Cap.1 Estão me seguindo
Parte da série Alter: Homens dividos
Caro leitores,
O porquê o nome "dividos", pra não fica longo na palavra divididos. Mas tem um único significado: Diverso!
Então este e o meu primeiro capítulo.
______________________________________________ Ele estava sendo seguido. Já havia lido sobre esse tipo de gente, pessoas que
perseguem os outros furtivamente, mas pertenciam a um mundo diferente e violento.
Não fazia ideia de quem poderia ser, de quem poderia querer fazer-lhe mal. Tentava
desesperadamente evitar o pânico; entretanto, suas últimas noites vinham sendo
preenchidas com pesadelos, e todas as manhas ela despertava com uma sensação de
ameaça iminente. Talvez tudo isso seja fruto da minha imaginação, pensou Fabrício
Madson. Ando trabalhando demais. Preciso tirar umas férias. Ele se voltou para o
espelho do quarto, a fim de observar a si próprio. Viu a imagem de um homem de vinte e
poucos anos, esbelto, corpo definido por natureza, bem vestido, de traços aristocráticos e olhos castanhos, inteligentes
e ansiosos, provido de uma discreta elegância e atractivos surtis. Os cabelos escuros
bem aparados e os labios rosados. Odeio a minha aparência, pensou Fabrício. Sou
muito magro. Preciso começar a comer mais. Foi até a cozinha e pôs-se a preparar a
refeição matinal, esforçando-se para esquecer aqueles pesadelos apavorantes que estava
tendo e concentrando-se no preparo de uma omelete bem fofa. Ligou a cafeteira e
colocou uma fatia de pão na torradeira. Dez minutos depois, a refeição estava pronta.
Fabrício pôs os pratos sobre a mesa e sentou-se. Pegou um garfo, olhou para a comida
durante alguns instantes e balançou a cabeça, em desespero. O medo roubara-lhe o
apetite.
Isso não pode continuar assim, pensou, nervoso. Seja quem for, não vou deixar que faça
isso comigo. Não vou mesmo.
Fabrício olhou rapidamente para o relógio. Era hora de sair para o trabalho. Olhou ao redor
do apartamento familiar, como se estivesse buscando algum tipo de reafirmação. Situado
no terceiro andar de um prédio na vila Via Caminho, o apartamento era decorado com
bom gosto, tinha uma sala íntima e outra de estar, com lavabo, quarto de dormir,
banheiro e cozinha. Ele morava em Cupertino, Califórnia, fazia três anos. Até há duas
semanas atrás, Fabrício o considerava tão confortável quanto um ninho, um refúgio. Agora,
ele se transformara numa fortaleza, um lugar onde ninguém poderia entrar para
prejudicá-lo. Ele foi até à porta da frente e examinou a fechadura. Vou mandar botar uma
tranca, pensou. Amanhã. Apagou todas as luzes, verificou se a porta estava bem trancada
ao sair e pegou o elevador até a garagem do subsolo. Não havia ninguém lá. Seu carro
estava a sete metros do elevador. Ele examinou bem as redondezas e correu até ele, entrou e trancou as portas, com o coração palpitando. Rumou para o centro da cidade,
sob um céu com a cor da malícia, escuro e agourento. O serviço meteorológico tinha
previsto chuva. Mas não vai chover, pensou Fabrício, vai fazer sol. Faço um trato com você,
Deus. Se não chover quer dizer que está tudo bem, que tenho imaginado coisas.
Dez minutos depois, Fabrício Madson guiava pelo centro de Cupertino. Ainda se
maravilhava com o milagre em que se transformara este outrora adormecido cantinho do
vale de Santa Clara. Localizado oitenta quilómetros ao sul de São Francisco, era onde a
revolução do computador tivera início e foi adequadamente apelidado de Vale do Silício.
Fabrício trabalhava na Corporação Global de Computação Gráfica, uma empresa nova, de
sucesso e crescimento rápido, com duzentos funcionários. Quando dobrou na Silverado
Street, teve a incómoda sensação de que ele vinha logo atrás, de que a estava seguindo.
Mas quem? E por quê? Olhou pelo espelho retrovisor. Tudo parecia normal. Todos os seus
instintos lhe diziam o contrário.
Logo à sua frente, encontrava-se a edificação espraiada e moderna onde se localizava a
Global de Computação Gráfica. Fabrício entrou no estacionamento, mostrou o cartão de
identificação ao guarda e parou em sua vaga. Sentiu-se seguro ali. Quando ele saiu do
carro, começou a chover às nove horas da manhã, a Global já pulava de atividade.
