02 - PÔR DO SOL

Conto de escritor.sincero como (Seguir)

Parte da série PANDEMIC LOVE - DIÁRIO DE UMA QUARENTENA

ESTREIA DUPLA. ESPERO QUE VOCÊS GOSTEM DA HISTÓRIA, COMO DISSE, ESTOU ESCREVENDO COM BASTANTE CARINHO. VOTE E COMENTE PARA EU SABER SUA OPINIÃO. DESDE JÁ, OBRIGADO!

***

Caramba, Doutora. Agora escrevendo isso, um misto de sentimentos invadiu o meu corpo. Nunca imaginei que o vovô quisesse tanto algo, não me interessava o prêmio, eu queria conhecer quem era o meu verdadeiro avô. Só que o meu primo (escroto) descobriu tudo e já havia descoberto a primeira pista.

"Onde as coisas nascem, um aroma gostoso e a felicidade na vida das pessoas. Basta procurar dentro do coração"

— Onde está a primeira pista? — Questionei, tomando de volta a caixa do vovô.

— Você vai ter que me seguir. — Ele soltou, exalando um ar de superioridade.

Descemos as escadas correndo, quase atropelamos a Rêh que estava subindo para o quarto. Seguimos para uma estrutura que ficava próximo a casa. Lá, os trabalhadores da fazenda utilizavam um grande forno para torrar café. Eles quase não usavam mais, tanto que o ambiente estava empoeirado e quase tudo coberto com tecidos brancos.

No Centro do local, o meu primo encontrou um forno que tinha uma marca de coração na parte de cima. Ele olhou para mim e, releu a dica do vovô: "Onde as coisas nascem, um aroma gostoso e a felicidade na vida das pessoas. Basta procurar dentro do coração". Com cuidado, enfiei a mão no coração e soltei um grito.

O Quintino ficou desesperado e aquilo me fez rir por demais. Depois de pregar uma peça no meu primo, continuei a explorar o objeto. Tateando com os dedos, encontrei um pedaço de papel. Retirei de forma rápida, abri em tempo recorde e era mais uma mensagem de seu Aroldo.

"Sou vida, mas estou perdendo a batalha. Vocês podem encontrar abraçando todo o terreno da Fazenda Sonho Meu. Estou dormindo sobre a Letra R"

— Pode ser... — Olhei para o meu primo.

— Muitas coisas. Nossa, cara, o vovô era muito zoeiro. Fazer uma caça ao tesouro do além. — Quintino comentou, pegando o papel da minha mão. — Vida?

A gente voltou para casa e fomos tomar café. Subi para o meu quarto e comecei a juntar as peças. Ouvi uma confusão se formando na sala, deixei minha investigação de lado e fui verificar.

A Rêh fez um escândalo quando descobriu que seu programa havia sido cancelado. Dô, isso não era um bom sinal. Meus pais tentavam ligar para a assessoria, mas não conseguiam.

— É complicado, mas isso é apenas um revês. — Disse meu pai, colocando o celular na mesa e abraçando minha irmã.

— Maldita festa. — Lamentou Rêh, recebendo o abraço do meu pai.

— Irmãzinha, qualquer coisa você pode fazer backing vocal na banda, que tal? — Sugeriu Lukas, sentando no sofá e cruzando as pernas.

— Cala boca, Lukas. Tu nem sabe se ainda está na banda! — Gritou Rêh.

Nem preciso dizer que isso começou uma outra confusão na casa, não é? Aquilo estava parecendo uma edição de a Fazenda. E, claro, eu tinha a sorte de assistir tudo de camarote. O meu irmão, o talento master da minha família, demitido da Fusion, uma banda que foi criada por causa dele.

Segundo a Rêh, um dos integrantes afirmou que as festas e o comportamento de Lukas tiraram o seu foco principal, ou seja, compor músicas rentáveis. A senhora é fã do meu irmão, eu sei disso, sabe muito bem que o Lukas entrou na fase rebelde sem causa. Sempre aparecia nas manchetes dos sites de fofoca e com a migração desse conteúdo para as redes sociais, bem, só ladeira a baixo.

Os talentos da minha família começaram a conhecer o poder das consequências. Sempre fui deixado de lado, mas até agora, o meu único pecado havia sido mijar na frente do Brasil inteiro. Lukas ficou chateado com a revelação de sua possível demissão e saiu de casa. A coitadinha da Rosa não sabia quem acudir, mas ela tinha uma queda pela Rêh.

