Cinquenta tons de sacanagem (1x03)

Conto de escritor xXx como (Seguir)

Parte da série Adolescência a flor da pele

Eu estava totalmente cansado. Quando o ônibus chegou ao terminal eu tentei alimentar a esperança de pegar um assunto vago, mesmo sabendo que era tão obvio que não conseguiria nem mesmo ficar em pé ao lado de uma janela.

Essa era a minha vida, na semana anterior eu estava em coma e na seguinte já havia voltado a trabalhar. Ao saber sobre isso as pessoas poderiam pensar que eu era um jovem exemplar, que não conseguia me manter muito longe das responsabilidades, mas não era bem assim. Depois que recebi alta do hospital, o meu médico me deu apenas dois dias de atestado. Esse é o Brasil minha gente, você quase morre, mas ainda sim, não tem nenhum descanso.

Este dia ainda marcaria a minha volta a faculdade depois do meu momento de quase morte. E por falar nisto eu me sentia estranho dentro do ônibus onde quase perdi a minha vida. Aquele não era exatamente o mesmo, mas bem parecido. O aperto causado pela lotação me fez desejar ter continuado em estado de coma, porque assim, ao menos eu estaria deitado em uma cama.

Mas minha vida não são apenas cravos, por incrível que pareça, algumas rosas floresceram em meu jardim. Meus pais não viram as mensagens, ou seja, eu estava salvo.

Sobre o garoto do ônibus - o Guto, o Gustavo ou seja lá como posso chamá-lo – não cruzou comigo novamente. Não o encontrei mais. Por mais que eu negasse, parte de mim queria encontrá-lo novamente. Eu precisava saber mais coisas sobre ele, mas da mesma maneira – do nada - que o Gustavo entrou em minha vida, ele também saiu.

Quando meus pés tocaram a sala de administração todos me encaravam, eu era o centro das atenções, o milagre vivo. Em toda a minha vida nunca recebi tantos sorrisos e cumprimentos de pessoas da qual eu mal conhecia.

Sentei-me no fundo, como de costume. Eu estava me preparando para uma aula totalmente normal e aparentemente chata, mas algo aconteceu e mudou o rumo das coisas.

Ao ver a cena acabei caindo junto com a minha mesa e comigo derrubei outros dois garotos. Todos olharam para trás enquanto eu pedia mil e uma desculpas todo envergonhado.

O culpado por tudo havia acabado de passar pela porta. O Gustavo estava usando uma camisa xadrez, ele me encarava. Ao vê-lo acabei me atrapalhando e causando todo aquele alvoroço.

Eu me levantei com a cabeça erguida, não iria me humilhar mais, não em frente ao garoto que tornou a minha vida um verdadeiro inferno. Era estranho que horas antes eu estivesse sentindo a sua falta, que estivesse querendo vê-lo. Agora, fogo poderia sair por meus olhos, mas nem mesmo isso seria capaz de transmitir toda a raiva que eu sentia.

E como se não bastasse ele escolhe a carteira ao lado da minha. O Gustavo olha para mim com aquele sorriso idiota do qual eu adorava odiar.

- Você por aqui? – pergunta ele como se não soubesse do fato antes de entrar na sala.

Preferi ficar em silêncio.

- Nossa, gazelinha, como você é atrapalhado. O seu showzinho a parte tirou toda a atenção de mim, o aluno novo, obrigado.

Isso é era demais.

- Você sabe que eu posso denunciá-lo por me perseguir, não é? – disse a ele.

- Você pode me denunciar por cursar uma faculdade? Legal. Mas sabe o que será ainda mais legal, a minha história de como eu te salvei, acho que a galera vai se amarrar.

- Não, não e não. Olha, por favor, não me exponha ao ridículo, até porque eu consigo fazer isso sozinho!

Ele sorriu.

- Por favor? Olha, quem aprendeu bons modos.

Quando ia responder vários celulares apitaram ao mesmo tempo, inclusive o meu.

“FESTA! ISSO MESMO, VOCÊ CALOURO ACABA DE SER CONVIDADO PARA UMA FESTA. QUANDO AS AULAS TERMINAREM SE DIRIJA PARA A CASA DO ROMANECK, O ANFITRIÃO – EDU”.

Eu não sabia quem era o Edu, o cara que enviou a mensagem. Não sabia quem era o tal do Romaneck, o anfitrião. Então, o que eu faria em um lugar assim?

Todos estavam comentando sobre o convite para a festa. A questão era que somente alguns haviam recebido a mensagem, as pessoas mais jovens da sala, para ser mais exato os que continham dezessete anos, os outros passaram minutos olhando para a tela do celular com esperança de ver o toque de mensagem soar, mas ele não veio.

Por que eu recebi? Por que eu tenho dezessete? Mas eu era chato, um pouquinho antissocial. Quem é que gostaria da minha companhia em uma festa?

