Capítulo XXX

Conto de Drexler como (Seguir)

Parte da série O destino de Bruno

Música tema: Saga (Filipe Catto)

Obs.: Eu, pessoalmente, amei este capitulo. (SPOILER!) Mas talvez algumas pessoas não vão gostar, pois adianto que é um resumo de tudo que aconteceu até agora. Quiçá torne-se uma leitura cansativa, um capítulo descartável para alguns. Tudo isso para que vocês entendam a importância que um personagem (que é meu preferido) terá no desfecho da obra, que já se aproxima. Boa leitura amados!

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Fiz o caminho de volta para casa com as palavras de Evandro gritando em minha mente. Ele era mais uma que me estimulava a tentar mais uma conversa com Carlos. Eu sabia que ele, e todos os outros, estavam certos. Eu tinha que esclarecer o incidente, mas cabia a meu professor querer me escutar, o que era realmente difícil, pois ele sempre foi um pouco inconsequente, quando se dizia respeito a nosso relacionamento.

Quando finalmente cheguei à frente da casa, vi o carro de Carlos estacionado à frente. Abri lentamente o pequeno o pequeno portão de ferro, caminhando sem pressa pelo jardim até chegar a um canteiro e admirar por alguns instantes antes de finalmente abrir a porta e dar de cara com Claudia e ele sentados no sofá. Imediatamente ambos levantaram-se para me encarar. Senti o meu coração querer sair pela boca. Era expressa a preocupação na feição deles.

- Bruno onde você esteve? – Claudia perguntou correndo até mim com a voz cheia de preocupação.

- Desculpa. – pedi abraçando-a. – Eu bebi um pouco mais do que devia e acabei dormindo na casa de um amigo. – tentei justificar sem ter coragem de encarar o homem.

- Como...?

- Beber mais do que devia? – Carlos a interrompeu falando ríspido comigo e se aproximando. – Você nunca foi de beber. O que pensa que está fazendo?

- Me distraindo. – falei mais pra mim do que para eles.

- Chama ficar bêbado de distração? – ele tentava controlar a voz para não gritar, mas era quase em vão. Sua fala transmitia angustia e tristeza, como o que eu sentia naquele instante. – Você sempre foi comportado, agora, de uma hora para outra, vivi de festa, bebendo, seu rendimento acadêmico caiu, está menos comunicativo, grita com todos que tentam te ajudar e se aproximar... O que está acontecendo? – sua pergunta saiu baixa e suplicante.

Eu queria responder que era pela falta que ele me fazia, que eu tentava afogar minhas frustrações nas baladas, justificar que a bebida me ajudava esquecer-se do maldito que abusou de Bárbara, que morreu me amando. Queria poder me explicar que nosso termino foi fruto de um mal entendido, que eu o amava e minhas saídas me faziam me esquecer de tudo.

Mas tudo que consegui fazer foi encara-lo e deixar que uma lágrima silenciosa e cheia de frustrações escorresse pelo meu rosto. Desvencilhei-me dos braços de Claudia que ainda me arrodeavam e corri para o andar de cima. Pude ouvir Claudia me chamando algumas vezes antes de me trancar no quarto e me jogar sobre a cama e afundar minha cabeça entre os travesseiros e gritar em plenos pulmões, abafando no mesmo.

Tudo que eu conseguia fazer era respirar pesadamente e sentir a dor apertar meu peito, ao menos chorar eu conseguia. Também não conseguia concluir o verdadeiro motivo de tanta aflição. Tinha duvida se era por não ter conseguido falar o que sentia, ou por Carlos estar triste comigo, por ele ter quase gritado, por ter feito, ou quase feito, na noite passada, ou por Bárbara... Eu simplesmente sentia meu peito arder e gritar comigo por todas as minhas atitudes contraditórias e imprudentes.

Ouvi a porta sendo aberta e fechada, logo em seguida, mas não me ocupei em descobrir que era. A pessoa unicamente entrou e sentou-se a cama afagando minhas costas. Ela nada falou, mas percebi que eram mãos masculinas que me tocavam, eram grandes e pesadas. Só pude concluir que era Carlos, por isso afundei mais ainda minha cabeça nos travesseiros tendo forças para encara-lo. Eu queria olhá-lo, abraça-lo, beijá-lo, senti-lo próximo a mim, mas eu não tinha domínio sobre meu corpo. Ele estava pesado, me afundando cada vez mais sobre a cama.

