1X02 Dias Difíceis

Conto de Gojimmy como (Seguir)

Parte da série O Quinto Reino

Capítulo de apresentação do segundo personagem principal, narrado pelo próprio.

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Sabe aqueles dias que você deseja não ter nascido ? Que você se olha no espelho e não vê seu reflexo ? Que se vê em um labirinto emocional cheio de entradas e não sabe por onde seguir ?

Eu estou tendo esses dias. Mas meus problemas não começam de alguns dias pra cá, eles começam assim que eu nasci. Eu perdi minha mãe no meu parto então eu nunca a conheci. Fui criado com muito amor pelo meu pai mas a dois anos ele enfrenta uma doença cardíaca muito séria e eu tenho que cuidar dele. Isso seria complicado mas nada que não possa piorar. A empresa que eu trabalhava a dois anos faliu e não tive grana nem para os remédios do meu pai. Eu fico a todo momento procurando um emprego mas não encontro e isso me deixa cada vez mais decepcionado comigo mesmo. A minha sorte e que tenho minha amiga Isabela, ela me ajuda me dando seus ouvidos para eu poder desabafar, como estou fazendo agora. (Na verdade ele sempre me obriga a me abrir)

Isabela - ... e você não achou emprego ainda ?

Gael - não, eu estou atrás mas parece que ninguém quer me dar uma oportunidade.

Isabela - não fica triste amigo, daqui a pouco você acha. Se quiser eu posso pedir ao Seu Wagner se ele pode te colocar lá na lanchonete.

Gael - Seu Wagner ? seu patrão mão de vaca ?

Isabela - é... eu esqueci desse detalhe (risos) mas eu vou pensar em um jeito de te ajudar.

Gael - você já faz muito por mim.

Isabela - e vou continuar fazendo senhor orgulhoso.

Gael - eu não sou orgulhoso.

Isabela - imagina... você nunca fala quando precisa de alguma coisa. Eu sempre tenho que te obrigar como fiz hoje.

Gael - não é bem assim.

Isabela - é sim. Olha, eu tenho que voltar pro trabalho. Depois a gente se fala, tá ?

Gael - tá, eu tenho que andar mais e procurar trabalho.

Nos abraçamos e despedimos. Eu continuei andando pelo meu bairro procurando trabalho mas não achei nada então voltei para minha casa. Assim que entrei vi meu pai na sala vendo televisão.

Gael - oi pai.

Fernando - oi meu filho. Tudo bem ?

Gael - sim, e o senhor ?

Fernando - tô bem filho. E aí, alguma boa notícia ?

Gael - não, desculpa.

Fernando - ei, você não precisa me pedir desculpa filho. Você é um herói e tá se esforçando muito.

Gael - mas não tô conseguindo nada, de que adianta ?

Fernando - o que vale é o seu esforço. Mas eu ainda acho que você tem que relaxar um pouco.

Gael - pai... não tenho tempo pra isso.

Fernando - tem sim. Você tem que sair com seus amigos, se divertir um pouco.

Gael - eu só tenho um amigo.

Fernando - e namorado ? essas coisas são importantes pra gente recarregar as forças.

Gael - não quero falar sobre isso agora.

Fernando - você quem sabe mas deveria sair sim.

Gael - tá pai. Eu vou fazer alguma coisa pra gente comer, tá ?

Meu pai sempre preocupado, eu não gosto que ele faça isso pois qualquer emoção maior pra ele pode ser fatal. No outro dia eu voltei a minha rotina de procurar um emprego e novamente não encontrei nada. Na hora do almoço eu fui até a lanchonete onde a Isabela trabalha.

Isabela - oi amigo.

Gael - oi, tudo bem ?

Isabela - sim, já com você... Essa cara quer dizer que você ainda não tem nada em vista.

Gael - não, mas vamos deixar isso pra lá.

Isabela - vou fazer um lanche pra você, de graça (risos)

Ela sempre faz isso sem o patrão dela ver, por mais que eu não queira ela faz. Seu Wagner vem andando da cozinha gritando e xingando como sempre.

