Capítulo 24 - Acordo

Conto de GarotoComum como (Seguir)

Parte da série Epifanias

O que você faria se você reencontrasse aquele que já foi o amor da sua vida em um ambiente que possivelmente vocês irão conviver diariamente mais uma vez? Essa é uma pergunta que eu ainda não sei responder.

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- Ah...oi Eduardo. – acenei para ele e sorri – então como eu havia dito meu nome é Adam Montenegro e eu sempre quis ser médico, ainda tentei outro curso mas desisti para focar na carreira que tanto desejei.

Tá. Uma reação vazia diante daquela situação, eu sei. O que esperar de alguém que reencontra um cara por quem foi apaixonado, foi seu amigo, concordou em se distanciar como forma de me poupar sofrimento e de quem você não queria se reaproximar? No mínimo eu precisaria demonstrar desconforto e eu estava desconfortável. Para dizer a verdade quando o vi entrei em choque por milésimos de segundos, fui transportado para aquele dia em que entrei na minha sala de aula e lá estava o belo garoto de cabelos enrolados, loiro, branco de olhos claros olhando-me com curiosidade. Eduardo em nada mudara, só ficou mais alto de acordo com minha percepção visual quando ele ficou de pé. Depois do súbito choque lembrei-me de quem eu sou, de onde estava e por que estava ali. Rapidamente pensei em nossa decisão e o quão orgulhoso eu estava de tê-la tomado. Afastar-me de Eduardo foi sem dúvida a segunda melhor decisão que eu tomei antes de viajar (a primeira foi a de viajar) e eu já havia entendido o quão gratificante e favorável isso foi pra mim. Eu pude me amar mais, pude valorizar ainda mais minhas qualidades e melhorar em meus defeitos. Sem Eduardo por perto eu pude escolher o meu caminho sem pesar o coração e meus pensamentos foram tomados por tantas coisas e experiências que me ajudaram a crescer. Eduardo não era um estorvo, longe disso. Mas o fato de estarmos próximos me fazia lembrar de que eu secretamente o amava e não sabia lidar com isso.

Então, agora eu não podia deixar que todo o meu caminho fosse em vão. Era hora de provar que eu realmente seguira em frente e mesmo ali diante de mim, certificando-me de que iríamos conviver nos mesmos ambientes diariamente, as coisas não iriam mudar para nós. Não, não iriam. O acordo permanece de pé e eu permanecerei com minha decisão.

- Então a próxima a se apresentar é Ana Pinheiro...

A cada aluno que se apresentava eu ia tentando entender sua história, mesmo que em apenas uma frase. Para mim pessoas não são apenas pessoas, são livros, dos quais podemos abstrair muitas lições. Então analisar pessoas é meio que um hoobie, as vezes pareço um maníaco à espreita mas nada de muito louco.

- Eduard – há alguns nomes ela já não lia o sobrenome, deveria ser o cansaço.

- Olá a todos. Meu nome é Eduardo Botelho. Bom, primeiramente bom dia a todos e desculpem-me por ter interrompido meu colega de ensino médio, sr. Montenegro. Já faz algum tempo que não nos vemos – ele olhou rapidamente para mim e devolvi apenas um sorriso sem graça. Bom, eu nunca quis Medicina até há alguns anos. Na verdade eu não sabia o que queria da vida...

- Você não é o único – um dos alunos falou dos fundos arrancando risos de muitos no auditório.

- Pois é – ele continuou sem graça – Eu vim entender um pouco da minha paixão por medicina por meio de um amigo que me mostrou uma outra visão do mundo que eu não conhecia, e eu aprendi que o mínimo que eu poderia fazer era ajudar de volta. Talvez ele não saiba disso até hoje mas, ele é o motivo por eu estar aqui hoje. – ele virou-se para mim com a feição séria antes de dizer sua última frase antes de sentar – claro. Não sendo clichê. – e sorriu antes de sentar-se.