Havia oitenta cubículos modulares, ocupados por peritos em informática, todos jovens e
ativamente empenhados em criar sites na Internet e logotipos para novas empresas,
fazer artes-finais para editoras e gravadoras e preparar ilustrações para revistas. O
conjunto de escritórios ficava num andar corrido, onde se viam várias divisórias:
administração, vendas, marketing e suporte técnico. O ambiente era informal. Os
funcionários andavam de jeans, camisetas sem mangas ou agasalhos de ginástica.
Quando Fabrício se encaminhava para sua mesa, seu supervisor, Marc Miller, a abordou.
- Bom dia, Fabrício!
Marc Miller tinha trinta e poucos anos, era um homem forte e sério, de personalidade
agradável. No início, tentou persuadi-lo a ir para a cama com ele, mas finalmente desistiu,
e os dois se tornaram bons amigos.
Ele lhe entregou o último exemplar da revista Time.
- Viu isso?
Fabrício olhou para a capa, que trazia a figura de um homem de aparência distinta, com
cerca de cinquenta anos e cabelos grisalhos. A manchete dizia: "Dr. Jorge Madson, Pai
da Microcirurgia Cardíaca".
- Vi, sim.
- Como você se sente tendo um pai famoso?
Fabrício sorriu.
- Maravilhosamente bem.
- Ele é um grande homem.
- Vou dizer isso a ele. Nós vamos almoçar juntos hoje Que bom! A propósito... - Marc Miller lhe mostrou a fotografia de uma estrela do cinema
que seria usada como a cliente de um anúncio. - Tem um probleminha aqui. Jeniffer Lawrence
engordou uns cinco quilos, e dá para perceber. Veja só que olheiras! E, mesmo com a
maquiagem, a pele dela está cheia de manchas. Será que você consegue dar um jeito?
Ashley analisou a fotografia.
- Posso melhorar os olhos aplicando um difusor. Também tentar afinar o rosto com o blur,
mas... não! Provavelmente acabaria ficando com um aspecto meio estranho. - Ele voltou a
estudar a fotografia. - Vai ficar bom se eu usar uma ferramenta tipo do photoshop ou clone em
algumas áreas.
- Obrigado! Está tudo certo para sábado à noite?
- Está.
Marc Miller apontou para a fotografia com um gesto da cabeça.
- Isso aí não tem pressa. Eles querem para o mês passado.
Fabrício sorriu.
- E qual é a novidade?
Ele pós mãos à obra. Fabrício era um especialista em propaganda e design gráfico, na
criação de Lay-out com texto e imagens, horas mais tarde, enquanto trabalhava na fotografia, Fabrício sentiu que alguém a
estava observando. Levantou o rosto e viu. Era Daniel Valentino.
- Bom dia, doçura!
A voz dele lhe dava nos nervos. Daniel era o génio da informática na empresa. Conhecido
no trabalho como "O Consertador", sempre que um computador travava, mandavam
chamá-lo. Estava com pouco mais de trinta anos, era magro, calvo e tinha uma atitude
desagradável, arrogante. Em suma, era um indivíduo de personalidade obsessiva, que
todos diziam ter uma fixação por Fabrício.
- Precisa de uma ajudinha?
- Não, obrigado!
- Ei, que tal sairmos para jantar no sábado?
- Obrigado! Já tenho compromisso.
- Vai sair com o chefe de novo?
Fabrício se virou e olhou para ele, zangado.
- Escuta aqui, isso não é da sua...
- Seja como for, eu não faço idéia do que você viu nele! O cara é um almofadinha, um
quadradão. Você pode se divertir muito mais comigo. - Ele deu uma piscadela. - Você sabe
o que eu quero dizer, não sabe?
Fabrício estava tentando se controlar
- Eu tenho mais o que fazer, Daniel.
Daniel se inclinou para perto dela e sussurrou:
- Tem uma coisa que você vai aprender a meu respeito, doçura. Eu não desisto. Nunca.
Ele ficou olhando, enquanto ele se afastava, e imaginou: Seria ele?
às 12 e 30, Fabrício colocou seu computador em standby e foi para o Margherita Di Roma,
encontrar-se com o pai para almoçar.
