Anjo/Demônio

Parte da série Segredos de um belo homem

Em outro lugar, em outra época, Frédéric Claude poderia ter sido um artista de sucesso. Até onde podia se lembrar, seus sentidos viviam ligados às nuances de cor. Ele podia ver as cores, sentir o cheiro das cores, ouvir o som das cores. A voz do pai era azul e, às vezes, vermelha.

A voz da mãe era marrom-escura.

A voz da professora era amarela.

A voz do feirante era púrpura.

O barulho do vento nas árvores era verde.

O som da água corrente era cinza.

Frédéric Claude Natucci tinha vinte anos de idade. Podia ter um aspecto normal, ser atraente, ou estonteantemente lindo, dependendo do seu humor, ou de como estivesse se sentindo consigo mesmo. Porém, jamais era simplesmente bonito. Parte de seu charme residia no fato de nunca se dar conta de sua aparência. Era tímido, de fala doce e uma gentileza quase anacrônico. Frederic nasceu em Roma e tinha um melodioso sotaque italiano. Adorava todos os aspectos de Roma. Esteve no alto dos Degraus Espanhóis e, olhando a vista, sentiu que a cidade lhe pertencia. Ao admirar os templos e o gigantesco Coliseu, soube que pertencia àquela época. Passeou pela Piazza Navona, ouviu a música das águas na fonte dos Quatro Rios, e visitou a Piazza Venezia, com seu monumento em forma de bolo de casamento ao estilo Vítor Emanuel II. Passou infindáveis horas na basílica de São Pedro, no museu do Vaticano e na galeria Borghese, apreciando as obras atemporais de Raphael, Fra Bartolommeo, Andrea del Sarto e Pontormo. Tais talentos tanta transfixavam quanto a frustravam. Gostaria de ter nascido no século XVI e de tê-los conhecido. Eles eram mais reais para Frederic do que os transeuntes nas ruas. Ele desejava ardentemente ser um artista. Podia ouvir a voz marrom-escura da mãe: Você está desperdiçando papel e tinta. Não tem talento. A mudança para a Califórnia foi desestabilizadora a princípio. Frédéric ficou apreensivo quanto à sua adaptação, mas Cupertino acabou se revelando uma agradável surpresa. Ele apreciava a privacidade que a cidadezinha podia lhe propiciar e gostava de trabalhar na Corporação Global de Computação Gráfica. Não havia grandes galerias de arte em Cupertino, mas, nos finais de semana, Frédéric pegava o carro e ia visitar as de São Francisco.

- Porquê tanto interesse por essas coisas? - perguntou-lhe Edward Snow. - Venha ao J. P Mulligan's comigo e divirta-se um pouco.

- Você não liga para o lado artístico da vida?

Edward riu.

- Claro! Ainda mais quando o artista está ao meu lado!

Só havia uma nuvem pairando sobre a vida de Frédéric. Ele era maníaco-depressivo.

Sofria de anomia, uma sensação de alienação do resto do mundo. Suas alterações de humor sempre a pegavam desprevenido, e, num instante, ele passava de uma alegre euforia para uma tristeza desesperada. Não controlava suas emoções. Edward era a única pessoa com quem Edward discutia seus problemas. O amigo tinha uma solução para tudo, que em geral era:

- Vamos sair para nos divertir.

O assunto preferido de Edward era Fabrício Madson. Ele estava assistindo à conversa de

Fabrício com Marc Miller.

- Veja só aquele idiota mosca morta - falou Edward em tom de desprezo. - É o rei do gelo.

Frédéric assentiu.

- Sério demais. Alguém bem que poderia ensiná-la a rir.

Edward caçoou:

- Alguém bem que poderia ensiná-lo a transar bem gostoso, trepar pra valer!

Uma noite por semana, Frédéric ia à missão para os sem-teto de São Francisco e ajudava a servir o jantar. Havia uma velhinha em particular, que aguardava ansiosamente as vindas de Frédéric. Ele andava de cadeira de rodas e Frédéric sempre a empurrava até uma mesa e levava seu prato de comida quente.

