Ligados Ao Passado - Capítulo VIII - Part II

Conto de Lohan como (Seguir)

Parte da série Ligados ao Passado

Ligados Ao Passado

Capítulo VIII

Esclarecimentos

Nuno e Ender se encaravam no quarto, ambos sem dizerem absolutamente nada. Após o que pareceram horas de um silêncio mortal, Ender quebrou o silêncio, não com palavras, mas com soluços desesperados de choro.

- Eu... – Ele não conseguia pronunciar absolutamente nada, aquilo era culpa dele, realmente era culpa dele.

Nuno não aceitava a reação de Ender, para ele, aquilo era puro fingimento, mas apesar de tudo, ainda doeu em seu peito. Foi à primeira vez que o viu chorar assim e isso o surpreendeu, mas não amoleceram seu coração.

- As lágrimas já secaram Ender. Acredite já chorei todas as lágrimas que podia naquele dia, não tem sentido você estar chorando por essa história, digamos que de lágrimas, ela já esta cheia. Agora ande logo e me conte a sua versão da história. Ainda temos um acordo a cumprir.

Ainda demorou quase 20 minutos para que Ender pudesse, finalmente, se estabilizar. Quando finalmente conseguiu, ele pensou em pedir desculpas novamente, mas desistiu, e se focou em como fazer com que sua história fizesse Nuno entender o que realmente aconteceu naquele dia.

- Antes de iniciar, quero dizer logo que a minha história será crua, não terá todos os detalhes que se equiparem a sua, vou dizer somente o que senti e o que me aconteceu naquele dia. Depois... Poderá tirar suas conclusões.

Nuno assentiu com a cabeça, Ender engoliu com dificuldade e então começou sua versão da história.

- Aquele foi o dia decisivo para que eu pudesse ter a certeza sobre se gostava de você em um sentido que ia além da amizade. Eu sempre ficava confuso em como me sentia com você ao meu lado. Não entendia porque de sempre sorrir de qualquer besteira quando estava com você, nem o porquê de ser tão atencioso quanto a sua saúde e alegria. Simplesmente, não conseguia distinguir se eu o amava como um irmão que nunca tinha tido ou se eu simplesmente o amava. Quanto a essa segunda opção, eu ficava com medo de pensar sobre ela. Você sabe. Minha família sempre tratou esse tipo de assunto de forma muito radical. Uma vez quando meu irmão era criança ele beijou um amigo da sua sala na frente da nossa mãe, e mesmo sendo brincadeira, ela o mandou para um colégio interno administrado por padres e depois para um colégio militar. Então tinha medo de pensar sobre você dessa forma e acabar sendo obrigado a ver você ser retirado da minha vida.

Nuno se aproximou da cama com dificuldade, seu corpo estava rígido devido a toda a tensão que sentiu se recordando com tantos detalhes dos acontecimentos que vivenciou. Tudo o que queria agora, era sentar um pouco, e ainda contava o fato de que a cada frase, Ender diminuía o som de sua voz, o obrigando a se aproximar para ouvir melhor.

- Mas voltando à história... Quando ouvi você dizer que meu presente de aniversário seria um dia inteiro em sua companhia exclusiva fazendo uma lista de atividades que você me diria somente no dia, eu imaginei mil coisas para te surpreender também. Mal consegui dormir de tanta ansiedade. O que mais queria era que o dia amanhecesse logo para que eu pudesse te levar até aquela cachoeira – Ele sorriu – Desde o momento em que nós subimos naquela árvore... Eu comecei a perceber que não poderia ficar nem sequer um dia sem ver você olhando para mim com aqueles enormes óculos embaçados. Eu comecei a perceber que eu realmente queria ter algo com você, mesmo preocupado com todos os desafios que iria enfrentar em minha família, e mesmo com o conflito de tentar entender porque somente você despertava e desperta isso em mim. Nenhum outro cara me atraía e nem mesmo hoje, me sinto atraído por outros homens. Já com garotas. Sempre me sinto excitado ao olhar para elas. Ver suas curvas e sentir o toque das mãos macias delas. Com você tudo era e ainda é... Diferente. Isso me deixava realmente confuso entre o que eu era/sou, pois ainda hoje tenho essa dúvida em mim a cada segundo que olho pra você.

