Capítulo XXXVII

Conto de Drexler como (Seguir)

Parte da série O destino de Bruno

Música tema: O que será - Chico Buarque

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Não fiquei mais tempo em São Paulo. Tudo que eu desejava era ficar longe e esquecer de todas essas pessoas e os problemas que acompanhavam elas. Era incrível como apenas um ato pode acarretar tantos conflitos interno e externo. Milhões de informações fervilhavam em minha mente, tentando computar os últimos acontecimentos. Tentando encontrar uma saída. A pergunta mais frequente em minha cabeça era: Como ajudar Alice?

A semana inteira fiquei trancafiado em meu quarto, em minha cidade natal. Embora Felipe e Beatriz tentassem se comunicar comigo, curiosos para saber sobre minha conversa com a Alice, as únicas pessoas com quem consegui me abrir, foram meus pais. Era fato que minha mãe, como assistente social, não permitiria que Alice e sua filha ficassem desamparadas, me sugerindo que deveríamos a convidar a ficar o resguarde em minha casa, na cidade natal. Por outro lado, meu pai concordava comigo, pontuando que eu deveria conversar novamente com ela sobre revelar a Fernando sua paternidade.

Por estar sobrecarregado emocionalmente, e por meus pais saberem dos problemas que passei recentemente em Portugal, foi obrigado a estender minha estadia na casa de meus pais por mais uma semana. Na verdade, não achei uma má ideia. Por mais que eu sentisse saudade do contato diário com Carlos, nossa rotina mudaria radicalmente. Além disso, eu me sentia seguro em estar naquela cidade. Era tranquila, ventilado e tinha meus pais comigo a todo instante. Patrick também seria uma boa companhia, se não estivesse sempre falando em suas (ex-) namoradas. Era incrível como ele conseguia enganar tantas meninas, as iludindo.

Mas estar naquela cidade também me trouxe tristes lembranças. Eu não teria pensado em Bárbara se, no início da segunda semana, Dona Socorro, avó do meu amigo de infância, não tivesse ido me visitar. De fato, fazia muito tempo que não nos víamos. Nosso último encontro foi quando ela ainda morava na mesma rua que meus pais, quando Bárbara ainda era Pedro, e brincávamos correndo pelas ruas vizinhas.

- Tipo, ela sabe que não é nada sério, não estou enganando ela como você pensa. – Patrick se defendeu. Estávamos sentados na balaustrada da calçada, um de cada lado do portão pequeno, entrada da casa.

- Tenho certeza que ela não está só querendo. Entenda, mulher usa todos os atributos possíveis para conquistar o homem. Ela que te seduzir. Ela quer algo sério. – Disse baixo, olhando rapidamente para atrás tendo certeza que minha mão não ouviria nossa conversar.

- Então ela é quem está se iludindo. A gente já conversou sobre isso, e ela concordou. – Dito isso, ele se levantou da balaustrada, erguendo as mãos em defesa e entortando a boca, em deboche. Quando fiz menção em levantar-se também para entrarmos, ele continuou. – Você tem visita.

Automaticamente virei para a outra direção, dando de cara com dona Socorro. Ela não havia mudado, fisicamente, desde a última vez em que nos vimos. Cabelos negros curto, o rosto com o mesmo aspecto cansado, de quem trabalhou e trabalha muito. Usava um vestido azul florido, na altura da canela, e chinelos de dedo cor de rosa. Contudo, sorrindo.

- Boa tarde Dona Socorro. – Cumprimentei sorrindo tímido.

- Boa tarde. Seu pai está? – Sua voz, embora fanha como me lembrava, estava mais baixa que o habitual. E poderia deduzir facilmente o motivo da visita, ainda que surpreso.

- Não, ele saiu com mamãe. – Ela não respondeu nada, continuou me encarando. – Era só com ele? – Prossegui.

- Era..., mas... – não esperei que continuasse.

- Entre. – Como Patrick havia feito minutos antes, pulei da balaustrada e abri o portãozinho para que a senhora entrasse e a acompanhei até a porta, abrindo-a e dando-lhe passagem. – Então... – pedi que continuasse quando já estávamos dentro de casa, oferecendo um lugar no sofá.