A mulher dizia, agradecida:

- Meu querido, se eu tivesse um filho, gostaria que ele fosse exatamente igual a você!

Frederic apertava-lhe a mão.

- Puxa, mas que elogio! Obrigado! - E sua voz interna dizia:

Se você tivesse um filho, ele seria um porcalhão igualzinho como você. E Frédéric ficava horrorizado com os seus pensamentos. Era como se outra pessoa dentro dele estivesse dizendo aquelas palavras. Isso acontecia sempre. Frédéric estava fazendo compras com Betty Hardy, uma mulher que frequentava a mesma igreja que ele. Os dois pararam em frente a uma loja de departamentos. Betty estava admirando um vestido na vitrine.

- Que lindo, hein?

- Maravilhoso - falou Frédéric. É o vestido mais feio que já vi na vida. Perfeito para você.

Certa noite, Frédéric foi jantar com Ronald, sacristão da igreja.

- Eu adoro estar na sua companhia, Frédéric. Vamos sair mais vezes.

Ele abriu um sorriso tímido.

- Eu gostaria muito. - E pensou: Nonfacia, lo stupido. Talvez em outra encarnação seja! E mais uma vez se sentiu horrorizado. O que há-de errado comigo? Mas ele não tinha resposta. Os menores deslizes, intencionais ou não, deixavam Frédéric enfurecido. Indo para o trabalho certa manhã, um carro cortou-lhe a dianteira. Ele trincou os dentes e pensou: Vou matar esse filha da puta. O homem acenou-lhe, desculpando-se, e Frédéric abriu-lhe um sorriso simpático. Mas a raiva ainda estava presente nele. Quando baixava a nuvem negra, Frédéric imaginava as pessoas tendo ataques Cardíacos nas ruas, ou sendo atropeladas, ou sendo assaltadas e assassinadas. Repassava as cenas em sua cabeça com uma vivacidade real. Momentos depois, enchia-se de vergonha. Nos seus dias bons, Frédéric era uma pessoa completamente diferente. Gentil de verdade, Solidário, que gostava de ajudar a todos. A única coisa que estragava sua felicidade era saber que as trevas retornariam, e que ele se perderia nelas. Todo domingo de manhã, Frédéric ia à igreja. Os fiéis organizavam-se em grupos de voluntários para alimentar os pobres, ensinar educação artística após o horário escolar e dar aulas particulares para os alunos mais fracos. Frédéric se responsabilizava pela catequese dominical e ajudava no berçário. Sempre se oferecia para todas as atividades de caridade e reservava-lhes o máximo de tempo que podia. Ele gostava principalmente de dar aulas de pintura para os jovens.

Um certo domingo, a igreja promoveu uma feira para levantar fundos, e Frédéric levoualguns de seus próprios quadros para vender em benefício do movimento. O pastor Frank Selvaggio os viu e ficou deslumbrado.

- Mas que... que quadros lindos! Você deveria colocá-los à venda numa galeria.

Frédéric corou.

- Ah, não! Isso não. Eu só pinto para me distrair.

A feira estava abarrotada de gente se divertindo. Os devotos haviam levado seus amigos e parentes, e havia barracas de jogos e também de artesanato. As atrações variavam desde quitutes, bolos lindamente decorados e geléias caseiras em belíssimos potes, até colchas de retalhos feitas à mão e brinquedos esculpidos em madeira. As pessoas iam de uma barraca para outra, provando os doces, comprando coisas que não teriam uso algum no dia seguinte.

- Mas é tudo em nome da caridade - Frédéric ouviu uma mulher explicando ao marido.

Frédéric olhou para os seus quadros, que havia distribuído em torno da barraca, em sua maioria paisagens pintadas com cores tão vivas que pareciam saltar da tela. Estava bastante receoso. Você está gastando um dinheirão com essas tintas, menino! Um homem se aproximou da barraca.