Ender fixou seus olhos nos de Nuno, buscando encontrar algum indício de que sua história estava superando a muralha que se encontrava em sua frente.

- Quando chegamos naquela cachoeira e começamos a brincar de luta igual dois moleques, nunca me senti tão feliz. Naquele dia, nunca senti uma vontade tão grande de beijar alguém, como senti, quando coloquei minha mão no seu rosto quando me perguntou se seu nariz estava sangrando – Ele abaixou seus olhos – Se não tivesse retirado minha mão e dito que estava agindo daquela forma, eu certamente o teria beijado. Mas aquela foi somente à primeira vez que tive vontade de beijar você naquele dia. Depois foi quando vi você mordendo seu lábio – Ele sorriu – Esse é uma mania sua que eu realmente queria odiar, mas ela sempre se manteve acesa em minha mente, mesmo depois desses 10 anos. Essa sua mania sempre faz com que me sinta nervoso e excitado ao mesmo tempo. A terceira vez... – Ele hesitou – Foi quando o pressionei contra meu corpo e o senti como nunca havia sentido antes...

Ender ergueu os olhos para Nuno que desviou o olhar por um segundo antes de voltar a retribuir seu olhar. Para Ender, aquele pequeno segundo, representou uma enorme onda de esperanças.

- Aquelas poucas horas representaram o melhor momento de toda uma vida para mim. O ápice... Foi quando após toda a minha provocação, você me beijou. Não soube como reagir no começo. Seus lábios eram macios e doces, e essa sensação deles encostando nos meus, me deixou paralisado. Quando começou a se afastar de mim, soube que tinha que agir, ou então perderia de explorar seus lábios até o final. Lembro-me de envolver seu lábio inferior e depois você me retribuir. Lembro-me de como eu podia sentir sua tensão aos poucos desaparecer, fazendo com que seu beijo ficasse cada vez melhor, acabando por me levar a outro mundo em questão de segundos. Eu queria mais... Queria o sentir cada vez mais... Então coloquei minha língua em sua boca, e nunca senti uma sensação de desejo tão forte crescer dentro de mim. E então veio o momento em que ouvi seu gemido e nossa... Não resisti a não abrir os olhos para ver sua expressão de prazer, mas o encontrei me encarando e então o momento se perdeu. Mas meu desejo não diminuiu. Agora que ouvi isso de você, percebo que nem eu e nem você olhamos direito um para o outro após o beijo, porque eu também estava excitado. Passei um bom tempo pensando exatamente a mesma coisa que você estava pensando, mas ao contrário de você, decidi tentar mais uma coisa quando estávamos indo embora. Nunca estive tão nervoso em ficar pelado na frente de outro homem. Para mim era algo natural até então, mas naquele momento... Com você ali... Só pensava se eu era bonito o bastante, se era em forma o bastante, se o agradaria ou não, se você me compreenderia ou não, se isso era certo ou errado para você, se me odiaria pelo que eu estava fazendo ou não. Mas ainda assim, continuei – Ele engoliu com um pouco de dificuldade nesse momento – Ver você me evitar, de forma tão rápida. Deixou-me com muito medo de ter sido impulsivo. Então, tentando fazer com que a situação não ficasse estranha, fiz as minhas apostas em tratar aquilo como mais uma das “minhas brincadeiras”. Então reuni coragem para puxar sua cueca, e claro, eu queria vê-lo também – Ender sorriu com o nervosismo vendo o brilho de raiva que começou a aparecer em certos olhos – Fiquei apreensivo quando se cobriu, mas quando vi que estava somente com vergonha, eu relaxei e então decidi tentar te provocar, mas não esperava por aquela sua atitude. Quando me mostrou tudo... Bem... Não sei... Senti um misto de emoções se misturarem dentro de mim. Não sabia como reagir. Não sabia como algo não muito diferente do meu, poderia ser tão bonito. Então quando nos olhamos novamente, fiquei constrangido e não pensei em mais nada para prolongar aquele momento, e então ele passou, mas a sensação ficou comigo durante todo o dia.

O celular de Nuno começou a tocar em cima da cômoda, ele levantou-se e foi até ele fazendo com que Ender aos poucos parasse sua narrativa.