- Não sabia que estava aqui. – Era engraçado pensar que mesmo estando em uma cidade tão pequena e há duas semanas, além do fato de eu ser filho do único advogado e a assistente social da cidade, a notícia de meu retorno de Portugal ainda era uma novidade e espanto.

Dona Socorro não fora a única a se espantar ao se encontrar comigo, outros amigos de infância e outros que estudaram comigo no ensino básico também haviam ficado impressionados quando nos encontramos pela rua. Uns até exigiram que nos encontrássemos para contar como havia sido a experiência, alguns com os quais eu não falava a anos.

- Faz duas semanas que cheguei. Mas já estou perto de voltar a São Paulo. – Informei ao que ela se sentava no local indicado.

- Vai continuar morando lá? – O mesmo costume de querer saber da vida alheia.

- Sim, vou demorar um pouco ainda por lá. – A verdade é que eu não pensava em retornar a viver naquela cidade. Definitivamente não.

- Entendi. – Novamente o silencio preencheu o local, algo extremamente desconfortante. Ergui a sobrancelha sugerindo que falasse algo, mas não funcionou.

- Como a senhora tem estado? – Puxei assunto.

- Acho que me sentirei melhor daqui a um mês. – Remexi na cadeira desconfortavelmente, não entendendo o que ela quis dizer.

- Por que? Desculpa a pergunta. – Me corrigi imediatamente.

- Recebi hoje a carta da justiça marcando a data do processo. – Arregalei os olhos surpreendido. Desde que voltei de Lisboa, ninguém havia comentado nada, apenas Patrick falou algo, mas foi descriminado por minha mãe.

O mais estranho de tudo isso, era que eu não havia recebido nada. Querendo ou não, eu era uma das partes interessadas no julgamento. No tocante ao assassinato, já havia sido arquivado, levando em consideração que se tratava de um pobre, travestir, usuário e traficante de drogas, além de prostituta, não era algo extraordinário. Mas o que seguia era a batalha jurídica pelo dinheiro deixado, a herança, que estava sendo disputado pelo Tio de Bárbara, mesmo estando preso por abuso sexual de menor – a própria Bárbara -, por mim e a família do homem de quem minha amiga de infância havia “roubado” o dinheiro.

Eu, por outro lado, só continuava na “batalha” por não permitir que o Tio estuprador ficasse com o dinheiro, o que claramente a justiça não aceitaria. Eu não me sentiria bem usufruindo de um dinheiro provindo de drogas e outras formas ilícitas, mesmo sabendo do sofrimento que Bárbara havia passado nas mãos do velho. Por isso, já tinha programado que abdicaria da herança, deixando-a para Dona Socorro ou a família do velho.

- Não recebi nada. – Confessei para a senhora a minha frente. Ela, então, tirou o envelope da bolsa preta que trazia e entregou-me:

“Terceiro Tribunal Regional de Justiça / TRJ

Tribunal Estadual de Justiça do Estado de São Paulo / TEJ-SP

Quarta Vara Criminal de São Paulo

A Socorro Maria de Jesus.

Convocamos a senhora citada a comparecer no dia 00 de fevereiro de 20__, no fórum ______________, para a audiência com o Sr. Juiz Claudemir Barreira Neto, a fim de definir o destino da herança deixada pela Srta. Bárbara ______, nascida Pedro Henrique do Nascimento de Jesus. A audiência acontecerá no Fórum de Justiça da cidade de São Paulo, capital, no seguinte endereço: ________________________________________. As 14 horas.

Sua presença é obrigatória, sendo uma das interessadas e testemunha ocular. Ao não comparecer, a senhora precitada será julgada por desrespeito à Legislação Brasileira.

Atenciosamente,

Escrivão Josenir Brito de Oliveira”

De todo o texto, apenas uma coisa me fez sorrir: Srta. Bárbara. Era bom saber que ela estava sendo tratada no feminino e com tanto respeito, mesmo agora, depois de morta.

