Caindo do "Armário" (1x02)

Conto de escritor xXx como (Seguir)

Parte da série Entrando de "Cabeça"

Era definitivo, eu não conseguiria dormir. A cada cinco segundos eu encarava o relógio pendurado na parede do meu quarto. Parte disse era porque eu estava preocupado com o Patrick. A outra parte era porque quando o dia amanhecesse eu seria jogado para fora do “armário” sem nenhuma pena.

Por mais que digam que nos dias de hoje ser gay é normal, a verdade é que as pessoas não veem assim. Nem todos são como os meus pais ou como os meus amigos. Ser diferente, às vezes, já é motivo para que alguém te odeie.

Então, o dia amanheceu e eu ainda estava acordado. Eu poderia ficar em casa, é claro que poderia. Mas até quando? Uma hora eu teria que enfrentar tudo, então, porque não agora?

Eu me levantei e fui para o banheiro me arrumar. Enquanto a água quente caia sobre o meu corpo eu pensava. Talvez eu estivesse me iludindo por achar que seria apenas ruim, talvez fosse pior que o simples “ruim”. Talvez as pessoas me zoassem, talvez até jogassem sangue de porco em mim, assim como fizeram com a Carrie, no filme “Carrie, A Estranha”, mas a diferença é que eu não tinha poderes telecinéticos para matar todo mundo depois. Então, eu teria que enfrentar isso como um garoto normal e menos psicopata.

Quando eu cheguei à escola e notei que ninguém estava me encarando com olhares estranhos foi como um alívio.

Um alívio.

Como eu fui tolo por pensar que tudo ficaria bem.

Foi só eu me virar que as pessoas começaram a cochichar coisas enquanto riam com os seus olhos fixos em mim. Algumas pessoas nem mesmo se importavam pelo fato de eu as ouvir dizer coisas horríveis.

Era como em um filme americano. Só que na minha escola não tinha armários para que os idiotas pichassem “Viado”. Mas a verdade é que eu não era um desses protagonistas de filme americano. Não, eu não seria o coitadinho.

- O que vocês estão olhando seus “baixa renda”? – Perguntei encarando eles. – Quem são vocês na fila do pão pra me encararem assim?

Eu encarei o José, um idiota que se achava o machão, mas que eu tinha certeza que, no fundo, não passava de uma bailarina saltitante.

- Você ai. É você mesmo seu inútil – disse me aproximando. – Se tem algo para dizer sobre mim, então, diga na minha cara e não pra sua amiginha.

Ele riu com deboche.

- Eu não disse nada, Viadinho – ele olhou para as outras pessoas. – Mas acho que não preciso dizer, afinal, seus pais até fizeram um grupo no Facebook. Todo mundo sabe que essa Coca é Fanta!

Eu sorri e respondi: Eu não sou Coca, não mesmo – disse enquanto me aproximava mais. – Mas estou mais para Sprite.

Logo após dizer eu o golpeei no rosto com os meu punho fechado.

Droga, aquilo doeu mais em mim do que no desgraçado. Nos filmes parecia ser tão fácil. Resumindo: não façam isso em casa.

As pessoas se espantaram. Eles deviam estar esperando outra reação. Talvez elas pensassem que eu começaria a chorar e sairia correndo pelos corredores. Eles não sabiam de nada, inocentes.

- Quem é o próximo? – Perguntei erguendo as mãos. – Vamos lá gente, não tenho o dia todo!

Ninguém se manifestou, então, fui direto para a minha sala. Deixei o idiota do José no chão mesmo. Era ridículo um garoto do tamanho dele apanhar de mim. Mas como eu havia dito, ele só tinha a postura de machão.

Na sala, todos comentavam o ocorrido. Alguns me olhavam assustados, como se eu fosse alguma espécie de louco. Eu só estava esperando alguma das pedagogas entrarem na sala e me levarem para a direção, onde eu encontraria o José com o nariz todo ensanguentado. Mas para o meu engano e felicidade, ninguém apareceu.

Na segunda aula eu tinha que ir para a quadra de futebol. O Daniel estava do lado de fora me esperando. Ele iria dar o maior sermão, eu já até imaginava o que ele diria “Você quebrou a perna do capitão do nosso time e agora o nariz de um titular?”.

