Capítulo IX

Conto de Drexler como (Seguir)

Parte da série O destino de Bruno

Peço desculpa pela demora, mas acontece que ando muito atarefado com minha vida acadêmica e profissional. Não sei quando voltarei a postar, mas no máximo em uma semana.

Estava pensando em fazer uma postagem sobre a inspiração da história, mas para isso, preciso saber se aos meus estimados leitores interessarão.

Bom, espero que gostem e COMENTEM!

Abraços.

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Peguei o ônibus logo cedo, chegando na casa de meus pais na hora do almoço. Eu não tinha avisado a ninguém que iria, o que causou um choque ao quando minha mãe, Maria das Graças, meu pai, vulgo Seu Flávio e meu primo que sempre está por lá, Patrick.

- Bruno! – minha mãe ficou estática ao me ver, ela estava na cozinha sozinha.

- Oi mãe.

- O que você está fazendo aqui? Achei que só viesse final do mês.

- Pois é mãe, houve um imprevisto. Mas virei de novo no final do mês.

- E o que... – meu pai apareceu e a interrompeu.

- Galego! – meu pais sempre me chamou assim. Ele veio ao meu encontro me abraçando com um sorriso enorme no rosto. – Que saudade.

- Também pai. – finalmente minha mãe veio me abraçar.

- Não esperava você hoje. Poderia ter avisado, teria mandado Patrick arrumar seu quarto. – meu primo foi criado quase como meu irmão, vive mais na minha casa do que na dele, e minha mãe sempre nos colocou para ajuda-la nas tarefas, principalmente no nosso quarto. Depois que eu fui embora de casa, Dona Maria das Graças não me deixava ajudar me tinha como uma visita e não me deixava fazer as coisa, a não ser nas férias que eu voltava a ser seu filho.

- Não precisa mãe. Mas por falar nele, onde está Patrick? – estranhei.

- Saiu com uns amigos, mas já deve estar voltando.

- Galego, vai ficar quanto dias?

- Infelizmente volto amanhã.

- E qual foi o imprevisto que te fez vir? – perguntou minha mãe.

- Podemos conversar depois do almoço? Estou com fome. – tentei adiar.

- Ainda estou terminando, mas logo sai. – disse minha mãe e voltando para averiguar as panelas no fogo.

Fui para a sala com meu pai para colocar as novidades em dias. Como sempre meu pai me perguntou pelo Guilherme, de quem era muito amigo, como andava a faculdade – fiquei nervoso ao responder -, e finalmente, pelas namoradinhas. Falei que estava conhecendo alguém, mas não revelei o nome. Nunca falei efetivamente sobre minha condição sexual, mas eles sempre sabem. Pelo fato de ter me referido a Alice como “alguém”, percebi certo desanimo na face do meu pai, por acreditar ser um homem, o que também não era tão errado, pois tinha o Fernando com quem eu tinha um objeto sexual.

Tenho certeza que quando eles tiverem certeza da minha condição sexual, eles não irão se opuser, pois eles são bastante a favor da união homo afetiva. Minha mãe, como assistente social, sempre ajudou jovens que sofreram com preconceito, bullying, agressão etc. Meu pai, que é advogado, sempre apoiou minha mãe, chegando a defender, na justiça, um garoto que foi agredido por três rapazes. O garoto atacado não tinha muita condição financeira para defender-se na justiça e punir seus agressores e tão pouco seus pais se mobilizaram para ajuda-lo, nem para visita-lo no hospital.

Minha mãe cuidou do garoto e encaminhou a delegacia para prestar queixa e acabou seguindo para a justiça em um processo contra os três moleques preconceituosos. Meu pai, de bom grado e gratuitamente, defendeu o menino e venceu a causa. Os agressores foram condenados a seis meses de reclusão e dois anos de trabalho voluntario em uma ONG (Organização não governamental) com crianças deficientes.

Contudo, sempre há aquela possibilidade de hipocrisia, ajudar os de fora, e negar os de casa. Afinal eles já haviam tentado me afastar de Bárbara quando souberam o que fazíamos escondido. Mas prefiro não acreditar que meus pais assim faram. Eles me amam e não me daria às costas. Além do mais, mesmo que tenham Patrick com seu filho, eu sou o único filho de sangue.

