Capítulo 4. Passado obscuro

Parte da série Segredos de um belo homem

Obrigado por esta acompanhando GuiSantos, eu não vou abandonar a série.

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Fabrício Madson estava tomando banho às pressas, atrasado para o trabalho, quando ouviu o ruído. uma porta sendo aberta?Fechada? Ele desligou o chuveiro, à escuta, o coração palpitando. Silêncio. Ficou parado um instante, as gotas de água reluzindo sobre todo o corpo, depois se enxugou ligeiro e entrou no quarto, cauteloso, Tudo parecia normal. a minha imaginação idiota outra vez! Preciso me vestir logo. Foi até a gaveta de cuecas, abriu-a e ficou olhando, incrédulo. Alguém tinha mexido em suas roupas íntimas. Suas cuecas estavam empilhados, todos juntos. Ele sempre guardava as peças arrumadas e separados. Fabrício sentiu um nó no estômago. Teria ele aberto a própria calça, pegado uma cueca dele e a esfregado contra o corpo? Teria se dado à fantasia de estuprá-lo? Ele sentiu dificuldade para respirar. Eu deveria ir à polícia, mas eles iam rir de mim. Você quer que nós façamos uma investigação porque está achando que alguém mexeu na sua gaveta de cuecas? Alguém anda me seguindo. Você já viu? Não. Alguém a ameaçou? Não. Você sabe por que alguém iria querer lhe fazer mal? Não. Não adianta, pensou Fabrício, à beira do desespero. Não posso procurar a polícia. Eles me fariam exatamente estas perguntas, e eu iria passar por bobo. Ele se vestiu o mais rápido que pôde, tomado por uma ânsia de fugir do apartamento. Vou ter de me mudar. Morar num lugar qualquer onde ele não consiga me encontrar. Mas embora entabulasse esses pensamentos, Fabrício tinha a sensação de que seria impossível. Ele sabe onde eu moro, sabe onde eu trabalho. E o que eu sei sobre ele? Nada. Ele se recusava a ter uma arma no apartamento, pois detestava violência. Mas agora eu preciso de proteção, pensou. Foi até à cozinha, pegou a faca de cortar carne e levou-a para o quarto, colocando-a na gaveta da cômoda, ao lado de sua cama. É possível que eu mesmo tenha misturado as as minhas cuecas. Só pode ter sido isso! Ou seria pensamento ansioso? Havia um envelope em sua caixa de correspondência na portaria do prédio. O endereço do remetente era: "Escola de Segundo Grau da Região Administrativa de Bedford, Pensilvania. " Fabrício abriu o convite duas vezes. Reunião de Dez Anos da Turma! Rico, pobre, mendigo, ladrão. Você não vive se perguntando como os seus colegas de turma se saíram nesses últimos dez anos? Eis a chance de descobrir. Vamos fazer uma reunião fantástica no fim de semana de 15 de junho. Comida, bebida, orquestra e baile. Venha se divertir. Basta enviar o cartão de resposta pelo correio para confirmar a sua presença. Todos estão ansiosos para rever você. A caminho do trabalho, Fabrício foi pensando no convite. "Todos estão ansiosos para rever você. " Todos, exceto Rafael, pensou ele, com amargura. "Eu quero me casar com você. O meu tio me ofereceu um emprego muito bom em Chicago, na agência de publicidade dele... Tem um comboio que sai para Chicago às sete da manhã. Você topa?" E ele se recordou da angústia da espera na estação ferroviária, acreditando nele, confiando nele. Rafael mudará de ideia e não fora homem o suficiente para ir lhe dizer. Em vez disso, deixou sentado numa estação ferroviária, sozinho. É melhor esquecer o convite. Eu não vou. Fabrício almoçou com Marc Miller no TGI Friday's. Eles ficaram num dos compartimentos reservados, comendo em silêncio.

- Você está com um ar preocupado - falou Marc.

- Desculpe. - Fabrício hesitou um instante. Ficou tentado a lhe contar sobre as cuecas, mas a história pareceria idiota. Alguém mexeu nas suas gavetas? - Em vez disso, falou: - Recebi um convite para a reunião de dez anos da minha turma do segundo grau.

- Você vai?

- Certamente que não. - A frase saiu com mais entonação do que Fabrício pretendera.

Marc olhou para ele, curioso.

- Por que não? Essas reuniões costumam ser divertidas.