Lentamente o Carlos foi deitando ao meu lado, mas não tão próximo. Eu podia sentir sua respiração em minha nuca, enquanto alisava minhas costas me acalmando. Eu queria, lutava contra meu próprio, para acabar com o espaço que havia entre nós, mas não consegui.

- Bruno... – ouvi a voz grave e preocupada, mas não era a de quem eu esperava. A força que me prendia finalmente se esvaiu e eu pude encarar Gabriel quase abraçado a mim. Imediatamente levantei da cama e me abracei escorado a escrivaninha e olhando para atormentado para a porta e para ele.

- O que pensa que está fazendo? – perguntei nervoso. Meu maior medo era meu professor entrar pela porta e ver, concretizando que eu tinha algo com o rapaz.

- Calma. Só quero te ajudar... – disse sentando-se a cama.

- Ajudar? Não acha que já causou problema demais? – e queria gritar, chorar, correr, mas nada eu conseguia fazer. Meu corpo me traía. Gabriel franziu o cenho em confusão e me encarou por alguns instantes antes de continuar.

- Que problema te causei? – por um instante, esqueci que ele não sabia que era o motivo de meu termino com Carlos. Desviei eu olhar e caminhei a passos lentos em direção ao banheiro. – Que problema eu te causei? – o rapaz se materializou em minha frente repetindo a pergunta.

- Eu... Eu... – Gaguejei. Respirei fundo e o encarei. – Carlos viu nosso beijo. – minha voz saiu embargada e finalmente mais lágrimas silenciosas saíram de meus olhos.

- Então você causou o problema, porque foi você quem pediu o beijo. – Gabriel me deu as costas e foi caminhando em direção à cama novamente.

- Para te ajudar. – falei incrédulo.

- Me ajudar? Querer que eu seja gay igual a você e aquele outro é querer me ajudar? – a ironia era perfeitamente reconhecível em sua fala. Por fim o rapaz deu uma risada exageradamente alta.

- Por favor, não faça com que meu sacrifício tenha sido em vão. Dê uma chance para o Rafael. – lembrei-me do nome de seu amigo DJ. Inconscientemente deixamos o meu problema de lado para tratarmos de uma ainda maior: a sexualidade de Gabriel.

- Não vou dar chance a nenhum homem. Já te falei que sou hétero.

- Você só esta com medo e confuso. – falei manso e me aproximando.

- O confuso aqui é você. Você é quem deveria dar uma chance para aquela loira da boate, que eu sei que você tem a visto. – um arrepio percorreu todo meu cormo, no mesmo instante que eu me lembrava da noite passada. Deixei meu corpo cair sentando sobre a cama, no lado oposto a de Gabriel.

- A única pessoa que eu amo é o Carlos. – disse com convicção.

- Você é patético. – Gabriel se levantou e foi caminhando em direção a porta.

- O patético aqui é você, que se recusa a reconhecer que ama aquele garoto. – Levantei e ele parou segurando a maçaneta e falou sem me encarar.

- É, eu o amava. Mas acontece que ele foi um dos que me surraram até a beira da morte.

Sem conseguir dizer uma palavra sequer, assisti Gabriel abrir a porta e me deixar sozinho no cômodo novamente com meus fantasmas. Só assim percebi que os meus problemas não são nada comparados ao do rapaz. O fato de ele ter sofrido preconceito e ter sido espancado não eram os únicos motivos de sua irritabilidade com a questão homossexual. Ele amava o seu agressor, ele estava confuso, ele odiava o fato de amá-lo.

Eu só não conseguia entender o porquê de eles ainda serem amigos. Naquela noite, na boate, Gabriel havia me apresentado ao Rafael, se abraçaram na minha frente. Eu queria saber o motivo, entende-lo, mas tinha medo.

