Ligados Ao Passado - Capítulo X

Conto de Lohan como (Seguir)

Parte da série Ligados ao Passado

Ligados Ao Passado

Capítulo X

Chuva de Lágrimas X Que Tudo Vire Cinzas

Apesar do completo breu que se estendia sobre si, iluminado somente pelos raios ferozes que cortavam o céu noturno, Nuno, seguia Dobby sem hesitação alguma, ela seguia farejando e o guiando sob a chuva persistente que ficava cada vez mais forte e fria. De repente, ela parou abruptamente e ficou em posição de sentido, logo após latiu e correu puxando Nuno, que quase se desequilibrou devido à surpresa.

Ender estava deitado sobre o chão com o rosto voltado para o céu, já desacordado.

Quando Nuno enfim chegou ao lado dele, a visão que teve destroçou seu coração em mil pedaços. Os raios ao iluminar o corpo de Ender em tons de azul davam a ele um ar absurdamente mórbido, como se fosse apenas um espectro que estava prestes a sumir. Ele não perdeu tempo buscando verificar os sinais vitais de Ender, ele sabia no mais profundo de sua alma que ele resistiria a situações bem piores que essa. Então, ele logo se abaixou e o pegou em seus braços.

Sentir o corpo de Ender, antes tão quente e vívido, agora frio. Trazia a ele uma profunda sensação de desespero e angustia, contudo, ele apenas focou em colocá-lo em seus braços e voltar o mais rápido que pudesse para casa.

A distância não era grande, mas ter que carregar Ender e equilibrar-se com o chão escorregadio enquanto fazia o trajeto para casa era uma tarefa um tanto quanto complicada para Nuno. Ele quase caiu algumas vezes, a cada passo incerto Dobby agitava-se como se dissesse “Cuidado! Não o derrube!”. Na penúltima vez que ele se desequilibrou, ele exclamou em voz alta:

- Já sei! Já sei! Estou tendo cuidado, não precisa ficar me chamando a atenção a todo instante.

Quando enfim chegou em casa, ele rapidamente deitou Ender sobre o tapete e correu subindo as escadas pulando alguns degraus e tirando suas roupas molhadas. Ao chegar ao seu quarto, se dirigiu até o closet e vestiu um pijama às pressas ao ponto de nem reparar que o tinha vestido as avessas e sem nem se dar conta do quão frio seu corpo estava. Logo após ele pegou o seu kit de emergência e desceu as escadas.

Ele se encontrava em uma situação complicada e ainda por cima teria que lidar sem a sua fiel equipe de trabalho que saberia exatamente cada passo que ele daria. Neste momento, ele percebeu que teria que trabalhar por uma equipe inteira e esse peso, inesperadamente, não o incomodou, o que o deixou a tremer de fato, foi o medo de falhar com a pessoa que ele já havia passado 10 anos falhando o julgando como a pior pessoa que ele havia conhecido.

A primeira coisa em que focou em resolver após ter calçado suas luvas de procedimento foi em parar o sangramento nas suturas da perna de Ender, problema que resolveu rapidamente, o problema real, vinha em elevar sua temperatura corporal.

Primeiro ele cortou as roupas molhadas de Ender e o levou até os puf’s, o acomodando o melhor que pode no pouco tempo que dispunha. Logo após, ele voltou ao quarto e pegou todos os cobertores que estavam no baú e uma toalha. Ao chegar à sala ele cobriu o corpo de Ender com os cobertores e com a toalha secou os cabelos que ainda estavam úmidos. Depois disso ele deitou-se ao lado de Ender e começou a massagear o seu corpo de forma leve, mas centrada de modo a aquecer o mais rápido o corpo dele.

- Dobby! Deite-se aqui também, rápido! – Apesar de ser algo não muito convencional de se fazer, Nuno exclamou por ajuda a Dobby, ele sabia que somente o seu próprio calor (quase inexistente) não seria o suficiente para elevar a temperatura de Ender.

Dobby que até então estava sentada e acompanhava os movimentos de Nuno com total atenção e silêncio, ao ouvir seu dono a chamando, compreendeu exatamente o que ele queria e deitou-se do lado direito de Ender com a cabeça sobre o cobertor bem em cima do peito dele. Nuno estava com um termômetro digital e monitorava constantemente a temperatura corporal de Ender. Cada minuto pareciam horas e horas de tormento.

Ao iniciar todo esse processo, Ender estava com uma temperatura de 31,1° C. Após cerca de 10 minutos de trabalho intenso de Nuno, que talvez pela constante movimentação ou pelo puro desejo de pelo menos uma vez na vida poder proporcionar calor a outra pessoa, estava começando a suar embaixo dos cobertores. Isso serviu para que a temperatura de Ender subisse grau por grau.

