Ligados Ao Passado - Capítulo VI

Conto de Lohan como (Seguir)

Parte da série Ligados ao Passado

Recebi uma crítica quanto as Notas (NT) em meio ao texto, elas quebravam o ritmo da história e deixavam o texto cansativo, então retirei elas e as referências também. Se quiserem ler com as NT''s e referências, esse é o blog exclusivo da história desses dois: https://ligadosaopassado.blogspot.com.br/

Ligados Ao Passado

Capítulo VI

Conversando como “Se Nada Tivesse Acontecido”

Logo após esse primeiro diálogo que os dois haviam tido, Nuno terminou de fazer o curativo olhando constantemente para o rosto de Ender, esperando que ele abrisse os olhos novamente para responder as perguntas que ficaram sem respostas. Até quando ele terminou o curativo, Ender não deu indício algum de que despertaria, porém, mesmo após ter terminado, Nuno permaneceu em silêncio, sentando no velho baú, esperando. 10 minutos... 20 minutos... 30 minutos...

Após 1h30min de espera, Nuno só podia ver o subir e descer suave do peito de Ender. Quando por fim desistiu e estava prestes a sair... Ender acordou de forma abrupta, tentando levantar rapidamente, porém logo no processo de se inclinar, soltou um grito rouco e abafado.

- Ahhhhh!

Ender desistiu e deixou de por força para se levantar, estirando-se no colchão novamente, enquanto sentia suas costelas arderem em sua carne como se fossem feitas de lava, e sua perna começar a ser corroída em agonia pelas suturas que se expandiam cada vez que ele contorcia o pé devido a dor súbita que sentia. Ele olhava angustiado para um lado e outro, com a boca aberta sem conseguir pronunciar nenhum som, seus pensamentos estavam disparados, ele estava começando a entrar em pânico.

Nuno estava igualmente assustado, ele não estava esperando que Ender fosse acordar de forma tão explosiva, também estranhou que Ender não olhou diretamente para ele, da forma como estava deitado, quando abrisse os olhos, a primeira coisa que ele veria, seria Nuno, mas ele estava agindo como se Nuno nem estivesse no quarto. Nuno se levantou e quando Ender acabou posicionando sua cabeça para o lado esquerdo enquanto arqueava de dor, se encaminhou pelo lado oposto à visão dele, para não surpreendê-lo e assustá-lo ainda mais.

Ender já estava com sua respiração começando a ficar desregulada, ele semicerrou os olhos e cravou suas unhas no colchão, tensionando todos os músculos de seu corpo.

“Definitivamente, você não está relaxando e não é devido à dor, seu corpo deve estar relembrando a tensão e urgência que sentiu durante o acidente, o que faço com você agora? Ansiolítico? Não... Finalmente está recobrando a consciência, e mesmo que isso me deixe desconfortável, não quero te induzir ao sono novamente”.

Nuno estava pensando a uma velocidade acima do normal, procurando uma forma de poder ajudar, sem que fosse necessário ministrar algum medicamento, sem mais o que fazer, ele simplesmente fez algo que sua mãe sempre fazia com ele, para que parasse de chorar, isso quando ela estava em casa.

Nuno se abaixou do lado da cama e de forma hesitante esticou sua mão direita para alcançar o lóbulo da orelha de Ender. Quando encostou seus dedos, o corpo de Ender estremeceu e ele virou o rosto rapidamente enquanto arregalava os olhos.

- Shiiiii... Está tudo bem, estou aqui, você não está sozinho – Nuno sentou na cama. Como Ender havia virado a cabeça para o lado que ele estava, ele usou a mão esquerda para segurar o lóbulo da orelha esquerda e com a outra mão, ele segurou a de Ender, apertando, para mostrar que havia alguém ali com ele.

- Está? – Ender agarrou rapidamente os dedos de Nuno, apertando com uma força surpreendente – Não consigo... Respirar... Meu corpo... Dói... – Ele falava enquanto arfava em busca de ar.

- Consegue sim, só precisa se acalmar primeiro. Sente isso? Na sua orelha. Consegue sentir? Se concentre nela, está sentindo? – Nuno movimentava seu dedo indicador e polegar de forma circular no lóbulo da orelha de forma suave e ritmada.

Ender somente encarava Nuno com seus olhos penetrantes, após alguns segundos sua respiração começou a desacelerar.

