Inimigo Intimo - varios capitulos

Parte da série Inimigo Intimo

CAPÍTULO UM – O amigo de infância

O dia amanheceu quente, como sempre, em Fortaleza. Eduardo acordou com uma dor de cabeça daquelas em que você não aguenta nem respirar. Deixou seu companheiro – o Vitor - dormir mais um pouco e correu para a cozinha a fim de tomar um comprimido e relaxar. Ainda eram 5h da manhã, então eles ainda teriam bastante tempo para chegarem ao Alcântara Alves, o hospital da família. Ele, Eduardo, trabalhava como médico lá. Toda a sua família trabalhava no hospital também. A única exceção era Vitor, seu companheiro, que trabalhava como advogado da família e do hospital.

Eduardo era alto e magro – não aquele magro esquelético, ele era saudável. Seu cabelo era muito negro e seus olhos também, o que contrastava com a sua pele, muito alva. Usava óculos e tinha uma aparência um pouco séria demais, mas por dentro, era uma manteiga derretida. Vitor, seu companheiro, era alto e magro também, porém um pouco mais malhado, resultado de alguns meses de academia. Tinha a pele mais parda e os olhos mais castanhos, e seus cabelos eram cacheados e escuros.

Eduardo e Vitor viviam juntos há quase 10 anos. Os dois haviam se conhecido logo que Eduardo entrou na faculdade de Medicina, ao passo que Vitor entrava na de Direito. Eduardo sempre fora de uma família abastada, porém Vitor entrara na faculdade através de um concurso de bolsas de estudo, que lhe fora garantida devida as suas ótimas notas no ensino médio. Depois de quase dois anos de namoro, decidiram finalmente morar juntos. Por sorte, a família de Eduardo aceitou normalmente, afinal eram pessoas de mente aberta e conheciam meio mundo devido ao seu poder aquisitivo. Já a família de Vitor, mesmo depois de tanto tempo, ainda finge que nada aconteceu e prefere não tocar no assunto.

Depois de tomar um comprimido, Eduardo decidiu preparar um café da manhã gostoso para seu amor. Já com o café preparado, levou para Vitor, que já se mexia na cama, quase acordando. “Que coisinha mais preguiçosa, meu Deus!”, pensou Eduardo, pondo a bandeja na ponta da cama e beijando o rosto de Vitor, que abriu os olhos instantaneamente e sorriu daquele modo que ele sempre sorria ao ser acordado com carinho pelo seu companheiro.

- Bom dia minha vida! – exclamou Eduardo, dando outro beijo, agora na boca, em Vitor.

- Bom dia meu sol! – respondeu Vitor, se espreguiçando.

- Vamos levantar por que temos que ir para o hospital. Tenho algumas consultas marcadas agora pela manhã e você tem que trabalhar no caso daquela mulher que nos processou – disse Eduardo, se sentando e pondo um morango na boca de Vitor. – E ainda temos que comprar o presente da mamãe, se não ela nos cortará os pescoços se esquecermos. O aniversário dela já está chegando e... – E parou de falar, pois o verbo “chegar” lhe relembrou algo que não podia ter esquecido.

Vitor, percebendo o que aconteceu, disse:

- Eu não acredito que nós esquecemos! Hoje é... Sexta feira! Aquele seu amigos está chegando da Europa!

Eduardo se levantou de um pulo e quase gritou:

- Caramba! O Vinicius está chegando logo à noite! Temos que mandar preparar o quarto dele. Cadê a Fátima?! – E saiu correndo do quarto em direção ao quarto da funcionária deles, Fátima, uma senhora baixinha e gorda, quase sem pescoço, embora tivesse um cabelo enorme que caia até sua cintura voluptuosa.

Fátima já estava saindo do quarto quando avistou Eduardo com aquela carinha de safado dele, que ela já conhecia há anos, e já sabia que ele havia se esquecido de algo e que sobrara para ela resolver o pepino.

- Bom dia Dudu – Ela o tratava assim, afinal o vira nascer e crescer, era como uma mãe. – Qual é o golpe desta vez?!

- Fatinha, meu neném, você não sabe o que aconteceu! – exclamou Eduardo. – Sabe aquele amigo que eu falei que viria se hospedar aqui por um tempo?

A mulher confirmou com a cabeça, e ele prosseguiu:

- Pois é... Ele chega hoje à noite, e eu esqueci completamente da vinda dele. Você pode mandar ajeitar o quarto de hospedes para ele e preparar um bom jantar?

- Claro que sim! Esta é minha obrigação, não é?

- Não seja tão árida, minha bolinha! - E ele deu um beijo na bochecha dela e saiu correndo de volta para o quarto. Ao chegar lá, encontrou Vitor já banhado e o abraçou pelas costas, beijando-lhe a nuca.

- Pode parar seu pervertido! – Se desvencilhou Vitor, abrindo o guarda roupa e tirando seu terno. – Nem vem que não tem! Estou em greve hoje, já que sei que sua atenção será direcionada somente para o “Vini” – ele pronunciou o apelido de Vinicius com um tom sarcástico, porém com um sorrisinho nos lábios. Adorava se fazer de ciumento para o Eduardo,pois ele adorava.

- Só não insistirei por que tenho que ir trabalhar agora, e afinal, o Vini está mesmo vindo, então tenho que estar preparado para receber meu amigo! Caramba, quanto tempo! 10 anos! Ele já deve estar um homenzarrão! Ele sempre pareceu um menininho com aquela aparência infantil – Eduardo retrucou, correndo para o banho.

O dia correu tranquilamente. O hospital estava calmo e o processo que tanto estressava Vitor se foi – ele ganhara na justiça o direito de não pagar indenização a tal mulher.

À noite, os dois se arrumaram e checaram se o apartamento estava legal para receber Vinicius, o amigo de infância de Eduardo. Logo depois, foram para o aeroporto pegá-lo. Ele falava tanto nesse amigo para Vitor quando os dois se conheceram que até enjoava, afinal os dois haviam estudado a vida toda juntos na escola e depois que Eduardo entrou na universidade, Vinicius foi morar nos EUA e depois se mudou para Londres. Vitor nunca havia visto esse cara antes. E para falar a verdade nem queria ver. Mas de tanto que Eduardo insistiu, ele aceitou hospedar Vinicius no apartamento por uns dias. Mal ele sabia o que estava por vir.

CAPÍTULO DOIS – Criatura aureolar

Chegaram ao aeroporto de Fortaleza meia hora antes do desembarque de Vinicius. Comeram alguma coisa em uma lanchonete e depois seguiram para o saguão de desembarque. O voo estava marcado para chegar às 8h da noite. Eduardo estava bastante ansioso. Não parava de falar sobre as travessuras que os dois tinham quando eram crianças. Vitor já não aguentava mais, até que Eduardo quase deu um grito no meio das pessoas e correu para abraçar um cara que vinha em sua direção.

Por um momento Vitor pensou que não enxergava direito. Coçou os olhos com as costas das mãos e só ai foi perceber o porquê do comentário de Eduardo mais cedo: “Ele já deve estar um homenzarrão! Ele sempre pareceu um menininho com aquela aparência infantil”. O cara parecia um adolescente! De acordo com Eduardo, Vinicius tinha 28 anos como ele, mas ele aparentava uns 18,19 no máximo. Ele era alto, com a pele muito clara, o cabelo preso num rabo de cavalo - que lhe dava uma aparência de adolescente roqueiro, e loiríssimo. Seu rosto era tão jovem e dócil de uma forma que Vitor pensou que estivesse vendo um anjo. Andava de uma forma elegante e trajava roupas de frio – afinal ele vinha da Europa! Vitor ficou hipnotizado com a visão de Vinicius até o momento que Eduardo se aproximou trazendo Vinicius para fazer as apresentações.

- Vitinho, esse aqui é o Vinicius! – exclamou ele. – Vini, esse daqui é o amor da minha vida, o Vitor.

Os olhares de Vitor e Vinicius se encontraram de repente, e o loiro abriu um sorriso lindo dizendo:

- É um prazer conhecê-lo, Vitor. Fico feliz e saber que meu melhor amigo tem uma boa pessoa ao lado dele, e inteligente também, afinal, um advogado também, assim como eu!

- Mas tu se achas mesmo, viu Vini! – exclamou Eduardo.

O máximo que saiu da boca de Vitor foi um: “Prazer em conhecê-lo também”. Ele estava completamente hipnotizado pelo rapaz. Que olhos eram aqueles?! Azuis e profundos e parecia que penetravam sua alma! E que voz era aquela?! Grossa, porém calma e dócil. Aquele cabelo loiro preso num rabo de cavalo dava um charme tremendo aquele cara! E aquele corpo malhado, meu Deus!

Vinicius aproveitou o fato de seu amigo Eduardo estar concentrado em contar-lhe todas as novidades de anos sem se verem e também olhou para Vitor, mas de um jeito sedutor. Pelo jeito sua volta ao Brasil iria ser melhor do que o imaginado.

Quando chegaram ao apartamento, Fátima já havia posto o jantar na mesa e os aguardava na sala, a postos.

- Vini, olha a minha decoração, você lembra que nós ficávamos discutindo quem teria o apartamento mais bonito quando começasse a trabalhar? – perguntou Eduardo, quando entraram em casa. Vitor vinha logo atrás, ajudando a levar uma das malas que Vinicius trouxera. Eduardo também ajudava levando algumas. Vinicius somente segurava sua bolsa e logo abriu um sorriso encantador quando viu Fátima vindo em sua direção.

- Fátinha, este daqui é o Vinicius, o meu amigo da escola, lembra-se dele? – Eduardo perguntou novamente, pondo as malas no meio da sala e dando outro abraço em Vinicius, que se soltou e foi abraçar a mulher.

- D. Fatinha, quanto tempo não é? – Ele disse.

- Ora, mas se não é o Vinicius, da casa dos Capelo, menino, você cresceu, mas continua com essa carinha de anjo! – Fátima exclamou, abraçando o rapaz com força.

“É, pelo jeito eu sou o único que não o conheço nessa família!”, pensou Vitor.

Passados os abraços iniciais, os quatro se sentaram para jantar. Eduardo ao lado de Vitor, e Vinicius ao lado de Fátima, porém em frente a Vinicius. Este não lhe parava de lançar olhares sedutores e penetrantes, e em alguns momentos do jantar, Vitor até ficou incomodado. Eduardo parecia não perceber as atitudes do amigo, afinal não parava de relembrar travessuras e fatos marcantes da trajetória dos dois na escola. É, devia ser só o jeito dele mesmo, Vitor pensou.

A sobremesa foi pudim de chocolate, que segundo recomendações de Eduardo, era o preferido de Vinicius. Enquanto comia seu pedaço de pudim, Vinicius falava de sua vida nos EUA e na Europa, e de como a crise havia afetado seus negócios de advogado.

- A única solução foi voltar para o Brasil mesmo! – Ele continuou, pegando outro pedaço de pudim. – Na Europa a situação não está boa, principalmente para os estrangeiros. Mesmo com toda a minha experiência, precisei voltar. Não dava mais.

- Mas aqui é sua terra, meu amigão, e pode contar conosco para o que der e vier – completou Eduardo. – Não é, Vitinho?

Todos os olhares da mesa se viraram para Vitor, que respondeu:

- Sim, com certeza. Você pode contar conosco, Vinicius, afinal você fez o meu amor feliz durante muitos anos antes de eu conhecê-lo e eu sou grato por isso.

Eduardo abriu o maior sorriso do mundo e beijou o companheiro, que percebeu que Vinicius os encarava de uma forma estranha.

- Pelo visto vocês dois realmente se completam, Dudu – disse Vinicius, depois que Fátima retirou a mesa e os três foram assistir um pouco de TV na sala. – Fico muito feliz que você tenha encontrado alguém que te ame de verdade. Muito mesmo, meu amigo. – E deu um abraço em Eduardo, lançando um rápido olhar a Vitor, que fingiu não ter reparado.

O resto da noite foi até prazerosa. Eles conversaram mais um pouco sobre a Europa e a crise financeira que assolava o mundo. Depois de um tempo, Vinicius perguntou a Eduardo se este podia lhe emprestar seu computador, pois segundo Vinicius o dele havia quebrado antes da viagem.

- Claro, meu amigão! – respondeu Eduardo, pegando o notebook no quarto e entregando a Vinicius.

- Nem sei como te agradecer por me aceitar aqui, Dudu – retrucou Vinicius. – Eu não tenho onde morar, e infelizmente depois da tragédia que meus pais sofreram, aí é que não tenho mesmo. Muito obrigado.

- Você não precisa agradecer nada, Vini.

- Garanto para você que, assim que conseguir receber um dinheiro que havia aplicado na Europa, eu saio da casa de vocês. Não precisa se incomodar, não, Vitor!

Vitor somente negou com a cabeça enquanto bebericava uma taça de vinho, e depois falou:

- Não é nenhum incomodo! – E sorriu, simpaticamente.

Quase meia noite, Vinicius disse que precisava descansar um pouco, pois a viagem havia sido muito cansativa. Eduardo o levou para o quarto de hospedes e depois seguiu com Vitor para o quarto deles.

- E ai, amor, o que achou do Vini? – Ele perguntou assim que os dois se deitaram para dormir. – Ele não é super legal? Não te disse que ele parecia um adolescente?

- É, sim, você estava certo – concordou Vitor, abraçando o companheiro e passando a mão em seu corpo. – Ele é bem legal. Pena que ele não conseguiu se estabilizar na Europa, não é? Ele parece ser um advogado muito talentoso!

- Não mais do que você! – Exclamou Eduardo, beijando Vitor com intensidade.

Naquela noite eles namoraram bastante, sem ter ideia do que Vinicius fazia com o computador de Eduardo no quarto ao lado.

CAPÍTULO TRÊS – Paloma e o Doutor

Quando finalmente conseguiu relaxar após a longa viagem de volta para o Brasil, Vinicius pegou o notebook de Eduardo e abriu seu e-mail. Precisava entrar em contato com antigos conhecidos seus, pessoas que ele precisava rever, não por saudade, mas para solicitar-lhes informações necessárias para que pudesse pôr em prática o plano armado desde antes da saída da Europa.

Por meio de uma conhecida, Vinicius ficara sabendo que o Hospital Alcântara Alves passara a ser no nome de Eduardo, seu amigo de infância. Não queria ter que voltar ao Brasil depois de tanto tempo, mas desde a droga da crise econômica na Europa, ele não teve escolha, tinha que voltar para aquele fim de mundo! Sem contar aqueles malditos da Interpol na cola dele o tempo todo! O plano que arquitetou seria facilmente posto em prática com a ajuda de pessoas influentes dentro do hospital, e agora que percebera que Eduardo continuava o mesmo bobalhão de sempre, ah! Seria como tirar doce da boca de uma criança.

Assim que olhou para Vitor, sentiu logo que aquele ali seria fácil de ser enganado. Que cara idiota! É daqueles caras que não podem ver um sorrisinho bonito vindo de um homem, que se derretem todo. Deve trair o Eduardo com Deus e o mundo. Mas bem feito para o Eduardo, quem manda ser tão débil mental.

Assim que o e-mail abriu, Vinicius clicou no e-mail de uma mulher e digitou:

“Prontinho, cheguei ao Brasil e já estou na casa do Eduardo. Precisamos nos encontrar o mais rápido possível. Amanhã darei um jeito de me livrar do casalsinho maravilha e te encontrarei naquele lugar dos velhos tempos, lembra? As 10. Não se atrase. Vinicius Capelo.”

Desligou o notebook, apagou o histórico e foi dormir. Precisava pensar bem em como faria para não deixar Eduardo e Vitor perceberem que ele não voltara da Europa só por causa da crise.