Não demorou muito e logo meu primo chegou. Depois do susto em me ver em casa e perguntar o motivo de eu estar lá, minha mãe chegou chamando-nos para comer. Meus pais estavam muito feliz com a minha presença, mas para meu pai, isso era algo além do normal, ela não parava de sorrir ou puxar assunto comigo, querendo saber cada passo que eu dava em São Paulo, como estava os trabalhos e tudo mais.

Eles nunca se preocuparam muito com meu desempenho escolar. Não por serem descuidado ou ausente na minha vida, mas por saberem que sempre fui bastante dedicado, ao contrario do meu primo, com quem eles sempre reclamavam e deixavam de castigo por tirar notas baixas. Meu tio, pai do Patrick, confiava em meus pais e apoiava em todas as decisões.

Depois do almoço, fomos todas para a sala ter a tão esperada conversa. Eu estava visivelmente nervoso e eles apreensivos, não sabia qual seria a reação deles, pois nunca cogitamos a hipótese de um intercambio. Quando fui embora para São Paulo, minha mãe chorou muito e foi meu pai quem a fez aceitar melhor a ideia de eu ir para capital estudar.

- Então filho, o que aconteceu? – perguntou meu pai sentado no sofá menor com minha mãe. Eu estava no grande com Patrick, que mexia no celular alheio a nossa conversa.

- Eu recebi uma proposta de bolsa estudo. – comecei.

- Hum, e por que isso está te deixando tão nervoso? – perguntou minha mãe.

- Por que eu terei que viajar.

- Para onde? – indagou ela.

- Portugal.

- O.. – começou Patrick levantando-se de vez.

- Antes que perguntem: eu ficarei um ano lá. – disse.

- Quanto orgulho, filho. – disse minha mãe. Esperava essa reação do meu pai. Mas me enganei.

- Não. Você não vai. – disse meu pai. Fiquei boquiaberto. Os papeis se inverteram.

- Como não, Flávio? Ele tem que aproveitar essa oportunidade. – Disse minha mãe. Meu primo não falava nada, assim como eu, mantinha à boca aberta vendo a discursão iniciando.

- Não deixarei meu filho passar um ano fora de casa. Ainda mais do outro lado do mundo.

- Ele já mora fora. – ela lembrou.

- Uma coisa é ele morar aqui em São Paulo, é do lado e podemos visita-lo sempre que quisermos.

- A gente o vê uma vez por mês. Às vezes passamos até mais tempo sem o vê-lo.

- Mas nos falamos quase todos os dias.

- Não vou parar de falar com vocês. – eu falei.

- Mas falar não é o suficiente.

- Flávio, você sabe que essa é uma oportunidade única. – disse minha mãe. Eu estava assustado com ela. Dona Maria das Graças realmente se acostumou com minha ausência.

- Exatamente pai. Participarei de uma pesquisa de pós-doc. O senhor pode imaginar o quanto isso será bom para minha formação. – afirmei.

- Filho é um ano longe da gente.

- Sim, eu sei. Isso foi um argumento difícil de contra-atacar quando aceitei o convite... – falei demais.

- Você já aceitou sem ao menos nos consultar? – Meus pais se levantaram, mas foi minha mãe quem gritou. Patrick olhou para mim e eu me encolhi no canto.

- Já. Mas não assinei nenhum contrato ainda, farei isso segunda. - Defendi-me.

- Você devia ao menos ter falado com a gente quando se inscreveu. – disse minha mãe.

- Eu não me inscrevi, meu professor conseguiu a bolsa e me convidou. Eu recebi a proposta essa semana.

- E por quê você? – perguntou meu pai com os olhos em fenda.

- Ele disse que foi por eu ser um ótimo aluno e o único a fechar sua disciplina com um dez. – o silencio se instalou.

- Bruno, quando vocês vão? – Perguntou Patrick por fim. Minha vontade foi de esmurra-lo; meus pais pareciam já aceitar a ideia e agora começaram tudo de novo.

- No final do mês. – tentei, em vão, falar só para meu primo.

- Final desse mês? – ele gritou exasperado e arregalando os olhos.

- Sim. – olhei para a porta evitando contato visual dos meus pais que já haviam sentado novamente.

- O que tem o fim do mês? – perguntou meu pai desconfiado, pois não tinha ouvido a pergunta do idiota.

- Pai, o Patrick tá aqui direto, podemos conversar pelo webcam toda semana. Ele sabe conectar. – tentei responder de outra maneira.

