Episódio - 1: Prefácio
Parte da série Luzes da Cidade
Um garoto corre em uma rua escura, apenas alguns postes tem iluminação.
Sua respiração está ofegante.
Ele não sabe quantos metros faltam, mas apenas sabe que tem que chegar em seu destino.
As ruas parecem mais largas e seu destino parece cada vez mais distante.
As luzes dos postes que restam começam a falhar.
E de repente.
Todas se apagam.
- Larguem ele – grita uma voz em direção a um pequeno grupo de pessoas em volta de um corpo.
Ele continua correndo até eles.
Um dos rapazes o observa e assim que chega a uma aproximação considerável o garoto é golpeado.
Gritos de socorro são ouvidos.
Começa uma sessão quase interminável de agressões, sendo interrompida por uma sirene de polícia ecoar ao fundo.
Os agressores correm.
Um dos garotos ainda suspira e tenta pedir socorro.
Ele se aproxima do corpo do garoto e o toca.
Ele tenta novamente pedir socorro...
E desmaia.
Luzes da Cidade, episódio um: Prefácio.
Marcelo esta sentado em sua mesa de trabalho, com ele o seu querido computador que naquele dia não estava colaborando. De todos os procedimentos que realiza em um dia, Marcelo parecia ter aprendido apenas um, entrar no site da Universidade Federal do Rio de Janeiro e verificar a lista de aprovados na lista de espera. O famoso botão (F5) de atualização estava sendo o grande vilão, a cada aperto uma esperança e assim que a página da internet terminava de atualizar, uma decepção. Entre o seu horário de entrada e até seu horário de almoço, Marcelo apertou aquele botão incansáveis cinquenta vezes, mas nada parecia adiantar o jeito realmente era esperar.
O celular toca, a foto de Diego sorrindo aparece, no visor do celular o nome: Amor.
Diego, esperançoso: E então?
Marcelo, com voz de decepção: Ainda nada amor. Tem certeza que a divulgação será hoje?
Diego: É claro que eu tenho amor. – um barulho de mordida em algum pão – Eles disseram que hoje é a divulgação e na próxima segunda a data de entrega da documentação.
Marcelo, respirando fundo: Tudo bem! Vou ficar de olho aqui. Assim que eu obtiver uma resposta eu te aviso.
Diego, ainda mastigando: Tudo bem. Vou ver o que minha mãe quer, pois ela já me chamou umas quinhentas vezes.
Marcelo, riso abafado: Você e sua preguiça crônica. Isso vai mudar quando você for para Rio de Janeiro.
Diego, rindo também: Claro que não. No Rio de Janeiro eu estarei próximo ao mar e toda positividade vai emanar de mim.
Aline chega à mesa de Marcelo e ele a encara.
Marcelo, desconfiado: Eu tenho que desligar, nos falamos mais tarde.
Ele coloca o telefone no gancho e sobe as sobrancelhas num sinal claro que Aline já pode falar.
Aline, afobada: Marcelo é a dona Adisabeba. Ela ainda está afirmando que a documentação do seu filho, o Evaristo, está correta e ela exige a bolsa integral dele.
Marcelo, respirando fundo: Olha Aline, esse caso está em suas mãos há mais de duas semanas, eu pedi cuidadosamente para você me mandar toda documentação do seu Evaristo até a minha mesa e ainda não a recebi. Toda documentação que a faculdade exige precisa estar de acordo com as normas, seja ela para veteranos na rematrícula ou no caso de bolsa governamental.
Aline, tensa: Eu sei Marcelo, mas é que o comprovante dela ainda não está anexado e ela esta dizendo que mandou para gente e eu realmente vi esse comprovante...
Marcelo, encarando Aline: E onde ele está?
Aline, olhando para os lados e tensa: Eu... Perdi.
Marcelo calmamente caminha abre a gaveta de sua mesa, pega uma pequena pasta escura e se levanta.
Marcelo, dizendo calmamente: Você tem a cópia de todos os documentos dele?
Aline, ainda tensa: Sim... Mas acho que só foi esse comprovante da bolsa que eu perdi.
Marcelo, se levantando e indo a direção a um painel: Seria esse aqui?
Aline pegando o papel e olhando: Nossa! É esse mesmo.
Marcelo: Tome mais cuidado da próxima vez. Sabemos que quando a Renata voltar esses tipos de erros ela não vai aceitar.
Aline, aliviada: Eu sei Marcelo. Muito obrigado pela ajuda! Acho que sinceramente você devia substituir a Renata.
Marcelo, sorrindo: Ainda não estou preparado para tamanha responsabilidade.
Aline: Eu acredito que você está sim.
Marcelo: Muito obrigado pelos elogios, agora vá terminar o seu trabalho.
Aline estava se levantando, quando chegou à porta, Marcelo diz: E quando você precisar de algo olhe para o Painel do Desespero.