Refleti bastante e comecei a procurar o meu irmão pela fazenda. Eu amo o Lukas, mesmo tendo inveja do talento dele. Queria fazer algo legal, ser um irmão bom, pelo menos, uma vez.

Avistei André colhendo algumas laranjas, ele vestia uma camiseta preta e folgada, usava luvas estranhas e um curativo, cortesia do Sr. Higor.

— Como está sua caça ao tesouro? — Ele quis saber, enquanto colhia as laranjas.

— Bem, a gente achou a primeira pista. Estava na estrutura de torrar café. — Expliquei.

— Caramba, então, achou o tesouro?

— Nada, achamos uma segunda pista.

— Entendi. Se precisar de qualquer tipo de ajuda, o meu horário vai até às 18h. — Ele avisou, pegando um balde cheio de laranjas e pedindo para eu escolher uma.

— Essas estão docinhas.

Peguei a maior de todas e segui em busca do meu irmão perdido. Encontrei o Lukas sentado de frente para o lago. Ele nem percebeu quando eu me aproximei. Sentei e fiquei em silêncio. Sabe, queria que existisse uma fórmula mágica para conversar com as pessoas, sou um péssimo conselheiro, mas como na noite anterior, eu decidi ser um "novo" Higor, tentei ao máximo pensar em palavras que confortassem Lukas.

— Cara, o que houve? — Perguntei, me aproximando mais de Lukas.

— É muita pressão, Higor. Você nunca vai entender.

— Lukas, você é tão talentoso. Poxa, a música sempre significou tanto na sua vida. O que aconteceu?

Os olhos dele começaram a ficar vermelhos, do nada, e Lukas chorou . A minha única reação foi passar a mão esquerda em suas costas, esperar uma brecha para os meus conselhos sábios. Ser adulto deve ser muito complicado, não é? Eu passava pelo fim da adolescência e já ficava desesperado com a responsabilidade do amanhã.

— A vida era melhor na nossa infância, não é? — Questionei com um gancho para uma conversa "cabeça".

— Demais.

— Lukas, olha. Você não precisa me contar agora o que está te afligindo, mas uma hora vai precisar se abrir. Eu lembrei da nossa infância, em uma entrevista, o repórter perguntou quem era o meu modelo, lembra o que eu respondi?

— Quero ser igual ao Lukas. — Ele respondeu rindo e chorando.

— Então, você sempre foi o meu modelo de vida e mesmo fazendo besteira, sabe, a resposta nunca vai mudar.

— Eu te amo, Higor. Obrigado por ser o meu Robin.

Depois de uns 15 minutos, resolvemos levantar, pois, o sol emanou calor em toda sua forma. Na hora do almoço, a Rosa fez escondidinho de carne, nem preciso dizer que ficou uma delícia. Tenho um ritual muito claro na minha vida, após o almoço, gosto de tirar um cochilo. Mas naquela tarde, fiquei pensando na segunda dica que o vovô deixou e repeti para mim mesmo umas cem vezes.

Como alguém da idade dele teve a disposição de criar uma verdadeira caça ao tesouro? Eu não tenho coragem nem de achar um rumo para a minha vida, imagina ter uma criatividade aguçada. Quintino entrou no quarto e mostrou uma lista com possíveis lugares para a próxima pista.

— Ouvi o titio falando que o caseiro tinha uma planta de toda a fazenda. É a nossa oportunidade. — Ele disse sentando ao meu lado.

— A gente pode fazer isso depois? Preciso tirar o meu cochilo.

— Sério? Caramba, Higor. Você tem 17 anos, quase 18. É a pessoa mais desocupada que conheço. — Reclamou, Quintino, antes de sair murmurando do quarto.

— Tá bom. — Falei sozinho e fechando os olhos. — Não, Higor. O insuportável tem razão. Você precisa tomar as rédeas da tua vida.

Levantei, corri para o banheiro e tomei um banho caprichado. Escolhi roupas leves e segui para o alojamento do caseiro. Não chamei o Quintino, pois, não aguentaria pensar em uma pista com ele choramingando do meu lado.

Seu Nestor, o responsável por administrar a fazenda, era um grande amigo do meu avô, lembro que quando eu era pequeno, ele tentou me ensinar a montar um cavalo, nem preciso dizer que a ideia foi um fracasso, né?

Quando pedi as plantas, Seu Nestor, me encheu de perguntas, tive que inventar uma história qualquer, tenho certeza que ele caiu, porque me entregou todos os mapas relacionados a fazenda. Coloquei na mesa e, fiquei surpreso com o tamanho do lugar. Vovô soube manejar bem aquela área.