Wagner - Isabele, vai trabalhar !

Isabela - Isabela, seu Wagner... É IsabeLA

Wagner - já falei que eu não quero você parada conversando com seu namoradinho.

Isabela - o Gael é meu amigo. E eu tô trabalhando.

Wagner - ele não tá comendo de graça não né ?

Isabela - não Seu Wagner !

Wagner - e tu ta rindo de que garoto ?

Gael - nada (risos)

Wagner - e teu pai ?

Gael - ele tá... indo. Obrigado por perguntar.

Wagner - manda lembrança pra ele e você vai trabalhar garota !!

Isabela - já vou, velho chato !

Ele volta para cozinha reclamando e Bela me olha com uma cara de quem não aguenta mais.

Gael - para, pelo menos é divertido.

Isabela - vamos trocar de lugar então.

Gael - não vem com essa Bela.

Isabela - você tá precisando de alguma coisa amigo ?

Gael - de um emprego.

Isabela - você sabe do que eu tô falando.

Gael - sei (risos) ta tudo bem.

Claro que eu menti. Eu não posso deixar a Isabela me ajudar mais que ela me ajuda. Ela veio morar aqui no Rio e não tem ninguém pra a apoiar, eu não posso ser um estorvo pra ela.

Depois que conversamos eu voltei para rua e acabei entrando em uma loja de roupas onde o gerente disse que era pra eu voltar no outro dia para um treinamento de adaptação ao trabalho e eu só faltei pular de alegria. Eu fui pelas ruas do meu bairro com um sorriso que não cabia no meu rosto. Eu liguei para a Bela e contei a novidade, ela ficou muito feliz por mim. Fui para casa e assim que cheguei no portão havia um aviso de despejo por eu estar devendo o alguel. Eu peguei e entrei com medo de meu pai ter visto mas ela parece calmo então acho que não viu nada. Entrei e escondi o papel em uma gaveta na cozinha.

Gael - oi pai, tudo bem ?

Fernando - sim meu filho.

Gael - eu tenho uma novidade. Acho que consegui um emprego.

Fernando - ah que bom meu filho, eu fico muito feliz por você.

Gael - as coisas vão melhorar pai.

Fernando - vão sim meu filho.

No outro dia, de manhã, eu acordei num pulo e me arrumei rápido para não chegar atrasado. Eu dei o café do meu pai e depois de pegar minha mochila eu saí. Na rua eu encontro com o dono da casa onde eu moro.

Gael - bom dia Seu Batista.

Batista - bom dia, veio me pagar ?

Gael - eu vou pagar mas preciso de mais tempo.

Batista - já te dei tempo de mais e tem gente querendo alugar essa casa.

Gael - eu entendo. Mas eu consegui um trabalho e...

Batista - ... não me importa garoto, eu quero meu dinheiro. Você me deve três meses de aluguel.

Gael - eu sei mas não tem como a gente negociar ?

Batista - sim, depois que você me pagar o que me deve eu negocio.

Ele sai andando e me deixa falando sozinho. Eu vou andando para não me atrasar porém bem triste com a situação e preocupado com a reação do meu pai quando souber que vamos ter que sair da casa. Cheguei na loja e o gerente me apresentou ao trabalho e aos outros vendedores que não foram muito com a minha cara. Eles ficaram cochichando entre si e jogando piadinhas. Até riram de mim ao invés de ajudar quando me atrapalhei com alguns clientes chatos. Eu fiquei bem chateado mas não pensei em desistir. Na hora do meu almoço fui conversar com a Bela.

Isabela - oi amigo... tá com uma carinha estranha.

Gael - impressão sua.

Isabela - Gael ? por favor, eu te conheço melhor que ninguém.

Gael - não consigo disfarçar né ?

Isabela - não.

Gael - comecei meio mau no trabalho.

Isabela - por que ?

Gael - bem...

...Contei a ela tudo que havia rolado nesse meu primeiro dia e ela como sempre me ouviu.

Gael - ... é isso.

Isabela - mas que babacas !

