Capítulo XXIII

Conto de Drexler como (Seguir)

Parte da série O destino de Bruno

Música tema: Chuva - Mariza (do Fado)

Preparem os corações, amados. Boa leitura!

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Eu nem sei por quanto tempo eu fiquei ali jogado ao chão. Mas para minha surpresa Rafael e Cristal apareceram. Instantaneamente joguei-me nos braços da mulher a minha frente extravasando todas as minhas dores. Rafael também ficou me consolando, mas quando confessei que Carlos havia terminado comigo, ele foi atrás dele e Cristal me levou para casa de Claudia. Agradeci silenciosamente por isso. Eu as bia que Carlos estava sofrendo tanto quanto eu, por minha culpa, mais uma vez.

No momento que chegamos ao destino, uma leve chuva começou, deixando tudo ainda mais melancólico e dramático. Encontramos Gabriel na sala usando seu computador apoiado na mesinha de centro e, segundo ele, sua mãe estava na clinica trabalhando. Não fiquei muito tempo com ele, imediatamente subi para meu quarto com os dois em meus calcanhares e me joguei na cama com as mesmas roupas e ainda calçado. Para meu alivio, Cristal e Gabriel não ficaram perguntando nada, apenas tiraram meu tênis e meu casaco. Eu não tinha ânimo para me mover sequer. Tudo que eu queria era sumir, apagar ou simplesmente ter meu namorado comigo.

Com minha cabeça afundada no travesseiro, que já estava encharcado de lágrimas, facilmente apaguei. Acordei horas depois com Cristal sentada na poltrona lendo algum livro que não identifiquei de imediato. Não disse nada, apenas a fitei recordando tudo que havia acontecido mais cedo. A chuva não caía mais nas ruas, era tudo muito silencioso, o que me fez crer que já era noite.

Poucos minutos depois Claudia entrou no quarto com uma bandeja com um copo de suco de maçã e um sanduiche natural. Certamente ela já estava ciente dos últimos acontecimentos, pois nada falou, apenas me sorriu afetuosa colocando o objeto sobre mim para que eu comece, e assim o fiz.

Depois de comer metade do sanduíche, acabei dormindo novamente. Não sei quando Cristal foi embora ou se alguém ficou velando meu sono, apenas dormi tentando esquecer aquelas malditas lembranças na esperança que fossem apenas um pesadelo. Somente no dia seguinte, pela tarde, quando percebi que era tudo real, Claudia veio começar comigo sobre o ocorrido. Foram horas de choro e tentativas de consolo quanto lhe narrei tudo.

Percebendo meu abalo emocional, mesmo eu protestando contra, ganhei um atestado médico de uma semana para que eu pudesse me recuperar minimamente conseguisse ministrar minhas aulas de francês menos abalado. Por fim, agradeci imensamente a sensibilidade de Claudia.

Passei o resto do final de semana e a semana inteira trancado no quarto chorando quase 24 horas por dia, abraçado ao meu travesseiro relembrando todos os momentos maravilhosos que vivemos. Mas a lembrança mais marcante, que ficava a todo instante martelando a minha cabeça e me fazendo chorar mais que o normal, e a mesma que eu menos queria lembrar, era nossa declaração de amor dentro de um taxi em Paris. Havia sido espontânea e verdadeira, como o sentimento que tenho por ele.

Lembrei-me de nosso primeiro beijo na cafeteria de madrugada quando voltamos de uma apresentação da universidade, um mês depois que chegamos a Portugal, quando ele me afirmou que gostava de mim; nossa primeira transa quando tive uma queda de pressão e acabei indo passar um tempo morando em sua casa; o passei pelo Jardim da Luz; meu pedido de namoro... Tantas lembranças. E a cada uma delas eu chorava cada vez mais.

Quando finalmente voltei a ministras minhas aulas, não me sentia nada melhor, mas consegui esconder um pouco meu sofrimento para que os alunos não percebessem. Contudo, alguns ainda perceberam, pois nos momentos que eles deveriam fazer alguma leitura ou alguma atividade, eu ficava mais recatado submerso em meus pensamentos. Ou quando levei uma música de Carla Bruni para cantar para eles, acabei por deixar uma lagrima solitária e insistente escapar de meus olhos. Ou ainda, mais evidentemente, as olheiras e meus olhos.