- Que porra foi aquela? – Ele perguntou enquanto me olhava assustado. – Você está descontrolado.

- Eu...

- Foi muito irado! – Disse ele me interrompendo.

Eu havia ouvido direito?

- Foi, é?

- Eu pensei que precisaria entrar na briga, mas você ferrou com ele, e com apenas um soco. Louco.

Eu estava me sentindo. Mas depois encarei os rostos dos garotos do time e cai na realidade.

Quando eu entrei eles estavam todos sentados na arquibancada, fui até eles preparado para qualquer coisa. Mas aconteceu que eu não estava nem um pouco preparado.

- Como assim vocês decidiram que eu estou fora do time? – Perguntei ainda em choque. – Vocês não podem estar falando sério...

- O Patrick está suspenso por causa da perna, não sei se você sabe, mas na ausência dele eu é que fico no comando. Mas, mesmo assim, eu fiz uma votação – disse o André.

Eu respirei fundo e forcei um sorriso.

- Ei galera, se lembram daquelas vezes que eu paguei lanche pra vocês, seus trairas! – Disse ainda sorrindo. – Eu quero o meu dinheiro de volta!

- Isso não é Activia, amigo.

Droga, o lance do companheirismo estava dando errado. Eu tinha que usar a única carta que tinha na manga.

- Então, amigos, se preparem – eu encarei todos eles “olho no olho”. – Preparem-se, porque serão processados por homofobia.

- Ninguém aqui se importa com a sua droga de sexualidade. Você não joga bem, ponto final – disse o José me deixando com mais raiva.

- Quer outro soco?

Ele se levantou. Então, o Daniel entrou na minha frente para a minha sorte, porque todos sabem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Talvez, agora eu apanhasse pra valer.

- Vocês estão sendo preconceituosos. Meu pai vai processar vocês – respondi rindo. – Eu poderia dizer que ele também vai tirar cada centavo de vocês, mas eu sei que todos aqui são uns bandos de pobre.

O André pegou o meu braço e me arrastou para o outro lado da quadra. Eu não tinha a menor ideia do que ele estava fazendo.

- Você vai sair do time e pronto – disse ele quando estávamos longe o suficiente dos outros.

- E por que mesmo?

- Pelo Patrick!

Eu ri e me fiz de desentendido dizendo: - O que o idiota do seu amigo tem com isso?

- Não se faça de inocente. Eu sei sobre vocês há muito tempo, eu sempre soube. No segundo em que você entrou no time – respondeu ele fazendo com que o meu sangue fervesse. – Eu sou o melhor amigo dele, acha que eu não sabia que ele era gay?

- O que você vai fazer, dizer a todos?

- Não, eu estou concertando a situação. Você saiu do armário e estando no time... As pessoas perceberiam os olhares, os sorrisos... Ninguém consegue ser cego por tanto tempo.

- Mas...

- Vocês tem que encontrar outra maneira de ficar juntos. Aqui, infelizmente, não dá mais – disse o André me interrompendo. – Se você gosta tanto assim dele, então, vai sair do time.

Eu não respondi. Mas era óbvio que eu havia optado por sair. Eu andei até o outro lado da quadra e encarei os garotos.

- Eu quero sair do time. Esses uniformes estão fora de moda e também tem gente muito feia aqui – disse antes de me retirar de lá. – Dizem que feiura pega e, obviamente, eu não quero correr riscos.

- Acho que tem vaga pra você no time de vôlei – disse o José todo sorridente. – Ou você pode entrar pra... Sei lá, clube da maquiagem ou algo assim?

- Mas só se você deixar eu te maquiar – respondi revidando.

Eu saí da quadra com passos acelerados, o Daniel correu atrás de mim. Ele me alcançou e colocou as mãos sobre os meus ombros.

- Ei, você vai desistir assim tão fácil?

- Se eu ficasse, eventualmente, descobririam sobre o meu envolvimento com o Patrick.

- Você leva a pior e ele continua com a fama de machão, é sério isso?

- Meus pais me tiraram do armário, ele não tem culpa.

Ele parou no meio do caminho, estava na cara que não apoiava a minha decisão. E como poderia? Ele odiava o Patrick.