- Pode continuar... Estou ouvindo. Só vim desligar o alarme, está na hora de seus remédios – Nuno começou a mexer na cômoda a procura da caixa de luvas, as calçou e se abaixou ao lado da cômoda. Primeiro retirando um quite com algumas seringas descartáveis, depois de por a agulha, ele abriu um cooler elétrico e retirou um frasco de analgésico. Enquanto isso, Ender continuou sua narrativa.

- Durante a noite, enquanto tomava banho, não resisti e tive que aliviar toda a minha tensão acumulada durante o dia, todo o desejo que tive que reprimir – Nesse momento, Nuno aplicou a agulha sem piedade, indicando que ele poderia descartar essa parte da história – Au! Após isso... Arrumei-me e esperei pacientemente pelo meu parceiro que me acompanharia até a minha festa – Ender começou a sorrir nessa parte – Quando vi você vestido daquela forma, com uma camisa social branca estilo slim fit, aquela calça jeans escuro apertando suas coxas as deixando ainda mais grossas e sem óculos. Nossa! Meu coração bateu rápido por vários segundos. Até aquele momento, me lembro de ficar rindo e olhando para você. Quando chegou onde eu estava você parou na minha frente e perguntou “O que foi?” usando aquela expressão que sempre faz, levantando a sobrancelha. Não consegui dizer “Você está lindo!” então, simplesmente disse “Nada, Mister Perfeição. Cuidado para não arrebentar as pernas da calça com essas coxas”...

- Me lembro disso. Depois você resolveu beliscar minhas pernas. Então, te dei um soco no peito e sai andando, até que... – Nuno interrompeu a narrativa de Ender, enquanto ficava de costas, pegava uns comprimidos que estavam próximos ao velho baú junto com uma jarra de água e enchia um copo.

- Eu apertei sua bunda e saí correndo para ir buscar o carro, enquanto você corria atrás de mim para me bater... – Os dois sorriram se recordando desse momento em que um deles estava prestes a se tornar adulto, mas ainda assim, não passavam das mesmas crianças de sempre. Contudo, esse riso não ficou aparente na voz nem de um nem de outro, e como não estavam se olhando, nenhum suspeitou do sorriso sublime que estava estampado na face deles – Durante a festa estava decidido a não sair do seu lado. Mas do nada a Lyan chegou e me chamou para dançar, nesse momento, você estava dançando com alguma amiga sua, então aceitei, dançamos por um tempo e então ela disse em meu ouvido “Tem mais uma surpresa preparado por mim, que está lhe esperando dentro daquele quarto. Certamente, essa surpresa será um presente mútuo, creio que irá gostar tanto quanto eu”. Eu não entendi sobre o que ela se referia, mas fiquei curioso, mas ainda estava decidido a não sair do seu lado, então quando estava prestes a me soltar... Ela me beijou rapidamente e quando me afastei ela sussurrou “Ender, eu sei dos seus sentimentos, mas acha mesmo que isso daria certo entre vocês? Conheço meu primo. Não estou certa de que ele se sinta da mesma forma com relação a você. Nesse quesito, eu posso lhe oferecer bem mais, não acha? Talvez você esteja confuso por nunca ter tido nenhuma experiência completa com uma mulher. Então... Que tal experimentar pelo menos essa noite comigo?”. Não acreditei no que estava ouvindo, para falar a verdade ainda estava sem reação devido ao beijo. Depois somente a senti colocando minha mão sobre a bunda dela, de forma discreta. Quando voltei a mim, eu segurei a mão dela e a levei para dentro do quarto para ter uma conversa séria com ela.

A expressão que Nuno tinha em sua face era de extremo abismo. Não era possível identificar quais sentimentos o habitavam naquele momento. Ele nunca soube que aquela menina era na verdade a sua tão amada prima e amiga de infância e saber disso naquele momento, o deixou sem saber como lidar com a situação. Ender não percebeu isso por estar envolvido demais nessa parte de sua narrativa, de modo que estava alheio ao vulcão em ebulição ao seu lado.