Minha cabeça só piorou com o passar do tempo. Depois que Gabriel deixou meu quarto, observei, estático, a porta a minha frente antes de tirar meus vans e cair sobre a cama exausto. Não consegui pregar os olhos pensando em tudo: a aflição de Carlos, o medo de Gabriel, a preocupação de Claudia, o caso Bárbara. Até mesmo a gravidez de Alice, que diziam ser eu o pai, veio a minha mente. A minha vida, a cada dia que se passava se tornava cada vez mais problemática.

Acabei adormecendo de tanto pensar. Depois de do que pareceram minutos, acordei com as mesmas aflições. Já estava anoitecendo, mas eu sentia a necessidade de conversar com alguém. A pessoa mais certa para isso era Claudia, mas eu não queria importuna-la. Pensei em ligar para meu primo, Felipe, Beatriz, meus pais, Cristal... Mas nenhum parecia adequado. Eu precisava de alguém que me entendesse, alguém que conseguisse ver tudo de outro ângulo, que eu pudesse confiar. Alguém que soubesse me aconselhar sobre tudo que eu sentia. E eu tinha essa pessoa: Carlos. Mas eu não poderia, não queria, chama-lo.

Levantei-me da cama e fui em direção ao banheiro tentando pensar em alguém que pudesse ter essa função em minha vida. Inconscientemente, passei a mão em meu bolso e senti ao nele. Busquei o objeto e era um cartão. Como não havia nome, não lembrei de imediato a quem pertencia: Evandro. Ele era uma boa opção. Suas palavras, dignas de um poeta, ainda ecoavam em minha cabeça. Pensei por alguns instantes encarando aquele papel negro fume e letras vermelhar brilhosas em minhas mãos antes de finalmente criar coragem e ligar. Por fim, sentia-me frustrado por ele não ter atendido e resolvi não mais perturbar. Quando já estava na cama novamente, meu telefone começou a tocar com um numero desconhecido, o mesmo para quem eu tinha ligado.

- Alô? – falei receoso ao atender a chamada.

“Olá. Com quem falo?” – ouvi a voz masculina um pouco diferente do que eu lembrava, mas eu sabia que era ele. Pigarrei algumas vezes antes de falar.

- É... Hum... É Bruno. Talvez não lembre... – fui falando tudo depressa.

“Hey, Bruno” – ele me cortou. Sua voz estava bem alegre, mostrando que me reconheceu. – “Não achei que fosse me ligar tão cedo”. – ouvi uma risadinha.

- Na verdade, nem eu... – ficamos em silencia ouvindo a respiração e a risadinha do outro lado da linha por alguns instantes. – É... Você está ocupado? Digo, não atrapalho. – mordi o canto da boca em nervosismo.

“Não. Estava apenas assistindo qualquer coisa”.

- Será que... hum... Será que poderíamos nos encontrar? – perguntei incerto. Não queria conversar tudo por telefone.

“Claro. Aconteceu alguma coisa? Estou achando sua voz um pouco diferente”.

- Não. Quer dizer, sim. É... Poderíamos nos ver agora?

“Claro querido. Só não poderei ficar por muito tempo, pois tenho uma apresentação hoje”.

- Ah, ok. Então... É deixa para outro dia. – falei desanimado.

“Não querido, podemos nos encontrar agora. Minha apresentação estar agendada para as 03 da manhã, então só tenho que chegar lá antes da meia-noite”.

- Ow! – exclamei surpreso.

“Acha que precisa mais de... mais cinco horas para me explicar o que se passa?”

- Não. Certamente que não. Eu... Bem, só não quero te atrapalhar.

“Encontre-me em uma hora na Livro-cafeteria, sabe onde fica?”

- Sim. Passei por quando sai de sua casa.

“Ótimo”.

Sem muito demora, nos despedimos e eu rapidamente tomei um banho. Pensei seriamente em levar a roupa que ele havia me emprestado, mas não o fiz por estar suja. Vesti uma calça jeans e uma camisa branca de mangas com a imagem da Torre Eiffel estampada, que comprei em Paris. Coloquei um beanie vermelho só por charme e meus óculos de grau, que há tempos não o usava. Depois de vestido, desci pelas escadas e fui atrás de minha segunda mãe, a encontrando na cozinha tomando chá.