- Estou sentindo... – Ender falou de forma mais estável.

- Não fale. Só continue se concentrando na sua orelha – Nuno mudou de fazer círculos para ficar beliscando e puxando de leve. Logo o aperto da mão de Ender sobre a sua, começou a diminuir. O que ele agradeceu em silêncio, pois seus dedos já estavam dormentes da força do aperto que sofreu em sua mão.

Aos poucos a respiração de Ender foi se equilibrando, ele fechou os olhos e Nuno achou que tivesse adormecido novamente, principalmente, depois que soltou a mão dele, quando estava tirando a mão da orelha dele, ouviu uma voz de suplica que saiu baixa e rouca.

- Por favor, não solte! Estou me sentindo bem assim! A dor está sumindo, se você soltar a sentirei de novo!

- Não irá. – Nuno achou que era uma pergunta. – Veja, vou soltar e você ficará bem.

No momento em que soltou, a mão de Ender voou em direção a sua, a apertando novamente, enquanto ele mais uma vez, começava a tensionar o corpo. Nuno foi pego de surpresa, mas sua reação ainda foi rápida para voltar sua mão para a orelha de Ender e ficar massageando novamente.

“Só pode estar de brincadeira comigo! Vou ter que ficar aqui o dia inteiro servindo de tranquilizante alternativo agora?”

Contudo, seu pensamento estava equivocado, após cerca de 2 horas, Ender voltou a dormir, o que Nuno agradeceu alegremente, pois seu estômago estava gritando de fome e o cheiro de uma suculenta comida o estava torturando, afinal já era quase 13 horas da tarde e desde o café que ele não havia ingerido nada.

Ele se levantou o mais devagar possível, temendo movimentar 01 milímetro que fosse do colchão e “o outro” acordasse novamente. Da mesma forma, ele saiu andando na ponta dos pés, dando passos controlados, usando toda a técnica que aprendeu com Nívea, para andar sem fazer barulho. Finalmente quando chegou à porta, ele se permitiu soltar o ar que inconscientemente estava prendendo, girou a maçaneta e saiu do quarto.

Para sua surpresa, Dobby estava sentada bem em frente à porta, com suas orelhas atentas, escutando cada som que saia do quarto.

- O que está fazendo aí? – Ela olhou para Nuno e movimentou suas orelhas, como se respondesse “Vigiando!”. – Está bem, vou descer para comer algo, fique de olho nele. Se ele acordar, vá me chamar. – Nuno já estava próximo à escada, quando rapidamente girou o corpo e semicerrando os olhos, ele avisou – Não entre no quarto!

Dobby abaixou suas orelhas e mudou a posição de sentada para deitada, como se expressando que não estava animada com essa ordem, mas que ainda assim, ficaria observando aquele homem estranho que seu pai tinha tanto cuidado.

Quando chegou ao térreo, Nuno não encontrou indícios de Yoshie e nem Amaya em lugar algum. Por fim, quando chegou à cozinha, encontrou um bilhete na geladeira.

“Estou me dando alguns dias de férias! Hoje. Eu deixei almoço pronto para você. Quanto ao resto dos outros dias você que se vire, tem pernas, braços, capacidade pra pensar e agir, então, faça VOCÊ, a sua comida e a dessas pestes que chama de filho. Tenha cuidado com o seu paciente, se precisar de ajuda com algo, basta me ligar. Beijo te amo. Ass.: Yoshie Sayo.”

“PS: Não me ligue, só falei para me ligar por educação.”

Nuno não pode segurar o riso irônico enquanto pensava.

“Estou cercado por gente maluca e que não tem um pingo de educação, quando mando irem se foder, eu que acabo sendo o grosseiro da história”.

Nuno destampou as panelas e encontrou uma comida simples, mas assim que viu a comida caseira de Yoshie sua boca se encheu de saliva. No seu apartamento na cidade, ele não podia comer com tantos privilégios. Não que ele não soubesse cozinhar, pelo contrário, ele era excelente, mas com a correria que era sua vida, seu tempo para fazer algo realmente caprichado e apetitoso se tornava coisa desnecessária, então, geralmente, ele só fazia algo rápido ou simplesmente fazia algum pedido a algum restaurante.