- Quando entramos no quarto ela tentou me beijar. Mas a segurei pelos ombros e disse que não estava certo, que não me sentia assim por ela, e pela primeira vez eu disse tudo que estava em meu coração para alguém. Ela me ouviu com os olhos arregalados de surpresa enquanto eu contava tudo o que passamos durante o dia e como eu havia me sentido e falei sobre como pretendia me declarar para você. Mas depois fomos interrompidos por uma sombra que se moveu dentro daquele quarto. Assustamo-nos. Em nenhum momento percebemos a presença de outra pessoa ali. Quando acendemos a lâmpada, percebi que era meu irmão. Ele estava sentado em uma cama velha enquanto segurava uma flor amarela, ele olhou para a Lyan e com um tom de ameaça que eu reconhecia desde que éramos pequenos, disse “Saia!”. Mas ela hesitou olhando de um para o outro. Até então nem ela nem você, o tinha visto, nem mesmo em foto. Então, acho que ela ficou confusa devido a nossa semelhança. Ele voltou sua atenção para mim, e somente pelo olhar que recebi, percebi que não seria bom ela estar ali. Então disse para ela sair e procurar por você...

Nesse momento Nuno começou a prestar mais atenção à história de Ender.

“Algo não está certo nessa história, até ai as histórias coincidem, aposto que elas são diferentes a partir desse momento” – Ele pensava enquanto continuava ouvindo.

-... Meu irmão e eu, nunca nos demos muito bem. Portanto, me surpreendi somente por ele estar lá. E mais ainda quando ele se aproximou de mim e me abraçou me dando os parabéns. Quando fui agradecer a ele... Recebi um soco na barriga de modo que eu acabei me curvando com a falta de ar e ele começou a me bater cada vez mais, quando ele parou, pegou minha cabeça com suas mãos e ergueu minha cabeça até olhar em meus olhos enquanto dizia várias coisas para mim “Como pode desonrar a mim dessa forma? Não o aceito que seja tão baixo a esse ponto! Vou te ensinar a como não tentar entrar no meu caminho! Vou te mostrar como eu sempre serei superior a você! Vou te mostrar como eu e meu namoradinho somos perfeitos juntos e como você não conseguirá nada com ele! Até porque ele já tem dono! Realmente não acredito que você planejava me dar uma apunhalada dessa pelas costas, irmãozinho! Eu vim hoje somente a pedido dele, e é assim que você me retribui? Tentando roubá-lo de mim?”. Eu não entendia nada, não sabia de que namorado ele estava falando. Tudo o que sentia eram meus ossos doendo por causa das pancadas que recebi. Depois disso ele me levantou. Eu estava tonto da bebida e dos socos que havia recebido. Eu sempre fui forte e ágil, mas meu irmão... Sempre me superou em todos os quesitos no que se refere à força, tentar revidar seria suicídio. Sendo assim... Deixei com que ele me guiasse por uma porta aos fundos do quarto que dava em outro quarto. “Vou te dar seu presente de aniversário amanhã irmãozinho. Acredite, vai ser o melhor presente da sua vida. Agora se me permite, tenho assuntos a tratar com o MEU namorado”.

Nesse momento Nuno já suspeitava do que tinha acontecido... Contudo, ele simplesmente não conseguia imaginar isso acontecendo. Passou tanto tempo construindo em sua mente a certeza de que Ender era o culpado, que pensar em outra possibilidade que o tornasse inocente, o perturbava profundamente.

“Porque seu irmão faria isso? Em que momento eu tenho culpa na relação de vocês? Essa história não tem sentido algum... É... É... É tudo... Uma grande farsa. Mas quem está mentindo? Sei o que vi e senti, sei que era você... Mas... Agora não posso deixar de pensar na possibilidade de não ter sido você... Mas tudo era tão familiar, não teria como eu confundir vocês dois”...