Será que Rafael estaria lá? Levaria mulher e filhos? O que me diria? "Desculpe! Eu não consegui ir me encontrar com você na estação ferroviária. Sinto muito por ter mentido para você quando lhe falei sobre casamento"?

- Eu não vou.

Mas Fabrício não conseguiu tirar o convite da cabeça. Seria bom rever alguns dos meus colegas de turma, pensava ele. Tinha sido muito íntimo de alguns. Em particular, de Florence Schiffer. Eu gostaria de saber como ela anda. E ficou curioso por saber se a cidade de Bedford havia mudado. Fabrício crescera em Bedford, Pensilvania, uma cidadezinha a duas horas de Pittsburgh, em direcção ao leste, entranhada na serra de Allegheny. Seu pai foi diretor do Memorial Hospital do condado de Bedford, um dos cem melhores hospitais dopais. Bedford tinha sido um lugar maravilhoso para passar a infância. Cheia de parques para se fazer piquenique, de rios onde a pesca era boa e de eventos sociais ao longo do ano inteiro. Fabrício gostava de visitar o Grande vale, onde havia uma colónia amish. Era comum ver cavalos puxando carruagens com tetos de cores diferentes, que dependiam do grau de ortodoxia dos seus donos. Havia as festas noturnas da Vila do Mistério, as apresentações de teatro e o Grande Festival da Abóbora. Fabrício sorriu só de pensar nos bons tempos que passou ali. Talvez eu vá, pensou. Rafael não terá o desplante de aparecer Fabrício contou sua decisão a Marc

- Vai ser na sexta-feira seguinte a esta festa - disse ele. - Vou voltar domingo à noite.

- Que bom! Se você me avisar a hora em que vai chegar, vou buscá-la no aeroporto.

-Obrigado, Marc!

Quando voltou do almoço, Fabrício entrou em seu cubículo e ligou o computador. Para sua surpresa, uma súbita chuva de pixels se espalhou pela tela, formando uma imagem. Ele olhou para aquilo, perplexa. Os pixels estavam formando a imagem dele. Enquanto observava horrorizado, a mão de alguém, segurando uma faca de cortar carne, apareceu no alto da tela. A mão se aproximou rapidamente de sua imagem, disposta a esfaqueá-lo no peito. Fabrício soltou um berro:

- Não!

Desligou o monitor, assustado, e se pôs de pé num pulo.

Marc correu para perto dele.

- Fabrício! O que foi?

Ele estava trémula.

- Na... na minha tela...

Fabrício ligou o computador. Apareceu a imagem de um gatinho, correndo pela grama atrás de um novelo de lã.

Marc olhou para Fabrício, confuso.

- O que...?

- Mas... sumiu - falou ele, com um sussurro de voz.

- O que foi que sumiu?

Ele balançou a cabeça.

- Nada. Eu tenho andado muito estressado ultimamente, Marc. Desculpe!

- Por que você não vai fazer uma consulta com o Dr. Shane?

Fabrício já havia se consultado com o Dr. Shane antes. Era o psicólogo da empresa, contratado para acompanhar e orientar os funcionários abalados pelo estresse da informática. Não era um médico, mas era inteligente e compreensivo, e conversar com alguém sempre adiantava alguma coisa.

- Vou, sim - disse Fabrício

O Dr. Shane era um cinquentão, um patriarca da fonte da juventude. Seu consultório era um oásis tranquilo, situado na extremidade mais longínqua do prédio, um local confortável e acolhedor

- Eu tive um sonho terrível ontem à noite - disse Fabrício E fechou os olhos, revivendo as sensações. - Eu estava correndo. Estava num jardim enorme, cheio de flores... Elas tinham rostos estranhos, feios... Gritavam comigo... Eu não conseguia ouvir o que estavam dizendo. Só continuava correndo em direção a alguma coisa... Não sei o quê... - Ele parou de falar e abriu os olhos.

- Será que você não estava correndo de alguma coisa? Não havia nada que a estivesse perseguindo?

- Não sei. Eu... eu acho que estou sendo seguido, Dr. Shane. Parece maluquice, mas... eu acho que alguém quer me matar.

Ele a estudou durante alguns instantes.

- E quem poderia estar querendo matá-lo?

- Não... não faço a menor ideia.

Você já viu alguém seguindo você?

- Não.

- Você mora sozinho, não é?

- Moro.

- Está saindo com alguém? Algum envolvimento romântico?