Gael - pois é, e foi só a primeira parte do primeiro dia.

Isabela - mas força amigo, você sabe que precisa do emprego.

Gael - sim ainda mais agora...

Isabela - como assim ainda mais agora ?

Gael - não... nada, força de expressão.

Isabela - não é não, você ta escondendo o jogo de novo.

Gael - não Bela..

Isabela - Gael.

Gael - tá tudo bem.

Isabela - Gael ?

Gael - não precisa se preocupar.

Isabela - Gael Oliveira Martins ?

Ela me olha parecendo que é minha mãe.

Gael - ok... eu recebi um aviso de despejo.

Isabela - você tá devendo aluguel ?

Gael - sim.

Isabela - E POR QUÊ NÃO ME FALOU NADA ???

Gael - não grita ! Você sabe que eu não gosto de falar.

Isabela - quanto ?

Gael - mais de três meses.

Isabela - TRÊS... ???

Gael -... ei, não grita lembra ?

Isabela - eu devia te bater. O pior é que eu não tenho esse dinheiro todo mas posso de dar o que eu tenho pra ver se o dono da casa se acalma.

Gael - isso não vai acontecer. Ele quer tudo.

Isabela - então vocês vão morar comigo.

Gael - Bela...

Isabela - sem discussão Gael.

Gael - eu vou procurar outra casa.

Isabela - sim, mas vocês tem que sair de lá então vão pra minha casa. Não tem espaço mas a gente dá um jeito.

Gael - obrigado.

Isabela - você é meu amigo, não precisa agradecer.

Eu a abraço e depois de conversarmos um pouco mais eu volto para a loja e tenho resto do dia pior que o início. No fim da tarde o gerente me chama na sala dele.

Gael - mandou me chamar ?

Alex - sim, não precisa sentar. Eu queria te dizer que não precisa mais vir

Gael - fiz algo errado ?

Alex - tudo. Eu nunca vi alguém ter un primeiro dia tão ruim. Você se atrapalhou e eu recebi muitas queixas dos clientes.

Gael - mas eu aprendo rápido e que eu tô passando...

Alex - ... o que você passa não é meu problema. Seja profissional ou não vai conseguir trabalho em lugar nenhum. Eu consegui uma pessoa melhor qualificada.

Gael - tudo bem.

Alex - aqui está seu dia, obrigado.

Eu peguei o dinheiro e saí da sala quase chorando. Eu tinha muito pra fazer mas nenhum centavo. Fui pra casa e subindo minha rua de cabeça baixa eu fico pensando no que vou fazer pra contornar isso. Eu levanto o rosto e percebo que tem muitas pessoas na rua olhando pra uma direção só e que havia uma ambulância parada em frente a minha casa. Eu corri e esbarrei na Ana que é minha vizinha e as vezes olha meu pai quando preciso.

Gael - o que aconteceu ??

Ana - Gael ! eu estou te ligando sem parar, onde estava ?

Gael - meu telefone descarregou. Ana cadê meu pai ???

Ana - eu fui dar café a ele e achei ele passando mau com um papel na mão que dizia que vocês foram despejados.

Gael - ah não... cadê ele ?

Ana - eles já colocaram na ambulância. Vamos por hospital.

O marido dela para de carro ao nosso lado e nós fomos para o hospital. No caminho eu liguei pra Bela e ela chegou lá um pouco depois de nós..

Isabela - amigo !

Gael - é tudo culpa minha... eu sou um idiota...

Isabela - ei para com isso ! Não foi sua culpa coisa nenhuma.

Gael - eu devia ter jogado aquele papel fora.

Ana - foi um acidente Gael.

Isabela - exatamente. Se acalma, seu pai precisa de você calmo agora.