Rapidamente ele comeu dois pratos cheios e ainda assim e olhou na geladeira a procura de alguma sobremesa. Não demorou muito para encontrar uma enorme taça de Pavê de Limão. Comeu até não ter mais espaço em seu estômago para mais nada. Sem o que fazer, ele lavou a louça e talheres que havia sujado e foi para a sala. Quando passou pela escada que levava ao primeiro andar, pensou em subir para escovar os dentes, mas não queria arriscar acordar Ender. Então simplesmente ficou na sala, jogado em meio aos puf’s afundando lentamente. Isso sempre trazia uma sensação reconfortante para ele, era como se estivesse afundando em um mar de conforto.

Quando esticou seu braço, sua mão bateu em algo fofo, automaticamente sua mente mandou uma alerta e ele puxou a mão de volta antes que ela fosse arranhada por Severo. Nuno deixou que o gato se espreguiçasse e se sentasse antes de falar com ele e tentar tocá-lo.

- Severo! Isso não é local para estar dormindo. E se eu tivesse me jogado em cima de você, hã? – Nuno rapidamente envolveu as duas mãos ao redor do corpo do gato preto e o colocou em cima de sua barriga, enquanto fazia carinho embaixo do queixo do gato.

Severo sempre agia de uma forma peculiar com as pessoas, se você tentasse acariciá-lo ou somente tocá-lo, ele sairia correndo, arranharia ou morderia a mão de quem tentasse isso, mas se você o ignorasse, ele viria pedindo carinho, sendo que após alguns minutos, ele se enraivecia e acabava mordendo se você continuasse a fazer carinho nele, atrapalhando-o de dormir, com todos era esse padrão, exceto com Nuno. Só bastava um toque ou aviso por parte de Nuno que queria pegá-lo, acariciá-lo, torturá-lo, fazer qualquer coisa, que o gato não mexeria um centímetro de seu corpo, ficando totalmente a mercê dos caprichos de seu dono.

Ele brincou por um tempo com o gato, até um latido baixo vir da base da escada, Nuno olhou e viu Dobby ali, ela choramingou e correu subindo as escadas. Nuno rapidamente colocou Severo no puf que estava dormindo antes, e correu para o quarto, antes de entrar ele se lembrou de um detalhe importante.

“Puta que me pariu! Não posso entrar com essa roupa, ele é alérgico aos pelos de animais, assim que eu chegar do lado dele, ele vai espirrar feito um louco”.

Quando ele olhou para o quarto, Ender estava se contorcendo novamente. Dobby estava em pé, querendo entrar e não querendo ao mesmo tempo, mostrando sua angústia em querer ver o que estava acontecendo e obedecer à ordem de seu pai de não entrar. Nuno sem ter alternativa, entrou em outro quarto enquanto tirava a camisa, que por sinal, ainda era o pijama da noite anterior e ficou somente com a calça moletom, que era de cintura baixa. Ele lavou as mãos e procurou no armário do banheiro por álcool, assim que encontrou, ele passou nas mãos e braços e foi para o quarto.

“Deveria tirar a calça também, mas... Por questão de tempo, vou assim mesmo, espero que a alergia dele não esteja tão séria quanto era quando ele era criança”.

Ender assim como a outra vez, estava com seus olhos semicerrados enquanto se contorcia. Sem perder mais tempo, Nuno colocou seus dedos na orelha dele e começou a massageá-la. Dessa vez, não demorou muito tempo para que ele se estabilizasse. Quando já havia recobrado o controle de seu corpo e aberto os olhos, Nuno perguntou.

- Então? Como se sente? – Suas mãos estavam tremulas, mas ele não sabia exatamente o porquê. Não queria pensar que era por nervosismo, então se convenceu de que era apenas por frio.

- Me sinto... Faminto – Ender sorriu.

Nuno não pode conter seu próprio sorriso também, ele balançou a cabeça e abaixou um pouco, quando a levantou, ele olhou diretamente nos olhos de Ender e falou de forma séria – Não acho que ainda esteja preparado para ter uma refeição sólida. Então faremos o seguinte. Se mantenha acordado até o fim da tarde e a noite poderá comer algo leve, okay?