Contudo, o que mais me fez sofrer foi ter de encarar Carlos tão rapidamente. Na mesma semana ele me chamou para nossas conversas acadêmicas, como havia mencionado que faríamos. Nossos encontros, que antes acontecia uma ou duas vezes por semana, passaram a ser três vezes, que chova ou faça sol. Aparentemente ele estava inabalado e sequer tocamos em nosso assunto pessoal. Meu professor não me sorriu, não me tocou, não me olhou nos olhos. Eu por outro lado, não deixei que ele visse as lagrimas que persistiam em sair nos primeiros encontros. Quiçá em vão.

A barba que eu tanto amava roçando eu meu pescoço, Carlos havia abolido o uso. Também pude perceber que não usava mais a aliança prata que eu havia compro para oficializar nosso relacionamento. Não obstante, eu também não usava mais a minha, porém estava sempre comigo, em meu bolso, ou, quando só, brincado em meu dedo anelar da mão esquerda.

Nossos encontros eram monótonos e efêmeros. Não discutíamos, apenas recebia minhas orientações, tirava minhas duvidas sobre algum conteúdo, recebia novas apostilas e sugestões de leitura e ia embora, mais cabisbaixo do que havia chegado.

As tarde, depois das consultas com Claudia, quando acontecia, eu passava trancado em meu quarto, na tentativa de me isolar de todos e tentando afugentas as lembranças para que eu pudesse me concentrar nas atividades que tinha para fazer e planejamentos de aulas. Às vezes, pela noite, Cristal aparecia para me fazer companhia ou Gabriel para conversarmos. O rapaz vez ou outra insistia para que eu tocasse algo, de preferencia um samba, pois imaginava que iria me alegrar, mas eu, quando fazia, só pensava nas mais tristes canções, o que me fazia chorar ainda mais.

Quando eu estava com Cristal ou Claudia, eu sempre me encontrava perguntando como meu professor – eu não consegui dizer “meu ex-namorado” – estava lhe dando com nossa separação, pois sabia que elas mantinham contato com ele continuamente. Apesar disso, elas sempre se recusavam a falar qualquer coisa que fosse. E eu não sabia se isso era bom ou ruim.

A semana seguinte não foi diferente. Choro, isolamento, tristeza, aflição. Não consegui sequer contar para meus pais o motivo de minha tristeza, pois quando perguntaram desabei em um choro inconsolável e desliguei a chamada de vídeo sem ao menos despedir-me. Eu havia ficado ainda mais abalado com isso, mas Claudia me tranquilizou afirmando ter conversado com eles.

Não falei com Felipe nem Beatriz. Eu não tinha forças para contar minha situação para mais ninguém, por isso sequer atendia suas chamadas quando me ligavam, apelas ignorava. Eu estava me afundando em um poço sem fim a cada dia, e a única corda que me tiraria de lá, não me queria mais por mais uma atitude impensável de minha parte.

Apesar disso, eu não conseguia culpar Gabriel pelo ocorrido. Ele não tinha nada a ver, foi eu quem pedi-lhe o beijo. E eu não tão pouco tive coragem de contar a ninguém que esse foi o verdadeiro motivo de minha separação. Somente para Claudia, pois afinal era minha psicóloga e eu tinha que confessar todos os ocorridos, sem omissão.

Quando o final de semana chegou novamente, eu não tinha coragem sequer de me levantar. Já fazia 15 dias que estávamos efetivamente separados. Um mês que estávamos afastados, contando com os dias que ficamos distantes um do outro depois que regressamos de Paris. Não havia melhora em mim, a saudade crescia a cada dia, a dor fez moradia em mim. Entretanto, não existiam mais lágrimas para chorar. Eu estava vazio, era somente uma casca jogada sobre a cama encarando o teto branco de gesso e brincando com a aliança em meu dedo, quando Cristal chegou com um garotinho risonho nos braços.