- Oi! Foi você quem pintou?

Sua voz era de um azul profundo.

- Não, seu idiota! Michelangelo deu um pulinho aqui e pintou.

-Você tem muito talento.

- Obrigadaço! -E você entende alguma coisa de talento?

Um casal jovem parou na barraca de Frédéric.

- Mas que cores! Ah, eu vou levar aquele ali. Você pinta muito bem.

Durante toda a tarde as pessoas foram à sua barraca, para comprar seus quadros e falar do seu talento. Frédéric quis acreditar em toda aquela gente, mas a cada vez a cortina negra descia e ele pensava: Essa gente toda está sendo ludibriada!

E chegou um marchand.

- Esses quadros são adoráveis! Você deveria comercializar o seu talento.

- Eu sou amador- insistiu Frédéric. E recusou-se a levar adiante a discussão.

Ao fim do dia, Alette vendera absolutamente todos os seus quadros. Juntou o dinheiro que as pessoas lhe haviam pago, colocou em um envelope e entregou-o ao pastor Frank Selvaggio. Ele o recebeu e disse:

- Obrigado, Frédéric! Você tem um grande dom, trazer tanta beleza para as vidas das pessoas.

Você ouviu isso, mamãe?

Quando estava em São Francisco, Frédéric passava horas visitando o Museu de Arte Moderna e ia sempre ao Museu De Young, a fim de estudar sua coleção de arte norte-americana. Artistas jovens ficavam lá, copiando alguns dos quadros expostos nas paredes do museu. um rapaz, em particular, chamou a atenção de Frédéric. Aproximava-se dos trinta, era magro e loiro, tinha traços fortes e um ar inteligente. Copiava Pecúnias, de Geórgia O'Keeffe, e seu trabalho era notável. O artista percebeu que Frédéric o estava observando.

-Olá!

Sua voz soou igual a amarelo vivo.

- Olá - respondeu Frédéric, timidamente.

O artista gesticulou com a cabeça, apontando para o próprio trabalho.

- O que você acha?

- Belíssimo! Acho maravilhoso. - E aguardou que sua voz interna dissesse: "Para um amador idiota. " Mas isso não aconteceu. Ele se surpreendeu. - maravilhoso mesmo. Ele sorriu.

- Obrigado! Meu nome é Louis; Louis Melton.

- Frédéric.

- Você vem sempre aqui? - perguntou Louis.

- Sim. Sempre que posso. Não moro em São Francisco.

- Onde você mora?

- Em Cupertino. - Não foi "Isso não é da sua conta" nem "você quer mesmo saber?", mas sim "Em Cupertino". O que está acontecendo comigo?

-Eu gosto. - Não foi "Por que diabos você acha que é uma cidadezinha agradável?" nem "E você lá sabe o que é uma cidadezinha agradável?" , mas sim "Eu gosto". Ele terminou o quadro.

- Estou com fome. Posso pagar-lhe o almoço? O Café De Young tem uma comida saborosa.

Frédéric vacilou um pouco.

- Va bene. Acho uma boa idéia. - Não foi "Você tem cara de idiota" nem "Eu não almoço com desconhecidos" , mas sim . Acho uma boa ideia". Foi uma experiência nova, que o deixou extasiado. O almoço foi extremamente agradável e sequer uma vez os pensamentos negativos vieram à mente de Frédéric. Os dois conversaram sobre alguns dos grandes artistas, e ele contou a Louis sobre sua infância em Roma.

- Eu nunca fui a Roma - disse ele. - Talvez um dia.

E Frédéric pensou: Seria divertido ir a Roma com você.

Quando eles já estavam terminando o almoço, Richard viu seu colega de quarto e o chamou para a mesa.

- Alex, eu não sabia que você ia estar aqui. Este é Frédéric. Alex King.

Alex estava com seus vinte e tantos anos, tinha olhos azuis e usava o cabelo na altura dos ombros.