Ele estava sentado a uma mesa no canto do restaurante lotado, observando o pai vir em
sua direção. Teve de admitir que ele era um homem atraente. As pessoas voltavam-se
para admirá-lo, enquanto ele se encaminhava para a mesa de Fabrício. "Como você se
sente tendo um pai famoso?"
Anos antes, o Dr. Jorge Madson fora o pioneiro das cirurgias Cardíacas minimamente
invasivas. Era sempre convidado a dar palestras nos principais hospitais do mundo inteiro.
Fabrício tinha doze anos quando a mãe morreu, de modo que ficou sem ninguém, além do
pai.
- Desculpe o atraso, Fabrício! - Ele se inclinou sobre ele e deu-lhe um beijo na bochecha.
- Tudo bem. Acabei de chegar
Ele se sentou.
- Você viu a Time?
- Vi. Marc me mostrou.
Ele franziu o cenho.
- Marc? Seu chefe?
- Ele não é meu chefe. Ele é... ele é um dos supervisores.
- Nunca é bom misturar negócios com prazer, Fabrício, você está saindo com ele fora do
ambiente de trabalho, não está? Isso é um erro.
- Pai, nós somos só bons...
Um garçom se aproximou da mesa.
- Gostariam de ver o menu?
O Dr. Jorge se virou para ele e rosnou:
- Não dá para ver que estamos no meio de uma conversa? Vá embora; e só volte quando
for chamado.
- Des... desculpe! - O garçom deu meia-volta e afastou-se ligeiro.
Fabrício encolheu-se de constrangimento. Tinha se esquecido de quão feroz era o
temperamento do pai. Ele uma vez, durante uma cirurgia, chegou a dar um soco num
residente que cometeu um erro de julgamento. Fabrício lembrava-se das discussões que o
pai e a mãe travavam aos berros quando ele era pequeno. Eles o deixavam aterrorizado
com aquilo. Sempre brigavam pela mesma coisa; entretanto, por mais que se esforçasse,
ele não conseguia se lembrar sobre o que discutiam. Bloqueara o fato na memória.
O pai continuou, como se não tivesse havido qualquer interrupção.
- Onde estávamos? Ah, sim! Sair com Marc Miller é um erro, um grande erro.
E suas palavras trouxeram à tona outra terrível lembrança.
Ele chegou a ouvir a voz do pai dizendo:
- Sair com Rafael Bramn é um erro. um grande erro...
Fabrício mal tinha completado 18 anos e estava morando em Bedford, Pensilvânia, onde
nasceu, pois nessa idade revelou ser gay, o pai levou isso como uma apenas uma "fase" seu do filho. Rafael Bramn era o rapaz mais disputado da Escola Secundária da Região
Administrativa de Bedford. Jogava no time de futebol americano, era bonitão, engraçado
e tinha um sorriso arrasador. Fabrício tinha a impressão de que todas as meninas do colégioqueriam dormir com ele. E a maioria provavelmente dormiu, pensou na época, com
desgosto.
Quando Rafael começou a convidá-lo para sair, ele estava determinada a não ir parar
na cama com ele. Tinha certeza de que só estava interessado em sexo; no entanto,
passado algum tempo, mudou de idéia. Gostava de estar com ele, que parecia apreciar
genuinamente sua companhia.
Naquele inverno, a turma de formandos do segundo grau foi passar um fim de semana
esquiando nas montanhas. Rafael adorava esquiar.
- Vai ser muito legal - garantiu ele.
- Eu não vou.
Ele olhou espantado para ele.
- Por quê?
- Detesto o frio. Mesmo de luvas, meus dedos ficam congelados.
- Mas vai ser legal a gente poder...
- Eu não vou.
E ele ficou em Bedford, para passar o fim de semana com ele.
Os dois compartilhavam os mesmos interesses, tinham as mesmas idéias e sempre se
divertiam muito juntos.
Quando Rafael lhe perguntou:
- Alguém quis saber hoje de manhã se você é meu namorado. O que devo responder?
Fabrício sorriu e disse:
- Responda que sim.
O Dr. Jorge estava preocupado.
- Você anda saindo demais com esse tal de Rafael
- Pai, ele é um sujeito decente, e eu o amo.
- Como é que você pode amar esse sujeito? Ele não passa de um jogador de futebol
americano. Eu não vou deixar você ficar com um jogadorzinho qualquer. Ele não serve
para você, Fabrício, eu sei que isso e só uma fase.
Ele havia dito a mesma coisa sobre todos os rapazes com quem ele saiu.