- Você não mudou em nada com esse jeito “sabe tudo”, não é? – Ender sorriu mais uma vez, logo depois, ficou sério novamente e após encarar Nuno por certo tempo, ele continuou falando – Okay! Agora... Não sei quantas vezes tivéssemos esse diálogo, minhas lembranças estão confusas, tenho a sensação de já ter conversado com você antes, mas não me lembro de certeza, então... Poderia dizer como cheguei até aqui, onde é aqui, o porquê que você está aqui e o que me aconteceu para estar desse jeito?

- Essa é a terceira vez que conversamos basicamente. Mas, respondendo a suas perguntas, até onde eu sei... Você sofreu um acidente automobilístico cerca de três a quatro dias atrás, eu fui o médico que o socorreu. Você deu entrada em um estado grave, contusão nas costelas, lacerações na perna, teve hemorragia, e o mais preocupante, desde o dia do acidente esteve em um estado de inconsciência. O hospital que foi levado é privado, então após três dias com você desacordado o hospital não podia mantê-lo sem que fosse possível encontrar seu endereço atual ou parente mais próximo para pagar os custeios, então... O trouxe para minha casa, para cuidar de você até que a única pessoa que consegui entrar em contato chegue do Canadá, que será daqui a quatro dias. Com isso acho que respondi todas as suas perguntas. Certo?

- Sim... – Ender falou de forma hesitante, como se não estivesse totalmente certo se aquelas respostas tinham solucionado suas dúvidas ou não. De repente ele arregalou os olhos – Espere, você disse que quem está vindo?

- Lyan... – Nuno moveu seus olhos de um lado para o outro, como se perguntasse “Pra quê esse espanto?”.

- Meu Deus! Estarei morto quando ela chegar.

- Por quê? – Nuno franziu a testa. Aparentemente apresentava somente um ar inocente e curioso, mas na realidade, era somente uma fachada para instigar o outro a falar sobre seu passado para que ele entende-se o porquê dele estar ali e o porquê de ter tanto medo da chegada de Lyandryan.

- Não entro em contato com ela há bastante tempo, ela deve estar puta da vida comigo!

- A propósito o que você faz aqui, em Vila Velha? Não devia estar com ela fazendo o intercambio? – Nuno não conseguiu conter sua curiosidade e perguntou de forma direta.

- Tive que vir resolver algumas coisas da minha família – Ender ficou sério enquanto falava isso, estava claro que ele não queria conversar sobre esse tema.

- Pensei que a maior parte da sua família morava no norte e nordeste, por que está revolvendo “essas coisas” aqui? – Nuno fez as aspas no ar.

- É complicado, não me lembro de tudo ainda, mas era algo importante... Quando eu lembrar, te falo. – Nuno sabia que algo estava sendo mantido em sigilo e Ender sabia que Nuno sabia. Então ele rezou para não ser pressionado.

- Okay. E o seu irmão? Como ele está? Lembra-se do contato dele? Posso ligar e avisar sobre o que aconteceu com você e passar meu endereço para que ele vem...

- Não sei como ele está. Não sei e nem quero entrar em contato com ele, e é melhor que continue sem ele saber sobre meu estado. E também é melhor pra você que não se envolva na minha história com ele novamente. – Era claro a raiva que era depositada em cada palavra que soltava da sua boca com relação ao seu irmão.

- Tudo bem então. Consegue se lembrar de como ocorreu o acidente? – Nuno estava ciente que não conseguiria nenhuma informação sendo gentil, mas ele não queria o pressionar para não causar estresse e desencadear outra crise.

- Não... Só me recordo de estar dirigindo... O celular tocar... E depois tudo estar girando e por fim uma sensação quente por todo o corpo e depois escuro. – Ender olhou para Nuno e ficaram em silêncio por um tempo. Até que ele quebrou o silêncio – Ei, porque está com a mão em minha orelha? E porque está tremendo tanto?

Nuno foi pego de surpresa pela pergunta, ele não havia percebido que ainda estava massageando a orelha de Ender, rapidamente ele recuou a mão – Ééé... Bem, é quê... hahahaha... Desculpe! Essa foi à única forma que encontrei pra poder estabilizar você quando estava tendo uma crise de estresse pós-traumático sem que fosse necessário injetar alguma substância tranquilizante.

- WOW! – Ender estava surpreso, não esperava uma atitude tão “atenciosa” vinda de alguém tão frio quanto Nuno – Obrigado! Acho que me ajudou bastante. Mas... E quanto a estar tremendo? Qual a resposta?