- Claudia... – chamei cauteloso.

- Oi criança. – ela virou-se para mim depositando a xicara a mesa. – Sente-se, temos que conversar. – não consegui decifrar o tom de sua voz. Parecia estar indiferente, com raiva, preocupada e outro misto de emoções.

- Desculpa. – não me sentei, apenas posicionei-me a sua frente. – Simplesmente... Eu... Claudia me desculpa por tudo. – eu não sabia bem o que dizer. – Eu sei que errei quando não avisei que dormiria fora ou não atendi as ligações. Sei que a deixei preocupada, mas não fiz de proposito. Acredite.

- Eu sei que não. – ela bebericou sua bebida sempre me olhando nos olhos.

- Eu queria me esquecer de tudo que esta acontecendo comigo. Por isso acabei bebendo demais e... Eu sou um idiota. – sentei-me por fim a mesa ao seu lado.

- Não se martirize. Apenas não repita, ok?

- Tudo bem. – falei me levantando.

- Não teremos sessão essa semana por causa do evento que vai participar, então conversaremos sábado. – apenas concordei com a cabeça. – Vai sair de novo? – ela me analisava dos pés a cabeça.

- Sim... Vou encontrar um amigo, tudo bem? Prometo que volto antes das nove.

- Certo. Mas antes de ir... – ela levantou-se e se dirigiu até uma sopeira de louça que havia dentro do armário. Ela elevou a tampa e tirou algo muito pequeno e em seguida caminhou até mim, que estava na soleira da porta. – Fatima achou isso em seu quarto enquanto o limpava. – uma preocupação me atingiu, mas se suavizou quando Claudia entregou-me um anel prateado em minhas mãos. A aliança que eu havia jogado em um ataque de raiva.

- Eu... – minha garganta travou ao que eu encarava o objeto em minhas mãos.

- Não diga nada, tão-somente não o perca.

Apertei o objeto entre meus dedos e sai de casa pensativo. Encontrei um taxi na esquina da rua onde Claudia morava. Fui o caminho todo analisando o anel, observando o seu brilho e sorri lembrando aquele dia memorável que comprei e pedi Carlos em namoro em meio a um turbilhão de gente, em um restaurante. Só me dei conta que havia chegado ao local de quando o taxista me tirou de meus devaneios avisando. Sem pensar, coloquei o objeto em meu dedo anelar e sai para entrar no Livro-cafeteria.

A fachada do local era uma vitrine de vidro com dezenas de livros expostos, desde livros clássicos à literatura moderna. Por dentro a variedade era ainda maior. A parte inferior do balcão era uma estante repleta de livros. Entre os muitos, observei romances, crônicas, poemas, novelas e outros gêneros. Clássicos e best-seller havia aos montes. Tudo bem organizado. Ainda havia alguns livros amontoados sobre o balcão, mesas e alguns poucos quadros com bustos de autores classicistas.

Na outra extremidade do local, uma fileira de meses com sofás acolchoados de tonalidades vermelhas e verdes. Em uma delas, ao fundo, identifiquei Evandro com um livro entre as mãos e parecendo muito concentrado em sua leitura enquanto bebericava sua bebida. Ele mantinha as pernas cruzas, em uma pose elegante e postura ereta. Usava óculos de leitura e corria os olhos pelas linhas com agilidade e expressividade no rosto.

- Oi. – falei tímido e sentando-me a sua frente.

- “Amor é fogo que arde sem se ver,

é ferida que dói, e não se sente;

é um contentamento descontente,

é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;

é um andar solitário entre a gente;

é nunca contentar-se de contente;

é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;

é servir a quem vence, o vencedor;

é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor

nos corações humanos amizade,

se tão contrário a si é o mesmo Amor?” - sua voz grave era belíssima ao recitar. Havia sentimento em sua fala, era honroso. – Lindo, não acha? – Evandro bebericou sua xicara de porcelana branca, mas continuou focado em sua leitura.

- Sim. É um clássico.

- Não, é clichê. O amor é clichê. – disse por fim baixando o livro e me encarando com um sorriso de canto. Apenas concordei com a cabeça.