- Não. Agora, não.

- Então, já faz algum tempo desde que você... quero dizer, às vezes, quando o homem não tem ninguém em sua vida... bem, é possível que vá se formando um acúmulo de tensão...

O que ele está tentando me dizer é que eu preciso de uma boa... Ela não conseguiu se persuadir a dizer a palavra. Chegou a ouvir os gritos do pai: "Nunca mais repita essa palavra. As pessoas vão pensar que você é uma pervertido. Pessoas de bem não dizem sarrar, transar, trepa gostoso. Onde é que você aprende esse tipo de linguagem?"

- Acho que você anda trabalhando demais, Fabrício. E acho que não tem com que se preocupar. Talvez seja só a tensão. Leve as coisas com mais tranquilidade durante algum tempo. Descanse bastante.

- Vou tentar

Marc estava esperando por ele.

- O que o Dr. Shane disse?

Fabrício conseguiu dar um sorriso.

- Ele disse que eu estou bem. Só que ando trabalhando demais!

- Se é assim, vamos tomar uma providência quanto a isso - falou Marc. - Para começar,

por que você não dá o dia por encerrado? - O seu tom de voz demonstrou preocupação.

- Obrigado! - Ele olhou para ele e sorriu. Era um homem atencioso. um bom amigo.

Não pode ser ele, pensou Fabrício. Ele não. Durante a semana seguinte, Fabrício não conseguiu pensar em nada além da reunião. Será que a minha ida é um erro? E se Rafael aparecer por lá? Será que ele faz idéia do quanto me magoou? Será que liga para isso? Ou não vai sequer se lembrar de mim? Na noite anterior à data marcada para a viagem, Fabrício não conseguiu dormir. Ficou tentado cancelar o voo. Mas que besteira!, pensou. O passado é o passado. Quando pegou a passagem no aeroporto, Fabrício o examinou e disse:

- Acho que houve um erro. A minha passagem é para a classe turística. Este bilhete é para a

primeira classe.

- É, sim. O senhor mudou.

Ele olhou para o funcionário.

- Eu o quê?

- O senhor telefonou e mandou mudar para a primeira classe. - Ele mostrou uma folha de

papel para Fabrício- Esse não é o número do seu cartão de crédito?

Ele olhou para o número e disse, bem devagar:

- É, sim...

Não tinha dado aquele telefonema.

Fabrício chegou a Bedford cedo e se hospedou no Bedford Springs Resort. As festividades do encontro só teriam início às seis horas da tarde. Ele resolveu, então, explorar a cidade.

Parou o Uber em frente ao hotel.

- Para onde, cavalheiro?

- Eu só quero dar um passeio.

A cidade natal de uma pessoa costuma parecer ainda menor quando esta volta para visitá- la muitos anos depois, mas, para Fabrício, Bedford pareceu maior do que em suas lembranças. O Uber percorreu ruas conhecidas, passou pela sede da Bedford Gazette, pela estação de TV WKYE e por uma dúzia de restaurantes e galerias de arte que lhe eram familiares. O Baker's Loaf de Bedford ainda estava lá, assim como o Clara's Place, o museu do forte de Bedford e a Old Bedford Village. Eles passaram em frente ao Memorial Hospital, um simpático edifício de três andares, com fachada em tijolo aparente e um pórtico na entrada. Seu pai se tornou famoso ali. Ele voltou a se lembrar das terríveis discussões entabuladas aos berros entre a mãe e o pai. Sempre a respeito da mesma coisa. Mas que coisa? Ele não conseguia se lembrar, cinco da tarde, Fabrício voltou para o hotel e foi para o seu quarto. Mudou de roupa três vezes antes de decidir o que usar. Optou por um terno simples e liso, preto. Ao entrar no ginásio da Escola de Segundo Grau da Região Administrativa de Bedford, todo decorado para as comemorações, ele se viu cercada por 120 estranhos de aspectos remotamente familiar. Alguns de seus antigos colegas de turma estavam absolutamente irreconhecíveis; outros, poucos haviam mudado. Fabrício estava procurando uma única pessoa: Rafael. Será que ele mudou muito? Estaria acompanhado da esposa ou esposo? Muita gente começou a abordá-lo.

- Fabrício, eu sou Trent Waterson. Você está ótimo!

- Obrigado! Você também, Trent.

- Eu gostaria de lhe apresentar minha mulher...

- Fabrício! É realmente você, não é?

