Sonhos e Obstáculos

Conto de Lenm como (Seguir)

Parte da série Sonhos e Descobertas

Escrevo desde sempre e utilizo isso como uma válvula de escape para os problemas e os medos que enfrento diariamente. Estou escrevendo cada capítulo livremente, sem uma programação. Por isso ainda não sei ao certo qual rumo essa história levará. Mas destaco desde o início que essa é uma obra imersiva, na qual você, assim como o personagem, se aprofundará em temas como espiritismo, vidas passadas, a descoberta do amor verdadeiro, assim como a da sexualidade. Espero que gostem.

__________________________________

"Sabe. Não sei exatamente por onde começar, mas preciso desabafar, descarregar o peso dos meus ombros. Não tem um dia que eu não acorde e não me lembre o quão distante estou dos meus objetivos, o quão irreais parecem meus sonhos.

Tudo que tenho feito, todos os meus esforços parecem não dar frutos. O desespero já toma conta de mim. São muitas responsabilidades, muitos desejos, tantos sonhos, nada parece próximo de se concretizar. Todos os meus objetivos ainda são intangíveis, distantes. Quase como uma miragem em um deserto escaldante e esse sol está me queimando por dentro.

Talvez vocês não entendam a minha decisão, mas tenho certeza de que é a melhor coisa que eu poderia fazer com a minha vida. Eu preciso de paz, não posso mais ver vocês se desgastado comigo, não posso mais sentir culpa por não atingir as suas expectativas. Sei que vocês são pacientes comigo, mas eu não tenho mais força pra me manter nesse jogo de Sonhos e Obstáculos. Saibam que amo muito vocês, mas esse é o fim."

Esse foi o bilhete que meu irmão deixou em cima da cama momentos antes de tirar a própria vida. Eu nunca havia pensado que ele faria isso, pois sempre foi o mais sorridente da casa, o mais carinhoso, o mais positivo. Talvez ele estivesse tentando nos poupar da sua dor, dos seus problemas.

Quantas vezes ele me ajudou quando eu mais precisava, quantas vezes ele me ouviu enquanto eu desabafava por algum problema. Nunca irei esquecer o dia em que assumi a minha homossexualidade, não esperava que ele fosse tão compreensível. Ainda lembro de suas palavras:

"Eu te amo maninho, isso nunca irá mudar. Além do mais não há nenhum problema em gostar de garotos. Sei que você está preocupado com a mamãe e o papai, mas eu irei estar com você, sempre estarei, nunca duvide disso."

Talvez ele estivesse sobrecarregado com os problemas de todos. Ele era gentil de mais para não ajudar um amigo. Quando os outros precisavam ele estava sempre ali, nunca dizia não.

Esse foi o dia mais triste que vivi, não consiguia pensar em mais nada. Tudo parecia ter perdido o sentido. Minha mãe chorava tão freneticamente quanto podia, nem um mar de lágrimas afogaria a sua dor. Meu pai sentou em sua cadeira e passou o resto da tarde ali, segurando sua tristeza, sendo firme e cuidando para que meu irmão tivesse o melhor enterro possível. Ninguém podia acreditar que isso havia acontecido, não com ele.

Passei o velório inteiro ao lado do caixão, não queria abandonar meu irmão, não consiguia imaginar ele embaixo da terra. Sua pele fria, seu corpo sem vida, eu não conseguia sentir a sua luz, que ele emanava intensamente todos os dias. Como eu não percebi os sinais? Talvez se eu tivesse conversado com ele, ajudado como ele sempre fez comigo, mas eu não vi nada de errado. Nunca notei sua depressão e essa é uma culpa que ainda carrego comigo. Ao final do velório, por um breve momento, pude sentir aquela luz novamente. Talvez ele estivesse se despedindo e isso era doloroso de mais para aceitar.

(...)

Passadas duas semanas, todos ainda estavam devastados pelo acontecido, cada um com suas depressões internas, foi quando recebemos uma visita.

Era Lucas, o melhor amigo do meu irmão. Era como se fosse da família, meus pais praticamente o viram crescer. Ele sempre frequentou a nossa casa e minha mãe o considerava um filho do coração. Sempre foi muito alegre e brincalhão com todos, mas dessa vez ele não parecia feliz ou descontraído, parecia que uma parte dele havia partido com meu irmão.

Após uma longa conversa com meus pais, depois de varias horas tentando, sem êxito, encontrar uma explicação para aquela tragédia, ele veio ao meu quarto. Eu estava tão distraído que não percebi ele entrar. Foi quando ele me chamou.

- "Nicolas, Nicolas".

