Beira-Mar- Prévia 01
Parte da série Beira-mar
Acho que sábado foi a melhor coisa já inventada em todo o mundo. Se for um sábado ensolarado, melhor ainda. Agora é final novembro, então significa que a alta temporada já está começando. Logo essa cidade vai ferver de tanta gente. Caminho preguiçoso até a janela e abro-a, revelando o céu mais azul que eu já vi, se fundindo ao mar que se perde no horizonte. Todos os dias, ao olhar pra essa imensidão em vários tons de azul, eu suspiro. Suspiro porque é uma vista divina, que traz paz sem nem eu perceber. Paz essa que é interrompida por meu celular tocando. O pego na escrivaninha e olho na tela, é a Thayla.
- fala, sua mala.
- nossa, que jeito carinhoso de me dar bom dia.
- tá bom. Bom dia, sua mala. – digo sorrindo. – o que foi?
- o que foi? Rafa, hoje é sábado, já são quase 10h da manhã e você nem deu sinal de vida. Meu querido, quero você de sunga em vinte minutos, que hoje a gente vai pra praia ver aqueles deuses gregos que todo o fim de ano traz pra gente.
- eu não sei se eu to afim de caçar macho por aí, Thay.
- e quem disse que a gente vai caçar macho? Vamos só apreciar. Rafael, começou a temporada de praia, eu só to vendo carros e mais carros chegando na cidade desde ontem. Você acha que eu vou ficar em casa, sendo que tem tanta vista bonita pra se admirar?
- bom, por que você não vai sozinha?
- por que você é meu melhor amigo. Que tipo de melhor amigo deixa a amiga ir sozinha pra praia?
- tá bom. – digo revirando os olhos. – Passa aqui daqui uma meia hora.
- eu sabia que você não ia me deixar na mão. Você também tem o rabo quente! – diz ela entre gargalhadas.
- eu não, sua puta.
- também te amo. Se apressa aí.
- tá bom, até daqui a pouco.
Desligo e quase me arrependo de ter aceitado sair. Hoje eu quero só ficar deitado no sofá, assistindo televisão ou talvez ir até o estúdio de dança praticar um pouco. Mesmo morando de frente pra praia, eu não sou muito de estar o tempo todo lá. Acho que se eu fosse muitas vezes seguidas, eu enjoaria logo. Enquanto saio de meus pensamentos, vou até meu guarda roupa e caço minha sunga. Em seguida, vou até o banheiro e tomo uma ducha rápida pra despertar. Feito isso, visto um calção de nylon é uma regata e vou até a sala esperar por Thayla. Mal ligo a televisão e o interfone já toca. O porteiro avisa que ela está me esperando lá embaixo, então pego uma toalha no armário do banheiro e jogo sob meu ombro, descendo pelo elevador até o térreo. Quando chego, avisto Thayla pela vidraça do hall, na calçada, com seus 1,68 de altura e seus cabelos castanhos soltos, pendendo pelas costas.
- demorei? – chego pegando-a de surpresa.
- aí que susto, Jesus.
- tava distraída olhando macho, né?
- olhando macho não. Olhado O macho. Olha só aquele carinha se alongando do outro lado da rua. – sigo seus olhos e vejo um moreno alto, bem musculoso, pernas lisinhas e torneadas, agachado fazendo exercício de aquecimento, deixando sua bunda apontada pra gente.
- é, é um gato.
- um gato? Rafael, com um desses eu caso, dou casa, comida e roupa lavada, meu amor.
- casar? Você?
- qual o problema?
- Thayla, você é a pessoa mais complicada do mundo pra relacionamento. Não é à toa que nunca namorou. Agora vem me falar em casamento?
- Ih, eu falei em tom de brincadeira. Eu hein, sou muito nova pra casar.
- aposto que quando chegar nos 50, vai falar a mesma coisa.
- se nada der certo eu caso contigo.
- eu hein, sai fora.
Ela ri e então olhamos de volta para o homem do ouro lado da rua. Ele já está ereto de novo, alongando os braços, quando um outro homem, de uns quase 30 anos, chega até ele e demonstra bastante afeto, dando um abraço caloroso, e é então que ele se revela um jogador do mesmo time que o meu. Olho para Thayla, que parece estar em choque.
- não fala nada. – ela aponta o dedo pra mim, me mandando calar a boca.
- não foi dessa vez. – tento ao máximo segurar o riso.
- vamos pra água, Rafael. – ela nem olha pra mim. Uau, ela realmente ficou sentida pelo fato do cara ser gay? Isso é que eu chamo de decepção.
