Capítulo 1 – Everything changes

Conto de Hunter Welch como (Seguir)

Parte da série Black Velvet

A cidade de Saint Lucy amanheceu nublada naquela segunda-feira de setembro. Quando os primeiros raios de sol ameaçaram invadir a janela do quarto de Derek Tyer seu despertador já começara a tocar. Seus cabelos pretos estavam amassados embaixo das pilhas de travesseiros que ocupavam sua cama.

-Eu não vou! – protestou, a voz sobrepondo o toque incessante do despertador. – Me recuso! – Derek podia não ter levantado se quisesse. Mas ele se levantou.

Afastando as cobertas o garoto se levantou, tirando um momento pra esticar seus músculos doloridos. Derek se levantou em direção ao seu banheiro. Encarou o seu rosto pálido no espelho por alguns minutos.

-Você parece alguém que morreu e esqueceu onde tava o caixão. – sua atenção se dividiu entre os olhos castanhos e o queixo fino.

Ainda cansado, ligou o chuveiro e tomou um banho rápido, embora não tivesse a menor pressa naquela manhã. Penteou os cabelos ainda molhados, se vestiu e saiu pelo quarto à procura de seus livros escolares e outros pertences. Por mais de quinze minutos o garoto fuçou no quarto, encontrando um livro de historia embaixo do colchão e uma caneta na gaveta de meias.

Com um último suspiro, Derek segurou a mochila e abriu a porta do quarto.

“Eu estou sozinho em casa” pensou ele com esperanças. Andou até a cozinha para ver seu pai e seu irmão mais velho sentados à mesa, tomando café-da-manhã com sorrisos alarmantes. O pai, Carter, era um homem de uns 40 anos, com cara de garoto que quebrou alguma coisa enquanto o seu filho mais velho, Cody, ostentava os mesmos traços do pai em seus 18 anos. Derek não desgostava da presença dos familiares, muito pelo contrário. Porém, simplesmente, não aceitava a alegria que os dois tinham em seus corpos.

-Será que vocês não podem sentar na mesa do café e reclamar como todo família normal? – bufou o garoto, jogando sua mochila numa cadeira vazia com desnecessária violência.

-Sim, meu filho é um careta sem graça. – brincou Carter.

-E meu pai é um babaca. – os dois levantaram os copos de suco, em um falso brinde.

-Um babaca que fez panquecas no seu primeiro dia de aula. Coma logo, moleque ingrato.

Os três comeram em meio silencio: Derek fechou a cara enquanto os outros dois riam de alguns assuntos triviais.

-Você não pode pelo menos fingir que não odeia a felicidade alheia, Derek? Você é muito novo pra ser tão carrancudo – disse o irmão.

-Eu não sou carrancudo. – de imediato tentou aliviar suas feições duras. – E por que vocês estão agindo como se hoje fosse um grande dia?

-É seu primeiro dia de aula! – o pai levantou as mãos em seu argumento.

-Sim, primeiro dia de aula no oitavo ano. Eu ainda estudo na mesma escola e vocês agindo como se eu estivesse começado meu PhD.

-Você é muito burro para um PhD. – comentou Cody.

Derek o chutou por baixo da mesa.

-Derek, nós não podemos comemorar que finalmente as férias acabaram e agora você é responsabilidade da sua escola? – Carter embargava a voz de propósito, se passando por um pai super emocionado. – Você não faz ideia do tanto que eu to feliz por saber que você não vai ficar mais trancado no quarto ouvindo Alison Porter.

-Primeiramente, o nome dela é Alisan e eu a amo – respondeu de forma dramática. – E segundo, se vocês não fossem tão felizes e alegres eu poderia passar meu tempo com vocês.

A família riu. Derek apreciava o esforço do pai de ser um bom amigo pros filhos, por mais deprimente que isso fosse. Desde que sua esposa foi embora, abandonando o marido e dois filhos, um deles praticamente um recém-nascido, que ele se tornara o homem bem humorado e brincalhão que era hoje, proporcionando aos irmãos Tyer uma infância relativamente feliz.

Derek se despediu dos familiares, seu pai o obrigou a responder o seu tchau com um “eu também te amo, pai” sob risco de ser pego a força em um ataque de cócegas. O garoto ia andando até sua escola, que não era muito longe da sua casa. Já estava há dois quarteirões de distancia quando lembrou que não havia pegado dinheiro algum pro lanche. Soltando vários palavrões o garoto deu meia volta.

