Sujos de lama - (1x06)
Parte da série Adolescência a flor da pele
Eu olhei para Sara, o Henrique olhou para mim e depois foi uma grande, imensa e extragrande droga. O Edu e o resto dos veteranos amarraram os meus colegas, mas me surpreenderam em não tocar um dedo em mim.
- Se amarraram eles, então, vão ter que me amarrar também! – Exigi.
- E escutar um monte depois? Nem pensar – retrucou um garoto com aparelho dentário.
Eu me sentei ao lado da Sara que me olhava com uma cara de deboche.
- O que foi? – Disse.
- Esse cara, o Gustavo, é muito obcecado por você, muito! – Continuou ela tentando me desconcertar.
- Peça algo de comer para eles – disse o Henrique.
Eu não estava acreditando. Os dois agiam como se eu controlasse aqueles veteranos, como se eu controlasse o próprio Edu, o que para o meu azar estava longe da verdade.
- A gente pode ouvir vocês conversando e, não! Nada de comida gordinho – disparou o ridículo do Edu.
Eu me levantei e me aproximei daquele idiota.
- É que eu estou com fome também, muita fome – disse na esperança de que os meus dois recentes amigos estivessem certos.
Ele me lançou um olhar sério. E em seguida dirigiu a mão em direção a sua virilha e apalpou sua parte íntima - eu não quero dizer pinto e outros derivados, sou de classe – e disse:
- Aqui pra você!
É... Não deu muito certo.
- Você só não está amarrado, porque planejamos algo ainda melhor para você – continuou aquele monte de estrume.
- O Gustavo não vai gostar de saber que você está me deixando passar fome! – Disse como se eu realmente fosse “algo” do garoto do ônibus.
Ele riu e disparou: - E quem se importa com o que o meu irmão acha? Eu não!
Então, ao que tudo indicava, ele falava sério. Eu estava assustado com o que ele poderia fazer comigo. O jovem loiro a minha frente sorria arregalando os seus dentes alinhados e totalmente brancos.
- O que você vai fazer comigo? – Perguntei sem saber se realmente queria descobrir.
- Primeiro... Deixe-me ver... Acho que posso jogar alguns ovos em sua cabeça, te amarrar e deixar os rapazes decidirem o que querem fazer com você – continuou ele.
Eu ri.
- Você não disse que tinha algo especial preparado para mim? Então, porque fará o mesmo que fez com os outros calouros? É tanta falta de criatividade...
- Mas você ainda nem sabe o que aqueles garotos são capazes de fazer – disse ele me interrompendo.
Três caras se aproximaram.
- Então... Acho melhor você jogar os ovos depois, porque o que nós vamos fazer... Digamos que irá ser melhor se ele continuar limpo – disse um deles que logo teve apoio dos outros.
- Jogue os ovos, por favor! – disse debochando. – Acho que será melhor e menos... Digamos... Sujo.
O Eduardo, esse era o seu nome completo, começou a rir, eu me juntei a ele e ambos rimos.
- Boa, mas infelizmente eu vou concordar com ele, irei jogar os ovos depois – disse o Edu colocando a mão em meu ombro.
Eu poderia ofender ele? Claro, mas de que adiantaria?
Os repugnantes veteranos se aproximaram.
- Agora se prepara para o banho de lama que preparamos – disse o que segurava uma lata de cerveja.
Eu olhei para a cara do Edu.
- Vocês irão me sujar de lama? Era isso o que estavam planejando? – Perguntei.
Ele me encarou com certo estranhamento.
- Sim, o que pensou que nós iríamos fazer com você?
Eu não iria dizer o que pensei. Eu me senti aliviado e um pouco envergonhado, eu era muito malicioso. Tudo era fruto da minha mente. Será que no fundo eu queria aquilo? Não, eu não queria. Isso só podia ser a influencia do garoto do ônibus na minha vida.
Dito e feito. Aqueles ridículos me sujaram todo de lama, no fim, eu estava mais sujo do que o Henrique. A parte boa? Eles se esqueceram de tacar os ovos, apenas me amarraram.
