Prefácio

Conto de Drexler como (Seguir)

Parte da série Segunda Chance

Eu não aguentava mais aquele sentimento de angustia e desespero em meu peito, a cada minuto de espera era uma tortura para mim e minha família. Minha mãe e Dona Lucia estavam de joelhos há quase 20 minutos em frente à imagem de Nossa Senhora dos Remédios, um rosário na mão, rezando por Letícia. Meu pai, embora fosse muito introspectivo em relação aos seus sentimentos, tentava me consolar, abraçado a mim, assim como meu irmão mais novo, Matheus.

A cada dia que passava, menos esperança tínhamos de que minha esposa pudesse voltar para casa, e isso me destruía. Há sete meses ela foi diagnosticada com câncer, logo após descobrirmos que estava gravida. No inicio era apenas alguns desmaios, mas acharam que era pela gravidez, depois descobriram um pequeno nódulo no celebro. Nada muito grava, medicaram e disseram que os remédios iriam impedir o crescimento, que se desenvolvesse para um tumor, então fariam a cirurgia, depois dela dar a luz. Errado! Os desmaios continuaram, com mais frequência, enjoos, sangramentos. Com mais alguns exames, descobriam outro tumor, maior, também na cabeça.

Os remedis só não teriam efeitos, o ideal seria a radioterapia, para diminuir o tumor e fazer a cirurgia. Contudo, o tratamento iria prejudicar nosso filho, ou ela abortaria espontaneamente ou a criança nasceria com alguma deficiência. Letícia estava com seis meses de gestação quando recebemos essa noticia e ela não aceitou fazer o tratamento. Já sabíamos que seria uma menina, Sophia foi o nome que escolhemos, ideia de Atenas, nossa melhor amiga. Compramos algumas roupas, o berço e algumas outras coisas... Já fazíamos planos para nossa pequena, por isso ela não aceitou fazer o tratamento, e por mais que eu e Dona Lucia lutássemos para que ela iniciasse o tratamento, minha espessa era pulso firme, e não era não.

Claro que eu não queria perder minha filha, eu já a amava mais que a mim mesmo, mas eu não poderia arriscar a vida de minha esposa, que eu também amava. Eu fiquei no maior dilema de minha vida e acabei concordando com sua escolha. Esperaríamos mais três meses e, depois do parto, Letícia iria começar o tratamento de radioterapia. Mas não aconteceu como planjamos.

Há cinco dias Letícia deu entrada na maternidade em trabalho de parto... Meu pai soltou roxões de tanta felicidade por sua primeira netinha esta nascendo... Eu não me continha de tanta excitação, minha filha estava nascendo! Eu chorava tanto de alegria. Estive ao lado de Leticia em todos os momentos, inclusive na hora do parto. Ela gritou muito, e isso me apavorou, machucou-me os braços, de tanto apertar, e quando ouvi o choro da minha bebê, eu chorei ainda mais, como nunca havia chorado. Mas isso foi até perceber a agitação na sala de cirurgia.

Minha esposa não acordou depois disso, já fazem quatro dias. Ela sequer viu a carinha de Sophia ainda, tão pequena e frágil. Linda. Eu levo a pequena para o quarto onde Leticia esta em coma constantemente na esperança que ela acorde para falar com nossa filha, mas há quatro dias ela não acorda. Os médicos não sabem explicar muito bem o que aconteceu, mas acreditam que ela esteja consciente, nos estimulam a conversar com ela, e é o que tenho feito desde então.

Hoje cedo, quando meu cunhado, Luan, estava com Leticia, ela moveu um dedo, isso foi o bastante para que toda a família viesse ao hospital. Levei mais uma vez Sophia ao quarto, mas não ouve mais resposta. Depois disso, Dr. João Paulo e seu estagiário levaram-na para fazer mais alguns exames.

– Licença. – disse uma voz e olhei diretamente para a porta, onde Pietro, o estagiário, estava. Ele tinha uma expressão séria no rosto, as mãos no bolso do jaleco branco. – Eu gostaria de falar com vocês um instante, tudo bem? – Ele disse com a voz terna, aproximando-se um pouco mais. Logo eu e meu pai nos levantamos e caminhamos em sua direção, assim como minha mãe e dona Lucia, ainda com seus rosários, e meu cunhado.

– Aconteceu algo com minha filha? – Dona Lucia perguntou, a voz quebrada, sendo abraçado pelo filho, à medida que mais algumas lágrimas nasciam em seus olhos.

– Não, fico feliz de poder informar que ela está acordando. – ele disse lançando-nos um pequeno sorriso de canto, e por um momento minhas pernas quiseram fraquejar, mas felizmente meu pai me abraçou de lado, como se dissesse que ainda tínhamos esperança, mas algo me dizia que não era só isso que o estagiário tinha a nos dizer. Luan pareceu perceber o mesmo e logo perguntou qual a outra notícia – Bem, o tumor está um pouquinho maior, e isso dificulta e retira a possibilidade de qualquer cirurgia por agora. Leticia está muito debilitada, muito frágil.

– E quais as alternativas? – meu pai perguntou, ainda me abraçando.

– Eu... Eu... – Pietro gaguejou e eu respirei fundo, quase sem forças. – Eu gostaria muito de noticiar algo positivo, mas nós não podemos fazer mais nada por... – suas palavras se perderam no ar, ninguém mais as ouvia.

Surpreendi-me ao conseguir caminhar até o sofá onde estava momentos antes e me jogar sobre ele sentindo algumas lágrimas molharem meu rosto. Matheus veio comigo e abraçou minha cabeça no memento em que um soluço rasgou minha garganta, quase me deixando sem ar.