Ao sair novamente Derek estacou na calçada, ouvindo alguém lhe chamar.

-Ei, Derek!

O garoto se virou, por alguma razão seu coração se acelerou.

-O seu irmão já saiu? – perguntou o outro garoto. Era alto, e um pouco musculoso, graças as suas idas frequentes à academia, junto com o irmão de Derek. Seu cabelo era bem penteado, sob camadas de gel capilar

Derek andou de volta até a porta.

-CODY, O JASON TÁ TE CHAMANDO. – berrou. Depois se virou ao rapaz. – Ele já deve ta vindo.

Jason sorriu de volta, exibindo vários dentes branquíssimos como algodão. Derek sentiu seu coração acelerar de novo. Tentou sair de fininho, mas logo Jason o chamou novamente.

-Ei, boa sorte hoje. – Derek estudava em um colégio chamado “Adrian Memorial Middle and High School” junto com Jason. Já Cody estudava na “Brookstein Academy” onde só alunos de ensino médio frequentavam. – Quem sabe hoje a gente se topa na escola? – Nos 4 anos em que estudou na Adrian Memorial nunca havia cruzado com Jason, nem nos corredores ou refeitórios.

-É, quem sabe. – respondeu, vacilante – Bom, eu tenho que ir agora… - Derek deixou sua voz ir diminuindo de tom. Jason se despediu dele, novamente sorrindo. O garoto andou apressado até a escola, seus fones de ouvido em volume máximo ajudavam a clarear a sua cabeça. Por que diabos ele sentia o peito apertar quando via Jason? Estaria ele sentindo algo por um garoto que ele conhecia há tanto tempo?

Os Tyer haviam se mudado para a rua dos Litton quando Derek ainda era pequeno. Jason e Cody se tornaram amigos rapidamente, embora o posto de melhor amigo do garoto Tyer ainda fosse ocupado por seu pai. Era difícil não reparar as semelhanças entre os dois: ambos os garotos eram estudiosos, inteligentes, e humorados. Além disso, Jason também perdera a mãe. A Sra. Litton falecera no parto do segundo filho, que se tivesse sobrevivido teria a idade de Derek. Talvez fosse o seu segundo melhor amigo também.

Derek enfrentou algumas multidões de alunos na entrada da escola, lutando para chegar até o prédio onde agora ele teria aulas. Com uma sensação estranha na boca do estomago reconheceu que aquele era o único prédio em que os alunos do ensino médio tinham aulas. O garoto andou pelos corredores até achar o seu armário novo. Mais alguns minutos até chegar à primeira aula: Introdução a Química Orgânica.

A sala ainda estava bem vazia, com lugares desejáveis na frente vazios. Porém Derek escolheu um lugar mais no fundo o possível. A ideia de ser notado ou visto o desagradava em demasia. A aula em si não foi tão entediante quanto pensou. Derek era um garoto com inteligência acima da média, de forma que nenhum assunto era um desafio para ele.

De volta ao corredor Derek gastou um bom tempo organizando seus livros no armário, até ouviu uma voz familiar abrindo o armário ao lado.

-Uau, finalmente alguém saiu da toca. – a voz criou nele uma imensa vontade de rir. Derek fechou o armário e se virou para o garoto que falava. Era um adolescente, assim como ele na faixa dos 14 anos, loiro, um pouco mais baixo que ele. Seus cabelos eram incrivelmente arrepiados e seu sorriso era mil vezes mais travesso que os do Tyer. – E eu pensando que você tinha morrido. – continuou ele.

-Você não tinha sido expulso?

-Claro que não. – respondeu Riley. – Eu fiz minha carinha de inocente e me deram “só” uma suspensão. Foi uma brincadeira muito inofensiva!

-Você arrombou a porta do prédio de serviços, arrombou a sala de encanamentos, quebrou um cano e jogou corante azul no sistema de água. – enumerou Derek. – Como diabos você não está preso?

-Eu não quebrei um cano, só tirei ele do lugar!

Derek foi para a sua próxima aula e Riley o seguiu. Os dois eram praticamente amigos, por mais que Derek evitasse Riley o máximo que pudesse. Ele era um bom garoto, mas não era exatamente bom.

-Você sabe que as jogadoras de vôlei estão putas com você ne? Parece que ficaram com o cabelo azul por semanas. E por que diabos você ta me seguindo? – resmungou zangado.

-Porque diabos a gente tem uma aula juntos agora. Agora me responde, por que você não falou nada as férias todas? Eu te mandei um monte de mensagens, te chamei pra festas e o cacete.