Eu continuei amarrado até que o dia amanhecesse. O que significava que a brincadeira havia chegado ao fim. O meu cabelo estava duro por causa de toda aquela lama, meu corpo doía, mas eu preferia isso a ficar trancado na casa do garoto do ônibus.
- Eles vão tirar a gente daqui quando? – Perguntou o Henrique.
- Como é que vamos saber? – Respondeu a Sara que estava mais estressada do que eu. – Estou sem paciência para perguntas idiotas!
- Discutir não vai adiantar nada – entrei na discussão.
Os dois me encararam.
- O que foi? – Perguntei.
- Cadê o garoto que se preocupava tanto com você? Onde ele está?Onde ele passou a noite toda? – Continuou ela me provocando. – Acho que ele realmente não se importa com você?
- Eu não sei onde ele está! E eu nunca disse que ele se importava comigo – retruquei.
Depois disso veio um pouco mais de silêncio. A situação estava tensa e desagradável para todos nós.
- Eu pensei que ele fosse vir, estou esperando a noite inteira – respondi quebrando o gelo.
Era a verdade. Desde o momento em que eles me amarraram eu estava esperando pelo Gustavo. Por algum misterioso motivo eu achava que ele se preocupava comigo, mas pelo visto, eu estava errado.
- Talvez ele apareça – disse o Henrique.
- Ou talvez não! – Disse a mal humorada da Sara.
Eu não respondi. Não estava querendo brigar mais.
Depois de mais quarenta minutos alguém finalmente veio nos desamarrar, mas não era o garoto do ônibus, mas o Edu.
- Espero que tenha gostado da brincadeira – disse ele insuportável como sempre.
Eu resolvi ficar calado, eu estava muito cansado para desperdiçar saliva.
Nós três saímos da reserva e retornamos a casa dos Romanack e para a minha surpresa o Gustavo estava sentado em frente à piscina todo limpo e perfeito. E pensar que eu fiquei amarrado a noite inteira com o corpo cheio de lama e fedendo.
Ao ver a minha situação ele fez o que sempre faz, riu.
- É sério, você parece um índio! – Disse ele quase tão insuportável quanto o irmão.
- Gostou de participar da brincadeira? Espero que tenha gostado já que você se esforçou tanto pra isso – continuou o Guto.
- Ei, eu não quero falar com você, O.K? Você não presta – disse me aproximando.
A Sara e o Henrique se entreolharam e cochicharam algo sobre eu estar tendo uma briga de relacionamento na frente deles.
O Gustavo se levantou e ficou bem a minha frente.
- Eu tentei te deixar fora, mas você quis assim, lembra?
Eu soltei uma risada meio estranha.
- Se esforce mais da próxima vez. Tente não deixar a chave reserva no seu quarto – retruquei.
- Você nem deveria ter entrado no meu quarto para início de conversa – disse ele. – Mas como você é intrometido...
Ele tinha razão, mas mesmo assim, eu não deixaria que ele vencesse a discussão.
- Você é um idiota e eu fui mais idiota por pensar que você fosse ir lá me desamarrar, mas você estava ocupado demais sentado em frente a sua grande piscina.
Ele não respondeu.
- Eu ainda acho que você é um idiota e quero me distanciar de você, mas antes será que eu posso usar um dos seus banheiros? – Perguntei.
Ele balançou a cabeça e eu entrei em sua casa, os dois vieram comigo. O plano inicial era que nós usássemos o mesmo banheiro, mas no fim cada um foi procurar um. Eu me enfiei dentro do banheiro do quarto do Edu, esse era o meu modo de me vingar... Sujando o seu banheiro com a lama que ele jogou em mim. Os outros dois usaram banheiros do andar de baixo.
Desliguei o chuveiro e me enrolei em uma toalha azul. Quase tudo naquele quarto era azul, a minha cor preferida. A minha segunda parte da vingança era roubar um par de roupas do Eduardo. Eu abri o seu guarda-roupa, ele não era tão organizado quanto o do irmão, mas tudo estava arrumadinho. Eu encontrei uma camiseta cinza muito bonita, apanhei uma calça jeans preta ao lado e vesti.