O pai continuou fazendo comentários desabonadores sobre Rafael, mas a explosão se
deu na noite da formatura. O rapaz a levaria ao baile. Quando chegou para apanhá-lo, ele
estava aos prantos.
- Mas o que é isso? O que aconteceu?
- Meu pai... meu pai me disse que vai me levar para Londres. Ele me matriculou numa...
faculdade de lá.
Rafael olhou para ele, atónito.
- Ele está fazendo isso por causa de nós dois, não é?
Fabrício assentiu apenas com um gesto da cabeça, contrariadíssimo.
- Quando você vai partir?
- Amanhã.
- Não! Fabrício, pelo amor de Deus, não deixe que ele faça isso conosco. Sabe, eu quero
me casar com você. O meu tio me ofereceu um emprego muito bom em Chicago, na agência de publicidade dele. Vamos fugir. A gente se encontra na estação ferroviária. Tem
um comboio que sai para Chicago às sete da manhã. Você topa?
Ele olhou para ele por um longo momento e disse baixinho:
- Topo.
Repensando o assunto mais tarde, Fabrício não conseguia se lembrar de como tinha visto o
baile de formatura. Ele e Rafael haviam passado a noite inteira discutindo animadamente os
seus planos.
- Por que não vamos de avião para Chicago? - perguntou Fabrício
- Porque teríamos de informar os nossos nomes à companhia aérea. Se formos de
comboio, ninguém vai ficar sabendo para onde fomos.
Quando eles estavam saindo da festa, Rafael perguntou baixinho:
- Você toparia dar uma parada lá na minha casa antes? Meus pais foram passar o fim de
semana fora.
Fabrício titubeou, dividido.
- Rafael... a gente já esperou tanto tempo! Uns dias a mais não vão fazer diferença.
- Você tem razão. - Ele abriu um amplo sorriso. - Acho que vou ser o único homem neste
continente a se casar com um virgem.
Quando Rafael levou Fabrício para casa, depois da festa, o Dr. Jorge estava
esperando, enfurecido.
- Vocês fazem alguma ideia da hora?
- Sr. Jorge, desculpe! É que a festa...
- Não me venha com essas suas desculpas esfarrapadas, Rafael. A quem você acha que
está enganando?
- Eu não estou...
- De agora em diante, mantenha as mãos longe do meu filho, entendeu bem?
- Pai...
- Você, fique fora disto. - Ele agora estava gritando. - Rafael, eu quero que você suma
daqui e não me apareça mais.
- Mas, Sr. Jorge, seu filho e eu...
- Rafael...
- Suba já para o seu quarto.
- Sr. Jorge...
- Se eu vir você por aqui outra vez, vou quebrar todos os ossos do seu corpo.
Fabrício jamais o vira tão furioso. A noite acabou com todos aos berros. Depois de
encerrado o assunto, Rafael foi embora, e Fabrício desatou a chorar.
Não vou deixar papai fazer isso comigo, pensou Fabrício, determinado. Ele está tentando
arruinar a minha vida. Ele ficou sentada na cama por um longo tempo. O meu futuro é
com Rafael. Eu quero ficar com ele. Isto aqui não é mais o meu lar. Levantou-se, então, e
começou a arrumar uma maleta de viagem. Trinta minutos depois, saiu pela porta dos
fundos e partiu em direção à casa de Rafael, a dez quarteirões de distância. Vou
passar a noite com ele e nós dois vamos pegar o comboio para Chicago de manhã. Mas, àmedida que foi se aproximando, pensou: Não! Dessa forma está errado. Eu não quero
estragar tudo. Vou encontrá-lo na estação.
Ele deu meia-volta e tomou o rumo de casa novamente.
Fabrício passou o resto da noite acordado, pensando em sua vida com Rafael, na maravilha
que seria. às 5 e 30, pegou sua maleta e passou silenciosamente diante da porta do quarto
do pai. Esgueirou-se para fora de casa e tomou um autocarro para a estação ferroviária.
Ao chegar à estação, não encontrou Rafael. Ele estava adiantado. O comboio só sairia dentro
de mais uma hora. Fabrício foi esperar sentada num banco, ansioso. Pensou no pai
acordando e notando que ele havia partido. Ficaria furioso. Mas não posso deixar que ele
controle a minha vida. um dia ele vai chegar a conhecer Rafael mais de perto e vai ver a sorte
que eu tenho.