Minha amiga vestia uma calça jeans verde lodo, uma camisa de mangas comprida branca e botas beges na metade da canela. Enquanto o garotinho estava de calça jeans preta, camisa com listras nas horizontais branco e azul.

- Diga: ‘Oi Bruno’ – Cristal falou sorridente segurando o bracinho de Caíque para que ele acenasse para mim, enquanto o eu os encarava sem expressão no rosto.

- Oi ‘Buno’ – era a primeira vez que eu o ouvia dizer meu nome, mesmo que com a voz embolada.

- Olá rapaz. – respondi ainda deitado, coberto melo edredom, sorrindo minimamente.

- Como você está? – Cristal perguntou andando em minha direção sentando na cama e colocando Caíque sobre minhas pernas ao que me levantei e apertei suas bochechas fartas. Apenas dei de ombros.

Sem dizer nada, Cristal deixou o menino sob meus cuidados e dirigiu-se ao meu guarda-roupa vasculhando a procura de alguma coisa e que não me respondeu o quê. Lentamente ela foi tirando e atirando sobre a poltrona uma calça jeans preta, uma camisa branca com estampa de barquinhos minúsculos e um casaco, não muito grosso, de cor preta. Por ultimo, tirou meu par de sapatilhas azul marinho, o qual eu não usava a algum tempo.

- Pra que isso? – perguntei curioso.

- Vista. Nós vamos sair.

- Eu não...

- 10 minutos. – me interrompeu pegando o garoto no colo e saindo do quarto logo em seguida.

Eu sabia que ela estava fazendo isso na tentativa de me animar, e sabia que Claudia estava apoiando e incentivava, pois já tinha tentado várias vezes me lavar para me divertir, assim como seu filho, mas em vão. Internamente eu também agradecia por tudo isso, pois sabia que era para o meu bem. Eu queria isso: seguir em frente. Sabia que Carlos estava tentando fazer o mesmo, mas eu não conseguia esquece-lo. Tudo me leva a ele. Eu ainda sou dependente dele.

Com esperança que conseguiria me reergue, levantei-me e fui para o banheiro tomar um rápido banho, escovei meus dentes novamente e vagarosamente vestia minhas roupas, quando minha amiga voltou a bater na porta me apressando. Voltei para o banheiro e penteei meus cabelos que já estavam maiores que o costumeiro, evidenciando meu desleixo. Peguei meus óculos de sombra para esconder minhas olheiras e outro casaco mais grosso no guarda-roupa, pois diferente dos europeus ou de outras localidades frias, não estou acostumado com a baixa temperatura que já era perceptível no outono, o que me deixava com um leva preocupação e ansiedade para quando o inverno chegasse.

Quando desci, encontrei Cristal conversando entre risadas com Claudia enquanto assistiam Caíque brincando com dois bonecos no chão, uma sena realmente adorável. Caíque é um garotinho bastante esperto para sua idade, dois anos e alguns meses. Bastante comunicativo, educado e amável. Uma criança maravilhosamente alegre e fofa.

- Vamos? – Cristal me tirou de meus pensamentos ao que notou minha presença. Apenas assenti a seguindo logo em seguida sem perguntar onde iriamos.

Despedi-me de Claudia com um abraço e seguimos para um carro grande vermelho, que reconheci como sendo de Marcel. Após minha amiga colocar o menino na cadeirinha para crianças no bando traseiro do automóvel no lado do motorista, entramos também no mesmo transporte – ela no bando do motorista, eu no do passageiro – e seguimos para o seu destino, que eu ainda desconhecia.

Não conversamos muito no caminho, Cristal, que agora usava um lenço preto de bolinas, apenas questionou sobre eu não estar usando a roupa que ela havia separado. Percebi também que o garotinho usava uma toquinha verde com orelhas de algum monstrinho esquisito. E continuava brincando com seus bonecos.

De inicio não soube para onde estávamos indo, mas logo comecei a reconhecer alguns prédios, avenidas, uma livraria e outros estabelecimentos. Mesmo com a mudança climática, as arvores perdendo sua tonalidade verde e dando lugar ao amarelo e laranja, pude reconhecer o lago, as estátuas, os bancos, a ponte, as fostes, e outros atrativos do local.