- Aceita um café ou chá senhor? – uma garçonete apareceu ao meu lado, segurando um bloco de notas.

- Por favor. – sorri tentando ser simpático. Sem demora entregou-me um cardápio e fiz o meu pedido.

- Deseja algum aperitivo ou alguma leitura? Temos uma variedade finita de autores memoráveis. E se desejar, posso fazer-te alguma recomendações. – A mulher, morena e com o cabelo em um rabo-de-cavalo e usando um avental, perguntou sorrindo e mostrando suas covinhas.

- Não precisa, obrigado. – educadamente, a garota colocou o bloco com o pedido no bolso do avental e, pedindo licença, dirigiu-se ao balcão.

- Então... – Evandro me fez voltar minha atenção pera ele. – O que o jovem cavalheiro gostaria de conversar comigo? - indagou com o ar risonho e descontraído.

- Eu... Na verdade eu não sei ao certo. – eu mantinha meus braços apoiados na mesa e encarava minha mão que brincava com uma miniatura de violino.

- Bom, nós podemos ficar aqui e discutir poesia... A leitura é sempre um novo aprendizado. E é nossa obrigação tirar proveito dela. – disse voltando sua atenção ao livro e folheando-o.

- Talvez minha vida seja um romance... Ou melhor, uma tragédia shakespeariana. – foquei minha visão ao anel em meu dedo e estiquei a mão observando-o.

- Se há algo que gosto tanto quanto poesia, é romance. E o drama “Romeu&Julieta” está entre os meus preferidos. – Evandro fechou seu livro e me encarou, ao mesmo tempo em que a garçonete voltou trazendo meu pedido e depositou a minha frente ao que recolhi os braços para abaixo da mesa. Agradeci o pedido e novamente ficamos a sós.

- Às vezes eu acho que sou a pessoa mais sortuda do mundo. – iniciei de cabeça baixa e brincando com meus dedos. – Tenho os melhores pais, amigos sem iguais e... Ele. E mesmo eu estragando tudo com frequência, eles continuam ao meu lado, me apoiando, me incentivando a continuar quando tento desistir, me ajudando a levantar quando fracasso. Estou sempre encontrado as pessoas certas que fazem meus momentos serem ainda melhores. – Falei lembrando especialmente de Claudia e Gabriel.

- Mas ainda sim você não se sente completo... – ele objetou calmamente.

- Não... – assegurei com a cabeça. - Sabe, eu sou filho único e, principalmente por esse motivo, eu sempre fui muito paparicado. – ainda sem olha-lo, elevei minhas duas mãos a xicara e beberiquei minha bebida, voltando à mesma posição. – Na verdade, eu fui criado com um primo que tenho como um irmão. Sempre fomos muito amigos e somos até hoje. Minha família sempre me apoiou em tudo, até quando, recentemente, assumi minha sexualidade, eles ficaram do meu lado. Não foi fácil para meu pai, mas ainda sim ele ficou do meu lado. – mais uma vez sorri. – Quando criança, tinha um menino com quem eu brincava sempre. Todos os dias, na verdade. Quando minha mãe descobriu que nós nos tocávamos, coisa que toda, ou quase toda, criança faz, ela me proibiu de vê-lo, mas não durou muito. Porém com o tempo acabou que nos afastamos de verdade. Ainda adolescente ele se transvestiu e recentemente eu recebi a noticia de que ele havia falecido, na verdade foi assassinado, me deixando uma carta dizendo que nunca me esqueceu e que fui seu primeiro e único amor de sua vida... – uma lágrima desceu em meu rosto. – Eu queria tanto ter podido corresponder seu amor e viver uma vida com ele... Acho que se isso tivesse acontecido, ele ainda estaria vivo.

- Aconteceu, porque tinha que acontecer. Era o destino dele. Ele morreu porque cumprido seu objetivo, viveu seus momentos e, acredite, ele terá outras oportunidades.