- Ele me trancou. Sem o que fazer me sentei no chão tentando restaurar minhas forças e me recuperar um pouco do efeito do álcool para talvez, ver se conseguia revidar de algum modo, quando ele voltasse. Após alguns minutos escutei alguém entrando, e para minha surpresa era você. Tentei levantar-me, mas meu corpo doía, então escutei você chamando meu sobrenome... E paralisei... Se fosse meu nome eu teria respondido na hora, mas como foi meu sobrenome, não pude evitar associar o que eu havia dito a Lyan e a situação que aconteceu com meu irmão depois, sobre ele dizer que eu estava tentando roubar o namorado dele, e também, me lembrei de que a Lyan me disse que todos tinham sido estritamente selecionados por você, que você mesmo que havia enviado todos os convites, por que você sabia quem eu gostaria que estivesse presente e quem não gostaria que estivesse. Isso tudo me trouxe uma hipótese que doeu mais que os socos que havia levado, dessa forma... Fiquei em silêncio. Depois escutei alguns barulhos... Depois gemidos abafados por umas vozes que eu reconheceria em qualquer lugar. Simplesmente não queria pensar no que estava acontecendo, então tentei tapar meus ouvidos a todo custo para não ouvir nada. Mas ainda assim... Eu imaginava aquelas cenas horríveis que partiam meu coração, como você beijando meu irmão e ficando com ele e ele pondo as mãos imundas dele em seu corpo... Não sei por quanto tempo fiquei nessa tortura. Parecerão horas para mim...

Somente o silêncio reinou pela pausa que Ender fez. O que quebrou o silêncio e motivou Ender a continuar, foi o som de chuva começando a cair.

- Quando tudo silenciou... A única coisa que fiz foi chorar igual uma criança... Chorei e chorei por um longo tempo... Sentia-me rasgado em dois... Chorei até acabar adormecendo. Acordei com algo sendo passado por baixo da porta. Era meu celular e junto com ele tinha um bilhete que estava escrito “Feliz Aniversário de Nuno e Enzo – Divirta-se assistindo ao vídeo de 2 horas que deixamos de presente”... Eu não acreditei no que lia, e por pura burrice optei por assistir. Acho que ainda no fundo eu estava com esperanças de que tudo não passava de um trote ou de um sonho... Mas o que vi me destroçou de todas as formas possíveis. Eu via claramente toda a cena. Eu realmente acreditei em cada detalhe daquele vídeo, parecia que tudo era tudo por pura vontade sua. O áudio do vídeo inteiro era preenchido com sua voz, gemendo cada vez mais alto em conjunto com a dele. Eu surtei até o ponto de quebrar meu celular inteiro. Não queria que ficasse um único pedaço inteiro. No fim da tarde... Ele voltou e abriu a porta, e a primeira coisa que fiz foi avançar para bater nele até mata-lo. Mas fui subjugado com uma facilidade que até hoje me aborrece de pensar – Ender fechou seus punhos e olhou para o lado, expressando seu ódio – Meu dia finalmente terminou com as palavras finais dele “Essa foi à primeira de muitas outras que virão irmãozinho. Ainda vou tirar muitas outras coisas da sua vida. Assim como você tirou da minha. Então, se acostume a perder tudo o que acha que é seu”. Depois disso ele me largou e saiu. Quando consegui me colocar em pé e sair, não havia indícios de você em nenhum lugar. Mas eu podia sentir seu cheiro, podia ver os retalhos de suas roupas, podia ver as marcas sobre a cama de seu corpo, e era como se eu tivesse presenciando tudo com meus próprios olhos. Nesse dia, eu decidi retirá-lo da minha vida – Ele riu de forma amarga – Acho que ambos escolhemos isso afinal...

A cada segundo a chuva ficava mais forte, logo se transformando em um forte torrencial. Ao fundo se podia ouvir os sons dos trovões que se aproximavam. Nuno ouvia tudo isso, mas de forma distante, sem que realmente percebesse o que estava acontecendo no exterior da casa, ele estava preso dentro de si, buscando algo que retirasse sua dúvida entre se era ou não Ender naquele dia.

- Quando tentei te ligar para ouvir da sua própria boca o que havia acontecido entre você e meu irmão. Você me atendeu e disse que nunca mais em toda sua vida queria me ver novamente e que meu irmão estava certo em dizer que eu era um idiota imprestável e egoísta e então desligou... Essa foi à resposta que confirmou minhas dúvidas com relação a vocês e então por mais que me doesse... Decidi esquecer tudo o que vivi com você, deixando somente a Lyan ao meu lado. Hoje vejo isso como se eu tentasse me vingar “Já que você está com meu irmão, vou ficar com sua prima e melhor amiga pra mim”. Mas ela ainda me informava uma coisa ou outra sobre você. No começo eram noticias que vinham de semana em semana, depois de mês em mês, depois ano em ano e depois mais nada. Você havia sumido. Então aos poucos... A mágoa e o rancor foram substituindo todos os momentos felizes que tive com você, e passei a odiá-lo assim como você me odiava, ou pelo menos era o que eu achava até hoje, quando depois de todos esses anos, reencontro você, com esse sorriso, essa atitude, essa mania de morder os lábios quando está pensando em algo, exatamente como esta fazendo agora, reencontro com tudo o que faz ser Você... E percebo que nunca fui capaz de odiá-lo e que tudo que senti foi saudades de estar com você...