Aline, sorridente: Muito obrigado.
Ainda naquele instante Marcelo deu um F5 e finalmente o resultado da UFRJ saiu. Era a hora da verdade!
2 – Imediações da Praça Sé, tarde, apartamento 203.
Lucas estava deitado no chão de seu apartamento quando Bomba abriu a porta rapidamente e foi para o seu quarto. Pensativo, Lucas foi se levantando devagar, calçou os seus chinelos e foi até o quarto do seu irmão.
Bateu uma.
Bateu duas.
Abriu a porta e se encostou à parede com as mãos no bolso do short.
Bomba, desconfiado: Aconteceu alguma coisa?
Lucas: Isso eu que eu queria ouvir de você Maurício. Ah alguma coisa que você gostaria de me contar?
Bomba: Não há nada Lucas, por quê?
Lucas: Você quer me explicar o que é isso?
Ele retira um frasco pequeno dos bolsos, um frasco que traficantes utilizam para venderem cocaína.
Lucas: Achei isso ontem na sala. Como você saiu logo pela manhã deduzi que você foi trabalhar.
Bomba: Mas eu fui...
Lucas, interrompendo a explicação do irmão: Não minta para mim, não agora Maurício. Você pode me dizer o que significa isso?
Bomba, ficando nervoso: O que você está insinuando Lucas? Que eu sou um traficante?
Lucas, levantando a voz: Eu liguei na porra da Floricultura onde você trabalha e me disseram que você não aparece a mais de uma semana. Pessoas estranhas entram e saem dessa casa todos os dias, de manhã, de tarde, de noite e você não me da uma explicação. Acho um pino de cocaína jogado no chão da sala e você quer que eu pense o que?!
Bomba: Você devia parar de estar se metendo na minha vida – ele se levanta e vai tirar seu sapato.
Lucas: Parar de se meter na sua vida Maurício? Nós somos irmãos, sendo você o mais velho aqui e eu sim preciso de uma explicação porque você querendo ou não eu ainda moro nessa merda de apartamento, você querendo ou não faço parte sua família.
Bomba: Fala se fosse meu pai.
Lucas: Não sou e nem quero ser. Um filho como você, mentiroso, aproveitador e agora traficante? Não eu mereço um filho melhor, seu merda.
Bomba se levanta e coloca Lucas contra a parede apertando seu pescoço.
Bomba: Sou a única pessoa que você tem em vida...
Lucas, sendo sufocado: Está me machucando.
Bomba: Isso é para você aprender a ser homem seu moleque, não se meta na minha vida mais uma vez, pessoas vão entrar por aquela porta e sair sem dar satisfação, estou fazendo dinheiro para sustentar não só eu como você também, já que aqui você não para em nenhum emprego sequer. Então pare de bisbilhotar a vida dos outros, seu merdinha, se não quem vai ver a terra cair na cara é você.
Bomba solta Lucas, ele respira e solta umas tosses.
Lucas: Imbecil.
Bomba da um soco na barriga de Lucas que caí no chão do quarto.
3 – Universidade Regional Paulista, tarde, sala de supervisão.
Era uma alegria e uma tristeza ver que o nome de Diego constava na lista da UFRJ. Alegria por saber que a partida dele estava próxima, mas feliz por ver que seu namorado finalmente estava pronto para enfrentar a vida lá fora. Marcelo ainda lia diversas vezes o nome de Diego Buarque na lista, o sonho dele estava concretizado. Assim que pegou o telefone e deu a notícia ele pode ouvir gritos de sua mãe, Carmem, e do seu pai, Mário pelo telefone, Diego não continha a euforia. Ao “presenciar” tudo aquilo por telefone Marcelo ficou imaginando a cara de Carmem sabendo que o filho vai finalmente se mudar, vai finalmente ficar longe dele. Era uma vitória pura e simples. Logo após a notícia, Marcelo se voltou aos seus procedimentos rotineiros. Estava tudo bem, mas a noite prometia grandes surpresas.
4 – Casa dos Buarque, tarde, sala.
Carmem, eufórica: Eu quero dar um jantar!
Diego, rindo: Um jantar mãe?
Carmem: Claro meu filho, mas calma, não vai ser para grandes pessoas, só a gente, seus sogros e claro o Marcelo.
Diego, estranhando: Você tem certeza disso?
Carmem: Absoluta. Vou ligar para Amélia agora.
5 – Casa dos Medeiros, tarde, cozinha.
