lá dentro, então logo avisto os dois na beira da piscina, cada um com uma taça de champanhe e conversando animadamente.

- e aí, melhorou? – Gustavo me olha animado mas eu não consigo corresponder à altura, visivelmente frustrado pelo que Diego falou antes. Contudo, eu forço meu melhor sorriso e minha melhor cara de animado e de alguma forma acaba convencendo.

- melhorou, não foi nada, só uma manchinha.

- você poderia pelo menos ter dado outra camisa pra ele, né Diego?

- eu nem pensei nisso! Quer ir lá em cima, Arthur?

- ah não, não precisa Diego, valeu.

O clima da festa que tinha récem começado, pra mim já estava acabado. Eu preciso tanto saber o que é esse lance do passado de Gustavo e eu sei que eu não tenho esse direito, já que se é passado foi antes de a gente se conhecer, mas eu começo a pensar naquele dia, no almoço de quando a gente viajou no domingo e ele desviou do assunto da família dele. Agora, o Diego deixando coisas soltas no ar. Eu sinceramente não gosto de ficar sabendo da metade das coisas e Gustavo até agora tem sido um mistério frustrante pra mim. Apesar de estarmos tão bem, não consigo deixar de pensar que ele me esconde muita coisa. Meus pensamentos são atrapalhados quando uma movimentação estranha começa ao nosso redor, com as pessoas olhando todas para a mesma direção e começado a fazer um burburinho. Sigo o olhar de todos e vejo uma moça vindo a passos largos da lateral da casa, olhando fixamente para Gustavo e aparentando estar em um misto de raiva, angústia e pressa.

- Gustavo!

Eu olho pra ele e vejo que assim que ele a enxerga, seus olhos se petrificam. Quem é ela? Gustavo fica imóvel, sem falar ou aparentar qualquer tipo de emoção que não seja surpresa. Ela chega perto o suficiente de nós e eu noto que o ambiente ficou pesado e que todos os olhares estão voltados para a gente.

- Renata?

- o pessoal lá da frente não quis deixar eu entrar, acho que eu não tenho perfil pra estar aqui, nessa festa de gente rica e importante, ne? Mas olha só, nosso avô tá doente, precisando de ajuda e você nunca mais quis saber dele! Você se lembra de tudo o que ele fez por você?

Nessa hora alguns seguranças já estão se aproximando dela e pegando-a pelo braço, então ela o chacoalha e se livra deles.

- não precisa me colocar pra fora! Eu to indo. Só queria falar com ele pra deixar ele ciente de que nosso avô ainda tá vivo e que depois de ajudar tanto ele, agora é a vez de ele ser ajudado. Não seja ingrato, Gustavo! Você tem tudo isso hoje mas não pode se esquecer das tuas origens!

Dito isso, ela se livra das mãos dos seguranças novamente, que tentavam forçar ela a sair, então ela passa pelas pessoas que se revezam entre olhar pra ela e pra Gustavo, que parece ainda estar em estado de choque. Que merda toda é essa? De uma hora pra outra, a festa parece ter acabado, mesmo tendo mal começado. Samuel me olha sem saber o que tá acontecendo e parecendo querer respostas, mas nem eu mesmo as tenho. Em um movimento brusco, Gustavo sai do meu lado e vai em direção ao interior da casa, então eu o sigo e vejo ele indo em direção ao carro, na frente da casa. Enquanto isso, renata o observa de longe enquanto os seguranças a escoltam pra fora da calçada, a levando pra direção da saída do condomínio. Eu corro em direção a Gustavo e entro no carro, ofegante e o olhando confuso, cada hora mais sem saber o que se passa.

- onde você vai?

- pra casa.

Sua resposta seca me faz ficar quieto e apenas afivelar meu cinto de segurança e deixar ele ter seu tempo pra processar tudo. De repente eu penso que se pra mim está sendo estranho, pra ele deve estar sendo ainda mais, independente de quem seja essa Renata e o que toda aquela confusão significou. Depois de alguns minutos o carro freia em frente ao portão de sua casa, fazendo eu ser jogado levemente pra frente e perceber que o nível de raiva dele só aumentou. Ja dentro da garagem, saímos do carro e seguimos direto da cozinha pra sala em silêncio, enquanto ele vai até a bancada de bebidas e serve um copo de whisky com gelo e se senta no sofá, o olhar no automático, a cabeça longe. Eu, que até agora estava de pé, decido me sentar na poltrona e ajeita-la de modo que fique em sua frente, então eu busco as palavras certas pra tentar uma aproximação.