***

Quando acordaram no dia seguinte, Eduardo e Vitor se aprontaram bem rápido e já encontram Fátima conversando com Vinicius na sala de estar, os dois rindo alegremente como se tivessem acabado de ouvir uma piada muitíssima interessante.

Vinicius se levantou e correu a abraçar Eduardo, dizendo:

- Bom dia, meu amigo! Estávamos os esperando para tomarmos café da manhã juntos.

- Que bom cara! – respondeu Eduardo. – Mas tenho que te confessar que não poderei me demorar. Tenho várias consultas marcadas para hoje e uma cirurgia também, então só quem poderá te fazer companhia é o Vitinho, que está de folga hoje.

Enquanto todos tomavam café da manhã na mesa da sala de jantar, Vinicius fitou Vitor com um enorme sorriso no rosto. Antes da saída de Eduardo, Vinicius, lembrando que tinha um compromisso às 10, comentou:

- Lamento muito não poder aproveitar esse meu primeiro dia de volta ao Brasil com você, meu camarada, mas acho que não tenho o direito de incomodar o Vitor, afinal, hoje é um dia de descanso para ele, e eu gostaria de sair e espairecer um pouco, rever Fortaleza, que com certeza deve estar mais linda ainda.

- Não será nenhum incomodo te fazer companhia, Vinicius – retrucou Vitor, percebendo que Eduardo gostaria que ele fizesse mesmo companhia ao amigo. – Geralmente eu saio para o shopping, dou um passeio na praia ou faço compras para casa nos meus dias de folga, que geralmente não são os mesmos do Dudu. Assim, pelo menos terei uma companhia hoje!

Vinicius, percebendo que poderia tirar algum proveito da companhia inesperada, balançou a cabeça positivamente ao comer outro pedaço de bolo.

Eduardo deu um beijo em Vitor antes de sair e se foi. Depois que terminaram o café, Fátima retirou a mesa e disse que iria visitar seu filho Bruno na casa dele, pois estava morrendo de saudade! No fim, ficaram somente Vinicius e Vitor em silêncio, até que o loiro quebrou o gelo:

- Então, Vitor, para onde vamos hoje? Espero realmente que não se incomode com a minha companhia.

- De forma alguma – respondeu Vitor. – Espere dois segundinhos enquanto pegarei minha carteira no quarto, acho que seria legal se você revesse a praia novamente, não?! Na Europa não se vê uma praia tão linda quanto a nossa daqui de Fortaleza.

- Com certeza não se vê! – exclamou Vinicius se levantando enquanto Vitor correu no quarto para pegar a carteira. Ele seguiu para a sala de estar e, momentos depois, Vitor chegou.

- Ai droga! – reclamou Vitor, apalpando os bolsos e pondo a carteira em cima do sofá. – Esqueci a chave do carro. Só um momento.

Quando ouviu a porta do quarto ser aberta novamente por Vitor, Vinicius não pensou duas vezes: abriu a carteira de Vitor e retirou todas as cédulas que havia dentro, colocando-as rapidamente em seus próprios bolsos. Depois pôs a carteira na mesma posição, segundos depois Vitor chegou sorrindo dizendo que encontrara a chave do carro embaixo da cama, seu rosto com uma leve vergonha por não ter conseguido segurar o comentário.

- Hum, pelo jeito a noite ontem foi ótima, não foi? – Vinicius zombou, em um tom brincalhão, o que deixou Vitor mais aliviado e a vontade. Vinicius já era amigo de seu companheiro há anos, então com certeza poderia confiar nele. E, afinal, como disse Eduardo, Vinicius era brincalhão mesmo, tudo era motivo de uma piada!

Quando saíram do condomínio, Vitor perguntou a Vinicius como era viver na Europa, afinal ele nunca havia saído do Brasil.

- É muuuuuito bom, Vitor – respondeu o outro. – Assim, o nível de vida é melhor, as pessoas são mais educadas, enfim, eu amei. Já estou louco para voltar. Não que eu não esteja gostando de Fortaleza, mas tipo, eu era feliz lá. Pena que essa crise louca tenha destruído, não só os meus sonhos, mas os de muitas pessoas lá.

- Eu imagino Vinicius. A vida de advogado lá e puxada?

- Demais, havia meses que eu não tinha tempo nem para respirar. Mas eu amava. Você é o advogado oficial do Alcântara Alves, não é?

- Sim, eu sou! – Respondeu Vitor, dobrando a direita para chegar a Avenida Beira Mar. – Desde que me formei que trabalho lá. A D. Violante sempre confiou muito no meu trabalho, então tenho convicção que entrei lá por mim mesmo, não só por que sou companheiro do filho da dona. Quero dizer, da ex-dona.

- Como assim ex-dona? – perguntou Vinicius, como quem não quer nada. Ele já sabia que a velha Violante havia passado o hospital para que Eduardo administrasse.

- Há, é que, como a D. Violante já está velha, ela passou o hospital para o nome do Dudu. Agora é ele quem administra e também é médico lá.

- Ah, tah! – murmurou Vinicius, com cara de surpresa. – Ela fez a coisa certa mesmo. O Dudu é um ótimo médico, e com certeza dá conta do recado.

Vitor estacionou e logo depois os dois desceram do carro. A avenida estava calma, com um número razoável de pedestres e banhistas. Atravessaram a rua e depois Vitor indicou uma barraca para os dois. Ao se sentarem, Vitor vê alguém acenar para ele.

- Olha aí quem está aqui pleno sábado pela manhã! – disse ele para Vinicius, que se levantou para cumprimentar a mulher que se aproximou da mesa.

Era uma mulher alta, não muito, mas alta; uma pele morena bem clarinha e os cabelos negros com mechas loiras. Os olhos dela eram grandes e chamativos, talvez devido à maquiagem que usava. O vestido que trajava era todo florido, e caía até seus pés. Seus modos eram elegantes, porém um pouco artificiais, como se ela tivesse aprendido a andar e agir daquele modo, não era algo nato.

- Tudo bom, Vitinho, como vai? – ela perguntou, abraçando Vitor e dando-lhe um beijo no rosto. – Cadê o Dudu?

- Tudo ótimo, Paloma – respondeu Vitor, se sentando novamente. – O Dudu foi para o hospital.

- Ai que pena, igualzinho ao Pedro – Paloma falou, agora olhando para Vinicius, que sorriu para ela, simpaticamente. – E quem é esse lindo rapaz aqui ao seu lado?

- Me chamo Vinicius, muito prazer! – Vinicius beijou a mão de Paloma num gesto cavalheiro, o que fez com que ela o olhasse com admiração. – Sou amigo do Dudu e do Vitinho, cheguei ontem da Europa.

- Mas que encanto de rapaz, Vitinho – disse Paloma, sorrindo. – Me chamo Paloma, Vinicius. É um enorme prazer te conhecer. Meu marido, o Pedro, trabalha no hospital com o Dudu. Acho que você deve conhecê-lo, não?

- Infelizmente, não o conheço, Paloma – retrucou Vinicius, todo educado.

- Mas um dia irá conhecer! – exclamou a mulher, agora se virando para Vitor novamente. – Agora preciso ir, Vitinho. Espero lhe ver em breve. Mês que vem é meu aniversário e vocês são presenças registradas lá, ok?

- Sem problemas, Paloma – respondeu Vitor. – Tenha um bom final de semana e depois te ligo para conversarmos melhor.

Paloma deu outro beijo em Vitor e se despediu de Vinicius com um abraço. Depois disso se juntou com algumas mulheres e desapareceu na praia.

- Simpática ela, não é? – perguntou Vinicius, se sentando novamente. – Ela é muito bonita. Esse Pedro ganhou na loteria.

- Digamos que sim – murmurou Vitor, com um sorrisinho nos lábios. Vinicius não havia percebido o que tornava Paloma tão especial.

- E por que esse risinho?

- Você não percebeu?

- Percebi o quê?

- Tá, vou te contar a história, mas isso tem que ficar só entre a gente, ok? – perguntou Vitor, vendo que Vinicius não percebera nada de diferente em Paloma. E continuou: - A Paloma não é uma mulher, pelo menos não geneticamente. Ela é uma travesti.

Vinicius abriu os olhos em surpresa.

- O quê!? – perguntou ele, abobado.

- Sim, ela é uma travesti – confirmou Vitor. – Aconteceu o seguinte: O Pedro, o tal doutor lá do hospital, era casado com uma mulher quando a conheceu. Os dois começaram um caso, e anos depois, a mulher do Pedro descobriu tudo. Eles se separam e desde então Pedro vive com a Paloma, como marido e mulher. Detalhe: a Paloma era garota de programa na época, então você pode imaginar a cabeça da mulher do Pedro ao ser trocada por uma travesti, e que faz programas!

- Cacara! – exclamou Vinicius, dando uma gargalhada. – Que história! E o Pedro leva numa boa o fato de ela ser uma travesti?

- Sim, na medida do possível – respondeu Vitor. – Uma vez ele me confessou que gostaria que ela fizesse uma cirurgia de mudança de sexo, mas ela não quer, pelo menos não agora.

- Nossa! Mas a Paloma é muito bonita, sinceramente, não percebi que ela era uma travesti.

- Poucos percebem, por que depois que passou a viver junto com Pedro, Paloma fez várias cirurgias faciais para tornar o rosto mais afilado e feminino, e tomou muito hormônio. O Pedro é um doutor reconhecido internacionalmente, então isso não foi nenhum problema para ele.

- Que história, hein! E o Pedro faz o quê no Alcântara Alves?

- Ele faz parte da direção do hospital, ao lado do Dudu.

O termo “direção do hospital” fez com que os olhos de Vinicius brilhassem. Então o tal Pedro que vivia com a travesti Paloma fazia parte da direção do hospital, mandava lá dentro também! Mas que sorte. Precisava conhecer esse Pedro o mais rápido possível.

CAPÍTULO QUATRO – Pondo o plano em prática

A algumas quadras da barraca de praia onde Vitor e Vinicius estavam, uma mulher baixa e negra adentrava um bar e pedia uma cerveja. Seus olhos eram grandes e negros, e seu cabelo era cheio e cacheado. Ao receber a bebida, sentou-se em uma mesa no fundo do bar, que também funcionava como lanchonete. Colocou a bolsa na cadeira ao lado e deu um gole na cerveja, pensativa.

Quer dizer então que Vinicius estava de volta ao Brasil e já tinha um plano para por em prática? Desde que conhecera Vinicius, seus planos sempre foram muito bem arquitetados, e quase nunca davam errados. E com certeza dessa vez ele devia ter certeza do que estava fazendo, e ela iria ajudá-lo, afinal seria um bom dinheiro que ganharia. Precisava bancar o tratamento de sua mãe, aquele maldito tratamento que custava o olho da cara, e com essa grana ela conseguiria.

Olhou no relógio, faltavam dez minutos para as 10h, então Vinicius já deveria estar chegando. Tomou mais um gole da cerveja e continuou a pensar no tratamento de sua mãe. Ela sabia que era mais um passo errado que estaria dando na vida, mas era necessário. Como que ela conseguiria pagar um tratamento caríssimo como aquele ganhando salário mínimo? Estava decidido, iria participar de qualquer que fosse o plano e sua mãe não saberia e nem descobriria nada.

***

Quando voltaram para casa, Vinicius convenceu Vitor a deixá-lo fazer o almoço, pois, segundo ele, havia aprendido a fazer pratos deliciosos com um namorado chefe de cozinha na Europa.

Estava na cozinha cortando uma cebola quando percebeu que já eram 10h, ele precisava sair e encontrar sua velha conhecida! Foi até a sala, onde Vitor assistia a um programa com atenção, e falou:

- Vitinho, nem te conto!

- O que aconteceu? – perguntou Vitor, olhando para ele, mas ainda prestando atenção no programa da TV.

- Eu esqueci minha carteira na barraca de praia – respondeu Vinicius, fazendo uma cara de “ninguém merece”. – Eu vou lá pegar, tá bom?

- Não, de forma alguma, eu vou lá por você! – exclamou Vitor, já se levantando e pegando a chave do carro na mesinha de centro.

- Não, não precisa – Vinicius retrucou. – Eu vou lá, de qualquer forma o almoço já está quase pronto, então você pode ficar aí descansando enquanto eu dou uma corridinha até lá.

- Tem certeza? – indagou Vitor, dividido entre seu programa favorito e ir ajudar o amigo de seu companheiro. – Tenho medo que você se perca ou algo assim.

- De forma alguma – disse Vinicius já abrindo a porta da sala. – Sei que passei muitos anos na Europa, mas eu ainda conheço minha terra! E, afinal, a praia é logo na outra rua, seria impossível de se perder.

Vitor concordou e voltou sua atenção para a TV, dizendo que qualquer problema ele ligasse a cobrar, já que ele ainda não tinha celular. Vinicius saiu e correu para o bar que no qual marcara o encontro.

Quando chegou lá, ele logo avistou uma mulher sentada no fundo do bar, bebendo. Caminhou até ela e falou calmamente:

- Ora, ora, ora, vejam só quem está aqui! Alexandra, quanto tempo!

A mulher chamada Alexandra se levantou e sorriu.

- Vinicius! – E apertou a mão direita do rapaz. – Ou devo chama-lo de Carlos? Não, melhor, Paulo? Desculpe-me, tenho uma memória péssima. Não seria Edward, ou até mesmo Charles?

- Para você, exclusivamente, Vinicius! – respondeu Vinicius, gargalhando e se sentando ao lado da mulher e chamando o garçom. Depois de pedir um uísque e recebê-lo, ele continuou: - Como vai a vida?

- Tudo bem, na medida do possível.

- Ótimo, tenho boas notícias para você, ou melhor, para nós – disse Vinicius, bebericando seu uísque. – Tenho um plano simplesmente perfeito para ganhar muito dinheiro sem ter trabalho.

- Opa! – Alexandra se moveu na cadeira. – Se o resultado é muito dinheiro, então estou dentro.

- Você conhece o Hospital Alcântara Alves, não é?

- Sim, óbvio, quem não conhece?

- Pois sim, o meu amigo Eduardo é o novo dono. Quero dizer, ele sempre foi o herdeiro do hospital, mas agora o hospital pertence a ele, está registrado no nome dele, e isso quer dizer que com a assinatura dele nós podemos conseguir muito mais do que nós imaginamos lá dentro.

- E o que você sugere?

- Simples, eu vou me aproximar de um dos chefões lá de dentro, um cara que descobri agora a pouco que vive com uma travesti, travesti essa que adorou me conhecer.

Alexandra abriu um sorriso e falou:

- E quem é esse retardado?

- Pedro. Eu já sei que seu nome é Pedro, mas ainda tentarei coletar mais informações com o macho do Eduardo, o Vitor. – respondeu Vinicius, bebericando mais um pouco seu uísque. – Este é outro que não parava de me olhar quando eu cheguei.

- Mentira?!

- Que mentira que nada! – riu Vinicius. – Ele só faltou me comer com os olhos, se é que você me entende. Eu conheço olhar de homem safado. E ele é um deles. Eu diria até que ele é gostoso, pelo menos não é um magricelo como o Eduardo.

- Como você é safado, Vinicius – murmurou Alexandra. – Ele é o companheiro do seu melhor amigo. Há quanto tempo eles estão juntos? Nove anos, 10?

- Irão completar 10 anos em breve, não me lembro quando – respondeu o loiro. – Mas daqui para lá eu consigo conquistá-lo e levá-lo para a cama. Preciso que Vitor fique ao meu lado para que Eduardo acredite mais ainda em mim. Ele morre pelo Vitor, o Eduardo, confia em tudo que o Vitor diz.

- Caramba, você é mesmo um safado, Vinicius – observou Alexandra. – Você não tem pena de destruir um relacionamento de quase dez anos, e ainda mais o do seu melhor amigo?

- Pena? – Vinicius repetiu, bebericando seu uísque. – Pena é coisa para fracos.