- Você acha que pode resolver tudo assim, em um mês? – disse meu pai ironicamente.

- Na verdade, já está tudo em andamento. Meu apartamento já foi alugado e passagem compra.

- E você acha que é só isso? Tem que ser providenciado documentos, passaporte, e tudo mais. E também, não sei se você lembra, mas moramos no Brasil, aqui é que, e em Portugal é frio. – ele rio.

- A documentação já está sendo providenciado, o passaporte também. Já as roupas... – mordi os lábios antes de falar.

- O que tem? – perguntou minha mãe.

- A bolsa que ganhei é remunerada, então poderei pagar minha moradia, alimentação e transporte. A passagem de ida eu ganhei, mas a de volta terei de pagar. – antes que falasse algo, completei. – Mas eu juntarei e pagarei. Agora as roupas, vocês me dariam, porque só receberei a bolsa um mês depois que começar as aulas.

- Agora você precisa da gente? Quando foi para aceitar passar um ano fora, não lembrou como ficaríamos.

- Pensei sim! – me defendi – Mas entenda que tenho que pensar no meu futuro. Se eu soubesse que iria essa viagem, teria economizado do meu salario de bolsista da biblioteca.

- Não se preocupe filho, compro suas roupas. – disse minha mãe. Apenas sorri para ela.

- Pai, eu não fiz isso por mal. Você falando assim, parece que eu não ligo para vocês, que não sentirei saudades. Eu terei de abrir mão de tudo aqui. Meus amigos, temporariamente da faculdade, de vocês e... – não falei - Ficarei sozinho lá. A única pessoa que conhecei, será meu professor. Não terei amigos, não terei com quem desabafar, sair. Nada. – o silencio preencheu a sala.

- Desculpa filho. Eu não raciocinei. Vou te ajudar no que for possível. Mas não será fácil ficar longe do meu único filho por um ano.

- Chateou. – brincou meu primo.

- Estarei longe de corpo, mas sempre estaremos mantendo contato. Contarei tudo que aconteça lá. Farei que sintam orgulho de mim.

- Nós sentimos. – disse meus pais juntos e sorri como resposta.

- Poderia me levar também, Bruno. – Patrick tentou chamar à atenção novamente.

- Claro, será meu mordomo. – brinquei.

- Vejam bem, só porque vai morar na Europa, já se acha o rico. Já quer um mordomo. – rimos com seu comentário.

- Galego, como é essa bolsa?

- Serei coautor da pesquisa do professor Carlos e darei aula de francês para alunos portugueses.

- Por que francês, meu filho? – minha mãe perguntou aparentemente feliz.

- Eu não sei. Mas por eu falar francês foi um dos motivos para eu ser o escolhido.

- Que bom filho. – disse meu pai forçando um sorriso.

Contei cada detalhe da viagem e decidimos que uma semana antes da viagem faríamos um jantar para a família e amigos mais próximos como forma de despedida e que meus pais e Patrick, que se ofereceu, estariam no aeroporto no dia da viagem.

Passei à tarde na companhia de meus pais, conversamos muito, discutimos problema, minha mãe contou dos últimos acontecimentos na comunidade que faz trabalhos comunitários, meu pai falou dos processos que tem em mãos. Meu pai só não tocava no assunto ‘namoro’, por medo ou algo do tipo, minha mãe nunca perguntou muito sobre isso.

À noite, por insistência do meu primo, saímos com seus amigos para uma lanchonete e depois fomos sentar frente à igreja, onde ele se encontrou com uma ficante e me deixou com seus amigos que eu mal conhecia.

Logo fui embora. Como não avisei que iria para casa, meu primo foi obrigado a dormir na casa dos pais, pois dormir na minha cama. A dele, que ficava na minha casa, havia quebrado “quando ele deitou para dormir” um dia que meus pais tinham ido visitar uma amiga.

Dormi como um anjo. A viagem havia sido muito cansativa, a conversa maltratou minha mente e sair também me deixou mais cansado. Foi fácil pegar no sono, mesmo com todos os pensamentos que permeavam minha mente. No domingo pela manhã, minha mãe queria ir ao centro já comprar algumas coisas para eu leva – mesmo eu dizendo que, por recomendação do professor, compraria em Lisboa.