- A senhora será testemunha? De quê? – Quis saber, ainda mantendo olhar sobre a folha meramente amassada.

- A seu favor. Pedro deixou para você, é seu. - imediatamente encarei de olhos arregalados.

- Eu não quero esse dinheiro, é da senhora. Isso é o justo. – Tentei argumentar.

- Ah... – riu ironicamente. – Para que uma velha dessa com tanto dinheiro?! Vai ser só para ficar para os outros. – E com “os outros” ela quis dizer seu filho, o mesmo que abusou de seu net@. Entretanto, não respondi. – Eu sei que você fará bom uso do dinheiro. – Sorri de lado.

- Não Don... – fui interrompido pela porta da sala sendo aberta por minha mãe acompanhada de meu pai, que trazia algumas sacolas nas mãos.

- Socorro. – Minha mãe cumprimentou sorrindo a senhora, sendo retribuída com o mesmo gesto.

- Aconteceu alguma coisa? – Meu pai perguntou indo até a porta da cozinha, enquanto minha mãe sentava ao lado de Dona Socorro.

- A audiência foi marcada. – Ela respondeu apontando para a carta em minha mão.

- Não chegou nada para mim? – Perguntei despreocupado.

- Não que eu saiba... – minha mãe respondeu e veio até mim, pegando a carta e lendo-a, em pé mesmo. – Mas deve chegar essa semana, então...

- Parece que eles adivinharam que eu cheguei. – Comentei mais para mim mesmo.

- Não galego, eles foram comunicados. E mesmo que eu não tivesse avisado que você estava vindo, a justiça saberia pela Embaixada. Além disso, o documento que me permitia responder por você deixou de valer assim que você voltou. – Apenas concordei om meu pai. – Deixe-me ver a carta. – Seu Flavio posicionou-se ao lado de minha mãe tomando o papel e lendo-o rapidamente em seguida. – Imaginei que não seria aqui...

- Não vejo a hora disso acaba. – Comentou minha mãe indo sentar-se novamente ao lado de Socorro.

Novamente fomos interrompidos, dessa vez por batidas na porta, ao mesmo tempo em que meu telefone tocou: Beatriz. Mas não a atendi. Em vez disso, me disponibilizei em ir abrir a porta. E eu não poderia ficar mais surpreso em me deparar com duas amigas de infância, uma das quais havia encontrado na praça no fim de semana em que sai com Patrick.

- Celinha, Laura...?! – Posso culpar a mim mesmo por fazer o sorriso das moças sumirem, pois, a cara que fiz de espanto não era uma das melhores. Não por não querer sua visita, mas por estar completamente surpreso, como estava sendo tudo naquele dia.

- Chegamos em uma hora errada? – Laura se adiantou, mas logo sorri, sincero, negando rapidamente com a cabeça.

- Não, não. Mas acho que é melhor não entrarmos... – disse olhando para todos que nos olhava.

- Tudo bem... Desculpa atrapalhar... – Laura continuou se desculpado, acenando para todas na sala ao mesmo tempo em que caminhávamos para uma pracinha próxima de minha casa.

Laura e Celia, ou Celinha como chamávamos, haviam crescido comigo e Pedro, éramos um quarteto. Laura também morava com a avó, na rua de trás, onde ainda mora, e lá era nosso ponto de encontro, e foi lá também onde dei meu primeiro beijo com Pedro, e com a própria Laura também, com quem tive “um namoro de criança”. Mas assim como aconteceu com meu amigo, acabamos por nos afastar por situações diversas.

- Desculpa a carranca, fiquei surpreso. – Disse rindo e sentando-me no banco de cimento, sendo acompanhado pelas duas, que sentaram de frente pra mim.

- Culpa de Laura, ela que quis fazer surpresa. – Ri da acusação.

- Obrigado. – Ironizou. Silencio.

- Então... – Tentei fazer elas falarem.

- Eu soube que você tinha chegado de Portugal, aí bateu saudade... – Celia devaneou com as mãos entre os joelhos e sorrindo tímida.

