(Um) Como As Coisas Deveriam Ser

Parte da série South Coast

Fiquei esperando do lado de fora ansioso. Dentro da sala minha mãe conversava com o diretor do que aparentemente era a minha nova escola. Já tinha andado pelos corredores com minha mãe e o diretor enquanto ele nos falava da escola. Claro que ele descrevia como de fosse a melhor escola da cidade, apesar de que obviamente fossem poucas. Por mais bonita que fosse eu não levava uma boa impressão de lá, aparentava ser tudo muito fútil. Os estudantes pelo que pude notar pareciam mais ter saído de um filme adolescente, todos completamente exagerados.

Com toda certeza eu demoraria a me adaptar naquele cenário, pois eu era completamente o oposto daquilo. Meu estilo era totalmente largado, usava jeans com aspecto rasgado, camisetas escuras com estampas de bandas de rock e obviamente all star o símbolo dos “largados” e tudo isso estava ligado a falso conceito de rebeldia.

— Muito obrigado pelo seu tempo. — Disse minha mãe ao sair pela porta da sala do diretor. — Sr. Chandler.

— Howard, por favor. — Ele respondeu com um sorriso charmoso e ensaiado que ele provavelmente lançava a todas as mães solteiras da escola.

Eu me levantei e fiquei ao lado da minha mãe.

— Então, quando ele pode começar? — Minha mãe quis saber. Quanto mais rápido se livrasse de mim melhor seria, talvez.

— Amanhã mesmo se não tiver problema. — O Sr. Howard se apressou a responder. — Só ele passar pela secretaria pela manhã e pedir o horário. Farei com que ele esteja cadastrado hoje mesmo!

— Muito obrigado mesmo Sr. Howard!

— Só Howard, por favor. — Ele disse com o mesmo sorriso de antes.

Depois de se despedir educadamente eu e minha mãe seguimos para o estacionamento e como era a hora do intervalo todos os alunos estavam do lado de fora da sala e eu senti todos os olhares fulminantes. Claro que sim. Eu não era como eles, como é que eu iria-me sentir bem entre eles. Fiquei mais tranqüilo ao perceber que lá no cantinho havia um grupo de pessoas mais comuns, mesmo assim num lugar cheio de predadores só os fortes sobrevivem e eu estava longe de ser forte, com certeza iria ser devorado no primeiro dia.

— Ótimo, uma aberração. — Disse uma menina sem fazer o mesmo esforço para disfarçar o comentário que obviamente era pra mim.

Minha mãe fingiu que não tinha escutado. Ela nunca tinha sido fã do meu estilo de me vestir e muito menos de me comportar, e provavelmente concordava com o comentário. Ela era completamente o meu oposto. Sempre usava roupas mais provocantes e sensuais porem nada vulgar até porque ela odiava ser comparada a uma vadia. Minha mãe atraia olhares por todo canto em que passava, era linda e seu corpo era de dar inveja a qualquer uma rata de academia. Ela estava no auge dos seus trinta e cinco anos de idade e eu mais parecia seu irmão mais novo.

Quando nós chegamos ao estacionamento eu me apressei e entrei primeiro no carro, queria muito sair dali mesmo sabendo que no dia seguinte eu iria passar muito mais do que alguns minutos. Minha mãe entrou segundos depois e sem dizer uma palavra ligou o motor e deu a partida.

— Eu sei que você não gosta da idéia de ir para uma nova escola na metade do ano. — Ela disse no meio do caminho para quebrar o silencio.

Eu não disse nada por um momento, estava procurando palavras certas para dizer.

— Você fala como se isso fosse rotina. — Eu disse seco. — Mas realmente é. Afinal quantas vezes você disse essa frase durante esses cinco anos? Umas sete?

Minha mãe ficou um tanto chocada com a minha reação. Eu nunca tinha dito nada de forma tão rude pra ela e confesso que aquilo foi espontâneo. Percebi que ela se preparou para dizer algo, mas engoliu suas palavras e continuou dirigindo atenta ao transito que estava livre.