Detalhes, o Guto também recebeu a mensagem, o que era estranho afinal, ele havia acabado de chegar.

- Você vai ir? – perguntei como quem não quer nada.

Ele me encarou com um olhar misterioso e respondeu:

- E tem como se faltar à própria festa?

Minha pergunta havia sido respondida, mas a resposta veio com um bônus de outra resposta. Eu havia sido convidado por que o Guto era o Romanack.

- Você vai ir – disse ele repetindo a minha pergunta.

- É claro... Que não!

- Eu pensei que você fosse dizer isso.

- Pensou, é? – disse alterando a voz.

- Sim, então, encontrei um modo de mudar a sua opinião. Todas as pessoas que receberem o convite e não for a minha casa irão ganhar um presentinho nada legal. Acho melhor você não faltar.

Após dizer isso ele se levantou e deixou a sala. O que era estranho, porque estava no meio da aula.

O Henrique, o garoto a minha frente - que tinha dezoito anos -, se virou.

- Você conhece o Romanack? – perguntou ele.

- O aluno novo? – eu disse.

- Não, ele está no último período de Administração. Eu o vi conversando com você, como pode não saber disso?

- Eu o conheço, mas não tanto assim – continuei respondendo o mais vago possível.

- Então, amigo... Será que você não me descola um convite? – perguntou ele.

- Convite físico? – disse não entendendo.

- Uma mensagem, só irá entrar quem tiver a mensagem no celular, mas ela tem que ter sido enviada pelo Edu.

- Entendi, posso tentar convencer ele a te enviar uma.

- É sério mesmo?

Eu confirmei com a cabeça.

E com isso eu me levantei como se fosse ir ao banheiro, mas na verdade estava indo procurar o Guto. O Henrique havia me falado onde era a sala dele. Eu subi vários e vários degraus até estar no último andar do prédio. E quando visualizei a porta da sala encontrei dois garotos sentados no banco próximo à porta fechada, eles estavam matando aula.

Um deles era o Gustavo. Eu me aproximei meio tímido, nunca falei com ele perto de alguém que ele conhecia. Eu estava muito desconfortável.

- Oi – disse.

- Se você veio avisar que não vai... Sinto muito, mas não tenho como te livrar do trote que estão planejando para os calouros que forem escolhidos na festa.

Trote?

- Como? – perguntei torcendo para ter entendido errado.

- Selecionamos alguns calouros, alguns legais, alguns não tão legais e quando chegar a hora na festa terá uma brincadeira para os “não tão legais”. Mas não se preocupe, porque você, definitivamente, está nos legais, mas se faltar à festa, então, automaticamente estará incluso na brincadeira, entendeu?

Era muita informação, mas apenas acenei com a cabeça.

- Não foi por isso que vim. Um colega me pediu para conseguir um convite, você podia deixá-lo ir.

Acho que o Henrique mudaria de ideia se soubesse da brincadeira, mudaria?

O garoto ao lado do Guto parecia ser ainda mais debochado. Seus olhos eram escuros, mais que os meus. Seus cabelos eram um tom de dourado vivo, deixavam o meu cabelo, também loiro, no chinelo.

- Desculpe, mas não dá. Se ele não recebeu a mensagem, então, não pode ir – disse o garoto ao lado do Gustavo.

- Eu não perguntei pra você – disparei enquanto olhava para o Gustavo com cara de cachorro abandonado.

- Me dê o número dele – disse o Guto me fazendo sorrir.

- Você sabe que não podemos incluir mais ninguém, somente os de dezessete anos. E não se esqueça de que você já nos deve um favor – o outro garoto parecia irritado.

- Edu, calma ai. O negócio vai continuar perfeitamente bem e esse convidado a mais poderá substituir o lugar daquele lá, então?

O Edu sorriu, e isso era estranho, porque em muito pouco tempo ele estava com cara de poucos amigos. O Edu pegou o papel com o número da minha mão e enviou a mensagem.

- Obrigado, viu como foi fácil? – disse.

- Fácil? Que nada, planejar tudo foi muito difícil, e pra inicio de conversa você complicou tudo, ok. Mas eu te perdoei, afinal, você encontrou um substituto para você na brincadeira.

Substituto para mim?

- Espere, eu estava incluso no trote?

O Edu sorriu.

- No início, mas ai o Gustavo tirou você, mas com a condição de encontrar outra pessoa para preencher o lugar, mas ao que tudo indica você acaba de fazer isso.

- Não serão apenas alguns dos calouros que participaram da brincadeira de mau gosto de vocês, mas todos com dezessete anos. – pensei em voz alta.

- É isso ai – disso o Edu se divertindo com a situação.

Como eu pude ser tão burro? E como eu iria fazer com que o Henrique ficasse de fora da brincadeira?

Comentários

Há 1 comentários.

Por jv em 2014-02-22 14:11:03
Fiquei curioso, o q será q vai acontece nessa festa