Celinha sempre foi a mais tímida entre nós. Ela era a mais comportada, calada e recatada, imagino que nos acompanhava apenas por não haver mais crianças de nossa idade. Ficava sempre no cantinho, com medo de Laura, que era agitada e cheia de brinquedos, o que nos fazia submissos a suas vontades. Mas isso mudava quando Pedro ameaçava contar as suas ruindades para a Avó dela, já que ele era o único capaz de enfrenta-la.

- Era tão bom quando brincávamos lá em casa. – Laura completou.

- Pois é, aconteceu tanta coisa... – parecia que aquele dia seria para recordar do passado, e eu não sabia se seria algo positivo ou não.

- É... Mas nos conte como foi a viagem. – Pediu Laura.

- Resumidamente: foi maravilhoso. – Disse tentando rir.

- Meu sonho é na Europa. É perfeito, não é? – Celinha perguntou com os olhos brilhando.

- Quase... Aquele frio, as construções... É uma coisa completamente diferente daqui.

- Não gosto de frio. –Celinha falou fazendo uma careta.

- Pegou muitas portuguesas? – Não me espantava Laura perguntar esse tipo de coisa, ela sempre foi a mais assanhada, tanto que foi com ela que perdi minha virgindade, aos 15 anos, e ela nem mais virgem era (levando em consideração que temos a mesma idade).

- Uou. – Exclamei sugestivo. Preferi não falar nada, afinal não éramos íntimos para contar detalhes de minha vida amorosa.

- Safado. – Riu-se, enquanto eu ergui uma sobrancelha para Celinha que sorriu de lado.

- Mas enfim.

Não falei mais nada, apenas as encarei. Já estava ficando um silencio constrangedor, por isso me detive analisando suas aparências. Celinha continua com seu corpo pouco sobressalente, as sarnas nas bochechas e ombro, agora usando óculos com armação de ferro e pequenos, mais discretos que o meu. Os cabelos castanhos e ondulados também estavam maiores, abaixo dos ombros, agora amarrados em uma rabo-de-cavalo.

Laura, por outro lado, que tinha os cabelos loiros, usava-os agora pintados de vermelho vivo, na altura da cintura. Suas roupas deixavam transparecer o que tanto Patrick gostava nela, já que mais cedo ele estava me contando que estavam saindo sem compromisso. Usava um short jeans curtinho, uma blusa regata bastante decotado, o que deixava seus seios bastante a amostra.

- Que foi? – Laura tirou-me do devaneio.

- Nada. – Suspirei rápido, levantando o olhar e sorrindo de lado. – Estava lembrando de umas coisas.... Lembram quando a gente vinha brincar aqui? – Disse me referindo a praça.

- Lembro... – Celia sorriu para mim, ao mesmo tempo em que cruzava os pés sobre o banco. – A Laura ficava me fazendo medo e me forçando a entrar nos becos de noite.

- Quando brincávamos de esconde-esconde. – A ‘ruiva’ continuou e gargalhou, enquanto eu sorri negando com a cabeça. – Você era mito medrosa.

- Não, você que era mandona. – Disse séria. – Por isso que eu gostava do Pedro... – continuamos sorrindo, mas aos poucos o ar ficou tenso.

- E vocês, o que estão fazendo da vida? – Tentei mudar o clima.

- Eu estava trabalhando de recepcionista no hospital, mas saí porque passei no curso de Enfermagem. – Celinha respondeu rápido e sorrindo brando, talvez por ser a filha mais nova, entre quatro filho, e a única a não ter entrado na faculdade ainda.

- E eu nada. – A outra deu de ombro. Sorrimos sem graça para ela.

Continuamos conversando por quase uma hora, falando de nossas vidas e das brincadeiras que fazíamos quando criança. Hora ou outra o silencio ou a tristeza se instalava, principalmente quando citávamos Bárbara, isso ainda mexia com nós todos, principalmente com Laura, que era a que mantinha mais contato com nosso amigo de infância. Celinha acabou me confessando que iria estudar em São Paulo, na mesma universidade que eu, o que talvez nos reaproximasse. Por fim, Laura recebeu uma ligação, que deduzi ser de Patrick, e teve que ir embora.