- tá tudo bem?

Como resposta eu só recebo um sinal de positivo com a cabeça, os olhos ainda fitando a parede.

- quem era aquela mulher?

- ninguém.

- Gustavo, fala comigo! Olha o jeito que você tá.

- não tem o que falar Arthur. Não aconteceu nada.

Não aconteceu nada? Gustavo, você saiu de lá transtornado! Isso tudo foi tão estranho, o Diego me falando sobre eu aceitar e entender seu passado e logo depois aquela mulher chegando e fazendo aquilo, eu...

- o Diego te falou o que? – pela primeira vez ele me olha e parece estar com mais raiva, fazendo eu achar que acabei falando demais.

- ele disse que ele tava feliz por você ter achado alguém que entenda o seu passado, mas é tão engraçado pensar que você não me conta nada, enquanto eles pensam que eu sei tudo sobre você.

- ele não devia ter abrindo aquela boca...

- por que não? O que tem de errado com você e com o seu passado?

- nada.

- nada? Então me explica que porra que foi aquilo lá? Quem era aquela mulher e por que ela tava falando com você daquele jeito?

- não é nada, Arthur. Foi só um grande mal entendido. – sua voz é demasiadamente calma e controlada enquanto ele desfaz o no da gravata por completo, que já estava afrouxado antes e agora desabotoa os dois primeiros botões da camisa, ficando visivelmente mais aliviado enquanto toma mais um longo gole de seu whisky.

- Gustavo, como...

- Arthur, não é nada!

Sua voz alterada ecoa no ambiente e me faz ter a certeza que eu havia chegado em um assunto crítico demais pra que ele possa se abrir. Depois que ele grita ele murcha os ombros e passa a mão na cabeça, enquanto eu ainda estou com o coração batendo mais rápido por causa da tensão.

- eu não quis gritar com você, desculpa.

Eu solto um riso doloroso e amargo, enquanto me levanto da poltrona.

- tá tudo bem. Eu só não entendo como você me considera um namorado pra me dar coisas caras, como carros e viradas de ano em iates de luxo, mas não pra me contar sobre você e sobre seus problemas.

Ele apenas me olha por um segundo e volta a olhar pra parede, tomando outro gole da merda do whisky e aparentemente sem saber o que dizer. Como eu vejo que essa é uma batalha em que eu já perdi, decido parar de tentar.

- boa noite, Gustavo.

Giro em meus calcanhares e não escuto nem um vestígio de passos dele atrás de mim, o que me causa ainda mais raiva. Ele realmente vai me deixar no escuro, sem saber de nada? Subo as escadas e vou direto para seu quarto, tiro minha roupa a medida que sigo para o banheiro e decido por bom senso que tomar uma ducha é a melhor coisa a se fazer agora, pra de alguma forma tentar tirar todo o estresse e a decepção do dia de hoje e torcer pra que tudo vá embora pelo ralo. Assim que a água morna entra em contato com minha pele, eu sinto pequenos arrepios percorrerem minhas costas e eu fecho os olhos para que meus pensamentos rápidos não me deixem tonto. Encosto minha cabeça no vidro do box e fico nessa posição alguns segundos, tentando entender toda a cena de agora a pouco. Quem era aquela mulher e por que Gustavo não quer contar? Por que ele ficou tão tenso com a presença dela a ponto de nem querer ouvi-la direito e deixar que colocassem ela pra fora de maneira rude? Foram tantas surpresas que eu sinceramente não sei nem o que pensar ou concluir sobre tudo isso. Depois de limpo, me seco e sigo para a cama, me aninhando no meu lugar de costume e fechando os olhos para tentar dormir e esquecer pelo menos agora tudo isso. Mas mesmo ficando absolutamente imóvel, meu corpo ainda está muito agitado, então isso naturalmente passa para minha mente e para meu sistema nervoso, que me faz ficar imaginando coisas. O que há no passado de Gustavo que o faz esconder tanto de mim? Será que ele não sente confiança o suficiente para me deixar saber mais sobre ele mesmo? Isso fracamente me deixa triste. É como se eu fosse parcialmente um estranho pra ele, ao mesmo tempo em que temos tanta intimidade, eu não consigo saber sobre ele, sobre a vida dele.