- Quando eu fui para São Paulo, encontrei os melhores amigos. – mudei relativamente de assunto. – Tenho tanta saudade deles... Eles também nunca contrariaram minha sexualidade, mesmo sendo héteros. Quando decidi vir para Lisboa com Carlos, eles organizaram uma despedida para mim, fizeram discurso e tudo mais. São verdadeiros, sabe? – vi de esguelha Evandro tomar um pouco mais de seu café. Acompanhei seu gesto e deixei minhas mãos sobre a mesa dessa vez segurando a xicara entre as mãos. – Já aqui, descobri que meu melhor amigo era apaixonado por minha melhor amiga. E eu fiz a pior coisa que alguém que se diz amigo poderia fazer: contei tudo para ela na frente dele. Ela, por sua vez, deu um não sem pensar duas vezes afirmando veementemente não corresponder a o seu sentimento e que eles eram apenas amigos. – Meu ouvinte não disse nada, por isso passei para próximo tópico. – Ainda em São Paulo, pouco tempo antes de eu vir para cá, eu comecei a sair com uma garota. Eu gostava realmente dela: ela era doce, divertida, alegre e realmente linda. Mas aí apareceu um garoto que também me cativou, mas aí ele fez a burrada de... Digamos de seduzir da forma errada. – o encarei rapidamente. Ele estava serio e me analisava initerruptamente. Seus óculos agora estavam sobre o livro de poesias de Camões. – Depois um tempo ele veio me pedir desculpa. Ele me procurava quase todos os dias e eu sempre fugindo dele, até que resolvi o encarar e me vingar. Algo totalmente estupido. Comecei a sair com ele só por sair, ao mesmo tempo em que saia com a garota. Depois de algumas semanas, com a implicância de meus amigos sobre o quão errado eu estava, minha consciência começou a pesar e resolvi abrir o jogo com ele. Mas antes que o fizesse, a menina descobriu tudo e terminou comigo, pois jamais namoraria um bissexual. O garoto estava apaixonado por mim. Ele me confessou que no dia que me fez raiva esta usando droga pela primeira vez. Hoje ele usa por minha causa, para me esquecer. Para esquecer o que eu com ele: iludi. – eu não estava preocupado nas lágrimas dolorosas que desciam pelo meu rosto.

- Às vezes fazemos coisas inconsequentes. Não temos consciência ou maturidade suficiente para perceber as estupides que cometemos. Mas estes erros existem, e são necessários, para que nos tornemos quem somos. Os erros são os pilares de nossos acertos e crescimento.

- Logo que cheguei a Portugal, criei um laço afetivo com minha vizinha que nunca achei que seria possível. A primeira vez que a vi foi quando cheguei prédio que eu moraria, subindo com minhas malas pelo elevador de carga. Foi algo imediato. Subimos conversando quando cheguei ao meu andar, achei que ela estava me seguindo continuar nosso papo, mas aí ela entrou no apartamento de frente ao meu. Apresentei-a ao meu professor e aos amigos dele e sempre que dava saímos todos juntos. Ela era sempre um pé no saco, sabe? Sempre me enchendo junto com minha diarista sobre eu e meu professor, dizendo que deveríamos namorar, que já parecíamos um casal e essas coisas. Até que aconteceu. Comecei a conhecer meu professor de uma forma mais intima, mas não contei nada para ela. Pouco tempo depois que ela descobriu, porque nos flagrou juntos, - Evandro deu uma risadinha enquanto bebericava seu café. Eu já não me importava com o meu. – descobri que ela estava saindo com um amigo de meu professor que é casado. Não aceitei isso de nenhuma maneira e deixei de falar com ela. Foi aí que tudo começou, imagino eu. Foi no período que recebi a noticia da morte de meu amigo de infância, destruí as esperanças de meu melhor amigo e descobri que o garoto que parti o coração estava se afundando nas drogas... Meu mundo caiu. Eu não suportei ver toda dor que eu causei e tentei suicídio.

- A morte nunca é a saída. – replicou tomando minha mão e fazendo-me encara-lo. Eu me sentia oco. Embora lágrimas descessem de meus olhos, eu não sentia nada, estava indiferente.