Estávamos no Jardim da Luz. O mesmo que Carlos me trouxe em um domingo, depois que almoçamos juntos em um restaurante brasileiro. O local estava tão lindo quanto antes, talvez mais. Havia pessoas caminhando, crianças brincando, idoso conversando nos bancos, assim como jovens sentados a margem do lago, como na primeira vez que estive aqui. Nada, além da natureza, havia mudado.

Quando finalmente deixamos o carro e fui, involuntariamente, para o mesmo banco onde troquei alguns beijos com meu professor. Cristal vinha logo atrás de mim de mãos dadas com Caíque. Sentei-me no bando e fiquei sorrindo fraco para as pessoas próximas ao lago revivendo as lembranças que tive naquele ambiente. Quando meus problemas eram resolvíveis.

- Bruno... – olhei para Cristal, ela estava com uma cara tristonha me encarando. Só percebi que estava chorando quando a mesma limpou as lágrimas que escorriam. Mas pela primeira vez em 15 dias, aquelas eram lágrimas de felicidade. Felicidade por todos os momentos lindos que vivi ao lado de Carlos. – Te trouxe aqui para sorrir.

- E eu estou, por dentro. – argumentei tentando sorrir sincero.

Durante todo o tempo que estive namorando o Carlos, eu estive brigado com Cristal, por esse motivo ela nunca soube tudo que vivi com meu professor. Era irônico pensar que ela havia me levado justamente para esse local, onde dávamos nossos primeiros passos juntos. E era mais irônico ainda pensar que logo agora que voltamos a nos falar, minha primeira amiga de verdade em Lisboa, eu me separei da pessoa mais importante, que me fez estar onde estou.

- Ele me trouxe aqui uma vez. – falei voltando minha atenção para Caíque que já fazia amizade com outra criança da mesma idade, cuja mãe estava em u m banco ao nosso lado.

- Bruno, eu... – não deixei que continuasse.

- Sentamos neste mesmo banco. Foi aqui que tive, pela primeira vez, a atitude de beija-lo.

- Eu não sabia. – falou quase eu um sussurro. Cristal encarava as próprias mãos, o que me fez sorrir.

- Obrigado! – Rapidamente ela me olhou confusa e esclareci. – Por me trazer aqui. Fez-me bem lembrar o quão bom era estar ao lado dele.

- Vocês ainda podem voltar. Apenas dê um tempo para ele. – Cristal disse olhando-me nos olhos.

- Não. – assegurei. – Não iremos voltar. – falei suspirando pesadamente e voltando meu olhar para as pessoas que caminhavam sobre a ponte.

- Não seja pessimista.

- Ela não vai voltar, porque ele me viu beijando outro. – ao que a encarei mais uma vez, a encontrei em pura surpresa: rosto pálido, olhos arregalados, sem respirar. – Eu não estava o traindo, só ajudando um amigo. – esclareci vendo sua feição suavizar.

- O que...

- Não quero falar sobre isso. – a cortei.

Ficamos mais alguns minutos conversando futilidades, recordando nosso inicio de amizade, as brincadeiras dela com Elizabeth em meu antigo apartamento, o que nos levou novamente a Carlos, pois era sempre ele o motivo de muitos risos. Meu professor sempre foi o motivo de meus risos e sorrisos, mesmo que indiretamente. Ele sempre esteve por perto, mesmo quando não precisei.

Lembro-me que no Brasil, quando passei por alguns problemas pessoais em casa e me reservei um pouco mais das pessoas, ele pediu que eu ficasse depois de sua ala para que conversássemos – mesmo que eu só fosse saber o motivo na hora que ficamos a sós -, pois tinha notado meu abalo emocional. E como sempre confiei nele, confessei-lhe tudo que me acontecia. Ele foi peça chave para que eu visse que eu estava errado e consertasse minha confusão.

Vendo por esse lado, eu pude ter duas certezas. A primeira era que Carlos sempre me ajudou. A segunda, que minha confusão com as palavras pensadas e ditas não eram consequência de minha depressão, mas algo que fazia parte de minha personalidade: inconsequente.