Acordei logo cedo, fiz minha higiene tomei um café como só tomo em casa, me arrumei e saímos para fazer as “compras”. Compramos coisas básicas, dois pares de luvas, três tocas, dois cachecóis e um casaco, depois de muita insistência da parte dela. Eu aproveitei que estávamos no shopping e comprei livros de didática de língua francesa e gramaticas, que era o que realmente precisaria comprar, pois não sabia se encontraria lá.

Como chegamos em casa tarde, acabamos por ir almoçar em um restaurante, Patrick também foi com seu pai. Chegamos de volta já na hora de eu ir pegar o ônibus para voltar para São Paulo.

A viagem foi super-cansativa, cheguei por volta das 19 horas Zé Carlos e Pedro estavam na sala conversando e assistindo. E encontrei a Beatriz e o Felipe me esperando no meu quarto na companhia de Guilherme.

- Onde você estava? – perguntou Beatriz.

- Na casa dos meus pais. – respondi.

- Nem para nos avisar? Tentamos ligar para você e nem para nos atender.

- Deixo meu celular desligado quando estou na casa de meus pais. Gosto de dar toda minha atenção para eles quando os visito. E eu avisei a Carlinhos e Pedro que estava indo viajar.

- Eles disseram não saber para onde você tinha ido. – disse Guilherme.

- Na verdade eles estavam bebendo quando eu liguei para eles.

- E por que não ligou para a gente? – perguntou Felipe. Respirei fundo antes de responder.

- Porque teria de falar uma coisa que não queria. – falei me sentando.

- Nunca tivemos segredo, o que você não iria querer nos contar?

- Dessa conversa eu não faço parte. – Guilherme se ajeitou para sair.

- Pode ficar Guilherme. – eu falei. - Não estava preparado psicologicamente. E também quis contar para meus pais primeiro.

- O que foi Bruno? – perguntou Beatriz quase gritando.

- Prometa que ficará calma. – pedi.

- Não, não prometo. Fale logo. – ela ficou em pé.

- Pelo menos sente e deixe-me contar TODA a historia sem interrupções. Isso serve para todos.

- Ok. – responderam todos juntos e Bia sentou-se.

- O professor Carlos voltou de Portugal.

- O que... – Bia calou-se quando lhe lancei um olhar de reprovação.

- Ele me fez uma proposta de voltar para Lisboa com ele e ser seu bolsista. Seria coautor de sua pesquisa e daria aula de francês para alunos da universidade. Esse convite surgiu porque eu fui o único aluno, que ainda está na graduação, que tirou 10,0 em sua disciplina e por eu falar francês fluente, graças a minha mãe que é francesa e fez questão de eu aprender quando criança. Era um convite irrecusável. Será riquíssimo para meu currículo, a bolsa será remunerada, não passarei por seleção e conhecerei outra cultura. A única coisa ruim, é que será por um ano. E serei proibido de voltar ao Brasil nesse período. – essa parte eu preferi não contar para meus pais. Meus amigos ficaram calados me encarando.

- Porra. – foi tudo que Guilherme falou.

- No nosso campus tem curso de Francês, não tem? – perguntou Felipe. Bia ainda me encarava calada.

- Tem sim. – respondeu Guilherme.

- Bruno, por que ele não escolheu alguém de lá ou fez uma seleção? – indagou Felipe – É só curiosidade.

- Não sei. Ele falou que esses eram uns dos motivos, mas não falou mais nada. Mas disse que caso eu recusasse, ele abriria uma seleção no campus.

- Sei muito bem o que ele quer. – Disse Felipe rindo com Guilherme. Poderia imaginar a que ele estava se referindo, mas eu estava com medo do silencio de Beatriz que somente me encarava.

- O que você tem Bia? Ficou muda de vez. – Brincou Guilherme.

- Diz alguma coisa Bia. – pedi.

- A cada dia que passa desconheço mais você, Bruno. – ela falou.

- O que... – comecei.

- Não. Eu te ouvi. Agora é minha vez. – me cortou. – Primeiro você fica enganado duas pessoas. Agora você, do nada, resolve ir embora e nem para nos contar. Seus melhores amigos. Só falta dizer que vai essa semana. – desviei o olhar para qualquer canto. – É isso mesmo? – perguntou incrédula.

- Quase. Meu voo é no final do mês. Desse mês.

- E o que mais? Será proibido de falar com a gente? Fará novos amigos por lá e não voltará mais? Não! Acho que você também está enganado a gente. Não é isso que você faz com Alice e Fernando? Por que não faria conosco?