6 e 30... 6 e 40... 6 e 45... 6 e 50... Nem sinal de Rafael! Fabrício estava começando a entrar em
pânico. O que teria acontecido? Resolveu telefonar para ele. Ninguém atendeu. 6 e 55...
Ele vai chegar a qualquer momento. Ele ouviu o apito do comboio à distância e olhou para
o relógio. 6 e 59. O comboio estava entrando na estação. Ele se levantou e olhou ao redor
freneticamente. Alguma coisa terrível aconteceu a ele. Sofreu um acidente. Está no
hospital. Alguns minutos depois, Fabrício estava plantado na plataforma, vendo o comboio
partir para Chicago, levando com ele todos os seus sonhos. Esperou mais meia hora e
tentou ligar de novo. Quando novamente ninguém atendeu ao seu telefonema, ele
voltou para casa, vagarosamente, desolado.
Ao meio-dia, Fabrício e seu pai pegaram um avião para Londres...
Ele frequentou uma faculdade em Londres durante dois anos e, quando decidiu que
queria trabalhar com computadores, candidatou-se à prestigiada bolsa de estudos para
jovens MEI Wang, no Curso de Engenharia da Universidade da Califórnia, em Santa
Cruz. Seu pedido foi aceite e, três anos depois, fora recrutado pela Corporação Global de
Computação Gráfica.
No início, Fabrício escreveu meia dúzia de cartas para Rafael, mas rasgou-os todos. Os
atos e o silêncio dele haviam lhe dito com toda a clareza como ele se sentia em relação a
ele.
A voz do pai arremessou-a de volta ao presente. - Você está a um milhão de quilómetros
de distância daqui. Em que está pensando?
Fabrício analisou o pai do outro lado da mesa.
- Em nada.
O Dr. Jorge chamou o garçom com um gesto e exibiu um sorriso simpático.
- Agora nós queremos ver o menu - disse.
Só no caminho de volta para o trabalho Fabrício se lembrou de que não havia parabenizado
o pai por ter saído na capa da Time.
Quando chegou à sua mesa, Daniel Valentino estava à sua espera.
-Fiquei sabendo que você almoçou com seu pai.
Que sujeitinho enxerido! Ele acha que é da sua conta saber de tudo que acontece por
aqui.
- Almocei, sim.
- Não deve ter sido muito divertido. - Ele baixou a voz. - Por que você nunca almoça
comigo?
- Daniel... eu já lhe disse. Não estou interessado.
5Ele sorriu.
- Mas vai ficar. Aguarde.
Havia algo estranho nele, algo assustador. Fabrício tornou a se perguntar se não poderia
ser ele quem... Ele balançou a cabeça. Não. Precisava esquecer essa coisa, tinha de seguir
em frente.
A caminho de casa, Fabrício estacionou o carro em frente à Editora Apple Tree. Antes de
entrar, olhou para a imagem refletida no espelho da vitrine da loja, para ver se havia
alguém atrás dele que pudesse reconhecer. Ninguém. Entrou na loja.
Um rapaz veio atendê-lo.
- Deseja alguma coisa?
- Eu gostaria... Vocês têm algum livro sobre maníacos que perseguem pessoas?
Ele olhava para ele com estranheza.
- Maníacos?
Fabrício sentiu-se uma idiota.
- isso mesmo. E também quero um livro sobre... ahn... jardinagem e... e animais da áfrica -
disse ele, rapidamente.
- Maníacos e jardinagem e animais da Africa?
- Isso - falou ele com firmeza.
Quem sabe? Talvez um dia eu venha a ter um jardim e fazer uma viagem para áfrica!
Quando Fabrício voltou para o carro, começou a chover outra vez.
Enquanto ele guiava, a chuva batia contra o pára-brisa, fragmentando o espaço e
transformando as ruas à sua frente em imagens pontilhastes surreais. Fabrício acionou os
limpadores. Eles começaram a deslizar sobre o vidro, dizendo em voz sibilante: Ele vai
pegar você... vai pegar você... vai pegar você... Mais que depressa, ele os desligou. Não,
pensou. Eles estão dizendo: Que nada! que nada! que nada!
Ela tornou a ligar os limpadores de pára-brisa. Ele vai pegar você... vai pegar você... vai
pegar você...
Fabrício estacionou o carro na garagem e apertou o botão para chamar o elevador. Dois
minutos depois, estava chegando ao seu apartamento. Parou diante da entrada social,
enfiou a chave na fechadura, abriu a porta e congelou.
Todas as luzes do apartamento estavam acesas.