Depois de muitas lembranças e recordadas e conversar muitas amenidades com Cristal, fomos interrompidos por um guri choroso atrás de sorvete, mesmo que estando frio. Acabei sendo abandonado no banco enquanto ela procurava algum pelas redondezas. Fiquei alguns minutos apenas observando as pessoas ir e vir pelo jardim lembrando-me mais uma vez do único homem que já amei. Mas fui despertado por uma vez fina, porém firme, e feminina que eu reconhecia de algum lugar, mas não soube de imediato de onde.

- Hey! – gritou a mesma se aproximando. – Bruno, não é?

Ela era loura, meramente alta, cabelos lisos e amarrados em um rabo de cavalo. Seus olhos eram em uma junção de tons verdes e azuis, algo extremamente lindo e raro. Vestia um conjunto esportista de moletom cinza: calça e camisa de mangas. Além de capacete, joelheiras, cotoveleiras e empurrava uma bicicleta, o que me fez concluir que era uma ciclista. Seja quem for, é uma mulher extremamente linda e bem feita de corpo.

- Olá. – cumprimentei incerto.

- Você não se lembra de mim, não é? – perguntou escorando a bicicleta na arvore e sentando-se ao meu lado. Ainda duvidoso, neguei com a cabeça. – Patrícia. Nos conhecemos em uma boate algum tempo.

- Ah, claro. – a ficha caiu como um raio sobre mim. – Agora me lembro. Tudo bem? – inclinei-me em sua direção e trocamos beijos nas bochechas como cumprimento.

- Estou ótima. E você? – disse se afastando.

- Vou indo. – sorri minimamente.

- Ainda com não se resolveu com seu namorado? – apenas neguei com a cabeça não querendo prolongar aquele assunto. Ela pareceu entender e logo mudou de assunto. – Sozinho?

- Não, estou esperando uma amiga.

- Como sempre. – riu-se.

- Verdade. – lembrei-me de nosso primeiro e único encontro, onde eu esperava por Gabriel. – E você, esperando alguém também?

- Não, não. Estava dando uma pedalada.

- Não sabia que podia pedalar aqui n Jardim. – disse franzindo a testa.

- Não pode. Eu estava na ciclovia, e estava indo para casa quando te vi. – rebateu olhando em meus olhos.

- Minha amiga esta vindo. – falei quando o silencio se instalou e começou a ficar desconfortável.

Cristal aparentemente não conseguiu achar nenhum sorveteiro, como se era esperado, e caminhava tentando explicar isso para um garotinho que caminhava de braços cruzados e cara emburrada. Minha amiga parecia cansada, mas logo o Caíque correu de encontro a outras crianças que brincava a que Cris veio até nós sorrindo enfadada.

- Boa tarde. – saudou sorrindo para a garota ao meu lado no banco.

- Cris, está é Patrícia. Patrícia, esta é Cristal, minha melhor amiga aqui em Portugal. – o rosto de minha amiga pareceu iluminar com minha afirmação. A sentença poderia ser interpretada que não existia mais magoas entre nós, o que de fato era verdade. Eu já havia conseguido superar nosso desentendimento sobre o adultério, embora não concordasse com o que ela tinha feito.

- Prazer. – Cristal disse apertando a mão da moça que se levantou para retribuir o gesto.

- Lindo seu filho.

- Ele não é meu filho. – rebateu corando. – É filho do meu... Namorado?! – disse receosa me olhando e dei de ombro.

- Achei que você fosse...

- Não, não é meu também. – a cortei rindo pela sua interpretação. – É de um amigo.

- Ah, sim. – Cada uma sentou-se ao meu lado. – Ainda sim, ele é uma graça.

- Como vocês se conhecem? – Cristal perguntou tentando interagir.

Ficamos conversando por horas a fio e falando sobre crianças, ciclismo, o próprio Jardim Luz e outros jardins e parque tão bonitos quanto, e outras trivialidades. Quando percebemos já passava de nosso horário do almoço. Cristal chamou Caíque e fomos nós quatro caminhando e dando algumas poucas risadas até onde Cristal havia deixado o carro.