Ender olhou para Nuno, lentamente suas esperanças foram sendo destruídas conforme o silêncio dele persistia. “Ele nem sequer está olhando para mim... Ele nem ouviu as últimas palavras da minha história”.

- Então... Essa é a minha história... Cumpri minha palavra lhe contando minha versão... Obrigado por ter salvado a minha vida. Não tenho palavras para expressar minha gratidão... Agora, é melhor eu ir... – Ender se sentia em um monólogo, Nuno não agia diferente de uma estátua.

Ele encarou o “garoto iludido” por um tempo, absorvendo cada detalhe daquele rosto enquanto pensava “Espero que minha história algum dia ultrapasse essa muralha que construiu ao seu redor e perceba quem realmente nos fez mal. Nunca vou perdoá-lo por ter feito isso com você. Juro! Sairei hoje da sua vida novamente e farei questão de levar aquele miserável para o inferno junto comigo”.

Reunindo as poucas forças que conseguiu acumular desde o tempo em que havia acordado, Ender começou a levantar-se. Ele sentia seus músculos protestando após o longo tempo sem terem sido utilizados, mas suportou a dor em silêncio. Diferente da primeira vez, ele aos poucos conseguiu se sentar direito na cama, retirar o cobertor de sua perna e com a ajuda das mãos, girar seu corpo na cama até suas pernas ficarem para fora do colchão. Todo o processo para que finalmente ficasse de pé levou cerca de 10 minutos, e quando ele ficou de pé se segurando na parede, gotas de suor já cobriam todo o seu corpo.

Um passo de cada vez, ele caminhou até a porta, quando a abriu um par de olhos azuis estava encarando a porta. Quando ele saiu e trancou a porta atrás de si, um rosnado foi ouvido, de alguma forma para ele soou como um “Quem o deixou sair? Não tem permissão volte para o quarto. Já!”.

- Ei garota! Fique calma, okay? Só vou dar um pequeno passeio – Ender mal conseguia respirar, falar então... Era como se facas atravessassem seu peito. Os rosnados pararam, e Dobby se levantou e ficou olhando para Ender, enquanto ele se afastava lentamente, arrastando sua perna, que aos poucos começava a sangrar, manchando a calça azul.

Ao chegar à escada, Ender encarou cada degrau que teria de enfrentar até alcançar o final “Você realmente gosta de complicar minha vida, não é? Não tinha um quarto no térreo para me jogar?”. Enquanto ele pensava isso... Outro ser estava tendo seus próprios pensamentos acerca da situação.

Dobby ao ver Ender começando a descer as escadas começou a farejar a base da porta do quarto de Nuno, verificando se o cheiro dele estava lá dentro, quando o identificou, ela começou a arranhar o piso próximo a porta com as suas garras, como se tentasse desesperadamente cavar um buraco em que conseguisse passar. Ela dividia sua atenção entre arranhar e ir até a escada ver se aquele homem estava ainda ali, mas sempre mantendo uma distancia dele, ela nunca desobedecia a uma ordem de seu Pai. Ela não podia se aproximar dele. Essa era a ordem. Mas ele estava indo embora, e ela não entendia isso, algo estava errado. Quando ela voltou para ver se ele ainda estava nas escadas e não o viu, seus instintos ficarão eufóricos, principalmente ao sentir o cheiro de sangue fresco...