- Você está misturando as coisas. Não tem nada a ver um com o outro.

- Você já contou a Alice que está saindo com Fernando e vice versa? Ou que vai embora para Portugal passar um ano? – ela falava quase gritando.

- Ele não precisa se dar ao trabalho, já estou sabendo de tudo. – olhei para porta e quase tive um enfarte quando vi a Alice em pé nos olhando.

- Alice! – ela deu as costas saindo do quarto. – O que eu faço? – me desesperei.

- Vai atrás dela. Ela é mais importante agora que eu, sua melhor amiga. – Beatriz também se levantou e foi em direção a porta.

- Vai atrás da Alice, conversamos com a Beatriz. – disse Felipe. – Você vem Guilherme? – ele apenas concordou e saímos do quarto.

Zé Carlos e Pedro se assustaram e perguntaram o que estava acontecendo, mas ignorei-os e sai casa a fora atrás da minha ex-futura-namorada. Felipe e Guilherme entraram no carro e saíram em direção à casa de minha amiga. Alice ia enrolando a esquina quando a alcancei correndo. Por Cristo ela não tinha carro.

- Alice! – gritei, mas fui ignorado. Corri e segurei seu braço. – Por favor, me escuta.

- Chega de clichê. Já conheço essa historia. O mocinho trai a namorada, ou seja lá o que tínhamos, ele conta para o amigo, que no caso era amigos e amiga, e quando vocês então conversando a mocinha aparece e escuta tudo. Ela sai correndo, o mocinho corre atrás dela, chama, ela ignora, ele corre mais, segura seu braço, ele explica que foi tudo um erro, pede perdão, diz que não repetirá. Ou se ainda não tem nada, ele a pede em namoro para se redimir e la aceita igual um patinho. Não vai acontecer. – eu já não segurava seu braço e ouvia tudo calado. – Não se dê ao trabalho.

- Mas nós não tínhamos nenhum compromisso oficial. Então não te traí. – ela pareceu chocada. – Acredite ou não, traição é algo que não aceito, por isso não cometo. Se eu sai com o Fernando, como você ouviu, foi porque nós não oficializamos nada, nem eu com ele. E se eu fizesse, não continuaria saindo com o outro. Estou, ou estava, não sei, gostando de sair com você, mas não vou pedir que continuemos, até porque, não sei se ouviu, mas eu vou morar em Portugal. Mas eu queria que essa conversa fosse em outro lugar.

- Sei que não tínhamos nada oficial, mas isso não quer dizer que você tinha que sair com outras pessoas. Ainda mais outro homem. Se você é gay, por que estava saindo comigo? Eu era apenas uma fachada.

- Não sou gay, tão pouco te usei como fachada. Não gosto de rotular, mas considerando a sociedade em que vivemos, sou bissexual. Isso quer dizer que curto sair com homens e mulheres.

- Eu gostava muito de você, Bruno.

- Eu também. Ainda gosto. E eu estava disposto a oficializar, não para que me perdoe, mas para que me esperasse voltar de Portugal.

- Nós nos víamos quase todos os dias e você ainda sim saiu com outra pessoa. O que me leva a pensar que nos dias em que nos víamos você estava com esse outro cara. Imagina com você morando em Portugal. – ela terminou rindo ironicamente.

- - Primeiro: sim, nos dias que não saia com você, eu estava com ele. Segundo...

- Viu só – ela bufou.

- Segundo, já falei que não tínhamos nada concreto. Estávamos nos conhecendo.

- Agora conheço você: é um canalha. – ignorei seu xingamento.

- Sinto muito se não correspondi aos seus encantos.

- Eu achei que poderíamos ter alguma coisa. Mas não sei se posso ficar com alguém que gosta de homens.

- Então o problema é esse?

- Eu concordo com você, Bruno, te entendo, não tínhamos compromisso um com o outro. Nós não nos devíamos lealdade. Mas não ficaria com um bissexual, segundo você. Eu sempre estaria desconfiando se fosse estaria com outra pessoa para satisfazer seus desejos ou olhando para os homens com desejo. Ou pior, ainda, vendo vídeos pornôs gays e se masturbando.

- Só me responde uma coisa: se eu fosse hétero, eu não poderia ter os mesmos desejos? Sair com outra, olhar para outras ou ver vídeos? Não poderia desejar outras mulheres?