— Seu Nestor. O que é essa parte azul no entorno da fazenda? — Perguntei apontando para o mapa.

— É o lençol freático, ele é destacado, pois, não podemos ter construções abaixo dele.

Fiquei conversando um bom tempo com o Nestor, ele me explicou sobre todo o funcionamento da fazenda, as principais obras e mudanças que o terreno sofreu nos últimos anos, mas teve uma pasta que ele não quis me passar.

Do nada, o bate-papo parou no André. O caseiro falou que o garoto teve uma vida sofrida, abandonado pelo pai e mãe, criado pelos funcionários do local. Mesmo assim, continuou lutando e tentando uma vida melhor.

— Nossa, eu jurava que ele era o seu filho. — Comentei, pegando os mapas e colocando dentro de uma pasta verde.

— Ele é meu filho do coração. Infelizmente, tem gente que não nasceu para ser pai ou mãe. — Ele comentou revoltado.

— Pelo menos, o André tem uma família, não é? O pessoal da fazenda. — Falei.

Que barra, Doutora. O André sempre é tão sorridente e prestativo, queria que a senhora o conhecesse. Como coisas ruins podem acontecer com pessoas tão boas? Acho que essa resposta nunca saberemos. Veja, por exemplo, a confusão que essa pandemia causou. O cenário político e a saúde do Brasil, como dois trens sem controle, se chocaram. Quantas vidas perdidas. Gosto nem de pensar.

Ainda naquele dia, contei para Rosa da caça ao tesouro, ela achou super divertido, mas voltou sua atenção para a novela. Sério, a Rosinha é o ser humano mais doce que eu conheço, quando estou desacreditado do mundo, eu lembro que ela está nele, e meu coração fica em paz. Queria muito ser filho dela, Dô. Não é que eu odeie a minha mãe, só que a Rosa praticamente, me criou.

Eu sei que estou reclamando de barriga cheia, o coitado do André não tem ninguém por ele, e mesmo assim, continua sorridente e otimista. Eu devo estar quebrado para ter pensamentos tão idiotas. Enfim, Rosa e eu, chegamos na parte mais bonita do jardim, cheio de flores, uma fonte no meio com um anjinho cuspindo a água. O barulho da água caindo é terapêutico.

Somos surpreendidos por um espirro, sinto as gotas caindo em cima de mim. Viro com ódio, vejo o idiota do Lukas rindo. A Rosa em toda sua plenitude, ri sem graça, pega um potinho de álcool em gel e passa no ombro.

— Poxa filho. — Reclamou Rosa. — Eu sou do grupo de risco, sou idosa. — Ela continua, enquanto passa álcool em gel nas mãos.

— Desculpa. — Ele pediu, quase caindo no chão de tanto rir. — Não espirrei, gente. Foi água. Achei nossas arminhas de plástico. — Mostrando o brinquedo e acertando o meu rosto.

— Rosa, não sei como você aguenta esse povo. — Falei bufando de raiva.

— Oh, filho. Foi só uma brincadeira.

Às vezes, a Rosa me dá nos nervos. Como pode tanta bondade enfiada dentro de uma pessoa tão pequena. Uma vez, o Lukas estava saindo da escola, quando uns colegas dele começaram a zoar a Rosa, por causa do sotaque nordestino. Gritaram palavras xenofóbicas, uma verdadeira babaquice. Meu irmão não conseguia entender o motivo de tanto preconceito, então, surrou todos que mexeram com ela naquele dia.

Ele foi enviado para a diretoria, quando a Rosa soube da história, fez o Lukas entregar um bolo para cada menino que apanhou. Quem faz isso? Uma pessoa evoluída.

Depois de passar um sermão no idiota do Lukas. Fiz algo que nunca pensei, procurei o Quintino. Mostrei todos os mapas, ele como sempre analisou tudo, de cabo a rabo. A gente começou a delimitar as opções, afinal, o vovô não deixou detalhes nas pistas. Escolhemos visitar três lugares, o açude, o lago e uma cachoeira que ficava no limite do terreno.

Troquei de roupa, coloquei coisas mais leves, passei protetor solar e seguimos para a aventura. Acho que no caminho, discutimos tanto que chegamos a um acordo. Parei, reli novamente a frase.

