Sem convite (2x02)
Parte da série Entrando de "Cabeça"
Eu olhei para a Bianca, os olhos dela encontraram os meus. Desde aquele jantar nós não falávamos do assunto “PEDOWOLF”. E ela se fingia de desentendida na maior parte do tempo. Eu não queria ter que dizer “quando ele se cansar de brincar de médico com você, ele vai te chutar. E será um belo chute” para a Bianca, mas uma hora nós teríamos que tocar naquele assunto.
- O que vocês vão fazer hoje à noite? É sexta-feira - eu disse todo entusiasmado pensando na noite que viria.
Eles ficaram todos em silêncio. O Daniel desviava o olhar, a Bianca o imitava e a Andreia se fingia de desentendida.
- O que foi?
A Andreia se preparou para falar:
- É que...
- Não, Andreia – disse a Bianca a interrompendo.
Eu já estava sem paciência, então, disse: - Falem logo!
- O Rodrigo está dando uma festa. Ele convidou todo mundo – disse o Daniel. – Menos a gente.
- E quem iria a uma festa onde eu não estivesse? – Eu perguntei rindo. – Quem?
A Andreia arqueou as sobrancelhas e disse: - Tipo... Todo mundo.
- Droga!
Rodrigo. O garoto novo. Então, ele entra na escola já se achando a última bolacha do pacote? Ele ainda teria que comer muito feijão pra chegar ao meu nível. E eu amassaria aquela bolacha metida.
- Não esquente pessoal – eu disse levantando as mãos. – Vou colocar a gente nessa festa.
O Daniel fez uma careta.
- É que... Eu prefiro ficar em casa mesmo – respondeu ele. – Mas, e se todo mundo assistir filme na minha casa hoje?
- Adorei a ideia – disse a Andreia cutucando a Bianca. – Não é, Bianca?
- Incrível – disse a loira ao lado da Andreia.
Eu ri. Todo mundo ia se divertir na festa do Rodrigo e eu ficaria assistindo filme na casa do Daniel? Nunca.
- Adorei a ideia. Mas nós vamos à festa mesmo. Arrumem as suas roupas, porque hoje a noite promete.
Eu estava decidido a ir à festa do Rodrigo, mas não tinha a mínima ideia de como conseguiria este feito. E eu não estava entendendo o porquê de tudo aquilo. O Rodrigo me pareceu um garoto legal, mas de repente. ele dá uma festa e não me convida?
Quando voltei para a sala, eu já tinha em mente o que diria a ele. “Se você não me convidar eu acabo com a sua vida, riquinho de merda. Conheço gente da pesada, maluco”. Não. Essa frase não iria colar. Eu precisava tentar outra coisa.
Eu parei em frente à mesa dele.
- Oi – eu disse. – Eu fiquei sabendo que você vai dar uma festa hoje.
Ele retribuiu o sorriso.
- É, eu acho que vou.
- Que legal – continuei dizendo. – Todo mundo vai ir, não é? É tanta gente que acaba sendo normal se esquecer de uns e outros.
- Eu acho que não me esqueci de ninguém.
- Hum, tenho certeza que não – eu comecei a rir mostrando os dentes. – Mas, acredita que eu esqueci o endereço e o horário, você pode me dizer de novo? Eu não quero chegar atrasado.
- Engraçado, eu pensei que não tivesse convidado você.
Chega de me humilhar. Agora eu partiria para o ataque, aquele garoto já estava me irritando.
- Você está dizendo que não me convidou de propósito?
- Você pediu por isso.
- O que eu fiz? – Perguntei tentando me lembrar de algo.
- Você precisa de alguém que te puxe para baixo às vezes. E, no caso, eu sou essa pessoa. Você vai me agradecer mais tarde.
- Você é tão maldoso. Como pode fazer isso com as pessoas? Eu nunca pensei que fosse ser tão humilhado em toda a minha vida. Mas não importa. Sabe, o meu pai é advogado e ele vai te processar por homofobia. Que é crime.
Ele começou a rir.
- É piada, não é?
- Continuará sendo piada na cadeia, seu homofóbico.
Eu me afastei, fui direto para a minha mesa. O papo de homofobia nem assustou ele. Droga. Todas as minhas cartas já estavam em jogo. Eu precisava agir.
Eu me virei e encarei o Rodrigo.