Confesso que aquilo me tocou, apesar de não ter certeza se ele estava falando de mim. Até aquele momento eu não sabia o que fazer naquela situação. Me perdi nas outras apresentações enquanto pensava em absolutamente tudo o que ocorreu entre nós e como chegamos até ali. “Não quebre, Adam” eu dizia para mim mesmo, já que naquele momento eu poderia ficar um pouco desesperado por estarem uma situação daquelas. A verdade é que minha essência não mudou, eu só sabia lidar melhor com meus sentimentos, então coisas assim sempre iriam me atingir, mesmo eu querendo ou não. Eduardo sempre seria o cara que mudou minha vida e que me mostrou o que era estar apaixonado, então até certo ponto eu era grato a ele.

“É isso!! Eu sou grato ao Edu. Vou usar o sentimento de gratidão para lidar com essa situação”

Nem percebi quando as apresentações acabaram e fomos liberados. Como eu estava no fundo, pude ser um dos primeiros a sair para ligar para meu pai a fim de que ele pudesse me buscar (ele fazia questão).

Passos e passos em direção a porta de saída e sou surpreendido com uma mão em meu ombro, convidando-me a virar. Era ele, claro, o Edu. Não pude pensar muito enquanto ele me virou e me abraçou forte ali mesmo sem dizer uma palavra.

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Eu nada disse. Apenas encostei as minhas mãos nas suas costas correspondendo um leve abraço, mas não apertado como o dele.

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Respiração profunda

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- Você voltou – sua voz era doce, calma, de alívio.

- É.. eu voltei Edu. Oi pra você também. – e sorri.

- Me perdoe, eu só fiquei feliz – e me libertou de seus fortes braços enquanto repousava suas duas mãos em cada bochecha minha – você está tão diferente, mas mesmo assim não mudou tanto.

- Isso não faz muito sentido - eu franzi a testa. Ele olhava diretamente em meus olhos mas agora eu já não desviava o olhar.

- Mas como? Como voltou? Por que? O que houve com você? – ele parecia confuso.

- Se você me soltar a gente pode conversar, Eduardo – sorri de novo.

- Claro, claro. Desculpe. Me empolguei. Mas antes – ele me abraçou forte mais uma vez – é quase inacreditável que você esteja aqui. Achei que demoraria muito mais para nos vermos. Eu ia te procurar até o último bairro de são Paulo depois que me formasse – e me soltou mais uma vez.

Pude contar a ele o que fiz nesse tempo em que fiquei em São Paulo e o que fiz por lá. Contei que já havia passado em um outro curso mas que agora havia entrado em Medicina e escolhi voltar.

- Incrível como nosso destino trabalha. Eu venho tentando medicina desde que você foi embora. Ficava frustrado quando não passava e me perguntava o porquê não conseguir por tão pouco. E agora isso – soltou uma gargalhada rápida – demorei esse tempo pra poder estudar com você no curso dos nossos sonhos juntos...

- Eduardo

-... e o incrível é que não combinamos isso. Então agora estudaremos juntos...

- Eduardo

-... e vai poder ser como antes quando estudávamos no ensino médio e...

- EDUARDO – O interrompi firmemente para que pudesse falar. Ele parou de falar e pediu desculpas enquanto coçava a cabeça por entre os cachos.

- Pode falar, Adam.

- Olha...eu fico muito feliz que tenha conseguido sua aprovação e que tenha entrado nessa ótima universidade. Mas a coisas não vão voltar a ser como antes, Edu.

- Como assim? – disse Eduardo de forma assustada.

- Edu. Você lembra bem da nossa última conversa. E sabe, aquilo só me fez perceber que tivemos a melhor decisão e eu gostaria de mantê-la. Eu te agradeço demais por ter me ajudado a amadurecer e a crescer como pessoa

- Mas Adam

- Desde que você chegou eu aprendi muito sobre mim mesmo e eu não poderia estar mais grato. Mas eu não tenho paciência pra lidar com essa situação. Não assim, não agora.

- O que você quer dizer com isso, Adam?

- Nós não somos amigos. Não mais – coloquei a minha mão em seu ombro – Você é um cara incrível e eu continuo torcendo por você. Mas vamos manter nossa relação do jeito que já está, ok?