Por fim, quando a temperatura dele alcançou 34,3° C, Nuno saiu debaixo dos cobertores e foi até a cozinha acender o fogo a lenha para que a casa também esquentasse um pouco e também esquentar um pouco da sopa que havia feito para simplesmente preencher o vazio em seu estômago.

Após colocar a sopa para ferver Nuno decidiu fazer um pouco de chá de hortelã, o cheiro do chá e o sabor sempre o acalmou quando era criança quase sempre Amaya fazia para que ele pudesse dormir mais rapidamente. Ele encostou suas costas na parede e fixou seus olhos nas chamas do fogão. Aos poucos suas pernas foram cedendo, aos poucos ele foi caindo em um abismo novamente. Quando por fim sentou-se no chão, suas lágrimas escorriam pelo seu rosto...

“10 anos sem uma lágrima sequer me escapar... 10 horas com você aqui e já chorei por um mês inteiro... Raiva, dor, tristeza, alegria, alívio, culpa, remorso, amor, indiferença, importância, calmaria... Tantos sentimentos em tão pouco tempo... Você não mudou nada, sempre me afoga em meio a esse turbilhão de sentimentos. Engraçado como você ás vezes me deixa a flutuar embalado pelo balanço desse imenso oceano desconhecido que é a vida e às vezes me afunda nesse oceano escuro que também é a vida”...

Nuno somente despertou de seu estado quando um som de asas batendo ficou audível aos seus ouvidos e um leve crocitar de aviso foi proferido. Ele ergueu seus olhos e esticou seu antebraço. Nagini, calmamente pousou e ficou olhando para Nuno com suas garras cravando na pele morena dele. Isso estranhamente trazia a Nuno uma sensação de realidade, como se as garras fossem suas ancoras neste mundo. Ele alisou a cabeça de Nagini com a outra mão e ficou fazendo carinho. As reações da coruja eram divertidas, às vezes ela fechava os olhos e abria o bico, como se expressa-se seu relaxamento com um simples gesto, outras vezes ela balançava suas penas como se estivesse com cócegas... A cada reação Nuno sorria um pouco mais... Quando a chaleira apitou, suas pernas já não estavam tão fracas e já não tinha um frio tão grande dentro de si.

Ele fez o seu chá e voltou para a sala, Dobby ainda estava obedientemente deitada sobre Ender e conforme Nuno se aproximava ela o seguia com os olhos. Ele ao ver essa cena sorriu e a chamou.

- Você tem sido uma menina tão boa Dobby! – Nuno a abraçou e sentiu que o seu pêlo ainda estava levemente úmido, então após o abraço, ele pegou uma toalha e a enxugou.

- Quem vê você agindo assim... Pode achar que talvez você até possa ter um coração... – Ao ouvir a voz baixa e meio rouca de Ender, Nuno retesou suas costas e parou seus movimentos. Ele estava de costas, então ele foi pego de surpresa.

- ... – Nuno queria falar algo, mas as palavras simplesmente não vinham, a única coisa que pensava era “Como encará-lo? O que dizer? Ainda há algo para ser dito?”.

- Por que me trouxe de volta? Achei que me quisesse longe de sua vida. Então... Por que me trazer de volta para ela uma segunda vez? – Na posição que Ender estava, era possível ver claramente as costas de Nuno e mesmo sem que fosse possível ver o rosto, ele sabia exatamente quais as expressões que Nuno estava estampando, era uma expressão que ele sempre gostou de ver. Nervosismo...

- Bem, eu... – Nuno começou de forma hesitante – Eu... Tenho três boas razões para isso. A primeira é que: Que médico eu seria se o deixasse sair dessa forma? A segunda: Estou cansado de viver sob essa tempestade de lágrimas em que vivemos, quero que um novo raiar de sol brilhe novamente em meus dias... e terceiro... “Quero que tudo vire cinzas”... – Nuno parou na última frase, assim como sua respiração, assim como seu coração, assim como o tempo... Até o ponto em que a resposta veio naquele infinito espaço de 1 segundo, tudo pareceu, simplesmente, paralisar.

- Quero que tudo se reduza a pó... Quero que minha carne queime... Quero que meu sangue ferva... Quero que meus ossos e minha alma derretam... Quero explodir em uma brilhante chama e ser reduzido a nada mais que cinzas...

= Para somente assim, poder renascer novamente... Mais sábio, mais lúcido, mais ardente... Uma nova tempestade de chamas, livre das algemas do passado...

- Eu quero... – Nuno sorria neste momento.

- Eu quero... – Ender também sorria.

= Nós queremos... Incendiar nossas vidas com tudo o que pudermos encontrar, porque isso nos mantem vivos, porque isso nos mantem aquecidos, porque isso nos faz amar um ao outro...

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