- Seria diferente, porque eu poderia fazer tudo que elas fazem. – ri do seu comentário.

- Não seja ingênua. Hétero, gay ou bi, terei os mesmos desejos. Você também tem os seus. Se namorássemos, continuaria tendo atração por homens, assim como por outras mulheres. Assim como você teria por homens. O que importa é que não concretizemos esses desejos. – foi quando um cara passou ao meu lado, que me dei conta que ainda estávamos no meio da rua discutindo. – Alice, aqui não é lugar para termos essa conversa. Você não quer ir para outro lugar?

- Também acho que aqui não é lugar para isso. – Ela ficou calada por uns instantes antes de continuar – Eu nem deveria conversar mais com você, mas amanhã depois da aula. Pode ser?

- Claro. Naquela praça?

- Sim. Mesmo horário. – concordei com a cabeça. – Até lá.

Senti-me um pouco mais aliviado, parte do meu problema já havia sido resolvido, restava Beatriz e Fernando.

Decidi ligar para saber se já havia falado com ela e como ela estava. Sua resposta foi Tranquilizadora: “Vocês ficaram sem se falar menos de uma semana”. Segundo ele, Beatriz estava muito chateada pelo fato de, além de enganar amorosamente Fernando, eu não ter contado sobre a viagem, mas o que eles não sabiam, e que fiz questão que o Felipe falasse a ela, eu só soube da proposta a uma semana. O que não ajudou muito, pois eu os via todos os dias.

Quando cheguei em casa, pensando em tomar um banho e relaxar sobre esse fim de semana trágico, deparo-me com Fernando conversando com Zé Carlos.

- Fernando?

- Oi, Bruno. Eu queria falar com você. Podemos? – ele parecia ansioso.

- Não pode esperar para amanhã? Cheguei de viagem a pouco e não foi uma boa chegada.

- Preferiria que fosse hoje.

- Cara, você parece nervoso. – analisou Carlinhos.

- Ok, vamos para meu quarto. – Fernando levantou-se do sofá.

- Ei, tô saindo agora, valeu? – Disse Zé Carlos. – apenas concordei com a cabeça.

- O que tanto te angustia? – perguntei quando entramos no quarto.

- Angústia? Não estou com angústia, tenho saudades. – falou tímido.

- Toda aquela sena por saudade? – falei rindo e sentando na minha cama.

- Só fiz porque sabia que ficaríamos sós. – ele sentou-se ao meu lado e roubou um selinho.

- Não, Fernando, de verdade, estou exausto. – falei empurrando-o.

- Ei, eu não estou contigo apenas pelo sexo. – ele alertou corando imediatamente.

- Eu sei, Nando. É só que... Você é tão carinhoso e eu tão... Bruto.

- Sei que é seu jeito.

- Não, não é. – seria difícil, mas teria que fazer logo de uma vez. – Vai ser difícil para nós dois. Mas para você do que para mim. Mas terá que ser agora.

- O que foi? Vai terminar comigo? – ele se afastou no mesmo instante que fechei os olhos em pesar.

- Nando... Eu quero ser sincero com você e antes de tudo te peço desculpa, mesmo que não mereça. Sei que fui errado, idiota, palhaço e babaca.

- Pensei que eu fosse o babaca. – ele ironizou.

- A Beatriz inclusive está brigada comigo por parte de você.

- O que?

- Me expressei errado. Ela brigou comigo pelo que te venho fazendo.

- Pois para de enrolar e fala logo. – falou serio e se segurando pra não gritar.

- Eu gosto de você, mas não da mesma forma que gosta de mim. – falei a ultima parte de olhos fechados.

- Explique-se.

- Quando você fez aquilo na sua casa... – comecei olhando em seu rosto mostrando que era a verdade, mas nessa hora ele virou o rosto. – Eu fiquei muito puto e você sempre insistindo para se desculpar. Até que me cansei e resolvi me “vingar” – fiz aspa com as mãos. – Resolvi que daria o que tanto queria, sexo.

- Então você decidiu me fazer de brinquedo? De objeto sexual? – ele segurava as lagrimas.

- Foi. E me arrependo disso.

- Sempre é assim.

- Você também errou.

- Pois é. Por isso ainda estou aqui para ouvir sua justificativa.

- Já expliquei. Fiz por vingança e me arrependi. Eu não te suportava, mas, com ajuda da Beatriz reclamando pelo que eu fazia, acabei gostando de você. – ele sorriu.