- Eu não aceito isso, Adam. Eu não passei quase todos os meus dias desses anos me remoendo por ter aceitado esse acordo pra você vir aqui e dizer que concorda com ele.

- Me desculpe mas, não é você que decide isso. Afinal... o apaixonado ali era eu.

Ali naquele momento ele recebeu o choque de realidade. Por pouco mais de2 segundos Eduardo se sentiu constrangido pelo que falei, ou pela forma como eu disse. Natural demais? Não sei ao certo, mas era a verdade.

- Me desculpe, Adam. Eu não queria que você se sentisse assim.

- Assim como? Aquilo foi passado, Eduardo. Eu estou bem, seguro, feliz, realizado.

- Feliz? – então quer dizer que... – ele parou um pouco antes de prosseguir – você está namorando alguém?

Eu precisei respirar fundo antes de responder. Não por raiva, mágoa ou qualquer outro sentimento negativo. Eu precisava de paciência pra lidar com aquela situação.

- Edu. Eu não preciso estar em um relacionamento pra me sentir feliz. E sério, existem coisas que a gente tem que superar e eu superei. Se eu já encontrei o amor? Não, e tudo bem por isso. Uma hora vai chegar. Estou focando agora no meu futuro.

- Entendi. Então isso quer dizer que você não quer retomar nossa amizade, né?

- Não. Desculpa mas não. Mas eu torço por você e sério, estou bem feliz que você se encontrou.

- Tá.

E saiu. Aparentemente zangado. Tentei me colocar no lugar dele mas não consegui. Mas o entendo.

Eduardo parecia o mesmo. Não sei se mais maduro, mas continuava um cara realmente bonito que se destacava. Naquele dia eu me questionei se eu não havia me apaixonado apenas pelo sua beleza, já que por diversas vezes eu sentia que ele era bem imaturo.

Quanto ao beijo que ele me deu em minha casa: depois de refletir bastante cheguei à conclusão de que ele estava confuso. Adolescência é uma fase complicada e Eduardo não sabia lidar muito bem com isso. De qualquer forma não era para ser, eu havia aprendido a lição e não cairia no mesmo erro novamente.

Ao chegar em casa disse a todos o que havia ocorrido. Meu pai não gostou da ideia de que eu estudaria com um dos motivos de eu ter ido morar em são Paulo por coração partido, mas nós não poderíamos fazer nada à respeito. Minha avó e seu Antônio não demonstraram reação ao saber da minha decisão de não reatar a relação de amizade que antes tínhamos.

Após o café da tarde eu subi para meu quarto para ligar para Gabi. Ela havia me pedido para ligar e contar sobre como foi o primeiro dia.

- Mentira!!!

- Não dessa vez minha amiga. Ele realmente está matriculado.

- Adam, eu nem sabia que ele estava estudando pra Medicina. Eu tô no chão com essa notícia. Eduardo vai estudar com você então. De novo! E agora?

- Nós conversamos e eu disse que as coisas não mudariam. O acordo permanece.

- A tá. Como se vocês conseguissem né, Adam.

- Como assim?

- Você sempre soube a minha opinião. Pra mim ele é um cara confuso que não consegue se compreender e acha que a sexualidade do pai pode estar influenciando ele. Mas na realidade ele apenas se apaixonou por um cara incrível mas não soube lidar com isso, inclusive até hoje.

- A gente já conversou sobre isso e eu não quero que você fale essas coisas, Gabi. Eu nem sou mais apaixonado por ele.

Nesse momento minha avó bate na porta e a abre

- Espera um momento Gabi

- Filho. Visita pra você te esperando lá embaixo. Uma surpresa.

- Gabi eu vou ter que desligar mas já já a gente conversa

- Tudo bem, amigo. Até...

Desliguei a ligação e fui em direção a escada.

Eduardo estava no fim da mesma aparentemente me esperando ao lado de minha avó e seu Antônio.

- A nossa conversa ainda não acabou, Adam, e eu não vou desistir até que as coisas voltem a ser como antes.

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Apenas uma frase pode traduzir esse momento: O amor nunca morre!!!

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