Amélia era uma mulher religiosa, fazia o sinal da cruz e acendia vela para sua mãe Iemanjá todos os dias, ela achava necessário e sempre clamava por proteção, tanto para Marcelo seu único filho e Alberto, seu marido e policial há mais de quinze anos. Uma mulher extremamente feliz e realizada, psicóloga formada, mas desistiu de exercer a função por conta de um acidente de carro há muitos anos. Do lado oposto ao dela está Carmem, uma mulher egocêntrica e extremamente fria. Dona de casa e mãe de Diego e do pequenino Fernando, ambos são seus tesouros e faz de tudo como uma boa mãe. As duas agora compartilham da mesma família, graças ao namoro de três anos dos filhos, Marcelo e Diego, ambas as famílias aceitam e apoiam os filhos em sua sexualidade.
Amélia, cortando legumes: Que minha mãe o proteja.
O barulho da porta se abrindo ecoa até a cozinha e ela olha para trás.
Amélia, sorridente: Chegou cedo querido!
Alberto, sorridente e a cumprimentando: Ainda volto para o DP, vim apenas almoçar com você.
Amélia: Temos um convite hoje à noite, jantar na casa da Carmem.
Alberto: Algum motivo especial?
Amélia: O Diego conseguiu a bolsa na UFRJ. Você sabe como ela é, não é?
Alberto: Se sei. Bem, acho que fico no DP até às 20h, diga a ela que vamos chegar umas 21h30.
O barulho do portão ecoa novamente até a cozinha e Marcelo aparece.
Marcelo: Oi família.
Alberto: E aí meu campeão.
Marcelo recebendo um beijo na testa do seu pai: Tudo bem pai?
Amélia: Oi filho. Já recebemos o convite.
Marcelo: Dona Carmem e seus exageros, né?
Alberto: Deixa ela, deve estar super feliz que o Diego vai pro Rio.
Marcelo fecha a cara.
Alberto: Ela vai ter o que contar para as amiguinhas.
Amélia, encarando Marcelo: Está tudo bem meu filho?
Marcelo, meio perdido: Está mãe.
Alberto: Bom Melinha, termina aí que eu vou tomar um banho rapidinho e já venho comer.
Alberto sai da cozinha e vai para o banheiro.
Amélia: Você sabe que de mim você não precisa esconder nada.
Marcelo: Toda essa história do Rio mãe, me deixa apreensivo.
Amélia: Eu te entendo meu querido.
Marcelo: Eu gostaria de ter me preparado para poder ir com ele, mas infelizmente não sei se vou poder agora.
Amélia: Você conversou com seu chefe?
Marcelo: Ainda não.
Amélia: Filho, você sabe que pode conversar com ele a hora que você quiser. Creio que o seu Reginaldo é um bom chefe e sabe que você é um profissional exemplar, vai entender que você quer buscar novos desafios. Tente conversar com ele.
Marcelo: Ainda tenho mais um tempo para pensar. Não posso meter os pés pelas mãos.
Amélia: Pode deixar, tenha fé que tudo vai dar certo. Irei rezar por vocês.
Marcelo: Obrigado mãe.
Marcelo se levanta e vai para o seu quarto. Um vento forte derruba a vela de Amélia e lhe da calafrio, ela respira fundo enquanto pega a vela para por no lugar.
Amélia: Que minha mãe te proteja meu filho.
6 – Casa dos Buarque, início da noite, quarto de Diego.
Diego observa um mural com fotos antigas. A maioria das fotos dele é com Marcelo, afinal já são três anos de um relacionamento repleto de amor e companheirismo. Ele começa a pensar na sua viagem, sabe que não terá muito tempo para arrumar e organizar tudo, ainda é quarta-feira e a entrega de todos os documentos está prevista para segunda-feira que vem. São cinco dias, que podem passar como cinco minutos, ou até mesmo cinco segundos.
Carmem, entrando em seu quarto: Filho, acredito que você precisa de roupas novas.
Diego: Mãe, tenho roupas o suficiente para passar uma temporada enorme lá.
Carmem: Mas você não vai passar nenhuma grande temporada no Rio e sim quem sabe esta indo até para morar.
Diego: Vou morar pelos próximos quatro anos e depois vou voltar mãe.
Carmem, se aproximando dele: Vai nada, você vai adorar tanto a vida carioca que vai esquecer daqui rapidinho, você vai ver.
Diego, rindo: Claro que não.
Ela o abraça e os dois observam as fotos do Mural.
Carmem: Pretende levar essas fotos?
Diego: Só algumas, vou deixar outras aqui.
Carmem: Hum. Entendi.
Diego: Eles vão vir?
Carmem: Eles quem?
Diego: Meus sogros mãe, Amélia e Alberto.
Carmem: Ah. Vão sim! Devem estar chegando.
Diego: Ótimo, vou tomar banho.
Enquanto Diego vai em direção ao banheiro, Carmem observa as fotos dele com Marcelo e faz uma cara negativa.
Carmem, gritando do quarto: Sabe quem eu encontrei?
Diego, também gritando: Quem?
Carmem: Aquele seu ex-namorado, o Richard.
Diego: E o que tem?