- O clima está frio ultimamente. Essa época do ano é a mais fria mais essa casa ser extremamente fria mais eu ser uma pedra de gelo constante mais o fato de estar sem camisa. Igual a esse resultado, tremedeira constante – Assim que disse isso, ele se levantou da cama e virou para ir pegar uma camisa no closet.

Ender ouviu a justificativa de Nuno com um sorriso travesso nos lábios, ele se recordava bem de como Nuno sempre estava vestindo um casaco ou encostando-se a alguém para poder se aquecer. Esse sorriso deu lugar a uma expressão de espanto quando viu a tatuagem que estava presente nas costas de Nuno.

- Nossa! Sua tatuagem... É... Incrível... Quando há fez? – Era uma espada que pegava em quase todas as suas vértebras. O punho começava na C2, enquanto que o guarda-mão se estendia pelos seus ombros largos, e a ponta da lâmina terminava na Sacral, como sua calça era de cintura baixa, era quase possível ver a ponta em meio a sua bunda, contudo, não era somente isso que estava presente, do lado esquerdo de sua bunda havia uma serpente que seguia enrolando-se ao longo da lâmina, parando sua cabeça perto ao punho, com a boca aberta, como se pronta para dar o bote em quem tentasse encostar ali. Somente meio corpo da serpente estava à mostra, a outra parte estava oculta pela calça que Nuno usava, ela começava em sua panturrilha e seguia subindo pela sua coxa, enrolando-se.

Nuno parou por um momento com a camisa em suas mãos, após alguns segundos, ele a vestiu e ainda de costas, respondeu em um tom frio – Cerca de uns 10 anos atrás eu acho – Quando ele olhou novamente para Ender, ficaram se encarando por um tempo.

- Nuno... Sobre isso... – Ender começou a falar de forma hesitante.

- Bem, acho que vou começar a preparar algo para você, pelo que parece você dessa vez conseguirá manter-se acordado até o anoitecer. Não tem problemas com legumes, não é? Na verdade isso não importa, é o que vai comer de todo jeito, não tem direito de escolha – Ele começou a se encaminhar para a porta enquanto falava sem dar espaço para Ender opinar sobre o que ele falava – Ah! Esta aqui é sua vigia, se precisar de algo só dizer para ela ir me chamar na cozinha, o nome dela é Dobby – Ele se abaixou ao lado dela – Aquele é o Ender, diga “Olá” para ele.

Dobby deu um único latido e esperou pela resposta.

- Olá pra você também! – A cara de espanto de Ender era imensurável, ele já havia muitos cães adestrados e bem comportados, mas ela estava em um nível bizarramente diferente.

- Boa menina! Quero que fique de olho nele novamente. Vou preparar algo para comermos. O que quer? Ração de atum? Fígado? Carne de boi? Carne de frango? Ou Vegetais? – Dobby ficou olhando para Nuno por um tempo, então deu dois latidos – Sabia que escolheria de Fígado... Qualquer coisa só chamar. – Nuno saiu, mas no meio do corredor ele voltou até a porta – Se estiver entediado posso trazer a TV para o quarto. O que acha?

- Por enquanto estou bem assim. Obrigado! – Ender estava envergonhado por ter iniciado o assunto anterior, então queria dar o espaço pra Nuno esfriar a cabeça e também queria um tempo para ordenar suas lembranças.

- Okay então... – Nuno saiu mais uma vez em direção a cozinha.

- Mas... O que diabos você fazia somente de calça se estava sentindo tanto frio assim? – Ender perguntou em voz baixa, sendo ouvido somente por Dobby, que balançava sua cauda de um lado pro outro. Ele expirou e se recostou de forma mais confortável nos travesseiros, enquanto aos poucos testava seus limites de se movimentar sem sentir dor. Porém em todo momento a imagem das costas de Nuno com a sua tatuagem a mostra, ficava voltando a sua mente, por fim, ele admitiu.

“Parece que o garotinho gordinho que conheci cresceu e se tornou um homem realmente muito bonito”.