- Na verdade, o meu pai não é advogado, eu estava mentindo – eu disse a ele. – Mas a minha é pedagoga e ela vai fazer da sua vida um inferno se você não me convidar. Uma vez ela disse que um garoto estava fumando pedra, e tudo porque ele olhou de um jeito estranho para mim, ela é superprotetora.
- Eu não mexeria com ela – completei.
Ele me encarou com um olhar de deboche. Eu devia aparentar alguém desesperado demais. E talvez eu realmente estivesse. Não ir naquela festa significava dizer para a escola “eu não sou popular o suficiente para ser convidado”.
- Ei.
- O que foi agora? – Disse ele em um tom grosseiro. – O seu cachorro é o supercão?
- Eu não tenho cachorro, mas o meu gato... Brincadeira.
Eu desviei o olhar e hesitei. Eu não estava acreditando que diria uma coisa daquelas para alguém como o Rodrigo, um completo desconhecido.
- Eu preciso ir.
- Por quê?
- Eu preciso segurar essa popularidade que eu estou tendo. É a primeira vez que alguém presta atenção em mim sem eu ter explodido algo. E eu não quero perder isso.
Eu abaixei a cabeça e esperei por uma resposta da parte dele.
- Não. Eu sinto muito, mas não irei voltar atrás.
- Como? Eu me abro com você e é assim que sou tratado? Eu pensei que você fosse alguém legal, mas acho que estava enganado.
Eu me levantei, olhei para os livros em minha mesa e encarei o garoto descolado. E por um impulso eu apanhei os livros e atirei um por um no Rodrigo. O primeiro o atingiu no rosto e os outros dois no peito.
A sala inteira me olhava com espanto.
- Parabéns, você conseguiu mais dois dias de popularidade – disse o Rodrigo em fuzilando com o olhar. – Os aproveite bem, pois eles serão os seus últimos.
Eu teria quebrado o pescoço dele se a professora Cristina não agarrasse os meus braços e me levasse para a direção, onde eu fui atendido por ninguém menos que a minha mãe.
- O que está acontecendo? – Ela perguntou como se eu fosse um aluno qualquer e não o filho dela. – Você tem ideia dos danos que causou a escola?
- Mas eu não causei danos nenhum à escola – disse rapidamente.
Ela olhou para o papel em cima da mesa dela.
- Graças a Deus, eu pensei que teria que pagar outros vidros. E você sabe, o salário de pedagoga não é lá aquelas coisas.
Do que ela estava falando?
- Eu atirei livros em um colega.
- Rasgou os livros?
- Não.
- Graças ao bom senhor, porque esses livros são o olho da cara.
Ela estava mais preocupada com os livros do que com o meu colega de classe? Ótima pedagoga.
Ela pegou o livro preto e me deu uma caneta para que eu assinasse. Eu assinei, e ela assinou em baixo.
- A parte boa de trabalhar aqui é que eu não preciso mais vir aqui assinar esse livro. Facilita bastante às coisas.
Eu estranhei a atitude dela. Em um dia ela diz “suas atitudes não serão mais toleradas” e no outro “arco-íris é bonito”?
Eu estava bem confuso.
- Só isso?
- É, mas você vai ter que se desculpar com esse colega. Vocês vão apertar as mãos diante de toda a escola amanhã. E como castigo de mãe... Eu acho que, sei lá, ficar sem sair de casa por dois meses. Acho que terminamos por aqui.
Eu levantei da cadeira e iria protestar, mas ela levantou a mão dizendo: - torça para ele não processar a gente. Agressão geralmente tira bastante dinheiro de pessoas, Tilcon. E já pensou se o livro fosse atirado em você, como se sentiria?
Se antes eu já não podia ir a festa, agora, era impossível. Eu estava sem convite e acabara de ser castigado como uma criancinha de cinco anos. E ainda teria que apertar a mão daquele estúpido na frente de toda a escola. Era melhor eu dar adeus para a minha popularidade porque ela estava indo embora.
Eu me preparei para sair.
- O castigo também vale para o Patrick também. Vocês não vão mais ficar juntos em casa – ela disse me fazendo voltar. – Vocês poderão se ver só na escola, ao menos até o seu castigo acabar.
- Eu não escutei direito?
- Resumindo, sem sexo com namorado.
- Mãe, nós não fazemos isso lá em casa. Eu nunca faria isso, a gente começou a namorar agora – eu disse a ela rindo. – Sou tão virgem quanto Maria.
- Só que não! Eu limpo o seu quarto e também tiro o seu lixo do banheiro. Eu sei das coisas, Tilcon.