- Sou eu, sim. Ahn...

- Art. Art Davies. Você se lembra de mim? - Ele estava mal vestido e parecia pouco à

vontade.

- Claro. Como vão as coisas, Art?

- Indo. Você sabe que eu queria ser engenheiro, mas não deu.

- Que pena!

- Mas, enfim, virei mecânico.

- Fabrício! Eu sou Lenny Holland. Pelo amor de Deus, como você está lindo!

- Obrigado, Lenny! - Ele engordara e estava usando um enorme anel de diamante no dedo

mínimo.

- Estou trabalhando com imóveis; estou indo muito bem! Você se casou?

Fabrício hesitou.

- Não.

- Você se lembra de Nicky Brandt? Nós nos casamos. Temos gêmeos.

- Parabéns!

Era impressionante como as pessoas podiam mudar tanto em dez anos! Estavam mais gordas, mais magras... Bem de vida, arrasadas. Casadas, divorciadas... Com filhos, sem filhos... Conforme a noite foi passando, o jantar foi servido, a música começou, e muita gente dançou. Fabrício conversou com muitos dos antigos colegas de classe e se inteirou de suas vidas, mas sua mente estava em Rafael. Ainda não havia sinal algum dele. Ele não vem, concluiu. Ele sabe que eu posso estar aqui e ficou com medo de me encarar. Uma mulher atraente veio se aproximando.

- Fabrício! Eu estava torcendo para encontrar você. Era Florence Schiffer. Fabrício ficou realmente feliz. Florence fora uma de suas amigas mais íntimas. Os dois encontraram uma mesa ao canto, onde poderiam conversar.

- Você está ótima, Florence - disse Fabrício.

- Você também. Sinto muito por ter chegado tão tarde. Meu bebê não estava passando muito bem. Desde a última vez em que nos vimos, eu me casei e me divorciei. Agora estou namorando um cara espetacular. E você? Desapareceu depois da festa de formatura! Eu tentei encontrá-lo, mas você tinha ido embora da cidade.

- Eu fui para Londres - disse Fabrício. - Meu pai me matriculou numa faculdade de lá. Nós fomos embora na manhã seguinte à formatura.

- Mas eu tentei encontrá-lo de todas as maneiras. Os detetives acharam que eu talvez soubesse onde você estava. Estavam à sua procura porque você e Rafael eram namorados.

Fabrício falou devagar:

- Os detetives?

- Claro! Que estavam investigando o assassinato.

Fabrício sentiu o sangue fugir-lhe do rosto.

- Que... assassinato?

Florence estava olhando bem para ele.

- Meu Deus! Você não sabe?

- Sabe do quê? - perguntou Fabrício, tenso. - Do que você está falando?

- No dia seguinte à festa de formatura, os pais de Rafael chegaram em casa e encontraram o corpo de Rafael. Ele foi morto a facadas... e castrado.

O salão começou a girar. Fabrício se agarrou à borda da mesa. Florence segurou-lhe o braço.

- Mas... Fabrício, desculpe! Eu achava que você teria lido em algum lugar... Claro que não... Você tinha ido para Londres.

Fabrício fechou os olhos, bem apertados. Ele se viu fugindo de casa naquela noite, rumando para a casa de Rafael. Mas tinha voltado, preferindo esperar por ele de manhã. Se ao menos eu tivesse ido até lá, pensou, agoniado, ele ainda estaria vivo. E durante todos esses anos, eu só senti ódio por ele! Ai, meu Deus! Quem o teria matado?Quem...? Ele chegou a ouvir a voz do pai: Mantenha as mãos longe do meu filho, entendeu bem?... Se eu vir você por aqui outra vez, vou quebrar todos os ossos do seu corpo.

Ele se levantou.

- Você vai me desculpar, Florence. Eu... eu não estou me sentindo muito bem.

E Fabrício fugiu. Os detetives. Devem ter entrado em contato com seu pai. Por que ele não me falou? Ele pegou o primeiro avião de volta para a Califórnia. Só conseguiu dormir de manhã cedo. Teve um pesadelo. um vulto na escuridão esfaqueava Rafael, e gritava com ele. O vulto saiu do escuro. Era o pai dele.

Comentários

Há 1 comentários.

Por GuiSantos em 2017-09-05 00:51:02
Nossa. Chocado com o ocorrido ao Rafael. Amo suspense, porquê qualquer coisa pode acontecer.