- Vem, a gente tem que encontrar o resto do pessoal – disse assim que o sinal do intervalo tocou.

Nós fomos para o mesmo lugar de sempre. Nós nos sentávamos ali desde a sexta série. Éramos quatro. Eu, o Daniel, a Bianca e a Andreia. A Bianca era a típica patricinha, a garota linda, loira e de olhos azuis, mas que por algum motivo era deixada de lado, excluída pelos populares. A Andreia era a garota inteligente e descontraída e comum.

A Bianca veio em nossa direção, a Andreia estava ao lado dela. As duas riam como loucas.

- O que foi? – Perguntei quando elas chegaram. – Me contem essa piada.

A Bianca se preparou. Ela sempre fazia isso quando queria dizer algo “importante”.

- Eu estou morrendo por dentro – ela disse colocando a mão no lado esquerdo do peito fazendo o maior drama. – O meu amor quebrou a perna.

A Andreia riu.

- Sabem o que ela me disse? Ela falou que iria se vestir de enfermeira e iria até o hospital para dar “cuidados especiais” ao Patrick. Vocês acreditam nisso?

Eu ri sem graça. É eu estava cansado de saber que a minha amiga era apaixonada pelo “meu” garoto, o que não era nada legal. Ela gostava dele desde a oitavo ano. O seu amor chegava a ser doentio, eu não duvidava que ela se disfarçasse de enfermeira para chegar até ele.

O Daniel me lançou um olhar.

- Confesse, Ti – ela se dirigiu a mim. – Agora que sabemos que você é do babado, diga a verdade, o Patrick não é a pessoa mais gostosa do universo?

Eu fiquei vermelho, roxo, azul. Fiquei sem reação. Sorri de uma forma desajeitada e disse a maior mentira do mundo: - Ele não é meu tipo.

Se eu não me sentia culpado? É claro que eu me sentia. A minha amiga tinha um amor platônico por um garoto, não por meses, mas anos. E de repente eu me apaixono por ele também. E incrivelmente não é por ela que ele retribui todo o amor. Mas o que eu posso fazer? Chorar, contar a verdade, chorar? Eu só sabia que não pretendia fazer nenhuma das duas coisas.

Havia outro problema. A Andreia estava estranha comigo desde que eu contei o meu grande segredo. Na hora ela reagiu bem, mas depois, me ignorou completamente.

- Andreia, eu posso falar com você?

Ela não esperava por aquilo.

- Eu tenho que ir a secretaria para resolver umas coisas – disse ela se levantando. – Depois a gente conversa.

Antes que ela deixasse o lugar eu disse: - Por que você não fala de uma vez que não aceita o fato de eu ser gay?

Ela se virou ainda mais surpresa.

- Eu não tenho problema nenhum com isso, eu juro – disse ela. É que...

- O que?

- Você é o meu melhor amigo, melhor que o Daniel, melhor que a Bianca – disse ela sem se importar com os dois ouvindo. – Eu devia saber que você era gay, o Daniel sabia. Mas eu nem mesmo percebi.

- Você vai precisar de um rim, sua mal agradecida – disse a Bianca atrapalhando a conversa. – Quando você estiver morrendo, nem me chame. Pede para o seu “melhor amigo” aqui.

A Andreia simplesmente se foi.

Ficamos um encarando os outros por mais de um minuto até que a Bianca finalmente se levantou e foi para a sala mais cedo que o normal. Ficamos eu e o Daniel, ali sentados.

- Você tem que contar a Bianca sobre o Patrick – disse ele.

Minha mente estava tão confusa que eu comecei a rir, era como se ele tivesse me contado uma piada e não que estivesse me dando um ultimato.

- O que?

- Você tem que contar a Bianca, que parte não entendeu?

- Minha vida está uma droga. Eu estou sendo a fofoca da escola, fui expulso do time, quebrei a perna da pessoa que eu amo e você ainda quer que a Bianca me odeie?

- Ela tem que saber, vai deixá-la pensar que tem chance com o Patrick por quanto tempo?

- Eu não sei, uma hora ela se toca, mas não será eu a pessoa que a trará para a realidade. Não se acorda um sonâmbulo!

- O Patrick...