Alexandra balançou a cabeça levemente de uma forma negativa. Precisaria tomar cuidado com Vinicius, se ele estava traindo a confiança do melhor amigo, que acabara de lhes dar abrigo depois de tanto tempo, imagina o que ele não poderia tentar contra ela.

- E onde eu entro nisso tudo? – ela perguntou, depois de alguns momentos em silêncio.

- Preciso que você me faça umas identidades falsas – respondeu Vinicius. – As minhas antigas ficaram na Europa, devido a minha rápida fuga. A Interpol é uma filha da mãe! Eu quase fui pego, então deixei tudo lá. Só tive tempo de mudar o visual e voltar para o Brasil.

- Tudo bem, isso é fácil – Alexandra terminou sua cerveja e pegou sua bolsa na cadeira ao lado. – Assim que eu tiver os documentos, te mando um e-mail. Você precisa de um celular, sabia?

- Eu sei. Hoje eu peguei emprestado um dinheiro com o Vitor e depois eu compro e te mando o número. Mas minha prioridade é comprar um carro, por isso preciso desses documentos para ontem.

- E, me diz, que mudança de visual que você fez para passar pela Interpol?

- Quando eu estava na Europa eu pintava o cabelo de preto, eu tinha um peguete lá que era cabeleireiro – dessa vez, Vinicius termina seu uísque. – Quando os malditos da Interpol receberam uma denúncia de onde eu estava eu fiz com que ele pintasse meu cabelo de loiro, que é a cor natural, e aplicasse uma técnica lá conhecida como mega-hair. Esse rabo de cavalo aqui não é meu, não. Isso daqui é mega-hair.

- Nossa! – Alexandra abriu os olhos. – Parece natural, caramba, gostaria de ter conhecido esse cabeleireiro. Preciso dar um trato na minha juba.

- Sem chance! – gargalhou Vinicius. – Agora que ele está sem dinheiro nenhum, deve ter fechado seu salão.

- E por quê?

- Enquanto nós namorávamos, eu consegui falsificar os documentos dele e, antes de fugir, eu limpei a conta bancária dele e a do salão.

- Bem a sua cara, não é? – Alexandra se levanta e joga dez reais na mesa. – Bom, assim que eu tiver os documentos em mãos, te informo. Tenha um bom fim de semana.

Vinicius se levantou e a acompanhou até a saída do bar, depois seguiu de volta para o apartamento. Quando chegou lá, abriu a porta delicadamente e não viu ninguém na sala. Caminhou até a cozinha e a mesma estava vazia. Passou pelos quartos e, ao se aproximar do quarto de Eduardo e Vitor, escutou gemidos. Após alguns segundos, deu um sorrisinho malicioso e murmurou baixinho:

- Aproveitem enquanto podem, casalsinho ridículo!

E foi para a sala, se deitar no sofá e assistir a alguma bobagem na TV.

CAPÍTULO CINCO – Veneno Dominical

O domingo chegou rapidamente. Assim que acordou, Eduardo recebeu uma ligação de sua mãe, D. Violante, os convidando para um jantar em família logo à noite. Eduardo adorou a ideia, aproveitaria o jantar para reapresentar Vinicius para sua família, afinal quando eram crianças, Vinicius vivia dentro da casa dele brincando e estudando.

- Vai ser ótimo – comentou Vinicius, com um largo sorriso no rosto, assim que Eduardo lhe dera a notícia no café da manhã. – Estou morrendo de saudade da D. Violante, e como vai o Sr. Jonas?

O Sr. Jonas a quem Vinicius se referiu era o pai de Eduardo.

- Vai bem também – respondeu Eduardo, entregando o açúcar para Vitor, que estava ao seu lado. – Aproveitando sua velhice, meu paizinho, ele já estava cansado de trabalhar. Mas de vez em quando ele ainda vai ao AA (Alcântara Alves) dando ordens a torto e a direito. Pode?

- Mas olha que coisa! – gargalhou Vinicius, percebendo que aquele era o momento certo para começar a agir. Depois continuou: - Por falar em AA, Dudu, queria mesmo falar com você sobre um assunto. – E abaixou a cabeça, com uma expressão triste.

- O que foi? Algum problema? – perguntou Eduardo, preocupado. – Qualquer coisa, pode me falar. Estou aqui, e você pode contar comigo.

Vinicius levantou a cabeça com os olhos cheios d’água e as bochechas avermelhadas, depois continuou:

- Eu não queria te contar, não agora, mas é algo necessário e fico me culpando o tempo todo por não ter te contado antes.

Eduardo se levantou da cadeira ao lado de Vitor e se sentou ao lado de Vinicius, que continuava chorando e gaguejando:

- Pode falar Vini! Estou aqui para o que der e vier. Não ficarei com raiva de você, não.

- Eu n-n-não sei mais o q-q-que faz-faz-fazer, amigo! Eu m-m-me sinto tão culpado por não ter t-t-te contado antes. Quando eu estava em Londres, eu se-se-senti umas dores na cabeça...

- E? – perguntou Eduardo.

- Fala Vinicius, não se preocupa cara, nós vamos te ajudar no que for preciso – disse Vitor, se sentando do outro lado de Vinicius, que parara de chorar e só fungava de leve.

- Eu fui ao médico e fiz uma pilha de exames, e o médico me disse que eu sofro...

Mais alguma lágrimas caíram dos olhos dele, e logo após ele olhou para Vitor com uma expressão de dar pena, e falou:

- Eles disseram que eu sofro de uma doença muito rara, um tipo de câncer, que a ciência não consegue explicar e que eu tenho pouco tempo de vida. – E caiu no choro novamente, um choro falso, porém comovente. Ao ver que Eduardo colocou as mãos no rosto e começou a chorar também, mais lágrima caíram de seus olhos, lágrimas de crocodilo ao engolir a presa.

Vitor ficou estático. Como é possível? Um homem jovem daqueles, fadado à morte de uma forma tão cruel! Mas ele parecia tão saudável! Minha nossa, coitado do Vinicius. Primeiro seus pais morrem quando ele completa 18 anos, e agora 10 anos depois ele descobre que tem uma doença, e que a qualquer momento pode morrer.

Eduardo continuou com as mãos no rosto, chorando. Não, seu melhor amigo, não podia ser verdade!

- Você está brincando, não está? – perguntou Eduardo, depois de alguns minutos. Vinicius ainda chorava lentamente. – Me diz Vini. Isso não é verdade, cara, você não esta doente!

- Eu queria estar brincando, Dudu – respondeu Vinicius, se levantando bruscamente. – Eu sabia que seria assim. Eu contaria a verdade e todos ficariam com pena de mim! Era para eu ter te contado no momento que te liguei informando que estava voltando ao Brasil, não queria ter causado esse desconforto em pleno café da manhã! Eu sou um nada mesmo! – E saiu correndo para o quarto de hospedes, com Vitor em seu encalço, seguido por Eduardo, que ainda chorava.

- Não, cara, de modo algum, eu entendo sua situação! – Eduardo exclamou, limpando as lagrimas com as mãos. – Não tem problema nenhum você não ter contado antes. Eu entendo, imagino como não deve estar sendo duro para você falar isso agora, e o quanto você não sofreu guardando isso ai no seu peito!

Vinicius voltou a chorar, e deu um abraço em Eduardo, dizendo:

- Me perdoa meu amigo! Eu não te contei antes por que tive vergonha! Saindo praticamente expulso da Europa e vindo para o Brasil, onde não tenho nem onde ficar, desde a tragédia com os meus pais. Eu estou desesperado, Dudu!

- Ei, ei, não chora não! – Eduardo passou a mão na cabeça do amigo, acariciando-a. – Eu estou aqui com você e não vou deixar você ao léu, não. Nunca faria isso com o meu melhor amigo, nunca faria isso com ninguém. Eu estou aqui, e o Vitinho também, e você pode ficar aqui em casa o tempo que precisar, não precisa ter pressa. Nós ficaremos muito felizes em te ter aqui.

- É verdade, Vini – falou Vitor, abraçando Vinicius pelas costas, ficando assim os três abraçados, enquanto Vinicius se acalmava nos ombros de Eduardo. – Vai ser um prazer ter um amigo morando conosco. E o quarto é seu agora, pode até modificar a decoração se quiser, ele é todo seu.

- Está decidido – disse Eduardo, dando um beijo na testa de Vinicius limpando as lágrimas do amigo. – Você fica aqui com a gente. Tá bom?

- Eu nem sei como agradecer, Dudu – murmurou Vinicius, dando outro abraço no amigo, e depois um em Vitor. – Você também, Vitinho. Vocês não tem obrigação de aguentar um estorvo como eu na casa de vocês.

- Você não é estorvo nenhum – Vitor disse. – Pelo contrário, é um cara muito legal e que merece ser feliz.

- Vini, aproveitaremos o AA para você refazer seus exames, quem sabe esse médico de Londres não está enganado?! – disse Eduardo, sorrindo.

- Não! – exclamou Vinicius, dessa vez com a voz um pouco alterada. Ao perceber que Eduardo estranhou seu modo de falar, continuou: – Eu não passei só por um médico, Dudu, foram vários médicos que fizeram os exames em mim, eu não suportaria passar por isso outra vez, ouvir deles que tenho pouco tempo de vida... – E voltou a chorar, abraçando o amigo novamente.

- Tudo bem, tudo bem, foi só uma ideia, Vini – concordou Eduardo, olhando para Vitor com uma expressão de “coitado do meu amigo”. – Não tocamos mais nesse assunto, ok?

Vinicius balançou a cabeça positivamente, dando um sorrisinho ao perceber que Eduardo e Vitor caíram na conversa dele direitinho. Mas que panacas!

CAPÍTULO SEIS – Uma nova ameaça

A noite chegou com o por do sol mais lindo que se possa imaginar. Da varanda do apartamento, Eduardo e Vitor aguardavam Vinicius se arrumar para o jantar na casa dos pais de Eduardo. Os dois se abraçavam e acariciavam um ao outro, observando o por do sol.

Vinicius apareceu de leve por trás de Eduardo, e olhou para Vitor, que percebeu sua presença ali. Nossa, como Vinicius era bonito! Vitor pensou. Um corpo bem trabalhado em academia, a pele tão alva e limpa, sem manchas, os olhos azuis como o céu; Ele era realmente um exemplar de homem!

Vinicius continuou a fitá-lo de onde estava, sorrindo sedutoramente, enquanto Vitor abraçava Eduardo e sorria de volta, mas de uma forma simpática. Talvez aquele modo de olhar fosse só o jeito dele mesmo, foi o que Vitor pensou. Um homem lindo daquele jamais olharia para um sem graça como ele. Principalmente para um sem graça que vive com seu melhor amigo há quase 10 anos! E coitadinho dele, descobrir tão jovem que possui uma doença incurável e que ele pode, a qualquer momento, falecer! Isso é terrível! Ele devia ser um cara muito forte para suportar tanta pressão.

- Alô-ô! – pigarreou Vinicius. Instantaneamente, Eduardo se virou e sorriu.

- Já está pronto, amigo? – Eduardo perguntou, soltando Vitor, que olhou para Vinicius e também sorriu. – Bom, então vamos, não é? Mamãe já deve estar super ansiosa nos esperando. Ela disse que está louca para te rever, Vini!

- Que bom! – Exclamou Vinicius, caminhando com o amigo para a porta. Vitor ia logo atrás. – A D. Violante sempre foi muito legal comigo. Não sei como ela me suportava praticamente todos os dias na casa de vocês.

Os três foram para o estacionamento do prédio e entraram no carro. Vitor seria o motorista desta vez, pois Eduardo estava cansado de dirigir. Ao regular o retrovisor, Vitor encontrou novamente o olhar de Vinicius, que estava no banco de trás. Aqueles olhos azuis eram realmente estonteantes!

A casa dos pais de Eduardo era próxima do apartamento dele, então a viagem não durou nem 20 minutos. Era uma casa enorme ao lado de uma escola, e logo se via que seus donos eram pessoas de posses, pois além de enorme, havia um jardim lindo na frente e uma área de lazer com piscina atrás.

Foram recebidos pela empregada, que os acompanhou até a sala, informando que D. Violante e S. Jonas estariam descendo em minutos. Vinicius falava sobre a beleza da casa, que não havia mudado quase nada desde a sua ida para os EUA. Perguntou a Eduardo se a decoração ainda estava a cargo da irmã dele, Carolina.

- Em partes – respondeu Eduardo, que estava sentado ao lado de Vitor, que folheava uma revista. – Carol ainda decorou alguns cômodos, porém após sua ida para os EUA, minha mãe tem contratado uma decoradora quando sente vontade de mudar alguma coisa.

- A Carol está nos EUA? – perguntou Vinicius, interessado. – Desde quando? O que ela foi fazer lá?

- Ela foi fazer mestrado na área de psiquiatria, não me lembro exatamente onde – respondeu Eduardo, com cara de dúvida. – Mas acho que em breve ela estará voltando. Já faz muito tempo que ela foi. Por falar nisso, depois ligarei para ela para saber da sua volta.

Alguns minutos depois, Violante e Jonas chegaram à sala de estar onde os três rapazes se encontravam. A mulher abriu um largo sorriso ao ver o filho e depois de abraça-lo, correu a abraçar o genro, que largou a revista de lado e a cumprimentou alegremente. Ela era uma mulher magrinha e baixa e tinha o cabelo num penteado elegante. Jonas também era magro, porém estava sentado em sua habitual cadeira de rodas, e usava óculos como Eduardo.

Quando Violante reparou em Vinicius, abriu um sorriso alegre, e correu a abraça-lo também.

- Minha nossa senhora, como você cresceu! – Exclamou ela, ao abraçar e dar um beijinho na bochecha de Vinicius, que beijou sua mão cavalheiramente. – Cresceu, mas continua com esse rostinho de menino! E esse cabelo grande agora, virou artista de roque foi? – E riu da própria piada.

- Não, não – respondeu Vinicius, gargalhando. – Resolvi fazer algo diferente depois de tanto tempo usando aquele mesmo modelo social. E como vai, Sr. Jonas? – E se curvou para apertar a mão do velho, que também sorriu.

- Vou bem, meu filho! – respondeu Jonas. – Apesar de estar nessa cadeira de rodas, graças a Deus eu estou ótimo. Ainda falta muito para me derrubar.

- Claro que sim, o senhor é muito forte! Lembro que, quando eu vinha aqui quando criança, e adolescente também, o senhor estava sempre correndo de um lado para o outro, para atender seus pacientes e fazer do AA o que ele é hoje.

- Oh, sim, sim, muito trabalho mesmo – concordou Jonas, sorrindo. – Mas agora você sabe quem é o manda chuva de lá?

- O Dudu? – perguntou Vinicius, já sabendo a resposta.

- Sim! Ele mesmo. Ninguém melhor para dar continuidade ao nosso patrimônio do que o meu filho querido.

- Ah, pai, eu também te amo! – Exclamou Eduardo, rindo.

Depois de algum tempo pondo as novidades em dia, eles iniciaram o jantar. Enquanto jantavam, Vinicius falava de sua viagem para os EUA e sua estadia lá, antes de ir para a Europa e se firmar como advogado. Falou também de vários casos que ele resolveu, e de uma vez que um réu tentou agredi-lo durante o julgamento, e todos se levantaram para defendê-lo, pois ele estava fazendo o que era certo e o réu se revoltara ao ouvir a sentença do juiz.

- Essa vida de advogado é uma loucura, não é, meu filho?! – perguntou Violante, tomando um gole de água.

- Sim, sim, Vitor quem o diga, não é Vitor? – respondeu Vinicius.

Vitor confirmou com a cabeça, sorrindo. Por alguma razão ele sentia uma queimação no estômago toda vez que ouvia Vinicius pronunciar seu nome. Talvez fosse só o vinho, ele pensou. Afinal, não era acostumado a beber vinho.