Atravessamos a rua e logo sinto meus pés serem aquecidos pela areia. Eu faço questão de afunda-los nela, simplesmente pra ter essa sensação. Chegamos até um ponto mais vazio, mas não tão longe das dezenas de guarda-sóis que já estavam colorindo à beira da praia. Thayla pega o seu guarda sol enorme e eu arrumo-o, colocando as cadeiras embaixo dele logo em seguida. Então, pegamos duas toalhas e esticamos na areia. Thayla tira de sua bolsa um tubo de bronzeador e pede para eu passar em suas costas. Quando eu estou o fazendo, olho para o lado e meu coração salta em um pulo.
- caralho.
- que foi?
- o Roger.
- onde? – ela logo se ajeita na cadeira e procura por ele.
- disfarça, porra. Ali, perto do carrinho de picolé.
Ela olha e vejo seus olhos azuis brilhando.
- ele é muito gostoso.
- é, eu sei.
- e ele te viu.
- o que?
- disfarça.
Mesmo tentando ao máximo, não consigo esconder minha tensão ao ver ele chegar até nos.
- bom dia, Rafa. Que milagre você na praia.
- pois é. A Thayla que me arrastou. – só então que ele desgruda seus olhos de mim e olha para ela, para cumprimenta-la.
- oi Thayla. – sua voz aveludada faz ela piscar rapidamente, atordoada.
- oi, Roger. – ela já está corada.
- você vai no ensaio hoje, né? – sua atenção volta para mim.
- claro.
- vê se não pega muito sol, não quero que você se queime.
Quando ele fala isso, eu me arrepio todo, e faço o que eu estava tentando não fazer, até agora. Passo meus olhos por aquele corpo liso, forte e definido, aquele peitoral forte, os braços grandes e aquelas pernas à mostra, graças a sua sunga preta cavada. Quando volto a mim, percebo que ele notou minha encarada, pois ele está sorrindo para mim.
- te vejo no estúdio, então.
- tudo bem. Até mais. – digo ainda tenso.
- tchau Thayla.
- tchau. – ela solta um sorriso largo, abanando pra ele. Então, vejo ele seguir seu caminho correndo, como ele sempre faz pela semana, quando vem praticar exercícios na beira da praia pela manhã. Pode-se dizer que esse é um dos bons motivos que eu evito vir pra cá. Eu não posso me deixar levar pelos encantos de Roger.
- se eu tivesse um professor de dança gostoso desse jeito, eu aprendia a dançar até frevo, só pra ficar todo dia tendo aula.
- você não tem jeito, Thayla. – falo agora mais calmo, focando no ataque de calcinha molhada da minha melhor amiga pelo meu professor de dança solteiro, bem de vida e, pra infelicidade dela, gay. Mas acho que nesse caso, ela nem se importa, pois Roger é o sonho de consumo de qualquer ser humano, independente de gênero. Olho para Thayla, que já colocou seus óculos escuros. Isso só significa uma coisa: ela já esta caçando alguma presa, de longe. Vendo que eu já perdi a companhia pra conversa, decido entrar no mar. Pra minha felicidade, a água esta em uma temperatura boa. As pequenas ondas se formando logo adiante, por causa dos barcos que passam ao longe, me fazem balançar, indo ao ritmo da correnteza. Me deixo levar e flutuo na água, sentindo o sol me penetrando pelos poros, enquanto a água me refresca pelas costas. Acho que fico assim por bastante tempo, tempo bastante para relaxar e apenas sentir a vitamina D entrando em minha pele. Estou de olhos fechados e apenas sentindo calor agradável quando alguém me joga água na barriga, me assustando.
- esqueceu de mim, é?
- nossa Thayla, que susto.
- to com fome, vamos almoçar?
- que horas são?
- já passa do meio dia.
- caramba. – coloco meus pés no chão, mergulhando por completo na água cristalina, aliviando o calor que estava na parte frontal do meu corpo. Em seguida, seguimos até nossas cadeiras, desmonto o guarda-sol e me seco com a toalha. Em seguida, seguimos até o carro de Thayla, que não estava muito longe do calçadão. Sento no banco da frente e ligo o rádio no modo USB, que começa a tocar Cool For The Summer. Coloco no último volume e vejo Thayla e seus cabelos voando por causa do vento que entra pela janela do seu lado. Do meu lado, o sol, a areia, as pessoas caminhando, andando de bicicleta, o clima de verão solto no ar. Acho que acabei de encontrar a trilha sonora perfeita pro momento. O verão começa a chegar em Florianópolis, e eu tenho ótimos pressentimentos em relação a isso.