Fico afundado em meus pensamentos pelo que me parece muito tempo, enquanto tudo parece tão silencioso que é como se tivesse apenas eu naquela casa imensa. Olho no visor do celular e vejo que já passa das 2h da manhã e Gustavo ainda não veio dormir. O que será que ele tá fazendo? Será que tá tudo bem? Bom, é claro que não está nada bem, mas ele mesmo pareceu ser bem óbvio em suas atitudes ao querer mostrar que não quer eu me metendo em nada. A magoa começa a me perturbar novamente quando a porta faz barulho e começa a se abrir, então eu fecho os olhos e tento evitar qualquer motivo para começar uma briga. Vou tentar me manter quieto e de olhos fechados para dormir e fazer com que esse dia acabe logo. Mas os passos lentos de Gustavo se fazendo mais altos e mais próximos me deixam ansiosos, ainda mais quando eu sinto o colchão se mexer e sentir sua mão passear levemente em meu cabelo. Agora ele está sentado na beirada da cama e tenta fazer o máximo de silêncio para não me acordar, mesmo que na verdade eu esteja muito bem acordado e com o coração quase saindo do peito.

- tá acordado?

Eu persisto em meu plano e continuo quieto, fazendo ele pensar que eu estou dormindo. Eu não quero conversar com ele agora, não com a raiva que eu estou. Até que eu ouço ele suspirar fundo e sinto ele se sentar um pouco mais perto de mim.

- eu sou adotado, Arthur. Aquela mulher é minha prima biológica e veio pra me deixar com a consciência pesada porque eu nunca mais procurei meu avô. Quando meus pais morreram ele ficou comigo e prometeu cuidar de mim, mas na verdade os anos que eu passei morando com ele foram um inferno. Ele me batia e abusava de mim todos os dias, todas as drogas dos dias. – sua voz é baixa e sofrida, então eu quase abro os olhos e o tomo em meus braços para lhe confortar, mas talvez ele só esteja falando isso por pensar que eu estou dormindo, então eu não sei como ele reagiria se soubesse que eu estou ouvindo. - um dia ele me bateu tanto que eu acabei desmaiando e fui levado pro hospital. Lá ele tentou contornar toda a situação e eu lembro como se fosse hoje, a assistente social junto no quarto questionando meus machucados e ele me olhando desesperado para que eu confirmasse o que ele tinha acabado de dizer, mas eu não consegui. Eu chorei, chorei muito e contei a verdade. Então eu fui encaminhado para uma casa de adoção e ele foi julgado por maus tratos, mas não foi preso. Ninguém nunca soube que além de me bater, ele me abusava. Nem mesmo meus pais adotivos, o Rodolfo e a Ester. Eles me adotaram quando eu tinha 11 anos e me salvaram de toda essa merda que foi a minha vida, mas hoje, quando a minha prima invadiu a festa, foi como se eu tivesse voltado no passado e tivesse prestes a viver tudo aquilo de novo. Eu... eu tive medo. Eu tenho medo todos os dias e tenho que passar por isso sozinho.