Conversaram mais um pouco sobre a vida de Vinicius na Europa, até que a empregada entrou na sala de jantar com um sorriso enorme no rosto dizendo:

- D. Violante, a senhora não vai acreditar em quem está aí!

A velha se levantou de um salto e perguntou:

- É quem eu estou imaginando?

- Sim, é.

Eduardo, confuso, perguntou:

- Pera aí, gente, do que vocês duas falam?

- Não é do quê, meu filho – respondeu D. Violante, limpando os lábios com o guardanapo. – É de quem! Vamos para a sala de estar. A minha neném voltou!

Todos correram para a sala de estar, somente Jonas que era empurrado por Vitor que não correu. Quando chegaram lá, uma mulher linda estava parada perto do sofá com quase quatro malas ao seu redor. Seu cabelo era tão longo que caia até sua cintura e seu corpo era cheio de curvas, ela parecia até uma modelo. Assim que viu a mãe, Carolina correu para abraçá-la. Depois, abraçou o pai e Eduardo. Por último, deu um abraço em Vitor.

- Menina, por que não avisou que estava chegando hoje?! – perguntou Violante, toda feliz por rever a filha depois de tanto tempo. – Estávamos jantando, e poderíamos ter preparado uma comidinha melhor para você.

- De forma alguma, mamãe! – disse Carolina, sorrindo e dando outro abraço na mãe. – Eu queria fazer uma surpresa para vocês. Gente, já faz quase seis anos que estou nos EUA. Já estava ficando louca de saudade da minha terra e de vocês.

- E como foi o mestrado? – perguntou Eduardo. – Deu tudo certo, terminou lá direitinho?

- Sim, sim! – respondeu Carolina. – Foi ótimo, estou apta a voltar a exercer minha função no AA. E quem é aquele ali?

Foi neste momento em que Carolina percebeu a presença de Vinicius na sala. Seus olhos bateram nele e se estreitaram como se tentasse reconhecê-lo de algum lugar.

- Oram quem seria! – exclamou Eduardo. – Não se lembra do Vinicius, maninha? Vinicius Capelo, ele vivia aqui em casa antigamente. Meu melhor amigo desde criança.

Os olhos de Carolina voltaram ao normal quando se lembrou de quem Eduardo falava! Nossa, aquele menino havia se tornado um homem lindo! Que olhos eram aqueles, Jesus!

- Minha nossa, agora me lembro! – disse ela, abraçando Vinicius, que retribuiu o abraço sorrindo sedutoramente. – O velho Vinicius! E como vai, rapaz? Fazendo o quê da vida? Nossa, faz tanto tempo que não lhe vejo! Você viajou alguns anos antes de mim, não foi?

- Sim, viajei quase quatro anos antes de você – ele respondeu. – Eu sou advogado agora. Voltei da Europa na última sexta feira.

- Nossa, advogado feito o Vitinho! – observou Carolina, sorrindo. – E onde você morou mesmo quando foi para os EUA?

- No Texas – respondeu Vinicius, sorrindo. – Em Dallas!

Ao ouvir a palavra “Dallas”, Carolina teve um flashback momentâneo. Aquele rosto de Vinicius não lhe era estranho. Ela já havia visto o rosto dele em algum lugar, e não era seu rosto de adolescente, de antes de ela viajar, se não fosse o mesmo rosto, pelo menos era bastante similar. Mas talvez fosse só impressão, afinal Vinicius era loiro e uma grande maioria dos americanos também. Talvez estivesse o confundindo com algum paciente ou colega.

- Nossa, eu também estava em Dallas – disse ela, depois de uns segundos. – Quando você partiu?

- Eu parti em meados de outubro, quando fui convidado por uma amiga londrina para representa-la na justiça devido a um problema com o banco dela.

Acabei ficando por lá mesmo, até que a crise econômica me pegou e tive que voltar agora para o Brasil. Não tem como disputar emprego com os nativos, não é verdade?

- Sim, é você está certo – Carolina concordou, e depois disse: - Mas, gente, a conversa está ótima, mas vamos jantar, estou faminta!

Depois dessa, todos voltaram para a sala de jantar, onde mais um prato foi colocado à mesa para Carolina. Algumas horas depois, os três rapazes se despediram e voltaram para casa, mas não sem antes aninhar Violante um pouquinho mais.

Quando chegaram em casa, Eduardo e Vitor se despediram de Vinicius e foram dormir. Vinicius pegou o notebook de Eduardo e foi para seu quarto. Abriu seu e-mail e viu que havia recebido uma mensagem de Alexandra:

Olá Vinicius. Já consegui sua encomenda, quando nos encontraremos para a entrega? Espero que o mais rápido possível, pois minha mãe agora deu para futricar minhas coisas e não quero que ela encontre essas identidades com a sua foto, ela ainda lembra-se de você, e vai dizer que eu estou aprontando de novo. Boa noite e espero resposta.

Vinicius apenas respondeu que os dois se encontrassem no mesmo bar no dia seguinte às 10h, pois uma coisa o intrigava naquele momento: a reação de Carolina ao olhar para ele. Será que?... Não, não era possível, ele estava muito bem disfarçado naquele dia, e mesmo assim, seu cabelo nos EUA era preto, e na foto que fora divulgada pela polícia americana ele estava de bigode! Ela não poderia tê-lo reconhecido. Ou poderia? Afinal, ela estava em Dallas quando ele fugiu dos EUA enquanto até o FBI o procurava. Precisaria ficar atento com Carolina, ele não poderia permitir que aquela vaca metida a psicóloga atrapalhasse seus planos. Não mesmo!

CAPÍTULO SETE – A tragédia da família Capelo

Os gemidos de prazer inundavam o quarto de Eduardo e Vitor. Em um estado de prazer alucinante, os dois se amavam como se fosse pela última vez. Eduardo acariciava o corpo de Vitor com todo carinho que conseguia demonstrar, enquanto Vitor se contorcia de prazer diante dos movimentos do corpo de seu parceiro que, além de lhe dar prazer, lhe dava amor. A pele clara de Eduardo já estava banhada em suor de tanto esforço, já no auge do prazer. Sentiu a resposta do corpo de seu parceiro Vitor, e segundos depois os dois chegaram ao ápice do amor, juntos. Caíram na cama cansados e ofegantes, Eduardo logo abriu um sorriso ao ver que seu amor havia sentido tanto prazer quanto ele, e murmurou um “Eu te amo”, retribuído por Vitor, que lhe enchia de “selinhos”.

- Eu amo você, minha vida – disse Eduardo, dando outro beijo em Vitor. – Eu agradeço a Deus todos os dias por ele ter te colocado na minha vida. Eu não sei o que seria de mim sem você.

- Sou eu quem tem que agradecer meu lindo! – exclamou Vitor, sentando em frente ao companheiro. Os dois ainda nus, e os lençóis da cama estavam no chão, os travesseiros jogados a um canto do quarto. – Se não fosse por você, eu não seria quem eu sou hoje.

Eduardo permaneceu calado por uns segundos. De repente, se lembrou de algo e depois falou:

- Amor, lembra-se daquele assunto que nós estávamos discutindo antes do Vini chegar?

- Qual amor? – retrucou Vitor, juntando as sobrancelhas, tentando lembrar-se do que o companheiro falava.

- Sobre a adoção! – Eduardo respondeu, se sentando também, de frente para Vitor, que confirmou que se lembrava com um movimento da cabeça. – Sabe, nós estávamos planejando adotar aquele casalzinho de irmãos que conhecemos mês passado, lembra?

- Aham, sim amor.

- Que tal voltarmos ao orfanato e conversarmos com a diretora? Amor, temos todos os requisitos solicitados pelo governo: vivemos juntos há muito tempo, temos residência e empregos fixos, temos condição financeira estável, por que não damos logo esse primeiro passo?

Vitor ficou pensativo. Não era a primeira vez que tocavam nesse assunto de adoção. Eduardo sempre quisera adotar uma criança, e ele também, mas por algum motivo ele, Vitor, sempre travava quando chegavam na hora “H”. Será que ele teria condições de educar uma criança? E como essa criança reagiria ao saber que seria criada por dois homens? E se a criança se recusasse e quisesse voltar para o orfanato por que ela não tinha uma mãe?

- Ai, amor, não sei... – Começou ele, em dúvida. – Não acha que nós devemos esperar mais um pouco?

- Esperar mais um pouco, Vitor? – perguntou Eduardo, perplexo. – Vitor, nós vivemos juntos há quase dez anos, e você ainda acha que devemos esperar mais um pouco?

- Eu não sei amor, eu acho que... Sei lá, eu não me sinto pronto para ter um filho!

- Mas por que não, meu bem? – Perguntou Eduardo se levantando da cama e apanhando os lençóis e os travesseiros, colocando-os na cama, bagunçados. – Você é um homem maravilhoso, com certeza vai ser um ótimo pai.

- Mas e se essas crianças não gostarem da gente? – Argumentou Vitor, seguindo Eduardo, que havia ido para o banheiro do quarto. – Meu amor, não são todas as crianças que acham normal ver dois homens vivendo juntos. Quando elas estão naquele lugar, elas só pensam em ter uma mãe, e infelizmente nenhum de nós será uma mãe para elas.

- Mas elas terão um período de experiência, meu bem – disse Eduardo, ligando o chuveiro e pegando o sabonete. – Não é assim de uma vez não.

- Eu sei disso, Dudu – disse Vitor, rindo. Também foi para o banheiro. – Eu sou advogado, esqueceu?

- Mas amor...

- Vamos fazer o seguinte – interrompeu Vitor, pegando o sabonete das mãos de Eduardo. – Essa semana, assim que tivermos tempo, vamos lá ao orfanato, ok? E conversamos com a diretora. Pode ser?

- Aêêêêê! – Exclamou Eduardo, dando pulinhos e beijando Vitor.

- Se é para te ver feliz, eu faço qualquer coisa – disse Vitor. E mudando de assunto: - Amor, que história foi aquela do Vinicius, meu Deus, coitado, não é?

- Pois é, amor – concordou Eduardo, se enxugando. – Eu fiquei altamente emocionado. O Vinicius é muito importante para mim, amor, conheço ele desde que me conheço por gente. Sempre fomos muito companheiros.

- Eu posso imaginar – comentou Vitor, pegando uma toalha e se enxugando também. – Ele deve ter sofrido tanto ao contar aquilo para a gente? Minha nossa, ele ainda é tão jovem e já tem um peso tão grande nas costas.

- Eu não sei o que a D. Francisca faria se ela estivesse viva e o Vinicius soltasse uma bomba dessas para ela.

- Ela era a mãe dele, não é? – perguntou Vitor, saindo do banheiro e pegando uma cueca para ele e para Eduardo no guarda roupa. – Eu nunca entendi muito bem o que aconteceu com ela e com o marido! O que houve mesmo?

- Bom isso foi há quase dez anos atrás – começou Eduardo, se vestindo e ajudando Vitor a arrumar a cama. Segundos depois, eles se deitaram e ele continuou com a história: - O Vinicius havia completado 18 anos e havia acabado de terminar o colegial. Em uma noite, de uma hora para a outra, nós recebemos uma ligação lá em casa informando que a casa deles havia pegado fogo, e o único sobrevivente foi ele. O coitado saiu todo cheio de cinzas gritando desesperado que não havia conseguido salvar os pais.

- Minha nossa!

- Pois é, os dois morreram queimados. E acabou que, depois de algumas semanas, o Vinicius recebeu a herança que os pais haviam deixado e partiu para os EUA para estudar. O coitado não aguentava mais ficar aqui. Foi melhor para ele. Sentia tanta a falta dele.

Eduardo terminou de contar com uma expressão triste. Vitor o abraçou e murmurou:

- Eu imagino o quanto ele sofreu, perder os pais dessa forma.

- É, eu também sofri muito, eu adorava os dois, eram meus segundos pais – disse Eduardo, se aconchegando em Vitor. – Mas agora vamos dormir que precisamos trabalhar amanhã.

- Tá certo, minha vida – concordou Vitor, beijando a testa de Eduardo. – Boa noite meu amor.

- Boa noite, meu bebê – disse Eduardo. Os dois adormeceram minutos depois, ainda pensando na tragédia que havia acometido a família Capelo há tantos anos, e de quão sofrida e difícil era a vida de Vinicius.

CAPÍTULO OITO – Uma facada após outra

- Finalmente, hein?! – exclamou Alexandra, se levantando e dando um beijo no rosto de Vinicius, que acabara de adentrar o bar no qual eles costumeiramente se encontravam. – Por que a demora?

- Ora, por quê?! – repetiu Vinicius, se sentando de frente para Alexandra e pedindo um uísque ao garçom. – O casalsinho maravilha demorou a ir trabalhar hoje. Eu já estava para perguntar se eles não estavam atrasados.

O garçom entregou o uísque a Vinicius, que bebericou calmamente. Segundos depois, Alexandra falou:

- Bom, eu trouxe sua encomenda. E ainda fiz mais: consegui também uma carteira de motorista para você, afinal você falou que precisava comprar um carro, não foi?

- Você é perfeita mesmo! – Comentou Vinicius, recebendo o envelope que Alexandra lhe entregou e retirando uma das identidades que estavam dentro do mesmo. Passou alguns segundos examinando o documento, e depois falou: - José das Graças Feitosa Freire?

Alexandra confirmou com a cabeça, já abrindo um sorriso de deboche para Vinicius, que disse:

- Você é mesmo uma vadia, viu Alexandra! José das Graças Feitosa Freire? Não havia um nomezinho melhor, não?

- O que você queria? Eduardo Alcântara Alves? – Alexandra gargalhou, enquanto Vinicius guardava o documento sorrindo. – Dê-se por satisfeito. Tem outras aí, não se preocupe.

- Você é terrível mesmo – murmurou Vinicius, bebericando mais um pouco o seu uísque. – Agora me fala, está a fim de sairmos agora para comprarmos um celular para mim? Tem um shopping logo aqui perto.

- Por mim, tudo bem – respondeu Alexandra. – Você tem dinheiro aí?

- Você acha mesmo que eu preciso de dinheiro para comprar alguma coisa? – perguntou Vinicius, se levantando e jogando uma cédula de R$10 na mesa. – Eu tenho alguns cartões de crédito aqui. Tenho certeza que algum deles vai servir.

- Eu já havia me esquecido, senhor todo poderoso – gargalhou Alexandra, se levantando e acompanhando Vinicius até a saída do bar.

Vinicius fez sinal e um táxi parou em frente aos dois. Pediram ao motorista para levá-los ao shopping mais próximo. Minutos depois já estavam no caixa de pagamento da loja de celulares, e Vinicius entregava um cartão de crédito à vendedora, que, ao ler o nome que estava no cartão, disse simpaticamente:

- Bom dia, Sr. Francisco de Castro Souza.

- Bom dia, querida – disse Vinicius, sorrindo para Alexandra como quem diz “O que foi que eu disse?”.

***

Fátima chegou ao apartamento de Eduardo e Vitor acompanhada de seu filho, Bruno. Ele já era um homem adulto, porém era baixinho como a mãe e seu cabelo era no estilo Black Power. Os dois seguiram para a cozinha, onde Bruno abriu a geladeira e tirou um morango para comer.

- Não meche nos morangos do Dudu, menino! – ralhou Fátima, dando uma palmadinha na mão de Bruno. – Ele é louco por esses morangos. É capaz de arrancar sua cabeça se souber que você comeu um deles.

- Aff, mãe, o Sr. Dudu não dá nem conta disso – argumentou Bruno, se sentando na cadeira mais próxima. – Tenho certeza que ele não ficará bravo se souber que eu comi um dos morangos dele.