- Então, Bruno, o que vai fazer hoje à noite? - Patrícia perguntou quando chegamos ao nosso destino.

- Ficar em casa. – disse sorrindo e completei mentalmente: “E chorar”.

- O que acha de sairmos? Você também está convidada Cristal. – disse, ao que percebi, por educação.

- Obrigada. – respondeu minha amiga sorrindo meiga. – Não vai dar, tenho um compromisso com meu... Minha família. – pelo visto não era só eu que tinha duvidas sobre como se dirigir ao relacionamento dela com Marcel e Rafael.

- Tudo bem. Então Bruno, o que acha? – a garota parecia bastante animada.

- Hoje não. Você tem meu numero, podemos marcar em outro final de semana.

- É uma pena. – disse mudando o peso de uma perna para outra parecendo ter entendido. Logo ela subiu sobre sua bicicleta e se despediu de nós indo em direção contraria de mim e Cristal.

- Que garota atirada. – cristal comentou rindo ligando o carro e já estávamos saindo dos arredores do jardim também.

- Ela não é atirada. É uma mulher moderna, que sabe o que quer. – defendi e Cristal concordou com a cabeça.

- E você, sabe? – indagou focalizando a estrada a nossa frente. Caíque estava alheio no bando de trás conversando com seu boneco. Ele, pelo que percebi, amava aquele brinquedo.

Deixei que meu silêncio respondesse por mim.

Não conversamos muito o resto do caminho. Seguimos para o tal restaurante e por um instante imaginei que iriamos para o Restaurante brasileiro, mas apenas passamos em frente. Quase torei meu pescoço encarando o local lembrando-me daquele dia. Minha saída com Cristal não poderia ter me recordado mais daquele dia. O jardim, o restaurante... Mas no fim, seguimos para um especializado em massas.

Chegas em casa por volta das 15 horas da tarde. Gabriel estava na sala concentrado em alguns livros e caderno aberto, ao que conclui estar estudando. Não interrompi, somente segui para meu quarto, passando em frente ao escritório e encontrando Claudia também focada em trabalhos. Apenas nos saudamos rapidamente e segui meu caminho para falar com meus pais. Cristal afirmou estar atrasada para um compromisso depois de deixar Caíque em casa, por isso não entrou.

Sem esperar muito, vesti uma roupa mais confortável: calça moletom e camisa folgada, e deitei-me sobre cama, escorado minhas costas na cabeceira de madeira da mesma e ligando o computador em meu colo, em seguida. Mandei uma mensagem via celular para meu primo e meus pais perguntando se poderíamos conversar e, minutos depois, Patrick, com um grande sorriso no rosto apareceu na tela de meu aparelho ao lado de uma garota que eu já conhecia de vista.

- Olá primo! – disse abrindo um largo sorriso. A garota, que vestia uma blusa azul e usava o cabelo ondula e comprido amarrado no lado esquerdo do ombro, tinha olhos castanhos, como o do meu primo. Ela sorri tímida em minha direção e olhava atenta, me analisando, como eu fazia.

- Oi Patrick. – acenei para ambos. – Quem é está? – perguntei já sabendo sua resposta.

- Clara, minha namorada. – agarota acenou para mim também sorrindo de lado.

Após nos saudarmos, ficamos, nós três conversando amenidades, até que meu pai chegou seguido de minha mãe alguns minutos depois. Estávamos conversando com menos frequência nos últimos dias, por motivos óbvios. Mas, especificamente hoje, por algum motivo desconhecido, eu estava me sentindo melhor e mais a vontade com meus pais. Isso não passou despercebido para ambos. Porém não contestaram, apenas, assim como eu, apreciaram a conversa e proximidade que nos era permitida.

Porém logo a conversa tomou proporções serias e assustadoras. Principalmente depois da declaração de minha mãe.

- Bruno, que historia é esse que você será pai? – minha mãe perguntou do nada me fazendo engasgar com o ar. De olhos arregalados, me pus ereto sobre a cama e os encarei serio para questionar tal afirmação.