- Isso é tão triste, não é? – Celinha comentou ainda olhando o caminho que Laura fazia, distanciando-se de nós.

- O que? – Perguntei confuso.

- A forma como tudo aconteceu. – Disse voltando a me olhar.

- Ainda não entendi. – Ri comigo mesmo.

- Ah, éramos tão próximos.... Nós quatro. Agora olha para nós. – Tentei raciocinar um pouco mais sobre onde ela queria chegar. – Por exemplo, eu e você, nos “demos bem” – fez aspa com as mãos, e a ficha caiu.

- É uma pena eles não terem continuado os estudos.

- Exatamente. Eu estava conversando com mãe estes dias, não que eu queira isso, longe de mim. Mas não é difícil que Laura tenha um caminho igual ao de Bárbara.

- Ela está...? – Quis saber.

- Não sei. Não sei se ela ainda está namorando ele, mas o rapaz que ela namorava, não é flor que se cheira. Figurinha carimbada. – Ergui as sobrancelhas impressionado.

- Você ainda tinha contato com a Bárbara? – Me interessei.

- Não, quando me mudei daqui da rua, perdi o contato com vocês todos.

- Achei que você e Laura eram amigas ainda.

- Não é como se fossemos intrigadas. A gente se fala quando se vê na rua, mas só isso. – Deu de ombros.

- Entendi. – Disso sorrindo.

- Uso uma foto nossa em meu mural, é bom ter boas recordações. Digo, uma foto de nós quatro quando criança. – Sorriu corando, e ri de seu desespero.

- Concordo. Mas infelizmente não tenho foto nossa. Você poderia me emprestar depois.

- Tenho um monte de fotos. Mamãe sempre gostou de registrar tudo. – Rimos.

- Bruno. – Patrick materializou-se ao nosso lado, dando um susto na garota, a quem ele estreitou os olhos em desconfiança. – A tia está te chamando.

- O que ela quer? – Perguntei suspirando cansado.

- Não sei, mas deve ser por que seu telefone não para de tocar.

- Vocês não atenderam, atenderam? – Perguntei querendo acusa-lo.

- Não, sequer olhei quem era.

- Ok, vou daqui a pouco. Avisa a ela, por favor. – Pedi voltando a olhar para Celinha, que me encarou sorrindo tímida.

- Avisaria, mas estou de passagem.

- Entendi. – Sorri sugestivo, supondo que ele sabia que Laura está comigo minutos antes.

- Até mais. – Revirou os olhos e gesticulando que estava de olho em mim e Celia, me fazendo revirar os olhos.

- Que foi isso? – A menina riu debochada, o que me surpreendeu.

- Não vale a pena comentar. – Disse já me levantando. – Eu vou indo. Lembre-se, quando for para São Paulo, me avise, vou ser seu guia.

- Certo. Tchau. – Disse acenando e seguindo um caminho oposto ao meu.

Ainda rindo das coisas de Patrick e Celinha, fui caminhando despreocupadamente até em casa. Ao mesmo tempo, me sentia triste com a percepção que Celinha me revelou: nós fomos os únicos a continuar estudando e que provavelmente teriam um futuro profissional promissor. Minha mãe parecia seria, o que logo me deixou nervoso e preocupado com o que poderia ter acontecido.

- O que aconteceu? – Disse assim que passei pela porta.

- Assim que você saiu, chegou Bruno. – Minha mãe me entregou um envelope branco com o símbolo do Supremo Tribunal de Justiça endereçado a mim.

A carta não dizia nada muito diferente da que Dona Socorro havia recebido. Dizia de minha intimação como parte interessada e testemunha, informava a data, o local, horário, e me alertava sobre as consequências do meu não comparecimento. Além disso, informava o nome das demais partes interessadas, e o nome do advogado de cada um, sendo meu pai como o meu e o da Avó da vítima.