- Isso ai, Patrick. Já percebeu que todos os seus problemas estão relacionados a ele. Ele te faz mal – disse o Daniel me interrompendo pela segunda vez no mesmo dia. – Eu é que faço bem pra você, não ele. Então, me escute.

- Está na hora da honestidade, não é?

Ele balançou a cabeça em uma resposta positiva.

- Então, porque não revela logo o motivo por todo o ódio que você tem do Patrick?

Ele ficou vermelho.

- Eu sei – eu disse. – Você é apaixonado pela Bianca. Você se sente um lixo por ela amar ele ao invés de você, se sentiu ainda mais lixo quando soube que ele era gay e que, ainda sim, tinha mais chances que você de ficar com ela.

Ele estava sem ar.

- Então, não tente me transformar no vilão da história para que o caminho fique livre para você – completei. – Eu não tenho culpa se ela não enxerga isso. E o mais importante, o Patrick também não.

- Não é só ela. Aquele desgraçado faz com que vocês dois comam na mão dele. A garota que eu amo e o meu melhor amigo, ambos encantados por ele – ele finalmente disse. – Como você quer que eu não o odeie?

Eu me aproximei.

- Eu ainda vou continuar sendo seu amigo – disse. Ele não irá te substituir em nada. E quanto a Bianca, quem deve dizer algo não sou eu, mas você.

Eu fui para a sala, já estava cansado de tudo aquilo. Minha cabeça estava explodindo. As pessoas cochichavam pelas minhas costas. Tudo estava certo, pela primeira vez na minha vida, o que estava acontecendo era o esperado, o normal. E eu não sabia lidar com o normal.

- Então gente, hoje vocês vão ser dispensados mais cedo para ver um jogo da “Copa Escola” – disse o Wolf, o meu professor de educação física.

Ele devia ter uns vinte nove anos, era um dos professores mais novos da escola, e também o mais bonito entre eles. Todos percebiam os olhares que ele dava para algumas meninas. O pior era que algumas dessas meninas retribuíam os olhares dele. A sala inteira, secretamente, se referia a ele como “Pedowolf”, ou seja, “Pedófilo” com “Wolf”. E eu nem preciso dizer que fui eu quem criou o apelido.

Ele saiu da sala e no meio tempo fui até o quadro peguei um giz em cima de sua mesa e escrevi “PEDOWOLF” em letras maiúsculas. A galera se matou de rir. Quando ele retornou eu estava em minha carteira com cara de anjo.

Ele olhou para o quadro andou até a porta e a fechou dizendo: - Ninguém sai até eu ter um nome.

Diferente das outras turmas, o segundo ano D, era uma galera muito unida. Na verdade, todos se odiavam, não tínhamos quase nada em comum, mas quando se tratava de lealdade, nós éramos sempre os que se destacávamos para o azar dos professores.

Ninguém dizia uma única palavra.

Eu levantei a mão.

- Vai dizer um nome? – Perguntou ele.

- Ah, não. Mas você não pode prender a gente aqui. O futebol entre as salas é uma atividade decretada pela secretaria, você não pode interferir.

Ele deu de ombros e disse: - Podem sair.

Quando me levantei para sair ele apontou o dedo para mim.

- Você não!

- Desculpe eu sou um dos titulares, então, não posso perder tempo aqui – menti para sair o mais rápido possível. – A não ser que você queria problemas com a secretaria. Você quer?

Ele não disse mais nada, então, eu saí. Eu gostava de zoar ele e tudo, mas parte de mim, no fundo, sentia um pouco de medo.

Lá fora estava uma zona, todas as salas eram liberadas para assistir ao jogo da “Copa Escola”. O Daniel estava ao lado da Bianca esperando no fim do corredor.

- O que foi? – Perguntei.

- O Daniel me disse que você tem algo importante para me contar e que isso está relacionado com o Patrick.

Eu encarei o Daniel.

- Ele disse, não é? – forcei um sorriso.

- Então... Eu convenci o Patrick a sair com você! – Disse todo animado.

Obrigado pelos comentários, vocês são demais. Gente divulguem essa série... Será que algum dos capítulos dela conseguem entrar no Ranking semanal?

Comentários

Há 1 comentários.

Por Billy em 2014-06-13 11:00:03
Muito bom esse conto!!