Ela correu descendo as escadas, farejando, balançando as orelhas. Ao chegar à sala, Ender já estava tentando abrir a porta. Vendo isso. Ela começou a latir, tentando alertar que ele estava saindo, quando percebeu que ninguém estava vindo, ela passou a uivar, ainda sem ninguém vir, ela se viu em conflito entre correr para a porta do quarto e tentar passar por ela ou tentar impedir aquele homem de sair. Sua decisão foi tomada quando ela o viu abrir a porta e sair cambaleando, formando pequenas poças de sangue ao por sua perna no chão. Ela correu até ele e ficou o circulando, latindo, tentando o ameaçar para que assim, ele voltasse para dentro da casa. O desespero de seus latidos era nítido, às vezes ela parava e somente choramingava como se suplicando para que ele não continuasse descendo as escadas da varanda.

“Mas que inferno de cachorra é essa? Não pode calar a boca um segundo?” – Apesar de Ender estar começando a odiá-la, não era possível evitar se surpreender com a inteligência que ela demonstrava. Ela sabia exatamente o que estava fazendo. Quando ele viu a escada da varanda e a forte chuva que caia, ele quase pensou em desistir e se sentar ali mesmo, mas ele se manteria fiel a sua palavra. Ele iria embora. Nem que tivesse que se arrastar.

Até a base da escada foi fácil, o problema vinha depois. Até então ele tinha onde se segurar e apoiar, depois disso, ele estaria por conta própria. Ele esperou por alguns segundos na base da escada, tentando a todo custo manter a consciência, ele sabia que estava chegando ao seu limite, afinal ele estava sentindo algo que ele só sentia quando estava doente. Frio... Se esforçando, ele soltou as barras da escada e deu um passo, se concentrando em somente não cair e ignorando os latidos ensurdecedores daquela cadela maldita. Após cerca de 7 passos sob aquela chuva, ele decidiu olhar para trás e ver o processo que havia conseguido realizar, para seu desânimo não era absolutamente nada.

De repente a única coisa que viu foi um forte clarão provocado por um raio. Isso o cegou por um momento o obrigando a fechar os olhos, quando os abriu, tudo havia sumido. Não conseguia ver a casa que até pouco tempo estava olhando, por um breve, momento achou que tivesse, finalmente, desmaiado, mas então os latidos voltaram cada vez mais fortes, sendo abafados somente pelos estrondos dos trovões.

“Vamos lá Ender! Você ainda esta acordado. Somente pense em como você vai matar aquele desgraçado, se concentre somente nesse objetivo”.

Nuno ainda estava na mesma posição que esteve nas últimas duas horas, seu cérebro estava quase entrando em colapso nervoso. Ele havia mergulhado fundo dentro de si, buscando um único detalhe que inocentasse aquele cara idiota ao seu lado. Ele estava tão distraído em seus próprios pensamentos não percebeu que estava sozinho dentro do quarto, nem ouviu os barulhos que preenchiam o ar. Ele só começou a voltar a si, quando tudo ficou escuro dentro do quarto. Mas ainda assim, estava distraído. Quando realmente despertou, foi após um forte estrondo atingir a porta. Ele olhou para onde o som foi provocado, sua visão apesar de ter sido corrigida cirurgicamente, ainda era precária durante a noite. Quando ele olhou para a cama, não distinguiu o contorno de um corpo ali. Ele se levantou rapidamente e após um raio iluminar o quarto ele viu que realmente não havia ninguém na cama, então ele lembrou.

“Só me diga como, quando e o que falei para você me odiar tanto e sairei da sua casa agora mesmo, nem que eu tenha que me arrastar para isso”.

- Merda... Aquele imbecil realmente saiu – Outra vez houve um estrondo na porta e logo após latidos – Dobby! – Nuno antes de ir para a porta, correu até o closet e começou a procurar pelas gavetas por um cinto, quando achou, ele correu para a porta. Assim que a abriu, Dobby pulou sobre ele, mordendo a manga de seu pijama e o puxando. Nuno aproveitou a oportunidade para passar o cinto na coleira dela – Me leve até ele! – Ambos saíram correndo. Nuno quase se desequilibrou ao descer as escadas, mas se apoiou a tempo. Ao chegar à varanda, ele parou enquanto encarava a chuva que caia e prometia em silêncio “Não deixarei você ir assim tão fácil, seu idiota!”. Após isso ele seguiu Dobby debaixo da chuva e em meio à escuridão da noite.

Comentários

Há 1 comentários.

Por Lukinha em 2017-05-27 12:50:06
Muito bom seus contos gostei muito