- Prazer em conhecê-lo, Alex

- Alex é o meu melhor amigo desde o segundo grau, Frédéric.

- Pois é! E conheço muita coisa da vida do Louis. Portanto, se você quiser ficar sabendo de um as boas histórias...

- Alex, vai ver se eu estou na esquina.

- Vou, sim. - Ele se dirigiu a Frédéric. - Mas não se esqueça da minha oferta. A gente se vê por aí. Depois que Alex se afastou, Louis falou:

- Frédéric...

- Diga.

- Será que eu poderia ver você novamente?

- Acho uma boa idéia. Muito boa.

Segunda-feira de manhã, Frédéric narrou a experiência a Edward.

- Não vá se envolver com um artista - advertiu Edward. -Você vai ter de sobreviver das frutas que ele pintar. Vai sair com ele?

Frédéric sorriu.

- Vou. Acho que ele gostou de mim. E eu gostei dele. Gostei mesmo.

Tudo começou como uma pequena discórdia e acabou como uma discussão enfurecida. O pastor Frank estava se aposentando depois de quarenta anos de serviço. Sempre fora um pastor muito bom e consciencioso, e a congregação sentia a sua partida. Fizeram reuniões secretas para decidir o que lhe dariam como presente de despedida. um relógio...dinheiro... um as férias... um quadro... Ele adorava arte.

- Por que a gente não pede a alguém que pinte um retrato dele, com a igreja ao fundo? -

Os olhares voltaram-se para Frédéric.

- Você faria?

- Claro - respondeu ele, satisfeitíssimo.

Walter Manning era um dos frequentadores mais antigos da igreja e um dos maiores colaboradores. Era um empresário muito bem-sucedido, mas parecia ressentir-se do sucesso dos demais. Ele falou:

- Meu filho é um excelente pintor. Talvez ele devesse pintar o quadro.

Alguém sugeriu:

- Por que os dois não pintam cada uma um quadro para que depois nós votemos qual vai ser dado ao pastor Frank?

Frédéric pôs mãos à obra. O quadro levou cinco dias para ficar pronto, e o resultado ficou um primor, com o brilho da compaixão e bondade do retratado. No domingo seguinte, o grupo reuniu-se para estudar as duas pinturas. Houve exclamações de aprovação pelo quadro de Frédéric.

- Está tão real! Parece até que ele vai sair andando da tela...

- Ah, ele vai adorar...

- Frédéric, esse quadro deveria estar num museu...

Walter Manning desembrulhou a tela pintada por seu filho. Tratava-se de uma excelente obra, mas faltava-lhe o fulgor do retrato de Frédéric.

- Está muito bom - disse um dos membros da congregação, com muito tato -, mas acho que o de Frédéric é...

- Eu concordo...

- Vai ser o que Frédéric pintou...

Walter Manning protestou.

- É preciso que a decisão seja unânime. Meu filho é um pintor profissional - ele olhou para Frédéric -, não um diletante. Ele pintou este quadro como um favor. Não podemos recusar sua obra.

- Mas, Walter...

- Não, senhor. É preciso que haja unanimidade. Vamos dar ao pastor o quadro do meu filho; caso contrário, não vamos lhe dar quadro algum.

Frédéric falou:

- Eu gostei muito do quadro dele. Vamos dá-lo ao pastor

Walter Manning abriu um sorriso presunçoso e disse:

- Ele vai ficar muito satisfeito com este.

A caminho de casa naquela noite, Walter Manning foi atropelado e morto por um motorista que nem sequer parou para prestar socorro.

Quando Frédéric soube da notícia, ficou chocado.

Ansel Elgort como Frédéric Claude

Chris Evas como Louis Melton

Comentários

Há 1 comentários.

Por GuiSantos em 2017-09-03 19:54:24
Esse finalzinho me deixou com uma pulga atrás da orelha. Não desista da história, está muito boa por sinal!