Por um relance, pude ver Dona Lucia de joelhos no chão e seu filho tentando levanta-la com ajuda de minha mãe, enquanto meu pai e Atenas, que também estava no hospital desde cedo, conversavam com o estagiário.

Após alguns minutos, as lágrimas cessaram novamente e, depois de respirar fundo algumas vezes, levantei-me indo em direção a saída da sala onde estávamos. Ninguém se moveu ou perguntou aonde eu iria, pois já tornara-se um habito visitar minha filha sempre que recebia alguma noticia. Só ela conseguia me dar algum tipo de consolo, de paz, mesmo sendo tão pequena para entender qualquer coisa, e tudo sendo sobre ela.

Não demorou muito para que eu estivesse no berçário, olhando para seu rostinho rosa, as bochechas tão fartas e o narizinho tão pequeno e redondinho... Ela vestia um macacão rosa e luvinhas branca, ambos presentes do Tio Luan. Com cuidado peguei-a no colo, sem acordá-la, e sentei-me em uma cadeira ali do lado. Sorri pequeno tocando seu rosto e pensando como seriam nossas vidas, quando Leticia partisse...

Eu e Leticia nos conhecemos quando ainda éramos criança, crescemos juntos, na verdade. Sua família se mudou para a casa vizinha a minha quando tínhamos cinco anos – temos a mesma idade – e desde então nos aproximamos. Até o dia em que, nas férias, a família de minha Tia Carmem veio nos visitar e minha prima me chamou para brincar com ela e, brincadeira vai, brincadeira vem, nos beijamos, se é que podemos chamar aquilo de beijo; eu tinha 13 anos. Letícia viu tudo e deixou de falar comigo. E eu nem entendia o que tinha acontecido, ela apenas passou a me ignorar.

Alguns meses depois ela voltou a falar comigo, mas não éramos mais os mesmos. Eu queria beijar outras meninas e ela deixava de falar comigo quando eu falava que queria repetir o beijo com minha prima – ela era minha melhor amiga, claro que eu queria dividir meus desejos e segredos com ela.

Eu não beijei outra menina até o dia em que Letícia me roubou um selinho. Nós tínhamos 14 anos, e foi ruim porque ela saiu correndo e eu fui atrás dela até a sua casa. Nós ficamos sem nos falar por semanas de novo, até que um dia consegui falar com ela e Leticia me confessou que gostava de mim, aí começamos a namorar.

Ela foi à primeira em tudo – desconsidero o beijo com minha prima, não teve significado – e eu fui seu primeiro em tudo: primeiro beijo, primeiro ficante, primeiro namorado, primeiro sexo. Ela nunca teve outra pessoa e eu igualmente. Mesmo quando tínhamos nossas brigas e ficávamos semanas sem nos falar. Mesmo da vez que ficamos três meses terminados – tínhamos 16 anos. Nunca consegui ficar com outra pessoa.

Leticia foi meu primeiro e será meu único amor. Pedi-a em casamento aos 17 anos e casamos no ano seguinte. Minha família toda amava Letícia, sabiam que nosso sentimento era genuíno, todos foram a favor, principalmente Dona Lucia e minha mãe, elas organizaram tudo. Foi uma cerimonia linda, em uma capela do nosso bairro. E dois anos depois estávamos tendo nosso primeiro filho...

– Posso entrar? – uma voz falou e eu ergui minha cabeça para ver Pietro na entrada do quarto e consenti com um aceno de cabeça. Lancei-lhe um pequeno sorriso, apenas por educação, e voltei minha atenção ao ser em meus braços. – Você está bem?

– Vou ficar... – respondi sem olhá-lo.

– Eu... Eu sinto muito. Digo, eu queria poder ajudar, fazer alguma coisa por vocês... – ele parecia nervoso, mas sincero. Mais uma vez ergui a cabeça para encara-lo e por um instante vi lágrimas formarem em seus olhos, antes dele nos dar as costas. – Você deveria ir vê-la. – ele disse depois de alguns instantes em silencio e caminhou em minha direção, as lágrimas talvez tenha sido apenas impressão minha. – Ela está completamente desperta agora, mas não consegue falar. A Senhora Lucia e Graça foram visita-la. – Graça era minha mãe.

– Eu irei. Eu só... Só preciso de um pouco mais de coragem. – falei seguro encarando a aliança dourada em meu dedo.

– A filha de vocês é linda. Qual o nome? – por um instante eu consegui sorrir sincero.

– Sophia Laura.

– Combina com ela.

– É... Foi Letícia quem escolheu. Significa conhecimento. – disse simples, olhando rapidamente para o estagiário e voltando a atenção a menina que abria os olhos lentamente.

– Conhecimento, alegria e vencedor. – disse rindo peso nariz. No mesmo instante o olhei curioso, pois foi exatamente por isso que escolhemos chamar nossa filha de Sophia: Letícia significa alegria e Victor, meu nome, é vencedor/vitorioso. Os três são nomes latins. E, bem, tem Atenas, que será madrinha de batizado: na mitologia grega, a deusa da sabedoria.

– É, isso mesmo.

– Eu tenho que ir. Se precisar de alguma coisa, me chamar, por favor. – ele disse sorrindo levemente e nos deixou com um leve aceno.

– Vamos visitar a mamãe? – falei pra minha filha, fazendo força para não chorar.

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Digam-me o que acham, se devo dar continuidade.

Beijos.

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