- Mas eu não gosto, ele é o meu patrão e você é o meu filho – Disse Fátima, retirando algumas vasilhas de dentro da geladeira e colocando-as na pia. – Sim, nem te contei. Lembra-se daquele garoto chamado Vinicius que os pais morreram em um incêndio há muito tempo atrás e que foi para os EUA?

- Lembro sim! – respondeu Bruno, se ajeitando na cadeira. – Por quê?

- Eu me esqueci de te contar que ele está aqui hospedado – Fátima pegou algumas panelas em um armário e as colocou no fogão. – Depois de quase 10 anos no estrangeiro, ele voltou. Disse que devido à crise econômica.

- Nossa, que chato! Coitado dele, não é, perder os pais daquela maneira é algo que ninguém no mundo merece – comentou Bruno. – E ele vai ficar aqui por muito tempo?

- Acho que sim, sabe como o Dudu é, aquele coração mole dele, com certeza o Vinicius ficará aqui um bom tempo até se estabilizar novamente – respondeu Fátima, cortando um frango.

- É verdade, mãe, Sr. Dudu é muito gente boa – completou Bruno, se levantando e se recostando ao lado da mãe na pia. – Eu nunca vou me esquecer de que, se não fosse por ele, eu não estaria aqui conversando com a senhora.

- Você está certo, meu filho – disse Fátima, suspirando e sorrindo para o filho. – Nunca terei como pagar o Dudu pelo o que ele fez por você. Aquela clínica era caríssima, filho, e ele pagou seu tratamento do começo ao fim.

- É... – Bruno falou pensativo. – Graças a Deus que me livrei daquele vício terrível. Não quero nunca mais nem chegar perto daquilo.

- Nem fale, meu filho! – exclamou Fátima, colocando uns pedaços do frango na panela. – Eu evito até de pensar nisso. Você agora está curado, e é isso que importa.

- Com certeza! – concordou Bruno, dando um beijinho na testa da mãe e se sentando de novo na cadeira. – Aquilo não era vida para ninguém, não, mãe!

Fátima pensou, enquanto temperava o frango. Se não fosse por Eduardo, seu filho ainda estaria envolvido em drogas. Ela devia a Eduardo não só todo o tratamento de Bruno em uma clínica de reabilitação, mas a sua alegria e vontade de viver de volta. Enquanto Bruno era dependente, ela vivia correndo atrás dele em bocas de fumo e delegacias, pois, após alguns meses, Bruno passara a roubar para sustentar seu vício. A gota d’água foi quando Bruno roubou a carteira de Eduardo enquanto o mesmo cochilava na sala de casa, e Vitor o flagrara. Ela, desesperada, implorava para que Eduardo não mandasse prender seu filho, e se impressionou quando Eduardo decidiu interna-lo em uma ótima clínica por conta do hospital. E agora, anos depois, Bruno estava lá, limpo e – graças a Deus – trabalhando honestamente. Hoje era seu dia de folga, e ele decidira ajudar a mãe no trabalho dela.

Os pensamentos de Fátima foram interrompidos pela batida da porta, que afirmava que alguém acabara de entrar no apartamento. Segundos depois, Vinicius apareceu na cozinha, sorrindo e falando:

- Bom dia, Fátima, como foi seu final de semana?

- Foi ótimo, meu filho, graças a Deus – respondeu Fátima, e se virando para Bruno, disse: - Lembra-se do Bruno?

Vinicius fitou Bruno por alguns segundos, e depois respondeu, cumprimentando o rapaz com um aperto de mão:

- Lembro sim, nossa, mas ele já está um homem, não é? Como vai, Bruno?

- Estou ótimo, Sr. Vinicius – disse Bruno, sorrindo e apertando a mão de Vinicius. – E com o senhor? Está tudo bem?

- Sim, sim, acabei de comprar um celular novo para mim, olha só! – E mostrou o aparelho novo a Bruno, que sorriu. – Estava precisando de um celular, infelizmente esqueci o meu em Londres.

- E esse modelo que o senhor comprou é maneiro! – Exclamou Bruno. – Um dos últimos lançamentos.

- É verdade! – disse Vinicius. – Agora vocês me dão licença, pois irei tomar banho e farei uma surpresa ao Dudu no hospital. Quero só ver a cara dele quando eu aparecer no AA de repente. – E saiu da cozinha, pensando no cabelo de Bruno, que particularmente ele achava ridículo.

***

Eduardo estava em seu consultório no AA receitando uns remédios para uma paciente que, alguns minutos depois, agradeceu e partiu. Como não tinha mais pacientes para aquela manhã, decidiu dar uma volta pelo hospital e bater um papo com seu amigo Pedro, que sabia ele que não estava em bons tempos.

Quando chegou ao consultório de Pedro, deu três batidinhas na porta e, ao ouvir um “entre”, adentrou o local e se sentou em frente ao um homem charmoso, nos seus quarenta e poucos anos, o cabelo um pouco grisalho e uma pele muita alva. Perguntou, animado:

- Sem pacientes?

- Sim – respondeu Pedro com uma expressão séria e ao mesmo tempo triste, guardando alguns papéis na gaveta de sua mesa. – Hoje o movimento está fraco para compensar a semana passada. E cadê o Vitor?

- Está no administrativo fazendo as coisas dele - disse Eduardo. E olhando mais sério para Pedro, murmurou: - Olha, Pedro, eu sei que eu não tenho o direito de me meter na sua vida pessoal, mas saiba que se precisar de algo pode contar comigo, sempre. Faz muito tempo que te sinto chateado, cabisbaixo, está havendo alguma coisa? Está tudo bem com a Paloma?

Pedro olhou para baixo por alguns segundos, e depois disse:

- Eu agradeço pela sua amizade, Eduardo. Você realmente me conhece bem, afinal já estamos há alguns anos aqui no AA, certo? Bom, sim, está havendo algo.

- E você quer conversar a respeito?

- Quero, quero sim, vai ser bom ter alguém para desabafar um pouco – respondeu Pedro, dando um suspiro e depois trancando a porta do escritório. Quando voltou a se sentar, continuou: - É sobre o meu filho mais velho. Ontem o convidei para passar algumas horas do domingo comigo, e você sabe o que ele falou?

- O quê? – perguntou Eduardo, se ajeitando na cadeira e prestando atenção no que o amigo falava.

- Disse que não iria pisar na minha casa enquanto a Paloma vivesse comigo. Com certeza a mãe deve ter colocado isso na cabeça dele, ele nunca foi tão ríspido comigo.

- E o que você falou?

- Eu tentei convencê-lo, dizendo que a Paloma era uma pessoa maravilhosa e tudo o mais, mas mesmo assim ele não aceitou. E ainda disse que preferia que eu vivesse com um homem mesmo, pelo menos ele poderia fingir para os amigos da escola que esse homem era um tio dele.

- Olha, meu amigo – começou Eduardo -, eu não vou fingir que essa não é uma situação delicada, pois ela é. Mas, ao mesmo tempo, eu acredito sim que sua ex-esposa esteja colocando caraminholas na cabeça da criança, talvez para que você se arrependa e volte para ela, que com certeza ainda te ama. A Paloma sabe disso?

- Não – Respondeu Pedro, suspirando novamente, um suspiro cansado. – E acho melhor ela nem saber, se não vai querer tirar satisfação com a Lívia, e não quero nosso nome em boca de Matilde, pois você sabe como a Paloma é, não tem papas na língua quando se estressa. Dá última vez a Lívia quase chamou à poli... Quem é? - Alguém havia batido na porta, e Pedro parou de falar.

- Eu me chamo Vinicius Capelo, fui à recepção, e a secretária me informou que o Dr. Eduardo estaria aqui – Ouviu-se a voz de Vinicius do lado de fora.

Eduardo abriu um sorriso e murmurou:

- Olha só, agora você vai conhecer aquele meu amigo de infância que te falei que voltou da Europa semana passada. – E abriu a porta do consultório.

Vinicius adentrou a sala sorridente e deu um abraço em Eduardo, que o indicou Pedro, que se levantara também sorrindo, admirado pela beleza daquele homem loiro que acabara de entrar em seu consultório. Por um momento se lembrou do comentário do seu filho “E ainda disse que preferia que eu vivesse com um homem mesmo, pelo menos ele poderia fingir para os amigos da escola que esse homem era um tio dele.” A voz de Vinicius ao cumprimentá-lo cortou seu pensamento:

- Olá, tudo bom, então você é o famoso Dr. Pedro? – E ergueu a mão para que Pedro a apertasse.

- Que eu sou o Dr. Pedro eu sei – respondeu Pedro, sorrindo e apertando a mão de Vinicius com firmeza por alguns segundos. -, mas a parte do famoso eu desconheço.

Todos riram no consultório. Agora Vinicius tinha certeza, pela forma que Pedro o encarou, que conquistá-lo seria mais fácil do que roubar doce de criancinha. E a julgar pela coversa sobre os problemas familiares daquele doutor quarentão que ele ouvira por trás da porta, não sobraria nem para a traveca com a qual ele vivia como marido e mulher.

CAPÍTULO NOVE – O Convite

Em poucos minutos os três, Eduardo, Vinicius e Pedro – que já não estava mais tão triste - conversavam sobre tudo. Vinicius mantinha seu tom de voz agradável e, de quando em quando, olhava para Pedro como se estivesse vendo seu interior. Seus olhos azuis estremeciam Pedro, que já estava completamente seduzido por aquele cara que acabara de adentrar seu consultório lhe taxando de “famoso” e acabara de lhes contar um episódio engraçado em um shopping de Londres, no qual Vinicius salvara uma criança de cair da escada rolante e recebera aplausos das pessoas no local.

Em um determinado momento, Eduardo recebe uma ligação no celular, diz que vai ao Centro Cirúrgico e que volta o mais rápido possível para continuarem com o papo. Vinicius, agora sozinho no escritório com Pedro, sorriu ainda mais sedutoramente, e contou uma piada engraçadíssima, o que fez com que Pedro realmente esquecesse seus problemas e bolasse de rir.

- Você é muito engraçado, Vinicius – disse Pedro, ao parar de gargalhar. – Onde você aprendeu a contar piadas tão bem?

- Que nada! – disse Vinicius, sorrindo. – É que eu sou bobão mesmo! – Depois dessa, ele olhou para Pedro timidamente e sorriu, aquele sorriso dele que faz com que ele pareça um adolescente envergonhado.

Pedro retribuiu o sorriso, e depois perguntou:

- Aceita jantar hoje comigo, Vinicius? Quero dizer, eu gostei muito da sua companhia, não sabia que Eduardo tinha um amigo tão engraçado, gosto de pessoas assim.

- Bom – começou Vinicius, se ajeitando na cadeira. -, eu aceito sim, com certeza, se não tiver nenhum problema! – E depois fez um cara de preocupado, perguntando: - Mas a Paloma não verá problemas nisso, verá? Quero dizer, será um simples jantar entre amigos, creio que ela não se importará.

Aquela pergunta fez com que Pedro se lembrasse de Paloma, ele havia esquecido completamente da companheira ao conhecer Vinicius. Ele estava tão confuso! Talvez seu filho estivesse certo! Paloma era tão excêntrica e... Bom, ela era uma travesti. Vinicius, além de ser um cara másculo e bonito, ainda era bem educado e inteligentíssimo. Passaria por um tio ou um parente qualquer numa boa!

- Você já conhece a Paloma? – perguntou ele, tentando mudar o foco da conversa. – Eu não sabia que você a conhecia.

- Conheci quando a encontrei na praia – respondeu Vinicius, percebendo o desconforto momentâneo que o nome de Paloma causara em Pedro. – Eu estava com o Vitor quando ela apareceu com umas amigas. Ela é linda.

- Ah, sim, ela é! – Concordou Pedro, sorrindo. – Mas não, tenho certeza que ela não verá problemas com um jantar entre amigos. Você morou muito tempo em Londres, e eu adoro Londres, acho que teremos muito sobre o que conversarmos.

- Então está combinado por mim – disse Vinicius, sorrindo e encarando Pedro nos olhos. – Tenho certeza que será um jantar agradabilíssimo.

- Te pego as sete, pode ser? – Pedro perguntou, sem deixar de encarar Vinicius. – Sei que você está sem carro, então acho melhor ir te pegar no condomínio do Eduardo.

- Ótimo, vai ser muito legal! – Respondeu Vinicius, olhando para a porta do consultório, que acabara de ser aberta por Eduardo.

- Vini, me desculpa, mas chegaram alguns pacientes de última hora e eu preciso atendê-los – disse Eduardo. – Espero que não se importe.

- Claro que não, Dudu, este é o seu trabalho, sou eu quem está aqui de penetra! – Murmurou Vinicius, se levantando e rindo. – Eu já estava de saída mesmo. Foi um prazer, Pedro. – E ergueu a mão para Pedro, que a apertou por alguns segundos de uma forma firme. – Tchauzinho para vocês! – E partiu, deixando Eduardo falando alguma coisa para Pedro sobre uma cirurgia, e este pensando no que acabara de fazer: convidara um cara para jantar e Paloma não poderia nem sonhar. Ele precisava tirar essa duvida, e Vinicius o ajudaria com certeza.

***

Carolina tomava seu café da manhã com Violante e Jonas alegremente, contando todos os detalhes de sua estadia em Dallas e como seu curso havia sido ótimo e proveitoso. Violante ouvia atentamente, e de quando em quando, dava instruções à empregada sobre o almoço. Jonas também ouvia atentamente, e quando Carolina finalmente parou de falar, ele perguntou:

- E sobre o que foi sua tese de doutorado, filha?

- Os transtornos da mente, pai – respondeu ela, pegando um pedaço de bolo e um pouco mais de suco. – Falei sobre Transtornos Obsessivos Compulsivos, Psicose e Psicopatia. Graças a Deus fui até aplaudida.

- Muito interessante filha – comentou Jonas, bebericando seu café. – São temas bastante atuais, e admito que você foi ousada em falar sobre eles. Infelizmente ainda existem muitas dúvidas entre as pessoas com relação aos sintomas de cada um. Muitas pessoas confundem Psicopatia com Psicose, e Psicopatia com TOC. E vice-versa. Parabéns, minha filha. Está mostrando que faz juz a nossa família de doutores.

- Que é isso, paizinho, que nada! – exclamou Carolina, beijando a testa do pai, que estava ao seu lado na cadeira de rodas. – Hoje eu vou dar uma passadinha nas Clínicas do Comportamento do AA. Preciso informar sobre a minha volta.

- Oh, sim, faça isso, filha! – murmurou Violante. – É bom que você volte o mais rápido possível. A Janete, diretora de uma das clínicas, me disse uma vez que os pacientes vivem perguntando por você.

- Aham, que ótimo que eles se lembram de mim! – Exclamou Carolina. – Depois quero visitar a Dona Francisca. Lembram-se dela?

- Essa Francisca não era a antiga empregada dos Capelo? – perguntou Jonas, franzindo a testa, tentando se lembrar. – Eu me lembro dela, sim! Vivia por aquela família. Depois da tragédia, ela enlouqueceu completamente, não foi?

- Isso mesmo, pai! – concordou Carolina. – Ontem quando eu revi o Vinicius, eu me lembrei dela. Ela, com certeza, se lembrará de mim, se não estiver em uma de suas crises.

- É verdade – disse Violante. – Coitadinha dela, cuidava daquele Vinicius como se fosse um filho dela mesma. Lembro-me do dia em que ela chegou aqui em casa, desesperada e morrendo de chorar, depois que o casal morreu. Ela não parava de falar que estava vendo a Pérola com a cabeça queimada no canto do quarto dela.

- É triste mesmo, mãe – concordou Carolina, pensativa. – E logo depois nós decidimos interná-la em uma das Clínicas, eu me lembro bem daquele dia. O Vinicius havia acabado de viajar para os EUA. Por falar em viagem, eu preciso contar uma coisa para vocês.