- Eu sei... – tentei sorrir. – Foi quando eu conheci minha segunda mãe. Eu estava para pular de uma ponte quando ela chegou tentando me impedir de pular e me segurando. Mas a dor que eu sentia naquele momento, as vozes que eu ouvi... Foram mais forte que eu e pulei. Só estou vivo, pois um pescador me resgatou no mesmo instante. A mulher me levou ao hospital, depois para sua casa e cuidou de mim. Ela também nunca contrariou minha sexualidade, muito pelo contrario. Quando eu terminei qualquer coisa que eu tinha com meu professor e aprofundei-me na depressão, foi ela quem me encorajou a pedi-lo em namoro. – suspirei aliviado e sorri um pouco. – Comprei aliança, fomos a um restaurante, nós três, e fiz o pedido e ele aceitou... – estiquei minha mão sobre a mesa encarnando o anel prata em meu dedo.

- Ela é linda. – o olhei sorrindo fracamente.

- Foram um dos melhores momentos de minha vida. Meus amigos no Brasil voltaram a falar comigo, contei para meus pais sobre ele e tudo mais. O único contra ponto era filho de minha segunda mãe. No inicio ele era educado comigo, tentava me fazer sorrir, me fazia companhia... Mas depois que comecei a namorar, ele ficou distante. Tentei me aproximar, saber o motivo disto, mas ele não me dizia. Eu sabia que ele era gay, mas nunca passou pela minha cabeça que ele poderia gostar de mim.

- Nós nunca percebemos o que está bem à frente de nossos olhos. – não contestei, mesmo sabendo que ele estava se precipitando.

- Fui com meu professor para Paris há algum tempo atrás. Nossa... Foi a melhor viagem de minha vida. Eu até já consigo rir com as lembranças... Foi tão clichê e ao mesmo tempo tão espontâneo. Nós estávamos dentro de um taxi e simplesmente ele me olhou e disse que me amava, pela primeira vez. Eu já tinha certeza de meus sentimentos, eu sabia que o amava também, e não deixei passar, disse-lhe a verdade. A emoção foi tanta, que não nos preocupamos em quem nos via, apenas nos beijamos. Contudo, o motorista parou o carro e nos fez descer gritando e nos xingando. Eu fiquei chateado, mas ele me acalmou, me fez sentir bem, como só ele me faz.

“Quando voltamos a Lisboa, ele combinou de sair com o casal de amigos, mas eu não conseguia encara-los depois que descobri da traição. Mas acabei indo por insistência. Eu só não esperava encontrar o casal, que eu não sei se te contei, eles são gays. Juntos com minha amiga-vizinha. Tentei a todo custo não transparecer meu desconforto, mas no final, eles nos contaram que viveriam juntos, os três. De verdade, no primeiro instante, eu fiquei i mensamente feliz, porque eu sentia que não havia destruído uma família. Mas aí lembrei que eles tinham um filho e não aguentei. Gritei com eles e mostrei o quanto intolerante eu sou. Não aceitei o fato de um casal gay adotarem uma criança e tão pouco viver em uma família não monogâmica. Meu professor passou dias sem falar comigo. Foi nesse período que conhecia a Patrícia. Também foi o período que me reaproximei do filho de minha segunda mãe. Embora eu soubesse que ele era gay, estava sempre proferindo discursos homofóbicos. Acabei, quando voltamos de uma festa, pedindo um beijo para que me provasse que não era gay e ele me deu afirmando não ter sentido nada. Mas eu sei que o que ele sente é medo do mundo.”

“Eu não suportava mais viver longe de meu professor, então decidi que eu iria atrás dele para me desculpar. Mas antes fui desculpar-me com o casal e minha amiga-vizinha. Foram horas de conversa, me redimindo e assegurando que reveria meus princípios. E estou fazendo isso. Mas quando fui falar com meu professor...” – não consegui continuar. Um soluço escapou de meus lábios e Evandro se inclinou sobre a mesa e segurou minha mão tentando me confortar.

- O amor nos deixa irracional. Cometemos equívocos por amor e nos esquecemos de tudo ao nosso redor. – olhei atônito apara Evandro tentado entender suas palavras. Ele apenas sorriu e tentei continuar, ignorando suas palavras.

- Meu professor havia visto o beijo que dei no garoto alguns dias antes. Ele não me permitiu explicar... Apenas terminou comigo. Conversei com filhos de minha segunda mãe, ele nunca teve sentimentos amorosos por mim, é só amizade. Ele apenas tem medo que eu passe pelo mesmo que ele.