- E o que ela dizia?

- Para eu parar de te fazer de objeto sexual, para não brincar com seus sentimentos e tudo mais.

- Preciso agradecer a ela. – ele sorriu. – Então, como ficamos?

- Não sei. Você quem me diz.

- Ok. Você fica aí, apreciando seu peso de consciência como eu fiquei. Eu vou para minha casa. – uma lagrima desceu pelo seu rosto.

- Me desculpa Nando, de coração. – falei segurando sua mão. – Eu não sabia o que estava fazendo, estava rancoroso, com raiva. Não agi certo, sei disso. E entendo que fique com raiva de mim. Mas espero que um dia me perdoe, como fiz contigo, embora dessa forma perversa.

- Eu não tenho raiva. – mais lagrimas desciam pelo seu rosto, mas ele sempre enxugava. – Estou triste. É sempre assim, já me acostumei. Você não foi o primeiro a me fazer de objeto sexual e certamente não será o ultimo.

- Não fala assim, Nando. – tentei abraça-lo, mas ele me afastou.

- A gente que nasceu para amar, outras para sofrer. Eu sou uma do segundo grupo. – fiquei calado. – Posso te contar uma história? – concordei com a cabeça. – Quando eu tinha 15 anos, descobri minha sexualidade com meu melhor amigo. Nós nos descobrimos. Nos amamos, ou achei que ele me amava, me entreguei para ele. Minutos depois de oficializamos o namoro ele me fez participar de uma orgia. Na hora eu gostei não nego. Ficamos juntos três meses, quando descobri que ele me traia com um dos meninos da orgia. Depois, no clube da cidade conheci outro menino. Éramos da mesma idade, convidei para ele ir a minha casa e depois que transamos fui para o banheiro. Quando saí ele tinha ido embora levando meu celular, notebook e outros objetos de valor na minha casa. Com 16 anos, conheci o cara que achei que seria para sempre, demorei muito para transar com ele, pois achei que não tinha sorte no amor por já transarmos de cara. Um dia, estava com ele em casa nos beijando na sala, meus pais estavam trabalhando, quando eles entraram pela cozinha me flagrando aos beijos. Ele saiu correndo, me deixou só e eu, como você sabe fui expulso de casa. Ele nunca mais me ligou, mandou mensagem ou respondeu as minhas tentativas de me comunicar. Depois teve mais um que me usou. E agora você... Não poderia ser diferente. – ouvi tudo com bastante atenção e lagrimas nos olhos. Fernando chorava silenciosamente.

- Não pense assim. Você só não encontrou a pessoa certa.

- Não seja burro, Bruno. A vida não um romance de Machado de Assis. Está mais para uma tragédia shakespeariana. Nem isso, porque sempre havia um amor platônico. Eu nunca fui correspondido.

- Talvez você só estivesse procurando demais. Não se preocupe em achar alguém, Nando. Espere e o tempo irá trazê-lo. Talvez ele já esteja ao seu lado, só você não viu.

- Clichê.

- Sim, clichê, mas que pode acontecer.

- Acho melhor eu ir andando. – ele levantou-se e foi em direção a porta.

- Fernando... – chamei, mas ele continuou seu caminho – eu vou embora. – ele parou na porta e olhou para mim sem entender nada.

- Como assim?

- Vou morar em Portugal por um ano.

Ele voltou e sentou-se ao meu lado novamente e contei tudo novamente. Conversamos bastante, percebi que realmente ele não havia ficado com raiva. Acabamos transando, mesmo com todo meu cansaço. E depois de tomarmos banho, acabamos dormindo juntos. Na hora não pensei direito e esquecendo que Guilherme voltaria para dormir em casa e aceitei o pedido de Fernando de dormir comigo como uma despedida.

Acordei assustado com Guilherme me cutucando indignando com a situação. Não pude falar muito, mas pedi que relevasse dessa vez, pois seria a primeira e ultima. Tentei falar o mais baixo possível, para não acordar Fernando. De nervoso e com vergonha, já bastava eu.

Não teve jeito. A situação foi só adiada, pois Fernando acordou primeiro e logo me cutucou ao perceber a presença de meu companheiro de cela. Fernando correu para o banheiro e depois foi embora sem ao menos tomar café, para não ter que olhar nada cara dos meninos.

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