Não Gustavo, você não tem que passar por nada sozinho! Como você consegue esconder isso de todo mundo esse tempo todo? O sentimento de revolta toma conta de cada centímetro do meu corpo e se torna cada vez mais difícil de me manter de olhos fechados, já que agora mesmo eu tento com todas as minhas forças impedir minhas lágrimas de saírem. Então, após alguns segundos quieto, ele se levanta e eu ouço novamente seus passos ficando distantes e logo em seguida a porta do quarto abrindo e se fechando. Agora sozinho, eu me levanto e fico sentado em cima da cama, olhando pro nada e finalmente deixando que eu mesmo possa chorar. Isso tudo é tão triste e tão forte que me destruiu por dentro. Nunca, nem em sonhos eu poderia imaginar toda essa barbárie pela qual Gustavo teve que passar sozinho. Será que ele tem vergonha e é por isso que ele não quis me contar? Com certeza é. Então, quase que como um instinto incontrolável, eu me ponho de pé e caminho a passos largos pra fora, indo atrás dele. No meio do caminho, no corredor largo e curto que leva até o topo da escada, eu travo. Será que ele precisa de mim agora? Claro que precisa, mas eu estou com medo. Medo da reação dele, de ele não querer minha compaixão ou meu carinho e confundir tudo com pena. Até que eu tomo as rédeas novamente e volto a caminhar, ainda com os olhos marejados e chego na escada. Vejo ele sentado no sofá, curvado pra frente e com os braços apoiados nos joelhos, fazendo com que as mãos estejam ambas em sua testa e com a mente aparentemente longe daqui. Eu desço lentamente os degraus, um a um, até que estou a alguns passos do sofá. Não sei se ele não me notou ou se ele não quer olhar pra mim, mas eu continuo caminhando até ele. Ao chegar em sua frente, eu me sento ao seu lado, tocando seu ombro e fazendo-o olhar pra mim. Só quando eu vejo seu rosto de frente que eu percebo que ele está chorando também.

- você não precisa ter medo. Eu to contigo, Gustavo.

Sem nem precisar falar nada, ele me abraça forte, enrolando seus braços em mim e me puxando pra perto, como se ele estivesse desesperado, ficando de um jeito que eu nunca havia visto antes.

- desculpa, desculpa não querer te contar, eu queria tanto, mas eu tive medo!

- não precisa ter medo, eu to aqui com você, vou te proteger, te cuidar. Tá tudo bem.

Passo minha mão em sua nuca e afago seus cabelos, tentando de alguma forma acalma-lo e livra-lo da angústia que ele deve estar sentindo agora. Um estalo em minha mente faz eu pensar que por trás de toda aquela armadura de durão, Gustavo na verdade é um homem cheio de marcas do passado que ainda o machucam e que não são nem de longe bem cicatrizadas, o que me faz pensar que ao contrário do que parecia até poucas horas atrás, ele sim precisa de alguém pra cuidar dele e eu me sinto feliz em ser esse alguém com a missão de curar essas feridas.

Comentários

Há 3 comentários.

Por LuhXli em 2016-03-23 22:15:44
Estava desaparecido, mas já voltei! E nem preciso dizer que quase morri de felicidade pelo tamanho do capítulo! 😍 Kkkkk Realmente não imaginava que nada assim pudesse acontecer. Na real, achava que ele tinha uma ex ou algo assim! Kkkkk Muito lindo ele ter confiado assim no Arthur a ponto de ter falado do abuso. Enfim, outro rumo que o conto está tomando!
Por Luã em 2016-03-23 00:14:21
E aí gente! Obrigado por comentarem, eu sei que esse capítulo deve ter sido um choque por tanta informação nova, mas meio que precisava ser introduzido o tema central da história além do romance do Gustavo e do Arthur, por isso também que eu não segurei a marimba e fiz ele muito extenso e eu peço desculpa por isso kkkk. Postei capítulo novo, agora bem mais curto. Confere lá! Abraço, amigos! :)
Por Niss em 2016-03-16 19:41:53
Wow!! Eu imaginei mil coisas, mil razões para a presença daquela moça, mas nunca que eu ia imaginar que aquele pedaço de mal caminho maravilhoso, havia passado por tudo isso... Eu ainda tô processando essas informações. Outra parte emocionante foi a do iate, naquela declaração dos dois. Eu pude imaginar o arrependimento do arthur em ter feito aquelas perguntas... Eles dois formam mais um casal fantástico das suas obras Mana... E o Samuel kkkkk ele é maravilhoso, adoro ele pouco menos que a Marina hahaha. O capítulo no geral foi muito bom. Desde a corrida, a pegacão no banheiro, o iate, o jantar... Muito bom. Adorei. Espero pelo próximo. Kisses, Mana Nissan Spears.