- Contar o quê? – perguntou Jonas, se ajeitando em sua cadeira de rodas.

- Ontem, quando eu revi o Vinicius, eu não sei se foi só impressão minha ou, sei lá, mas tipo, eu tenho certeza que eu já vi o rosto dele em Dallas – começou Carolina, falando séria e encarando seus pais com uma expressão de desconfiança. – Eu sei que muitos americanos são loiros, e tudo o mais, mas o rosto dele não me é estranho, vocês me entendem? Só não me lembro de onde, mas eu sei que eu vi aquele rosto muitas e muitas vezes em Dallas.

- Que estranho, filha – comentou Violante, pensativa. – Mas pode ser só impressão sua mesmo. Vinicius é loiro e o tipo dele é muito comum nos EUA.

- Sua mãe está certa, querida – disse Jonas.

- Eu sei – continuou Carolina -, mas não é por isso não! Tenho certeza que vi o rosto dele muitas vezes em Dallas, e eu vou descobrir de onde. Deixem só eu me lembrar!

- Bom, filha, se você diz – disse Violante, se levantando e pegando a cadeira de rodas do marido. – Agora nós vamos tomar nosso banho de sol, depois conversamos querida.

- Tudo bem, mãe, vão lá, aproveitem esse sol lindo que está fazendo hoje – sorriu Carolina, também se levantando e seguindo os pais até a sala de estar. – Aproveitarei e irei me arrumar para, finalmente, voltar as Clinicas do Comportamento. – E subiu para seu quarto, ainda tentando se lembrar de onde ela viu o rosto de Vinicius.

***

A tarde chegou, e junto com ela, o final do expediente de alguns médicos do AA. Pedro se despediu de Eduardo e Vitor, e dirigiu até seu apartamento, o tempo todo refletindo sobre o que o fez marcar um jantar com Vinicius. Com certeza, quando chegasse em casa, falaria para Paloma que iria sair com alguns amigos para tomar um drinque, ela não poderia nem sonhar que ele iria sair com um cara bonito como o Vinicius. Ele precisava tirar essa dúvida que tanto o agoniava. Sim, ele amava Paloma, mas seu coração estava dividido entre o sofrimento de seu filho e a atração forte e repentina que ele sentiu por aquele loiro lindo que adentrara seu consultório o taxando de “famoso”.

Quando entrou em seu apartamento, Pedro olhou ao redor e não encontrou Paloma em lugar algum. Aproveitaria que ela não estava em casa, se aprontaria e sairia o mais rápido possível, assim evitaria perguntas e consequentemente, respostas.

Já eram 06h30min quando ele entrou em seu carro novamente, pronto para pegar Vinicius no condomínio de Eduardo e Vitor. Precisava ficar calmo, afinal não era mais um adolescente! Já era um homem adulto e precisava saber encarar as coisas de frente. Enquanto dirigia, de quando em quando, Paloma aparecia em sua mente, e ele não podia negar que realmente a amava. Mas será que ela era realmente a pessoa certa para ele? Talvez seu filho estivesse certo.

Chegou ao condomínio de Eduardo e Vitor 5 minutos antes da hora marcada, e se impressionou ao ver Vinicius esperando-o no portão do prédio. Caminhou até ele e sorriu, erguendo a mão para que o loiro apertasse. Vinicius o fez de imediato, sorrindo e dizendo:

- Chegou cedo, cara. Ainda faltam cinco minutos. Como foi o dia?

- Foi ótimo, Vinicius – respondeu Pedro, enquanto Vinicius o acompanhava até o carro. – E eu costumo chegar cedo quando tenho um compromisso importante, com uma pessoa importante. – E olhou para Vinicius sorrindo sedutoramente.

Depois que os dois já estavam sentados dentro do veículo, Vinicius comentou:

- Fico feliz em saber que você me considera uma pessoa importante. Eu nunca fui muito valorizado pelas pessoas, sabe?- E baixou a cabeça, fazendo uma cara de coitadinho para Pedro que, ao perceber que havia tocado em um ponto fraco de Vinicius, comentou:

- Você não encontrou tantas pessoas corretas, então – E levantou o rosto de Vinicius tocando em seu queixo. – Só um completo burro não perceberia que você é uma pessoa especial.

Vinicius sorriu, sem graça, e depois disse:

- Que nada, Pedro. Mas mesmo assim, eu te agradeço por levantar minha autoestima. Você é uma das poucas pessoas que sabem fazer isso.

- E que tal um jantar delicioso em um bom restaurante agora? – Perguntou Pedro, sorrindo e ligando o carro. – Na companhia de um cara cafona como eu.

- Quanto ao jantar delicioso eu concordo – falou Vinicius. – Mas que você é um cara cafona, isso é uma grande mentira. Se eu tivesse tido a sorte de te conhecer antes, teria tido um prazer enorme de estar sempre em sua companhia, não é fácil conhecer homens da sua categoria hoje em dia.

Pedro riu, encarando Vinicius e passando a língua levemente nos lábios. Com certeza ele iria tirar aquela dúvida, e Vinicius o ajudaria. Ele era um cara tão legal! Nossa, por que ele não havia conhecido Vinicius alguns anos antes?

Vinicius olhou para frente quando o carro ganhou movimento e seguiu para o restaurante. Não olharia para Pedro enquanto estivessem a caminho, queria fazer com que Pedro pensasse que ele era tímido. Já havia percebido a jogada do quarentão: ele estava em dúvidas sobre seu relacionamento com a travesti e, agora, estava tentando conquistá-lo para saber se seria mais feliz assim, e fazer com que seu filho aceitasse sua homossexualidade. E ele, Vinicius, como o cara tímido e recatado que era, se deixaria ser conquistado e se apaixonaria perdidamente por aquele quarentão charmoso. Daí, para falsificar seus documentos e passar a desviar uma boa quantia todos os meses, seria moleza. Ah!, Como ele amava a vida!

CAPÍTULO DEZ – O Jantar

Paloma abriu a porta de seu apartamento e entrou cheia de sacolas de compras, acompanhada por Marluce, sua empregada e fiel escudeira. Marluce era gordinha e baixa, possuía um sorriso muito simpático e um cabelo no qual se era perceptível o uso de substâncias químicas para alisamento. Um uso exagerado, para falar a verdade. As duas depositaram as várias sacolas de compras no sofá da sala, e Paloma se sentou, retirando os óculos escuros do rosto.

- Ai, Marluce, babado, estou exausta! – Exclamou Paloma, retirando também o salto que calçava. – Menina, hoje nós batemos o recorde nas sacolas. Acho melhor guardarmos logo tudo no closet antes que o Pedrinho veja.

- Acho que o Sr. Pedro não está em casa, D. Paloma – comentou Marluce, indo até a cozinha do apartamento e voltando com um copo de água para a patroa. – Estranho, ele sempre chega cedo!

- É mesmo – concordou Paloma, pensativa. – Será que ele teve plantão extra no AA?

- Não sei, não, D. Paloma – respondeu Marluce, enquanto sua patroa bebia a água que ela trouxera. – Mas acho melhor nós corrermos e escondermos as compras, senão o Sr. Pedro arranca nossas cabeças.

- Você tem razão, Marluce! – Exclamou Paloma, se levantando e seguindo para o seu quarto, seguida por Marluce, que carregava o maior número de sacolas que suportava.

Quando chegaram ao quarto, Marluce ajudou Paloma a guardar todas as novas roupas no closet. Estavam conversando sobre uma joia linda que viram numa joalheria do shopping quando Paloma abre o guarda roupas de Pedro e quase grita:

- Marluce, menina!

Marluce deu um pulo de susto e depois perguntou:

- O que foi, D. Paloma?!

- A roupa do Pedrinho... Do trabalho... A que ele usou esta manhã... Está aqui no guarda roupa! – Respondeu Paloma, ainda num tom alto.

Marluce correu para o lado da patroa, observando a roupa deixada por Pedro dentro do móvel. De repente, Paloma perguntou, agora com voz baixa:

- Se a roupa dele já está aqui e ele não... Isso quer dizer que... Quer dizer que ele chegou e depois saiu, não é Marluce?

- Tem razão, D. Paloma – concordou Marluce, balançando a cabeça. – Olha, D. Paloma, é a primeira vez que Sr. Pedro chega em casa, deixa a roupa suja no guarda roupa e sai sem falar com a senhora. Isso não é do feitio dele.

- Sim, sim, não é, mas o que você quer dizer com isso, criatura?

- Não estou querendo colocar minhocas na sua cabeça, não, D. Paloma, mas a senhora sabe que eu faço tudo pela senhora, que a senhora é a minha diva número um, então tenho que ser sincera!

- Desembucha babado! – Exclamou Paloma, se sentando na ponta da cama e sendo seguida pela empregada.

- Se eu fosse a senhora, eu tomaria cuidado com o meu homem! – Continuou Marluce. – Que uma vez uma amiga minha morria de confiança no homem dela, e ele era assim, como o Sr. Pedro, charmoso e bonitão, e quando deu fé ele tinha arrumado outra!

- Não me fale isso nem por brincadeira, babado! – disse Paloma, se levantando e começando a dar voltas no quarto. – Eu acabo com a raça dessa vagabunda!

- E está certa, D. Paloma – falou Marluce, balançando a cabeça positivamente e segurando as mãos da patroa. – E pode contar comigo, imagina se eu ia largar a senhora numa empreitada dessas. Tenho certeza de que essa vadia não chega nem aos seus pés, por que a senhora é uma diva.

Paloma soltou suas mãos das mãos de Marluce e continuou a andar pelo quarto em círculos, preocupada. O que sua empregada e fiel amiga acabara de falar tinha fundamento, afinal Pedro nunca saíra sem a avisar primeiro, da mesma forma que ela sempre fazia. Decidiu ligar para o celular dele, talvez tivesse acontecido alguma coisa com algum de seus filhos, ou então até mesmo com a vaca da ex-esposa dele.

- Me dá meu celular, Marluce – pediu ela, se sentando novamente na ponta da cama. – Vou ligar para o Pedrinho, pode ser que tenha acontecido alguma coisa com os filhos dele ou então com a surucucu da ex-mulher dele.

- Tá, é melhor mesmo, pelo menos a senhora tira logo essa dúvida – disse Marluce, tirando o celular da bolsa de Paloma e entregando a ela.

Paloma discou o número de Pedro e aguardou, segurando o celular com firmeza. Chamou, chamou, chamou... Há alguns quilômetros do condomínio onde morava, Pedro ouviu o celular tocando, no momento em que ele e Vinicius tomavam um bom vinho antes do jantar. Tentando ser discreto, ele tirou o celular do bolso e já ia recusar a ligação, quando Vinicius falou:

- Fique a vontade para atender, Pedro. Pode ser algo importante. – E sorriu, se perguntando o que ele falaria para Paloma ao atender.

- Não é nada importante – retrucou Pedro, recusando a ligação. – Deve ser minha ex-esposa me ligando para falar de problemas. Não quero saber de mais problemas, hoje quero relaxar e aproveitar a sua companhia. – E desligou o celular, guardando-o no bolso da calça ao ouvir um “Tudo bem, então.” Vindo de Vinicius.

Ao ouvir o bipe da caixa postal da operadora, Paloma desligou e olhou fixamente para Marluce, que aguardava ansiosa pela reação da patroa.

- E ai, D. Paloma? – perguntou ela.

- Caixa postal – respondeu Paloma, jogando o celular para o lado e desamarrando o cabelo. – Mas deixa estar, eu vou descobrir para onde que o Pedrinho foi de uma forma ou de outra. Nem que eu tenha que contratar um detetive para segui-lo.

- Tá certo, D. Paloma – disse Marluce, se levantando e ajudando Paloma a retirar o vestido. – Não deixa para lá, não. Minha mãe sempre me disse que homem a gente tem que prender, por que tá difícil!

- E eu não sei menina! – concordou Paloma, vestindo o roupão que Marluce tirara do closet e lhe entregara. – Mas deixe estar, mais cedo ou mais tarde eu descubro quem é esta vadia com quem o Pedrinho está saindo.

- E a senhora pode contar comigo, D. Paloma – continuou Marluce. – Estamos juntas nessa, eu ajudo à senhora no que for preciso.

- Ótimo, então – disse Paloma, seguindo para o banheiro. – Agora, por favor, Marluce, prepare um jantarzinho para nós, por que estou morta de fome. Depois eu descubro quem é essa vaca. Ah, se descubro!

***

No restaurante, Vinicius e Pedro jantavam e conversavam alegremente. Vinicius falava sobre uma de suas aventuras de quando fora em Portugal, contando que amara comer o pastel de Santa Clara, o que Pedro também já havia comido ao ir lá.

- Nossa, é uma delícia mesmo – comentou Vinicius, tomando um pouco mais de seu vinho. – Adorei comer também o pastel de Belém, nossa, é um pecado.

- Concordo com você, Vinicius – disse Pedro, sorrindo e depois se calando por uns segundos. Nossa, ele estava adorando a companhia daquele loiro lindo. Teria que repetir estes jantares com frequência. Depois de mais alguns minutos em silêncio, murmurou: - Estou adorando sua companhia hoje, Vinicius, espero que possamos repetir a dose em breve.

- Eu adoraria – disse Vinicius. – Você é um homem extraordinário, e com certeza deve se um pai extraordinário também.

A palavra “pai” fez com que Pedro se lembrasse de seus problemas e dos motivos que o levaram a convidar Vinicius para jantar. Tentou disfarçar seu desconforto com o tema, mas Vinicius, percebendo que tocara na ferida, continuou:

- Aposto que seus filhos são loucos por você e pela Paloma.

- Nem tanto – murmurou Pedro, olhando timidamente para Vinicius. – Digamos que... Eles não se acostumaram com a ideia de que o pai deles vive com uma travesti.

- Mas isso é bastante compreensível – falou Vinicius, pronto para dar o bote. – Infelizmente nós vivemos em um mundo preconceituoso no qual as pessoas são acostumadas e educadas desde crianças a verem os gays como anormais ou pervertidos. Os travestis são os que mais sofrem com esse paradigma.

- Verdade – sibilou Pedro, agora se sentindo mais a vontade com as palavras de Vinicius. – Digamos que eles prefeririam que eu vivesse com outro homem, homem mesmo, sem dar pinta de ser gay, pois pelo menos eles não precisariam aguentar as piadinhas dos colegas da escola e poderiam fingir que o cara fosse um parente, um tio ou sei lá...

- Mais uma vez é compreensível a postura de seus filhos, Pedro – disse Vinicius. – Afinal, eles são crianças e nessa idade eles estão muito submissos às opiniões dos coleguinhas da escola.

- Eu não posso negar que você esteja certo – continuou Pedro, e limpando os lábios com o guardanapo, disse: - Mas mudemos de assunto, vamos falar de algo mais interessante: Você.

Vinicius gargalhou e murmurou:

- Bom, se é para falarmos de algo interessante, falemos de você, pois de interessante eu não tenho nada!

- Você é quem pensa! – Argumentou Pedro. E olhando fixamente nos olhos de Vinicius, disse: - É a primeira vez que conheço um homem tão lindo e inteligente ao mesmo tempo, Vinicius.

- Eu agradeço pelos seus elogios, Pedro – disse Vinicius -, mas eu não compartilho da mesma ideia que você.

- Bom, eu acho! – Pedro retrucou.

Passaram o restante da noite falando sobre trivialidades, como o dia a dia em Londres e o dia a dia do hospital. Vinicius ainda conseguiu arrancar de Pedro algumas informações sobre a parte dele nas ações do hospital, e ficou super animado ao saber que Pedro era dono de 40% das ações, sendo que os outros 60% pertenciam a família Alcântara Alves.

Quando finalmente Pedro o levou de volta para o condomínio de Eduardo e Vitor, Vinicius, ainda dentro do carro, falou que adorara o jantar e que com certeza, e se Pedro quisesse, é claro, eles poderiam sair outra noite.