"Sou vida, mas estou perdendo a batalha. Vocês podem encontrar abraçando todo o terreno da Fazenda Sonho Meu. Estou dormindo sobre a Letra R"

— Pode ser algo talhado em um objeto. Tipo, uma árvore ou pedra. — Deduzi.

— Isso eu já sabia, gênio. Agora quero saber onde. — Soltou Quintino, tirando o cantil da mochila e tomando água.

— Estão perdidos? — André perguntou, ele estava montado em Nescau, o cavalo marrom.

— Puta merda! — Gritei, me desequilibrando e caindo de bunda no chão.

Quintino gargalhou que passou mal. André, por outro lado, ficou preocupado, desceu de Nescau e me ajudou a levantar. Bati toda a terra que estava no meu calção e tentei me recuperar do susto. Seguimos André até uma espécie de chapéu de palha, ele amarrou o cavalo e pediu para repassar a pista.

O sol estava se pondo, então, teríamos que pensar mais rápido. O André sugeriu que a gente fosse até a cachoeira, ele lembrava de umas letras que foram talhadas nas pedras. Nem preciso dizer que corremos para lá. O lugar era estonteante, a luz alaranjada, ricocheteava na água e deixava tudo mais lindo.

Em uma das enormes rochas, encontramos vários nomes, incluindo, o da minha mãe. Eu não lembro de ir naquela cachoeira, me senti traído durante todos esses anos. Finalmente, localizamos a letra R, mas havia um detalhe, ao lado dela, um A. Peguei o celular e tirei uma foto, poderia servir para algo.

O afoito do Quintino resolveu meter a mão em uma fissura que estava abaixo das letras. De início, ele ficou todo feliz, pois, havia sentido um plástico, mas o desespero tomou de conta dos seus olhos, quando a mão ficou presa. Agora, finalmente, Doutora, eu pude tripudiar dele. Fiz vídeos, fotos, e até mesmo, boomerangs. V-I-T-Ó-R-I-A!

— Você não vai ajudar? — Perguntou André, segurando na mão de Quintino e puxando.

— Deve ter sido o Apple Watch. Cara, se eu arranhar esse relógio a mamãe me mata. — Soltou meu primo no meio do seu monólogo decadente.

— Calma. Vamos ver, eu trouxe protetor na mochila. — lembrei pegando o protetor e jogando uma boa quantidade dentro do buraco. — Agora, movimenta sua mão.

Aos poucos, Quintino, conseguia movimentar a mão. Eu e André, o puxamos com todas as nossas forças, a cena deveria ser patética, mas conseguimos. Por causa da pressão, eu acabei sendo lançado para trás, André também, bolamos pelo chão e ficamos nos olhando. O meu primo ficou de joelhos e beijou o braço, ele tirou a carta de uma sacola transparente e leu a dica quase que gritando.

"Dentre elas, eu sou a mais bela, apesar de estar em maior quantidade, não exalo perfume. Já servi como um elo de ligação para o R & A. Estou sempre em busca da luz, o seu brilho me sustenta"

Quintino gritava igual um maluco. Enquanto isso, o meu corpo pesava sobre o do André. O meu coração começou a palpitar forte, em nenhum momento eu fiz menção para sair dali.

De repente, o louco do Quintino deixou o papel no chão e se jogou dentro da água. Eu não sei se foi a luz do sol, a emoção de achar mais uma pista, mas eu continuava olhando para André e ele para mim.

— Ei, vocês dois! Venham para a água. Está uma delicia! — Mergulhando.

— Acho que devemos ir. — Sugeri.

— Você precisa levantar primeiro, não é? — Disse André, sorrindo.

Levantamos e peguei o papel. Fiquei impressionado com a letra do vovô, achei linda, porque a minha é um garrancho total, esse foi um dos motivos que pedi para escrever o diário no notebook. Acho que a senhora não iria entender nada. Por causa da poeira, os meus olhos começaram a coçar, dei o papel para André e pedi para ele ler o resto da mensagem.

— Eu... er...

— Algum problema, André?

— Ei, seus frouxos do inferno! Venham para cá! — Gritou Quintino mais uma vez, antes de mergulhar.

— Vamos dar um mergulho. Depois a gente vê.

— Tudo bem!

Corremos e nos jogamos na água. Nossa que gelado! Por uns dez segundos, eu quase me arrependi de pular, mas gostei tanto daquele momento. Juro que se houvesse um queridômetro para avaliar o Quintino, eu diria que ele subiu 10% no meu conceito. Pela primeira vez, pude esquecer um pouco dos problemas e me divertir como alguém de 17 anos.

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