Na cozinha Nuno estava com as mãos em cima da bancada tentando estabilizá-las enquanto seu coração corria de forma compulsiva – “Mas o que porra ele estava pensando? Tocando naquele assunto de repente, ele acha que pode fazer uma cara de arrependido e pedir desculpas que tudo será resolvido? Com certeza ele não me conhece tão bem assim! Aquele idiota. Retardado. Imbecil. Arruinou boa parte da minha vida e agora acha que só é chegar conversando assim que vou ficar tranquilo, mas não vou ficar mesmo”.

Enquanto divagava em suas discussões e conflitos internos ele seguiu preparando uma sopa de legumes leve. Primeiro ele foi até o jardim pegar algumas hortaliças e legumes frescos – Não sei por que estou pegando isso, ele definitivamente não merece isso, deveria dar qualquer coisa e pronto! – Ele seguiu resmungando enquanto descascava tudo e separava o que ele ia usar. A sopa que ele fazia não consistia em colocar tudo em uma panela e cozinhar, isso era quase que um insulto para suas habilidades. Após ter tudo selecionado, começou a preparar somente os caldos, que ele ia juntando para refinar o sabor cada vez mais, até se tornar um caldo espesso e nutritivo, quando atingiu seu objetivo, ele começou a preparar os legumes em cubos e rodelas de tamanhos variados que serviriam de ingredientes sólidos. Ele os cozinhou no vapor, legume por legume, dessa forma era possível manter a maior parte de seus nutrientes, e proporcionar consistência macia que derretia ao morder, se tornando fácil de comer, mesmo que fosse algo duro, como cenoura, e o sabor não era alterado pelos temperos usados no caldo.

Ele colocou o caldo e os legumes em pequenos caldeirões separados, pegou uma colher, uma concha e um prato fundo e foi em direção ao quarto. Quando chegou, Ender olhou para ele e deu um sorriso de canto de boca.

- Bem... Fiz o melhor que pude, espero que se agrade – “Na verdade não é nem um terço da minha capacidade culinária, mas foda-se, não estou nem aí pro que você pensa”. Quando destampou o caldeirão do caldo, o cheiro imediatamente preencheu o ar.

Ender exalou e expressou certa ansiedade em seus olhos – O cheiro está ótimo, quero ver o sabor – Ele sorriu de forma provocativa, brincando com o ego de Nuno.

- Espero que esteja à altura do cheiro e que satisfaça seu paladar. Se bem que depois de passar esses dias sendo alimentado por nada mais que uma bolsa de nutrientes você comeria até pedra coberta por ossos e peles de animais podres. Certo? – Nuno sorriu de forma maldosa, enquanto olhava para ele com olhos intensos, o avisando para não entrar em um terreno perigoso.

- Será? De nos dois o que sempre teve um maior apetite foi você. Não seria mais fácil você mesmo comer essas pedras com animais mortos? Além de que, não acredito que você seria tão cruel com um paciente seu – Ender ampliou seu sorriso. O que era absurdamente raro, quando ele sorria dessa forma era porque realmente estava se divertindo.

- Talvez. Mas... Eu estou aqui, podendo me mover da forma que quiser, enquanto você mal pode suspender sua cabeça para olhar direito para mim. Pelo que vejo, posso fazer com você o que eu quiser, podendo, inclusive virar esse prato de caldo quente bem em cima dos cortes da sua perna – Ele ergueu o prato para que Ender tivesse uma visão bem clara do objeto em sua mão e lentamente começou a inclinar ele sobre a perna dele. Nuno mordeu o lábio inferior de forma provocativa e sensual – Gostaria de tentar a sorte e ver se sou cruel ou não?

Ender o encarou por um momento levando tudo na esportiva, mas depois que percebeu que Nuno realmente estava falando sério, seu sorriso morreu e ele se deu por vencido.

- Não! Não quero tentar a sorte.

- Sabia que escolheria a opção mais sensata – Nuno abaixou seu braço e voltou a colocar os legumes no prato, expressando um bom humor genuíno por ter sido obedecido.

- Sendo mais claro. Não irei tentar a sorte por hoje. Você tem um ponto, mas não ganhou a partida ainda.

- Haha! Veremos. Mas... Então? Acha que consegue se sentar sozinho ou terei que o ajudar?

Ender tentou se erguer até estar sentado das mais variadas formas possíveis, todas elas traziam dor a ele. Enquanto isso, Nuno o olhava incrédulo.