Carmem: Bom rapaz ele. Queria entender o que aconteceu entre vocês.
Diego: Bem, foi através dele que eu conheci o Marcelo, me apaixonei, terminei com ele e estou com Marcelo até hoje.
Carmem: Meu deus! Na minha época isso era galinhagem.
Diego, dando uma gargalhada: Coisas da vida senhora Carmem.
Carmem: Coisas da vida... Bem, deixa eu descer.
Ela desce do quarto e vai até a cozinha ver como está o seu assado.
7 – Casa dos Buarque, noite.
A família de Marcelo chegou a casa de Diego as 21h35. Estavam bem vestidos, com uma roupa que não chamava muito atenção, mas impressionava pela simplicidade. Carmem os recebeu.
Carmem, caminhando em direção a sala: Gente, me perdoem por ter marcado esse jantar. Tudo tão depressa, fiquei tão empolgada.
Amélia: Não precisa se desculpar minha querida.
Carmem: Sentem-se.
Os dois se sentam, mas Marcelo fico de pé.
Carmem: Ele está lá em cima, pode subir.
Marcelo sobe as escadas e encontra Diego se trocando. Ele bate na porta.
Diego: Pode entrar.
Marcelo: Olá carioca.
Diego: Oi amor.
Os dois trocam um beijo apaixonado e se abraçam. Diego envolve Marcelo em seus braços.
Diego: Que saudade eu estava de você!
Marcelo: Eu também.
Eles se soltam.
Diego: Que bom que veio.
Marcelo: Eu viria porque queria te ver logo.
Diego: Ainda bem que me soltou também.
Marcelo, levantando a sobrancelha: Por quê?
Diego: Fiquei de pau duro.
Marcelo: Nossa amor, como você é besta.
Os dois dão uma gargalhada e logo um silencio chega.
Diego: Sei que você não está de acordo.
Marcelo: Não precisamos falar disso hoje. Apenas vamos comemorar.
Diego: Eu sei disso, mas temos que pensar no nosso futuro.
Ele se aproxima de Marcelo.
Marcelo: Ainda não é a hora de pensar como vamos estar lá na frente. Tenho seis meses ainda.
Diego: Você disse que ia ficar menos tempo aqui e iria para o Rio.
Marcelo: As coisas não são tão simples amor. Preciso de mais tempo, minha rescisão pode melhorar ficando esse período. E tenho o projeto social também, quero dar continuidade.
Diego cruza os braços e encara Marcelo.
Marcelo: Desculpa!
Diego, passando por Marcelo: Tudo bem. Vamos descer.
Os dois descem e todos já estão na mesa do jantar.
9 – Restaurante The Rock, noite.
Lucas está sentado no chão da área restrita para funcionários. Ele fuma seu Malboro, era o último daquele maço. Pensa nos problemas que estão para aparecer com seu irmão vendendo drogas, não era isso que seu pai queria quando os deixou, há pouco mais de um ano. Ele pensa em desistir de tudo, mas sabe que não pode. Ele olha uma de várias tatuagens que tem no seu corpo, o símbolo do infinito. Suas mãos percorrem sua cabeça, tinha raspado os cabelos um dias antes e eles já começavam a apontar. O seu celular vibra, é Carol, sua ficante, ela manda uma mensagem avisando sobre uma vaga de atendente em Universidades, ela apenas olha, da uma tragada em seu cigarro e o joga fora. Era hora de mudar.
10 – Casa dos Buarque, noite.
Carmem: Fico muito feliz por vocês dois, Diego e Marcelo. Minha amiga Fátima disse que o filho dela foi para um retiro de padre, pois pai dele acredita que ele é gay. Bizarro.
Os dois sorriem.
Mário: Então Alberto, ficaram sabendo da onda de assassinatos no Centro?
Alberto: Estamos investigando Mário, ainda não há provas. Mais um corpo foi encontrado, uma nova promotora vai guiar esses casos. Érika de Castro.
Mário: Não conheço de nome, mas deve ser boa.
Alberto: Vindo para ajudar, tudo bem.
Carmem: Quer uísque Amélia?
Amélia: Aceito.
Todos a olham, admirados.
Amélia: Que foi gente? Festa da Tia Vera.
Carmem, se levanta e brinca: Festa da Tia Vera, oh coisa boa.
Amélia: Nem me fale.
A campainha toca.
Carmem: Vai atender Fernando.
Quando Fernando abre a porta, Richard surge.
Richard: Boa noite.
Fernando: Pois não?
Richard: Não se lembra de mim Nando?
Fernando: Ah, Richard. Entra vamos entrar.
Os dois atravessam a sala e todos na cozinha ficam perplexos ao ver Richard na porta, principalmente Marcelo.
Diego: Você?
Richard: E aí, carioca.
Marcelo encara Diego e Carmem sorri, triunfante.