O moreno coçou a cabeça, desconfortável.

-Eu não sou muito de sair, Riley. Sem contar que você ta sempre com os seus amigos e eles são bem chatos.

Riley parou de andar, aparentemente magoado. Segurou a mão de Derek, no meio do corredor, deixando o garoto visivelmente constrangido.

-Pensei que você fosse meu amigo.

-É, bem… eu… diria que sou quase seu amigo. Mas não é sua culpa! – disse apressado. – Agora solta minha mão, ta todo mundo olhando.

De fato algumas pessoas olhavam, com expressões que variavam de surpresa a julgamentos silenciosos. Não que Derek não tivesse acostumado com isso. O garoto era homossexual assumido, sabia que preconceito era uma coisa comum.

-Que foi? Devem estar pensando que a gente namora. Aliás, eu tenho um amigo meu pra te apresentar. Não é tão bonito como eu, mas você é bem horroroso então acho que vai servir. – falou, soltando a mão de Derek.

Os dois entraram na sala de aula poucos minutos antes da professora aparecer.

-Eu nunca vou arrumar um namorado se souberem que eu ando com o “Smurf”.

Riley amarrou a cara, contudo voltou a falar com Derek em menos de 5 minutos porque sua língua não se segurou.

No refeitório os dois se sentaram a uma mesa um pouco afastada, não muito longe da mesa onde estava Jason Litton. Derek o observava brincar e rir com os amigos, reparando que algumas garotas não tiravam os olhos dele.

-Riley?

O loiro engoliu um pedaço de sanduiche antes de responder.

-O que foi?

-Você já se sentiu… - Derek tinha dificuldades em explicar. – estranho?

-Eu sou o garoto que coloca tinta na água da escola e tem tantas suspensões que os professores mal se lembram de mim. As pessoas me chamam de Smurf, Blue Devil ou Riley Blue. Eu sou estranho! Do quão estranho nós estamos falando?

Derek se curvou, como se estivesse prestes a confessar um crime hediondo.

-Sem ar. Você olha pra pessoa e não consegue mais sentir o chão. Então ela sorri pra você e seu coração parece que vai explodir.

-Já sim. É mais comum do que você pensa.

-Serio? O que é?

-Você ta apaixonado!

A maçã que o garoto comia pareceu inchar em sua garganta.

-Tenho que ir – disse de súbito, pegando sua mochila.

-Falta uns 5 minutos pra acabar o almoço.

-É, mas eu quero chegar cedo na sala. – Derek saiu do refeitório, sem perceber que Jason também se ausentara.

O garoto andou sem rumo. Acabou entrando em um corredor estreito, passando um lance de escadas e entrando em uma sala que parecia não ser muito usada. Derek fechou a porta e esperou por um tempo até sua respiração voltar ao normal. Você ta apaixonado. As palavras de Riley ecoavam no seu cérebro. Para ele aquilo não fazia sentido algum. Conhecia Jason por anos e por mais que reconhecesse que ele era um garoto bonito nunca tinha sentido nada por ele. Nem o considerava um amigo.

Contando até 3, Derek abriu a porta e desceu novamente. Ao passar no corredor o garoto começou a ouvir passos. Virando na outra ponta vinham Jason e um dos amigos que estavam com ele na mesa. Derek continuou sua caminhada, sem saber se deveria ou não manifestar que conhecia o garoto. Mantendo a cabeça baixa, Derek passou do lado dos garotos, quando sentiu o impacto na sua perna. Um pé havia parado em contato com sua canela, fazendo o garoto ir de cara no chão.

Derek se virou, sem entender. O braço que ele usou pra amortecer o impacto doía. Jason e o amigo o olhavam, rindo entre si com aparente prazer. Pelo que parecia Jason tinha feito ele cair.

-Olha por onde anda, merdinha. – ele e o amigo foram embora, as gargalhadas. O sinal tocou e Derek se levantou com pressa. Encontrou Riley somente na ultima aula, o garoto pulava sem parar na cadeira, incapaz de se comportar. Sua perna ainda doía, não de forma excessiva. O que realmente doía era sua cabeça, agulhas ferroavam seu cérebro, fazendo-o imaginar o que teria acontecido. Derek resmungou alguns “aham” quando Riley fez tentativas de conversa e saiu correndo quando a aula finalmente acabou.

Aquele primeiro dia se provou ter sido um inferno.

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