- Quem sabe para um local mais reservado – murmurou ele, encarando Pedro, que sorriu timidamente. – Seria um prazer conversarmos mais sobre Londres, afinal uma cidade linda como aquela merece ser assunto durante o ano todo.

- Com certeza, vamos sim – concordou Pedro. – Eu peguei seu telefone, então eu te ligo sem falta.

E ligou o carro para sair, foi quando Vinicius tocou em sua perna dizendo:

- Me desculpa, Pedro, mas eu preciso fazer isso! – E o beijou.

Sim, Pedro acabara de ser beijado de repente por Vinicius. E não era um beijo simples, pois Vinicius colocou sua mão na nuca de Pedro e o segurou com firmeza. No início, Pedro tentou resistir ao beijo, mas depois acabou cedendo. Aquele loiro era um pecado mesmo!

Passaram alguns minutos se beijando ardentemente dentro do carro, até que Vinicius parou de beijá-lo e, de leve, encostou sua testa na testa de Pedro, os dois sorrindo como se fossem dois adolescentes apaixonados.

- Me desculpa, cara, mas eu não estava aguentando mais, eu precisava te beijar! – murmurou Vinicius.

- Não precisa se desculpar, eu adorei! – disse Pedro, afagando os cabelos de Vinicius. – Espero sinceramente que nos encontremos o mais rápido possível.

- E vamos, sim! – falou Vinicius, dando outro beijo em Pedro.

Mais uma vez eles passaram alguns minutos se beijando, até que Pedro exclamou:

- Desculpa Vinicius, mas eu preciso ir agora!

- Mas já?! – perguntou Vinicius, fazendo uma cara de criança pidona.

- Sim, querido, realmente preciso ir – continuou Pedro. – Mas eu prometo que, antes de dormir, eu te ligo, tá bom? Agora eu tenho realmente que ir.

- Tudo bem então, se é assim, eu não quero te atrapalhar.

- Você nunca atrapalha, Vinicius – dessa vez, Pedro ligou novamente o carro, e com um último beijo, Vinicius saiu e murmurou um “Te adoro” pela janela. Estava feito: Pedro caíra direitinho em sua armadilha. Que paspalho!

CAPÍTULO ONZE – O outro amigo de infância

Paloma conversava com Marluce na cozinha quando ouviu o ranger da porta da sala, informando que Pedro acabara e chegar. Levantou-se rapidamente e murmurou “Vamos fingir que não sabemos de nada, ok? Quero só ver quem é essa vadia.” para Marluce, que assentiu com a cabeça.

Chegou à sala sorrindo radiantemente, e gritou:

- Amorzinho, você chegou! – E correu para abraçar Pedro que, pego de surpresa pelo grito de Paloma, sorriu constrangido. Tomara que ela não lhe faça perguntas!

Depois de abraçar e beijar Pedro, Paloma soltou uma indireta:

- Nossa, amor, vocês está lindo! Onde estava? Fiquei preocupada com você.

- Estava no hospital, querida – respondeu Pedro, tentando não olhar nos olhos de Paloma, que ainda sorria como se nada tivesse acontecido. – Quando eu cheguei em casa eles me ligaram e pediram que eu fosse correndo lá, pois uma de minhas pacientes estava muito mal.

Os dois já haviam entrado no quarto e Pedro começou a tirar a roupa, ainda sem olhar para Paloma. Naquele momento ele sentiu uma pontada de culpa por ter aceitado o beijo de Vinicius. Puxa vida, sua companheira de anos estava em casa só o esperando e preocupada com ele! Não havia sido honesto com ela, mas precisava acabar com essa dúvida que estava dentro dele. Sem contar que ele realmente gostara do beijo daquele loiro, nunca havia tido contato com um homem, homem mesmo, sem ser travestido. Um homem másculo e bonito, e que estava na dele.

Depois de alguns segundos perdidos em pensamentos, ele entrou no banheiro e ligou o chuveiro, precisava tomar um banho para relaxar e tentar raciocinar melhor. Paloma o seguiu para o banheiro, desamarrando o cabelo e desabotoando o vestido. Pedro, percebendo o que a companheira queria, disse:

- Amor, estou muito cansado hoje, o hospital está uma loucura, não estou no clima. – Paloma havia acabado de alisar seu corpo quando ele terminou de dizer isso. Agora ela tinha certeza, depois desse “não estou no clima” de Pedro que ele tinha outra pessoa, Pedro nunca fora de negar fogo.

- Tudo bem, meu amorzinho – Ela murmurou, entrando chuveiro junto com ele. – Eu entendo. Vamos só tomar banho juntinhos, então. – E sorriu enquanto pensava “Eu vou matar essa vagabunda!”.

- Isso, hoje seu amorzinho não está com disposição para nada, só para receber cuidados! – Pedro disse, aproveitando que Paloma não se negara a só tomar banho. – Cuida dele, cuida!

- Cuido sim! – Exclamou Paloma, pegando o sabonete e passando nas costas de Pedro, seu cérebro em ebulição. Quem será que estava roubando seu Pedrinho dela? Não importava quem era, só que essa pessoa iria pagar, e caro!

***

Os dias seguintes se passaram rapidamente. O calor em Fortaleza estava cada vez pior, e as pessoas aproveitavam seus domingos para irem à praia e pegarem o bronzeado que tanto queriam. Durante esse período, Vinicius aprontara mais uma das suas. Com documentos falsificados e mais mentiras do que até o diabo é capaz de contar, ele comprou um carro em uma concessionária próxima ao condomínio de Eduardo e Vitor. Quando os dois, em uma tarde de domingo, viram o carro, perguntaram como ele adquirira o veículo. Vinicius simplesmente respondeu:

- Jesus me abençoou, e o banco no qual eu havia algum dinheiro guardado em Londres me informou que eu já poderia fazer uma retirada. Quando finalmente peguei o dinheiro, eu passava de táxi em frente à concessionária, e quando, Dudu, eu vi este carro, eu soube que ele estava reservado por Deus para mim!

Ao ser questionado por Eduardo o porquê que ele não havia contado que estava esperando uma resposta do tal banco londrino sobre dinheiro, Vinicius apenas disse:

- Eu não contei meu amigo, por que nem eu sabia que isso aconteceria, pois, devido à crise, eu contraí muitas dívidas em Londres e achei que o banco fosse descontar tudo do dinheiro da conta. Felizmente, Deus é justo e ainda sobrou um pouco.

Eduardo acreditou na história do amigo, afinal, ele entendia que esses bancos estrangeiros geralmente demoram séculos para liberar dinheiro de um país para outro. A única coisa que achara esquisita era que Vinicius poderia ter investido esta quantia em uma casa para morar, já que ele não tinha mais nenhuma propriedade no Brasil, mas decidiu não questionar o amigo por sua decisão, afinal ele achava que Vinicius tinha o direito de aproveitar o tempo que ainda lhe restava devido à doença que ele tinha, e com certeza ele se acharia um fardo e sofreria por pensar que estava dando trabalho e incomodando ao ficar no apartamento.

Durante esse período também, Vinicius e Pedro continuavam a sair noite após noite, sempre jantando em restaurantes caros e ele, Vinicius, ganhando centenas de presentinhos de Pedro, que fazia de tudo para conquistar aquele loirinho “inocente e recatado”. Dera uma desculpa a Eduardo e Vitor, dizendo que estava saindo com um paquera qualquer que lhe conquistara, pois sabia que se os amigos descobrissem que ele estava de caso com Pedro, o repreenderiam, pois além de amigo da família, Pedro era casado com Paloma há anos. E esta estava sempre à espreita, tentando descobrir com quem o companheiro falava ao celular, porém nunca havia nenhum número discado que lhe fosse estranho e Pedro também não largava o aparelho de modo que ela pudesse dar uma olhadinha escondida. Porém, com os preparativos de sua festa de aniversário adiantados, ela resolvera gastar mais tempo nomeando os convites da festa do que ficar paranoica com a possível amante de seu companheiro.

- E a senhora pode contar comigo, minha diva – comentou Marluce, no dia em que as duas estavam esparramadas na cama nomeando os convites pelo notebook de Paloma. – Imagina se eu largaria a senhora numa situação dessas. Eu não suporto vagabunda! Meu marido, um tempo desses, estava enrabichado por uma, eu descobri e fingi que ele nem existia. Num instante ele criou vergonha e veio atrás da mulherzinha aqui, por que vagabunda só quer o melhor, mas lavar as cuecas desses trastes elas não querem, não!

Paloma estava tão preocupada com os preparativos de sua grande festa, que seria num dos clubes mais badalados de Fortaleza, que deixou o assunto da tal amante para trás por vários momentos.

Eduardo e Vitor, nesse período de tempo, foram ao orfanato para visitar uma garotinha que, segunda a diretora do local, havia acabado de ser abandonada lá por uma mulher dependente química. Eles adoraram a criança, que já estava com dois anos de idade. Conversaram com a diretora, e ficaram de entrar na justiça com um pedido de guarda da criança e experiência, para verem como seria seu dia a dia com a menina. Os dois estavam radiantes de felicidade tomando um sorvete em um shopping, quando, de repente, um homem coloca a mão no ombro de Eduardo, dizendo:

- Eduardo, quanto tempo!

Os olhos de Vitor se estreitaram com a audácia do homem, que se postou ao lado da mesa dos dois e foi reconhecido por Eduardo, que se levantou e apertou a mão dele.

- Quem é vivo sempre aparece, não é Claudio?! O que faz por aqui, hein carioca? – Exclamou Eduardo sorrindo, e se virando para Vitor, disse: - Vitor, esse daqui é o Claudio, ele estudou comigo desde pequeno e havia se mudado para o Rio de Janeiro depois do ensino médio, lembra? Eu já te falei dele.

Vitor, com uma cara de poucos amigos, se levantou e apertou a mão de Claudio, que continuou sorrindo como se Vitor estivesse sendo simpático com ele. Ele nunca conhecera Claudio pessoalmente, pois como Eduardo havia dito, Claudio se mudara para o Rio de Janeiro depois que terminou os estudos, mas ele nunca gostara da forma que Eduardo falava daquele cara, pois os dois já haviam namorado bastante tempo enquanto ainda estavam na escola.

- Oi, tudo bem com você? – perguntou Vitor, secamente.

- Sim, graças a Deus estou ótimo – respondeu Claudio, se virando para Eduardo e fingindo que Vitor não estava ali, continuou: - Nossa, quanto tempo Dudu! – Os dentes de Vitor se rangeram ao ouvir aquele homem chamando Eduardo de “Dudu”, como se fosse muito íntimo dele.

- Pois é, cara, quanto tempo! – exclamou Eduardo, ainda sorrindo. – Senta aí com a gente. Você não adivinha quem está aqui no Brasil?

- Quem?! – perguntou Claudio, aceitando o convite e se sentando, a contragosto de Vitor, que fechara ainda mais a cara e olhava para os lados, fingindo que Claudio não estava ali.

- O Vinicius Capelo, aquele nosso amigão da escola - respondeu Eduardo, tomando sua Coca Cola. – Ele já deve estar chegando aqui no shopping, nós havíamos combinado de fazer umas comprinhas hoje.

- Legal, cara, vou esperá-lo! – Falou Claudio, pedindo ao garçom um refrigerante. – Espero que vocês não se incomodem com a minha presença aqui e eu não esteja atrapalhando nada.

- Que bobagem, Claudio! – disse Eduardo. – É um prazer te rever, meu amigo. Não é, Vitinho?

Vitor somente confirmou com a cabeça e um simples “Não, não é nenhum incomodo.”, seco e sem vontade nenhuma. Que cara mais metido e “entrão”!

Eduardo fingiu que não havia percebido a deselegância de Vitor e continuou conversando com Claudio. Quase meia hora depois, Vinicius chegou e logo reconheceu Claudio. Após um longo abraço, ele, Vinicius, brincou:

- Nossa, rapaz, que perfume é esse, hein?! - E Eduardo e Claudio gargalharam. Vitor continuava com a cara fechada, e só falava quando era solicitado. – Sinceramente, quase me apaixonei agora!

Os três ainda ficaram conversando mais meia hora. Claudio contou que havia voltado do Rio de Janeiro devido à saúde de sua mãe, que estava internada com câncer. Contou também que tivera um relacionamento longo com um rapaz no Rio, mas que a coisa não funcionara por que, além de ciumento, o rapaz não se aceitava como homossexual.

- Minha nossa, essas enrustidas são terríveis! – Brincou Vinicius, rindo e sendo seguido por Eduardo. Claudio somente deu um sorrisinho e tomou um pouco mais de seu refrigerante. – Sinceramente, não suporto enrustidos, vocês sabem! Se eu pudesse, os juntaria num local e jogaria uma bomba neles. – E voltou a gargalhar.

- Não seja tão mal, Vini! – Exclamou Eduardo. – Vai ver a família do rapaz não era tão liberal quanto as nossas, não é Claudio?

- Na verdade, eles nem sonhavam com o nosso relacionamento, eu era visto sempre como um amigo, entendem? – respondeu Claudio. – Até que um dia eu cheguei lá, e a mãe dele me disse que ele estava noivo de uma moça lá.

- Caramba, Claudinho! – falou Eduardo. – E ai?

- Aquilo foi a gota d’água para mim, você me conhece, não é, Dudu, eu não suporto traição – Claudio disse, sua feição mudou de alegre para chateado em segundos. – Ele já estava namorando aquela garota há anos e eu nunca descobri nada. No dia em que a mãe dele me contou, eu simplesmente dei meia volta para a minha casa, e arrumei minhas coisas para voltar para cá, minha mãe já havia me pedido para voltar mesmo, então matei dois coelhos com uma cajadada só. Mas só Deus sabe como eu estava magoado! Eu o amava, e vocês podem imaginar o que eu passei com ele. Foram tantos anos, e eu sendo feito de bobo. Nossa, eu chorei tanto quando ele chegou à minha casa e me pegou saindo de mala e cuia. Eu estava com muito ódio dele, mas não consegui mover um só dedo para machucá-lo quando ele me abraçou me pedindo perdão.

Nesse momento, ele foi interrompido por Vinicius, que falou em alto e bom som:

- Eu teria acabado com a raça desse cara se eu fosse você! Você foi muito idiota, cara. Da minha casa ele sairia até sem os pelos do p...

- Que é isso, Vini, tá doido! – Interrompeu Eduardo, se segurando para não rir do comentário feito pelo amigo, afinal Claudio parecia realmente chateado com o que acontecera. – Não seja tão insensível!

- Olha, Claudio, você me desculpe, mas eu teria acabado com a raça desse pentelho! – continuou Vinicius, não dando a mínima para as lágrimas que se formaram nos olhos de Claudio. Nesse momento, até mesmo Vitor já prestava atenção na conversa, apesar de ainda odiar a presença de Claudio ali.

Claudio limpou as lágrimas discretamente, depois falou:

- Mas vamos mudar de assunto, falemos de algo mais feliz e interessante. E ai, Dudu, como anda o AA?

A conversa realmente mudara de foco, e em alguns momentos Vitor também falava, na maioria das vezes quando lhe era pedido à opinião sobre algo.

Passaram o resto do dia fazendo compras e conversando trivialidades, até que, antes de irem embora, Eduardo e Vinicius pegaram o número de Claudio, que afirmara estar morando em um bairro próximo ao deles. Vinicius percebeu que, durante todo o tempo, Vitor ficara de cara fechada devido à presença de Claudio. Com certeza era pelo fato de que Eduardo e Claudio já haviam namorado durante muito tempo. Bom, isso não era algo muito interessante, mas poderia ser útil no futuro, ele ainda não começara a dar investidas em Vitor, e o fato de Eduardo ter voltado a ter contato com seu amor de adolescência serviria como um ótimo meio de fazer com que Vitor perdesse a confiança que tinha no companheiro. Mas no momento certo ele agiria, precisava chegar de mansinho, como quem não quer nada, e ir plantando a sementinha da discórdia até ter controle total sobre Vitor e tê-lo conquistado totalmente.