Já ia subindo as escadas, após agradecer e repreender minha mãe por tamanha preocupação, sendo necessário meu pai me mandar calar a boca, quando meu telefone começou a tocar, me fazendo voltar do início das escadas até o centro da sala, onde meu celular estava jogado sobre o sofá. Mais uma vez tratava-se de Beatriz, que me ligava diariamente. Contudo, no instante em que peguei o aparelho, o mesmo parou de tocar. Mais uma vez no mesmo dia, me surpreendi. Desta vez, pela quantidade de chamadas perdidas: Felipe, Guilherme, Carlos, André (já que acabei salvando contra a minha vontade, pois muitas vezes Beatriz ligado do seu número), e alguns desconhecidos. Por Beatriz ter sido a última a ter ligado e ser a pessoa com mais registro de chamadas perdidas, decidi retornar primeiro para ela, que atendeu no primeiro toque.

- Oi insuportável. – Disse revirando os olhos e voltando a caminhar em direção a escada.

- Para que você tem telefone, animal? – Parei um instante para pensar se eu havia feito alguma coisa errada, esquecido alguma data comemorativa, ou se ela estava em seu período fértil. Mas nada fazia sentido, ou não consegui pensar em nenhuma justificativa para estar sendo gritado.

- Que foi que eu fiz mesmo?

- Seu idiota! – Ouvi muxoxos ao seu lado, pedindo que se acalmasse e logo ela suspirou pesadamente, enquanto eu voltava a subir as escadas. – Você está bem?

- Estou sim, por que? – Perguntei confuso.

- Seus pais estão em casa? – Sua voz já estava mais calma.

- Estão sim. Não me diga que vocês receberam uma mensagem de há um assassino atrás de mim. – Disse rindo debochado.

- Não Bruno... – Eu poderia jurar que ela estava com vontade de abraçar o meu pescoço e me enforcar, ser o próprio assassino.

- Por que você está assim, toda nervosa? – Perguntei abrando a porta do meu quarto e fechando-a em seguida.

- Oi Bruno – a voz de Felipe surgiu no microfone no instante em que puxei uma cadeira para sentar.

- O que a Bia tem? – Indaguei rodando de um lado para o outro na cadeira.

- Eu não sou uma pessoa boa de recado, e a Bia também não. Mas enfim.

- Diz logo o que aconteceu. – Parei para prestar atenção, já começava a me sentir tenso.

- A Alice ganhou neném hoje. – Joguei a cabeça para trás, cansado dessa história e ao mesmo tempo preocupado de como aconteceria tudo.

- E os pais dela? – Tentei ter esperança.

- André avisou a família, mas eles sequer foram visita-la.

- E os pais dele?

- Eles estão tentando... Não é só isso Bruno... – abri os olhos tentando decifrar a calma que havia na voz de meu amigo. – Alice passou mal...

- Ela está bem? O que ela teve? E a criança? – Perguntei agitado e ajeitando minha postura sobre a cadeira.

- A menina está bem, Alice teve uma hemorragia e acabou perdendo muito sangue, mas... – interrompi novamente.

- Ela está bem?

- A mãe de André doou sangue, mas ela ainda está na UTI. – Não consegui segurar as lágrimas, embora não deixasse meu amigo perceber pela voz.

- Amanhã cedo eu chego aí.

Sequer dei tempo para Felipe responder, desliguei o telefone na sua cara, não conseguindo segurar a onda de choro rasgando a minha garganta. Meu peito doía, como se eu estivesse sendo rasgado ao meio. Eu, definitivamente, não sabia lidar com tanta pressão sobre mim.

- Mãe! – Gritei em plenos pulmões, desesperado por conforto.

Comentários

Há 2 comentários.

Por H.Thaumaturgo em 2015-10-08 10:50:31
Ai meu core, coitada da Alice, não queria que ela passasse por isso sendo que ela ainda nem tem onde ficar e ninguém para confiar a não ser em Bruno :/
Por Niss em 2015-10-07 00:17:12
Nossa!!!! Coitada da Alice. Espero que ela melhore e que o Fernando assuma logo o filho. Espero pelo próximo. Kisses Niss.