Ela ma abraça e eu fico chorando. Me culpo totalmente por meu pai ter passado mau. Alguns minutos passam e eu fico cada vez mais aflito e quando vi o médico que o atendeu eu torci para ele me dar uma boa notícia mas o que ele me disse me destruiu. Eles fizeram de tudo para salvar meu pai mas não conseguiram. Naquele momento eu parei de ouvir, ver e falar. Eu fiquei em choque nos braços da Bela e Ana que choravam ao meu lado.... Eu não tive reação para lidar com o fato de que tinha acabado de perder meu pai. Depois do enterro passei o resto da semana na casa da Bela, pois eu já não podia ficar na minha casa. Isabela me ajuda muito a não me culpar mais isso é quase impossível pois eu me sinto totalmente culpado pelo que aconteceu.

Isabela - Gael... levanta daí, eu não gosto de te ver assim.

Gael - eu sei, mas... eu ainda não tô bem.

Isabela - eu tenho certeza que seu pai não ia querer ver você assim.

Gael - é, ele queria que eu saísse e ficava perguntando se eu tinha namorado.

Isabela - viu, ele queria que você fosse feliz.

Gael - eu estava pensando... meu pai sofria muito com essa doença, ele sentia muita dor e não podia fazer quase nada.

Isabela - eu sei que é difícil ver por esse lado mas ele está descansando agora.

Gael - é, pensar assim me dá um alívio.

Isabela - então vamos levantar desse sofá e me ajudar na cozinha.

Gael - tá.

Isabela - amanhã eu quero que você saia pra dar uma volta por aí.

Gael - é, eu tenho que procurar empre...

Isabela - ...NÃO ! Eu quero que você saia pra ver gente e pegar um sol, tá ficando anêmico.

Gael - isso já é de mais.

Isabela - não é, vai fazer bem pra você. Agora liga a tv e vamos pra cozinha.

Eu liguei a televisão e uma notícia chamou minha atenção.

Gael - que isso ?

Isabela - eu tinha visto isso na internet. Parece que aquele príncipe lindo daquele pais maravilhoso sumiu.

Gael - eita. O que será que rolou ?

Isabela - sei lá, mas bem que ele podia sumir aqui em casa.

Gael - nossa Isabela achava que você era lésbica.

Isabela - eu sou bi idota. E vai dizer que o cara não é um deus grego ? Loirinho dos olhos azuis e eu tenho certeza que em baixo da roupa chique tem um senhor corpo.

Gael - ele é bonito.

Isabela - ele é lindo seu cego.

Gael - para de sonhar com um cara que não vai passar nem perto de você.

Isabela - nossa seu sem graça. Você devia arrumar um namorado pra tirar esse seu mau humor.

Gael - você sabe a última vez que namorei não deu muito certo.

Isabela - ii... isola isso... nem fale naquele traste.

Gael - tá vendo ?

Isabela - aquele cara foi um encosto.

Gael - as vezes me vem à cabeça que tudo que eu passo e por ter...

Isabela - ...olha só... tudo que você fez por causa daquele infeliz passou. Esqueçe.

Passamos o resto da noite conversando e rindo juntos. No outro dia ela me fez acordar cedo.

Isabela - tô indo trabalhar e te dou alguns minutos para o senhor sair.

Gael - Bela..

Isabela - ...Bela coisa nenhuma. Vai na praia ver homem bonito de sunga, da um volta no shopping, nas praças... sei lá ! sai de casa um pouco.

Gael - tá.

Isabela - promete ?

Gael - sim.

Isabela - então tá. Passa na lanchonete mais tarde, tchau.

Ela saiu, eu entrei no banho e depois coloquei uma roupa leve, camiseta e chinelo e saí. Fui andando pelas ruas respirando fundo e curtindo um pouco o sol. Eu fui tá a praia mais próxima e andei por lá um pouco, depois fui andando pelas ruas de dentro em direção ao shopping e passei em frente a uma casa que morei com meu pai antes de tudo acontecer, quando tínhamos uma vida normal e até muito boa. Aquilo me deixou meio tonto então me sentei na guia da calçada. Eu fiquei muito mexido e levantei rápido para ir embora meio tonto e distraído. Eu ouvi uma buzina muito forte e um solavanco que me jogou pra trás. Eu abri os olhos e ainda embaçado vi um garoto levantando e me dando a mão.

Theodoro - você está bem ?

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