Demorei para voltar a realidade, mas quando despertei dos meus devaneios, simplesmente o encarei. Não conseguia dizer uma palavra, minha garganta estava bloqueada. Mas ele insistiu:

- Pensei em falar com você durante o velório, mas sabia que você precisava de um tempo, aliás ainda precisa. Sabe. - Ele fez uma pausa. - Ele te amava muito, nunca duvide disso. Você sempre foi o maior orgulho dele.

Ele tirou uma correntinha prateada com um pingente em forma de fenix de seu bolso direito. Eu lembrava dela, era do meu irmão, ele nunca havia tiriado ela, sempre foi sua corrente preferida.

- Você sabe o quanto ele gostava dessa corrente né? Ele sempre dizia "Enquanto houver braza sempre renasceremos das cinzas." Você sabe que ele nunca partirá de verdade né? Enquanto lembrarmos dele, ele sempre estará aqui.

Nesse momento, lágrimas já escorriam dos meus olhos, eu não conseguia dizer nada, apenas chorar. Foi quando ele me abraçou fortemente e me confessou:

- Sei que você está se culpando por não ter percebido, por não ter ajudado. Provavelmente você me culpe tambem por não ter falado com ele, por não ter impedido. Mas sinceramente eu também não sabia, não havia como saber. Ele era tão protetor com todos, nunca iria jogar algo nas costas de alguém. Ele nos protegeu enquanto pode.

Suas palavras estavam distantes, eu não conseguia entrar na realidade, não queira aceita-la. Somente quando ele colocou a correntinha em uma de minhas mãos que eu pude acordar por um breve momento.

- Tome, agora ela é sua. Seu irmão iria querer que você ficasse com ela. Ele sempre quis te ver bem, sempre fez o possível para te proteger. Talvez seja por isso que ele me disse para cuidar de você. Para te ajudar no que fosse preciso. Saiba que eu estarei aqui para o que precisar. Você nunca estará sozinho.

Por um breve momento eu consegui sentir paz em meu coração. Sabia que poderia contar sempre com o Lucas. Naquela noite adormeci facilmente. Sonhei que meu irmão me visitava. Durante nossa conversa ele dizia para eu seguir em frente. Lutar por meus objetivos. Disse também que me amava e nunca me deixaria sozinho. Ele parecia sereno, tranquilo, em paz e de alguma forma essa imagem me confortava. Sentia que finalmente havia encontrado a paz que seu coração precisava. Antes de partir ele me abraçou e disse que não me deixou sozinho, que eu sempre poderia contar com Lucas para o que fosse. Mal sabia tudo que enfrentariamos juntos ainda, mas durante aquela noite pude sentir uma paz que não voltaria a sentir durante muito tempo.

__________________________________

Nesse primeiro capítulo procurei abordar a complexidade do suicídio e as suas vítimas colaterais, tais como parentes e amigos. Talvez seja um ato de desespero, ou uma forma rápida de resolver os problemas, isso ainda é incerto pra mim, mas uma coisa é certa, as pessoas próximas, que mantinham uma convivência íntima com o suicida acabam recebendo toda a carga do acontecimento, por vezes se culpando ou se punindo por algo que na maioria das vezes era imperceptível.

Infelizmente a vida é uma frágil e delicada linha, quase como uma variação mais suave de uma corda de violão, sendo constantemente sensibilizada por diferentes tons e vibrações. Algumas mais intensas, outras mais leves, mas consequentemente, assim como todo nylon ou aço se desgasta com o tempo, a vida tende a perder força ou amplitude, até se desgastar por completo ou simplesmente arrebentar em um trágico e obscuro evento.

Mas agora eu lhe pergunto. Será que suicida é somente aquele que atenta contra própria vida ou aquelas pessoas que se anulam ou se privam de viver também são suicidas? Pois assim como os que optam por abandonar seu corpo físico, essas pessoas também perderam o amor pela vida, estão desgastadas, por um fio de arrebentar.

Por isso eu aconselho, nunca abandonem a vida de vocês. Seja de forma explícita, como no suicídio ou implícita, como no suicídio indireto, na qual a pessoa, apesar de viva, não vive mais, não luta por seus sonhos ou objetivos, esse é o pior tipo de suicídio, o da alma. Sua vida é um grande dom divino, mas somente você tem o poder de realizar coisas maravilhosas com ela. Lembre-se, tudo está em suas mãos.

Abraços e até o próximo capítulo.

Comentários

Há 2 comentários.

Por edward em 2017-07-28 14:26:44
Maravilhoso
Por Pop-Afro em 2017-07-22 02:48:41
Continua