- Eu que pergunto. De onde tiraram isso? – perguntei sobressaltado. Eu estava assustado. Era impossível ser um fato verídico, pois a ultima mulher com quem tive uma relação sexual foi com uma garota semanas antes de me envolver com Alice. E nós usamos camisinha, como todas as outras relações que tive em minha vida.

Nem mesmo com Isabel, minha primeira e única namorada, que tivemos um relacionamento de mais dois anos, eu havia transado sem camisinha. Eu sempre fui muito precavido por medo de pegar alguma doença sexualmente transmissível e/ou engravidar alguma garota. Camisinha era um objeto essencial em minha carteira e se por ventura não tivesse, eu não permitia seguir com qualquer atividade íntima.

Nem meus a meu professor eu havia cedido abolirmos o acessório. Embora, depois dos exames que havíamos combinado em fazer, eu estaria pronto para ter minha primeira experiência sem o preservativo de silicone. Somente com e por ele faria isso.

- Chegou aos nossos ouvidos que você deixou uma garota gravida em São Paulo, é verdade? – eu não fazia a mínima ideia de quem poderia ser essa garota, ou quem haveria dito tal historia. Ao menos sabia se era verdade, pois, embora rêmora, ou quase nula, havia a possibilidade de a camisinha ter estourado.

- Eu... Nã... Eu não... É... – eu não sabia ao menos o que dizer. Eu estava perplexo. Apenas deixei meus ombros caírem e os encarei sem expressão.

Não sei como cheguei a esta conclusão, mas só pude deduzir que eles se referiam a Alice. Lembrei-me que Beatriz havia me contado, há alguns meses, que a menina estava gravida, na época, de dois meses. Contudo, não existia nenhuma possibilidade de eu ser o pai, já que nunca tivemos relações sexuais. A não ser que, em uma hipótese ridícula, a garota tivesse conseguido meu esperma em meu quarto ou banheiro depois de eu ter me masturbado.

- Quem é a garota? – perguntei serio.

- Acho que é Alice. – eu estava certo. Beatriz também tinha dito que Alice não havia contado a ninguém e que não revelou quem era o pai. E que tinha contado para ela com se quisesse que eu soubesse da gravidez.

- Você conhece alguma Alice? Saiu com alguma garota com esse nome? – indagou meu pai, tão nervoso quanto eu.

- Claro que conheço. Nós quase namoramos antes de eu vir para Portugal. – eu já tinha a expressão mais leve e sossegada. – Também soube que ela está gravida, mas asseguro que não sou o pai de seu filho. – suspirei longamente com um sorriso de canto vendo meus pais relaxarem sobre seus assentos.

- Como pode ter tanta certeza? – Eu sinceramente não queria responder a pergunta de minha mãe. Ainda era um tanto desconfortável falar sobre minha intimidade com meus. Eu nunca permiti sequer que meu pai, na minha adolescência, me explicasse o uso de preservativos. Na época, apenas assegurei que a escola já fazia este papel.

- Mãe... – desviei meu olhar na tentativa que ela entendesse meu recado.

- Mudando de assunto. – agradeci silenciosamente a meu pai por isso. Porém, ele parecia ainda mais serio agora, e só pude concluir que ele faria sobre o caso de Bárbara. – O caso de Bárbara está quase concluído.

- Serio? – perguntei anima. – Já sabem quem a matou?

- Não. Mas já sabemos de onde veio o dinheiro que ela te deixou. – respirei fundo antes de ele continuar. Mas antes que ele dissesse qualquer coisa, minha mãe tomou a palavra.

- Filho, esse assunto não me agrada. Vou deixar você resolvendo isso com teu pai, ok? – apenas concordei. – Tchau Bruno. Volte logo para casa! Te amo. – soltando diversos beijos e acenando para mim, minha progenitora deixou a saleta onde ficava o computador.

- Então pai. – pedi que continuasse.