- Ow! – exclamou e ficamos em total silencio por um instante. Meu café já estava gelado, meus olhos ardiam em lágrimas, à noite já consumia as ruas e eu continuava vazio. – Você realmente tem sorte em sua vida. Tem amigos sinceros, uma família de sangue invejável, uma família de coração desejável. E você o tem. Eu tenho inveja de você, Bruno. – Evandro tomou sua postura ereta novamente e me encarou serio. – Não há muita coisa a dizer, pois você já começou sua mudança. Você reconheceu seu erro, agora aprenda com ele.

- Tudo que eu queria era conseguir dizer a todos eles o quanto eles são importante para mim. Mas sempre que tento fazer, eu penso em dizer uma coisa, mas sai outra coisa completamente diferente e acabo magoando a todos. – falei suspirando ao final e baixando meu olhar para o violino no centro da mesa.

- Eu acredito que você já fez isso, de alguma maneira. É só um palpite, claro. ´- ficamos nos olhando por um instante em total silencio. - Você já visitou algum museu de arte? – ele voltou a folhear seu livro e eu franzi a testa sem entender a mudança repentina de assunto. Não precisei responder para que ele continuasse. – A arte é uma ótima forma de se expressar. Há quem a use para transparecer seus sentimentos, protestar, criticar, persuadir... Há quem usa a pintura para este fim, outros preferem a escultura, ou mesmo a literatura: a música, a crônica... Eu, pessoalmente, prefiro a poesia. É claro que alguns conseguem dizer em palavras ditas. Mas ainda sim existem aquelas que utilizam os movimentos corporais. É claro que você sabe que também uso esse atributo.

- Não sei aonde quer chegar com isso. – Evandro deu uma risadinha e voltou a me encarar.

- São gestos, Bruno. Você não precisa dizer a nenhuma delas que as amam, ou o quão feliz você é por tê-las por perto. Você já faz isso inconscientemente. Pense um pouco... Lembre-se dos momentos de risos e alegrai que você viveu com todos eles. – as lágrimas já não existiam, ao invés disto, um sorriso brotou em meus lábios percebendo o quão certo Evandro estava. – Não quero parecer chato, mas acho necessário que também entenda. E aqui eu abro uma aspa: eu não sou nenhum profissional, e posso estar errado. – ele falou serio. - Enfim. Quero que entenda que você também está passando por um momento difícil, que é sua depressão. E é certo que eles entendem. Pelo pouco que li sobre o assunto, sei que a depressão está envolvida com as sensações e emoções, por isso você pensa em algo e faz diferente. Sua variação de humor e temperamento, etc. Seus amigos e familiares sabem disto, eles te entendem e estarão com você sempre e para o que precisar. – por fim, Evandro segurou minha mão passando segurança e sorri.

- Talvez você tenha razão. – ele apenas sorriu em retorno recolhendo a mão e escornando seu corpo no encosto acolchoado. – Você escreve poesia?

- Modéstia a parte, tenho dois livros publicados. – deu de ombros acompanhado de uma risadinha baixa. – Lembre-me de presenteá-lo com um exemplar de cada. – sorri de canto.

Ficamos conversando por mais uma hora, nesse tempo, pedimos mais um café. No final, acabamos discutindo as velhas e sempre novas poesias de Camões. Evandro mostrou-se um amigo extremamente culto, compreensível, adorável, dentre outros adjetivos. . Ele era realmente a pessoa certa que eu precisava para desabafar. Fomos embora quando já era noite e quase estourando o horário prometido a Claudia.

Comentários

Há 3 comentários.

Por Eduardo em 2015-07-30 12:08:50
Eu simplesmente sou apaixonado por essa série! E não tô surportando a idéia de imaginar que o Bruno e o Carlos não fiquem juntos. Tô sofrendo :'( :'(
Por Niss em 2015-07-26 23:19:18
drex do céu, depois daquele capitulo onde o Bruno pede Carlos em namoro, esse foi o melhor! Adorei, Niss.
Por CarolSilva em 2015-07-26 02:26:30
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