“Meu Deus! Como ele pode estudar sobre anatomia humana e ainda assim ser tão estupidamente burro? De forma alguma ele irá poder se sentar inclinando o tórax desse jeito, ele machucou suas costelas, até respirar deve ser desconfortável. A forma mais fácil seria se arrastar aos poucos para trás, se apoiando nas mãos e quadril, enquanto usava os travesseiros para ir inclinando seu corpo para frente... Opa! Lá vai mais uma tentativa de tentar se sentar em um único movimento. Calma! Calma! Não ria! Não Ria!”

Após 4 minutos de desconforto e dor para Ender tentando se sentar, ele admitiu sua segunda perda – Tudo bem! Tudo bem! Vamos me ajude a me sentar. Droga! Só vou dar mais esse ponto para você. Okay?

- Até que demorou bastante. Achei que iria tentar por mais tempo – Nuno sorriu e colocou o prato em cima do baú e foi ajudá-lo a se sentar.

Nuno colocou as suas mãos sob as axilas de Ender e na primeira tentativa não conseguiu levantar ele de uma única vez.

- O que é isso? Seus músculos são só enfeite? – Ender estava distribuindo seu peso em pontos estratégicos, somente para dificultar e diminuir a moral de Nuno, mesmo que isso lhe causasse pontadas agudas em seu peito.

Na segunda tentativa, mesmo com Ender redistribuindo seu peso para dificultar, Nuno o sentou sem expressar nenhuma reação de esforço. Como se pegasse uma folha de papel e o jogasse em um canto.

“Merda! Ele está bem mais forte também, que outras surpresas ele deve estar guardando, han?”

Após ter colocado Ender sentado, Nuno colocou um travesseiro alto ao lado dele e depositou o prato e a colher propositalmente do lado esquerdo.

- Você é canhoto não é? – Ele estava mordendo o lábio para evitar rir.

- Você sabe que não, mas já que está fazendo de tudo para me ver sofrer, vou deixar você vencer por completo e finalmente pedir. Pode me dar a comida na boca? – Não havia hesitação, nem tom de brincadeira na voz de Ender, era um pedido consciente e sério.

- Cla... Claro! Sem problemas! – Ele gaguejou enquanto falava, isso havia o pegado desprevenido e de guarda baixa.

Não era tão tarde assim quando Nuno começou a dar a sopa para Ender, era por volta de 16h46min, mas até que Ender fosse capaz de comer tudo o que estava no prato já era quase 18h00min. Ele tinha que ficar parando devido ao enjoo que sentia caso comesse sem pausas. O seu aparelho digestivo estava voltando à ativa, então era comum seu desconforto, por causa disso, quase vomitou duas vezes, mas conseguiu manter a sopa em seu estômago. O caldo aquecia sua barriga, enquanto os legumes traziam uma sensação refrescante, e não havia nada ácido que irritasse a digestão, então quando se acostumou com a ingestão de alimento, começou a se sentir cada vez mais faminto. Contudo, Nuno só lhe deu um prato e meio de comida, não queria abusar da dose para não causar constipação.

- Meus agradecimentos ao chefe! Essa foi à sopa mais gostosa que tomei em toda a minha vida, apesar de detestar legumes e verduras. Realmente, estava uma delícia.

Ouvindo isso o ego de Nuno se agitou, mas ele se esforçou para manter a seriedade em seu semblante, só dizendo um simples “Obrigado!”. Ele pegou o prato e os pequenos caldeirões e levou para a pia, enquanto deixava Ender descansar um pouco. Após cerca de uns 20 min, ele voltou ao quarto.

Ele trazia consigo em uma bandeja com vários materiais que Ender já havia visto, mas não acreditava que era realmente o que ele estava achando quer era. Nessa bandeja, três coisas se destacaram na sua visão, a primeira, uma sonda vesical de demora, a segunda, um tudo de Xilocaína e a terceira, materiais para limpeza íntima.

Nuno depositou a bandeja sobre o colchão e foi lavar suas mãos, quando voltou calçou as luvas estéreis e com um olhar extremamente cínico e desprovido de qualquer senso de ética e moral, falou com uma voz baixa e provocativa.

- Hora de trocar a sonda Sr. Ender Aiyra. Já conhece o protocolo?

- Puta merda! Hoje definitivamente você ganhou de mim de todas as formas possíveis...

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