Quando chegamos ao hotel – era como eu chamava a nossa nova casa porque a gente não ia ficar nela por mais de nove meses mesmo – eu fui direto para o meu quarto. Meu quarto era bem grande e espaçoso, havia um closet grande e desnecessário com um espelho na porta de modo que quando eu estava dentro e fechava dava para ver tudo só olhando para ele. Num outro cantinho tinha um sofá e uma mesinha de centro em cima de um carpete importado, na parede tinha uma televisão enorme. Do lado da porta de saída estava o mais importante, a cama de casal que era muito confortável por sinal. E em frente à mesinha de estudos onde eu tinha deixado meu mac, entre os dois havia a terceira porta que levava ao banheiro privativo. Tudo ali parecia ser preparado para que eu nunca saísse de lá, a não ser na hora de comer.

Quando entrei a primeira coisa que eu fiz foi me jogar em cima da cama. Estava a dois dias na cidade e não tinha parado até agora, antes de decidir ficar com essa casa eu e minha mãe tínhamos visto outras duas. Depois marcamos uma hora com o diretor para a inscrição. Nem tempo pra comer eu tinha tido direito. Decidi tomar um banho quente para relaxar meus músculos contraídos, o que sempre funciona. Sai do banho enrolado na toalha e percebi que minha mãe estava sentada na minha cama me esperando. Revirei os olhos e segui para o closet e ela veio atrás.

— Não fuja mocinho. — Ela disse andando atrás de mim pelo quarto. — Nós temos que conversar!

Eu a ignorei fechando a porta do closet. Puxei uma cueca boxer, uma bermuda larga e uma camiseta sem manga e vesti. Enquanto isso minha mãe se matava de tanto falar.

— Você está diferente. A gente sempre fez essas mudanças de ultima hora e agora você reaje dessa forma. Eu sei que não é muito legal vir pra um lugar onde você não conhece ninguém, mas é preciso Karl. Olha essa casa que maravilhosa. Quem sabe a gente não se estabiliza aqui desta vez? Se não for assim, me diz como as coisas deveriam ser!

Eu estava furioso e isso não era um aspecto da minha personalidade. Mesmo assim eu não consegui me conter. Abri a porta do closet de uma forma tanto violenta.

— Vou dizer como as coisas deveriam ser! Eu sei que você decide se mudar sempre que nota que eu finalmente estou me adaptando a um novo lugar por que você tem medo que eu conheça um cara e me apaixone por ele. Se você quer saber como as coisas deveriam ser, eu te digo. Você deveria me aceitar como eu sou e não tentar me transformar no seu projeto de igualismo.

Minha mãe ficou mais perplexa ainda com a minha atitude. Era a primeira vez de todas as formas que eu reagia assim. Era a primeira vez que eu dava minha opinião. E por Deus, depois daquilo eu estava realmente aliviado.

— Karl. — Ela disse meu nome com decepção. Francamente eu não me importei.

— Agora me deixa em paz. Por favor!

Meu pedido foi atendido às pressas. Com certeza ela não estava agüentando ficar na presença de um filho que ela não conhecia.

Eu permaneci calmo e tentei ficar forte. Mas foi impossível impedir que algumas lagrimas escorressem pelo meu rosto e caíssem no lustroso chão de madeira.

Joguei-me novamente na cama, mas dessa vez eu não iria sair dali tão cedo. Aquele dia tinha sido de uma forma estranha um pouco produtivo, pela primeira vez eu tinha dito tudo que eu sempre quis dizer. Era como se uma porta finalmente se abrisse pra mim e como se eu não estivesse mais preso naquele filho correto que toda mãe queria ter e que não existe. Todo mundo tem seus defeitos e comigo não iria ser diferente.

Comentários

Há 1 comentários.

Por em 2013-02-17 16:57:01
Adorei continue postando!