As roupas eram grandes para mim, mas eu dei um jeito. Dobrei bastante a barra da calça e a camiseta ficou um pouco larga, mas nada muito estranho.
Abri a gaveta da cômoda branca ao lado do armário e peguei um par de meias vermelha e em baixo em uma porta estava alguns pares de tênis. Apanhei um tênis preto baixo e o calcei.
Quando desci as escadas encontrei a Sara e o Henrique, os dois estavam com roupões.
- Ei, onde encontrou roupas? – Perguntaram os dois ao mesmo tempo.
Eu abri um sorriso amarelo e disse:
- O Edu me emprestou essas coisas.
- Sei... Então arruma mais dessas pra gente – disse a Sara. – Garanto que ele não irá nem se importar.
Levei-os ao quarto e os dois procuraram por roupas. A Sara pegou uma calça jeans azul clara que ficou estranha em seu corpo, mas em compensação a camiseta laranja desbotada do Eduardo ficou maneira nela.
- Porque eles não têm uma irmã? – disse ela rindo.
- Como eu estou? – Perguntou o Henrique usando uma bermuda azul e branca e uma camisa polo bege.
- Bem, até parece um Romanack – respondi rindo.
- Acho melhor a gente ir antes que o Edu chegue, quanto tempo será que vai levar pra desamarrar todo mundo? – Disse a Sara.
- Não sei, mas é melhor a gente se apressar – respondeu o Henrique.
- Vão indo, que eu encontro vocês lá em baixo – eu disse a eles.
Quando eles saíram eu encarei a estante de livros do Eduardo. Encarei o Livro “A Batalha do Apocalipse” e pensei se deveria ou não roubar aquelas coisas. Ele merecia disse mentalmente e então peguei o livro.
Eu encontrei os dois lá em baixo, eles estavam ao lado do Gustavo e do Eduardo. Minha barriga gelou, porque as roupas eram uma necessidade nossa e talvez fossemos devolver, mas o livro em minha mão, isso era diferente.
Eu não sabia o que era pior ter o dono das coisas da qual eu usava me encarando ou o irmão dele com um risinho debochado nos lábios me flagrando roubar.
- Onde vocês pensaram que iam com as minhas coisas? – Disse o Eduardo.
Eu sorri e respondi calmamente:
- Eu vou ir pra minha casa e acho que os dois aqui vão par a deles. Mas a Sara vai me dar uma carona.
Os olhos dele foram para o livro em minha mão.
- Você não se sentiu satisfeito com as roupas e teve que pegar um dos meus livros também?
- É que eu gosto de ler quando viajo e daqui até a minha casa é uma hora e meia, então, peguei algo para ir lendo.
Na hora da raiva e com o meu teatrinho de vingança eu podia parecer disposto a não devolver, mas era certo de que no dia seguinte eu devolvesse todas aquelas roupas lavadas e passadas a ele.
- Ah e talvez eu possa ter sujado o piso do seu quarto de lama, desculpe por isso – continuei.
O Gustavo começou a debochar do irmão.
- Vamos? – Disse a Sara olhando para nós dois.
Eu olhei para o Eduardo que ainda estava parado em minha frente.
- Devolvo as coisas amanhã, junto com o livro – disse antes de sair.
O Eduardo não tentou me impedir, ele simplesmente saiu da frente para que eu passasse.
- Ei! – Disse o Gustavo.
Eu me virei e olhei para ele.
- Você pode ficar se quiser... Depois eu posso te levar? – Disse ele.
- Obrigado, mas...
- Ele aceita – disse a Sara me interrompendo.
Eu a encarei sem graça.
- Até de noite – disse ela saindo ao lado do Henrique.
E ficamos nós três. Eu, o garoto que roubava roupas e livros nas horas vagas. O garoto do ônibus e o irmão insuportável dele.
E agora só falta o último capítulo da temporada. Espero que vocês estejam gostando. E quero agradecer pelos comentários e votos, obrigado mesmo.