- Há evidencias concretas que o dinheiro é roubado. E tudo indica que o assassinato tenha sido consequência disso. – franzi o cenho em confusão. – Ela diz na carta que alguém, um velho, guardava muito rancor dela por algo que ela levou. Ou seja, o dinheiro. – eu estava atento a cada palavra de meu pai. Eu nunca estive interessado no dinheiro da herança, apenas que fosse feito justiça em sua memoria. – Nós conseguimos identificar esta pessoa. Ele era um senhor já de idade que a “criou” – meu pai fez aspa no ar. – No período que foi expulso de casa pelo tio. O senhor, identificado como Zé Martim, já é falecido. Morreu pouco tempo depois que a carta foi escrita. O Tio abusivo de Bárbara também foi identificado e chamado para depor. – um sorriso vitorioso instalou-se e meu rosto e quase não consegui falar.

- E o que aconteceu com ele?

- Graças a Dona Maria, – Dona Maria era a Avó que cuidou de Bárbara a vida toda. A única que era por minha amiga de infância. – Ele irá responder por abuso sexual de incapaz. A justiça iria arquivar o caso, mas a avó não permitiu, mesmo sendo seu filho. Mas como Bárbara já esta morta e ele nunca foi denunciado, ele irá espera o julgamento em liberdade. Mas se condenado, a pena é de dois a dez anos de prisão. – reprimi um xingamento.

- Qual é o tio? – quis saber.

- Diógenes. – Era de se esperar. Ele fora o tio que mais maltratou Bárbara. Tive de presenciar, quando criança, ele jogar o garoto para dentro de casa pelos cabelos e bate-lo impiedosamente com chinelo e/o cinto diversas vezes.

- Maldito! – meu pai ignorou meu extravasamento e continuou a falar sofre as recentes noticias.

- Como eu dizia, o dinheiro é fonte de roubo. O filho, único, do senhor foi avisado sobre o caso e irá entrar na justiça para recuperar o dinheiro.

- Acha que a justiça o dará causa ganha para ele? – perguntei indiferente.

- Tenho minhas duvidas. Embora ele tenha direito ao dinheiro que é fonte de seu patrimônio familiar e Seu Zé Martim tenha mantido relações sexuais com Pedro...

- Ele abusou de Bárbara! – o interrompi.

- Não. A justiça não considera como abuso porque ele já tinha 17 anos e era ciente de seus atos. Pode ser interpretado na carta que ele consentiu. – apenas concordei com a cabeça. – Como eu dizia, Zé Martim cuidou de Pedro por alguns anos como “um filho” – fez-se aspa no ar mais uma vez. – Sendo assim, seu amigo também tinha direito a herança do senhor. Desse modo, Bárbara poderia deixar sua parte para você.

- Não quero esse dinheiro. Por mim, o filho desse Zé não precisa entrar na justiça, faço questão que tudo fique para ele.

- Esse era o ultimo desejo de Bárbara, tem certeza que não quer lutar para realiza-lo? Pense bem nisso. – não prolonguei o assunto.

Após conversar um pouco mais com meu pai sobre o caso de minha amiga de infância e, por fim, despedir-me dele, tudo que eu consegui pensar era o quão eu queria que Diógenes, o tio de Bárbara, tivesse uma morte terrível. O quão eu desejava que ele sofresse em vida. Que fosse desprezado por todos, como estava sendo por sua mãe, que nunca não fosse amado. Eu nunca desejei tanto mal a uma pessoa, como desejei aquele ser. Nem mesmo a pessoa que matou minha amiga.

“Talvez ele tenha a matado”. – pensei assustado e com ódio nos olhos.

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O Capítulo foi um pouco tenso, não acham? Mas eu gostaria de falar um pouquinho da Mariza do Fado (olhar música tema). O nome da artista portuguesa já introduz sua dedicação, o Fado (um estilo musical originariamente de Portugal, o qual já falei na obra algumas vezes). Eu, pessoalmente, acho o fado um ritmo encantador. E foi justamente Mariza, famosa por suas interpretações brilhante, que me inspiraram a ter Portugal como espaço principal para o desenvolver do enredo.

Comentários

Há 1 comentários.

Por Niss em 2015-07-22 00:52:29
Drex, fiquei bem desconfortavel em ver Bruno nessa situação, mas, espero que ele tenha melhoras nos proximos capitulos. #AmoPortugal hehe. Bjs Niss.