CAPÍTULO DOZE – Interpol

O relacionamento de Vinicius e Pedro estava ficando cada vez mais sério, pois até mesmo um apartamento para os dois, longe de casa, é claro, Pedro alugou para que eles pudessem se encontrar. Pedro aproveitava que Paloma estava cada vez mais preocupada com os preparativos de sua festa de aniversário, e passava cada vez mais tempo com Vinicius, que em um de seus encontros com o quarentão, conseguiu com que ele esquecesse seus documentos no apartamento e entregou-os a Alexandra, para que esta os falsificasse. Pedro não desconfiara de nada, pois, após a falsificação, Vinicius colocou a carteira de dele em uma gaveta na cômoda e armou para que Pedro a encontrasse de repente.

- Nossa, olha só onde esta danadinha estava! – Exclamara Pedro, ao abrir a gaveta e retirar a carteira de lá. – Acho que estou ficando velho, já estou até perdendo as coisas.

- Que nada, meu bem! – murmurou Vinicius, o abraçando por trás e beijando seu rosto. – Você está ficando cada vez mais gostoso, isso sim. Vem cá, vem! Vamos para a cama.

Enquanto Vinicius e Pedro se deliciavam um com o outro no apartamento, Eduardo e Vitor aguardavam ansiosos pela decisão da justiça com relação ao pedido de adoção deles.

- Calma, amor, vai dar tudo certo – comentara Vitor, quando os dois tomavam café antes de irem trabalhar. – Eu conversei com a assistente social, e ela disse que nós estamos na frente na fila de adoção.

- Eu estou calmo, só estou ansioso – disse Eduardo. Mentira, ele estava realmente preocupado, sabia muito bem que geralmente os casais homoafetivos jamais estariam em primeiro lugar numa fila de adoção. Mas ele estava pedindo a Deus todos os momentos por aquilo, e se fosse para a felicidade deles, o pedido seria aceito.

Carolina estava, por sua vez, cada vez mais ocupada nas Clinicas do Comportamento do AA. Todos os dias ela atendia a vários pacientes portadores dos mais diversos transtornos, mas naquela manhã ela iria receber uma paciente assídua de seu consultório que fora vítima de um homem que destruíra sua vida, tanto financeiramente quanto emocionalmente.

Mais uma vez, ela tentava convencer a mulher de que a culpa do que acontecera em sua vida não era dela, e sim do crápula com o qual ela vivia. Carolina sabia o quanto era difícil aceitar, mas a mulher havia sido vítima de um psicopata.

- Me deixa tentar explicar de novo para a senhora – disse Carolina, entregando um lenço para a mulher que estava sentada a sua frente, chorando. – Eu sei que é difícil de acreditar, e mais uma vez digo e repito, a senhora não tem culpa nenhuma no que aconteceu. De acordo com o que me foi dito por você, ele aprontava e, quando era descoberto, fazia um drama e jogava a culpa em ti, não é isso? – A mulher confirmou com a cabeça. – Os psicopatas são mestres em jogar a culpa do que eles fazem nos outros, eles nunca estão errados. Infelizmente, eles têm o poder de perceber nossos pontos mais fracos, mais vulneráveis, e usá-los contra nós. Você foi apenas mais uma peça no jogo sórdido dele.

- Mas ele dizia que me amava e era tão carinhoso comigo – murmurou a mulher, ainda chorando. – Ele era um amor.

- Mas a senhora lembra que, no nosso primeiro encontro, a senhora me disse que ele era amável em alguns momentos, e em outros era agressivo, chegando até mesmo a agredi-la fisicamente?

- Sim, sim, claro. Eu não sabia o porquê. De uma hora para a outra, ele se transformava, ninguém podia dizer nada que o confrontasse que ele quase matava a criatura. Mas no momento seguinte ele voltava ao normal, como se nada tivesse acontecido. E dizia repetidamente que me amava.

- Isso se dá ao fato de que, as emoções dos psicopatas, segundo afirmam muitos psiquiatras, são tão superficiais que podem ser consideradas “proto-emoções”, que seriam respostas primitivas as necessidades imediatas. São coisas rápidas e que mudam com o piscar de olhos.

A mulher passou o resto da consulta chorando e sem se conformar que o ex-marido era um psicopata, enquanto Carolina lutava para fazê-la entender que foi melhor ele ter se separado dela do que ela continuar vivendo com ele, pois só Deus sabia quanto mais ela iria sofrer nas mãos daquele cafajeste.

***

O mês seguinte, Maio, chegou junto com os convites de Paloma para a sua grande festa. Todos os amigos foram convidados, inclusive os funcionários do hospital. Quando receberam o convite em casa, Eduardo e Vitor comentaram o quão badalada não seria a festa de Paloma, afinal a mesma gastara bastante dinheiro com o evento.

- Conhecendo a Paloma como eu conheço – comentou Vitor dentro do carro, enquanto dirigia em direção ao hospital -, com certeza essa festa sairá até nos jornais.

- Concordo com você, amor! – disse Eduardo. – Acho que vou ligar para o Claudio e perguntar se ele não gostaria de ir conosco para espairecer um pouco. Ele passa o dia inteiro cuidando da mãe doente, ele merece um pouco de diversão também.

Ao ouvir o nome de Claudio, Vitor fechou logo a cara, coisa que foi percebida por Eduardo, que murmurou:

- Eu não acredito que você esteja com ciúmes do Claudio, Vitor. Ele e eu namoramos há um tempão atrás, e agora somos somente amigos.

- E eu não tenho razão de estar com ciúmes? – perguntou Vitor. – O cara reaparece depois de um século e chama meu companheiro de “Dudu”, sendo que meu companheiro já foi perdidamente apaixonado por ele!

- Não seja bobo, Vitor – disse Eduardo. – O Claudio é somente um bom amigo. Eu nunca lhe dei motivos para desconfiar de mim!

- Eu confio em você – Vitor disse. – Eu não confio é NELE! E você ainda vem com essa de convidá-lo para a festa da Paloma, que nem ao menos conhece esse cara.

- Tenho certeza que ela não vai se importar, a Paloma vai amar a presença dele – argumentou Eduardo, agora se estressando com os ciúmes de Vitor. – Eu nunca lhe proibi de ter amizade com ninguém, Vitor, e também não permito que você me proíba.

- Amizade é uma coisa – recomeçou Vitor, agora quase gritando -, mas você acha mesmo que ele quer ser só seu amigo?! Pensa que eu não reparei a forma que ele te encarava, Eduardo?

Eduardo balançou a cabeça negativamente, incrédulo. Era a primeira vez que Vitor fazia uma cena de ciúmes daquela, eles nunca haviam brigado por causa desse tipo de coisa. Ele até entendia o lado do companheiro, mas não iria permitir que ele fosse tão arrogante a ponto de proibi-lo de ter amizade com um ex-namorado, ex-namorado este que passara mais de dez anos sem nem olhar na cara. Decidiu ficar calado por alguns minutos, e depois disse, quando já entravam no estacionamento do subsolo do hospital:

- Olha, meu amor, você vai me desculpar, mas não deixarei de ser amigo do Claudio devido aos seus ciúmes sem razão, principalmente agora que ele está passando por um período tão difícil da vida dele. E sim, eu vou convidá-lo para a festa da Paloma, e com certeza ela não vai se importar.

Vitor respirou fundo, depois murmurou:

- Tá certo, então, se você quer tanto chamar esse imbecil para a festa, que chame. Como você mesmo disse, ele está passando por um período difícil, não é? – Ele sabia que não adiantaria discutir mais, pois quando Eduardo se decidia sobre algo, não mudava sua decisão de forma alguma. Teria que aguentar a presença daquele “prego” durante a festa.

Claudio, por sua vez, relutou um pouco a aceitar o convite de Eduardo, quando este lhe ligara durante a tarde. Disse que precisava acompanhar sua mãe durante um exame, mas Eduardo insistiu tanto que ele acabou aceitando chamar uma enfermeira para acompanhar a velha durante o exame para que ele se divertisse um pouco. Antes de desligar, ele disse:

- Dudu, muito obrigado pelo convite, cara. Faz muito tempo que não vou a uma festa, já até desaprendi a dançar. Espero que seu companheiro não se incomode com a minha presença.

- Que nada, Claudinho, o Vitor está de boa! – falou Eduardo, se lembrando da pequena discussão que tivera com o companheiro pela manhã. – E a Paloma vai te adorar, ela é uma figura, você vai gostar.

- Bom, então tudo bem. Próximo sábado eu chego à sua casa mais cedo e de lá nós vamos, então.

- Tá ótimo, Claudinho. Até sábado. Abraço. – E desligou o celular.

***

Vinicius conversava alegremente com Fátima naquela tarde. Enquanto a mulher fazia um lanche para ele, Vinicius lhe contava sua aventura na Europa, e mais uma vez o porquê da volta dele para o Brasil. Falou também que nunca poderia pagar o que Eduardo estava fazendo por ele, ajudando-o naquele momento tão difícil.

- Sr. Dudu é mesmo um grande homem – concordou Fátima, entregando um sanduíche a Vinicius. – Ele tem um coração enorme. Nunca me esquecerei de que ele ajudou o meu Bruno numa fase terrível da vida dele. Nem se eu trabalhasse durante cem anos aqui de graça eu não pagaria.

- O que aconteceu, Fatinha? – perguntou Vinicius, interessado.

A mulher acabou contando a Vinicius que seu filho já fora envolvido com drogas e que, graças a Eduardo, ele não fora preso. Além disso, contou que Eduardo pegara todo o tratamento dele em uma clínica de reabilitação.

- Nossa, que história! – exclamou Vinicius, tomando o suco. – O Dudu é maravilhoso mesmo.

No momento em que Fátima ia concordar com Vinicius, ouviu-se a campainha da porta. Como a mulher estava de avental e lavando algumas louças, pediu a Vinicius que atendesse a porta.

- Claro, sem problemas – disse ele, xingando a mulher em seu pensamento.

Quando abriu a porta, Vinicius se deparou com um homem de paletó seguido de dois policiais, que seguravam suas armas, prontos para agir caso fosse necessário. Estranhando a presença de tais pessoas ali, Vinicius, cumprimentou:

- Boa tarde. O que gostariam?

- Boa tarde, senhor – respondeu o homem de paletó, e tirando um distintivo do bolso, disse: - Somos da Interpol, a Organização Internacional de Polícia Criminal. Gostaríamos de falar com o proprietário do apartamento, por favor.

- Ele não se encontra, está trabalhando – respondeu Vinicius, olhando de relance para o distintivo do homem, que ele acabara de guardar no bolso. – Mas eu moro aqui também, sou um amigo, se quiser, pode deixar algum recado.

- Na verdade, nós recebemos uma denúncia de que um fugitivo da polícia está aqui – continuou o homem. – E nós temos um mandado judicial para revistar o apartamento. Qual o seu nome?

- Vinicius – respondeu Vinicius -, Vinicius Capelo. Podem entrar, então.

Ele deu passagem para o homem e seus policiais, pensando em o que faria para se livrar daquela situação. Mas como será que a Interpol ficara sabendo que ele estava no Brasil? Será que algum idiota de Londres o teria deletado? Só poderia ser isso, pois ele havia ido embora de Londres usando seu passaporte brasileiro. Ele devia saber que os imbecis da quadrilha o deletariam por ele ter fugido com todo o dinheiro depois da morte de Lawrence Abbey.

- Com licença, Senhor Capelo – disse o homem, mais uma vez, e seguiu com os policiais para o interior do apartamento. Vinicius permaneceu parado na sala, pensando no que faria para se livrar daquela situação.

Alguns minutos depois, Fátima aparece seguida pelos policiais, que a faziam perguntas:

- Qual seu nome completo?

- Há quanto tempo a senhora trabalha aqui?

- Há quanto tempo o proprietário é dono do apartamento?

Vinicius já estava ficando impaciente, foi quando o investigador se dirigiu a ele, fazendo as mesmas perguntas. Depois de respondê-las, ouviu do investigador:

- Bom, não encontramos nada de mais no apartamento, mas teremos que voltar depois, para conversarmos com o proprietário do imóvel. A fonte da denúncia é totalmente confiável, então teremos que investigar mais um pouco.

- Sim, tudo bem, mas como o senhor mesmo viu, não há nenhum fugitivo internacional aqui – disse Vinicius, abrindo a porta para os policiais. Os dois armados saíram, porém o investigador ainda fez mais uma pergunta:

- Senhor Capelo, o senhor já ouviu falar de algum homem chamado Lawrence Abbey?

A menção do nome de Lawrence Abbey fez com que Vinicius se lembrasse do rosto de seu dono, um londrino que ele conhecera e iniciara um romance, mas que após ele descobrir que estava sendo roubado por Vinicius, decidira denuncia-lo a polícia, porém acabara morto misteriosamente em uma estrada de Londres.

- Não, nunca ouvi falar – respondeu Vinicius, olhando nos olhos do investigador. – Eu nunca saí do Brasil, e com certeza esse homem não é brasileiro.

- Estranho, Senhor Capelo – murmurou o homem. – Mesmo não tendo saído do Brasil, o senhor deve saber algo deste homem, afinal o caso Lawrence Abbey fora divulgado no mundo todo. Uma atrocidade daquelas não é algo que se vê todos os dias, não é?

- Bom, se eu ouvi, não prestei atenção – disse Vinicius. – Eu trabalho muito e mal tenho tempo de assistir TV.

O investigador deu um sorrisinho de canto de boca, e depois disse:

- Bom, quando for necessário, nós retornaremos. Tenham um bom dia. Aqui está o meu cartão. - E entregou um cartãozinho a Vinicius, que o guardou no bolso da calça. – Qualquer coisa pode ligar.

- Muito obrigado – falou Vinicius, fechando a porta quando o investigador saiu. Pensou durante alguns segundos, até que se lembrou de que Fátima ainda estava ali, com aquela cara de boboca dela, boquiaberta.

- Menino, que babado forte foi esse? – perguntou ela, ainda boquiaberta. Era a primeira vez que a polícia entrava no apartamento de Eduardo e Vitor. – Que loucura, eles disseram que receberam uma denúncia de que um tal fugitivo internacional estava aqui. Pode?

- Realmente, é algo inacreditável – Vinicius falou, sorrindo e olhando para a velha. – Mas, olha Fatinha, não precisa se preocupar, assim que o Dudu chegar eu converso com ele sobre esse assunto, tá? Quando der seu horário, pode ir para casa tranquila. Eu converso com ele.

- Tudo bem, então – murmurou Fátima, seguindo de volta para a cozinha. – Agora deixe me deixe terminar o jantar por que se não o Sr. Vitor arranca minha cabeça, ele odeia que o jantar atrase.

Vinicius foi para o seu quarto rapidamente, pegou o celular e discou o número de Alexandra. O telefone tocou, tocou, mas ninguém atendeu.

- Atende Alexandra, sua desgraçada!

Irritado, ele jogou o aparelho na cama e se sentou na ponta da cama. Não gostara nem um pouco daquele investigador, ele fora muito sarcástico ao lhe perguntar sobre Lawrence Abbey. Será que ele o reconhecera? Não, não era possível! Com aquele cabelo loiro e grande ele não parecia, nem de longe, com o londrino que ele fingia ser quando morava em Londres. E quem fora o desgraçado que o denunciara? Resolveu ligar para Alexandra mais uma vez, e desta vez ela atendeu:

- Alô – ela disse.

- Alexandra, sua vaca, por que não atendeu logo essa droga de celular? – Vinicius perguntou, irritado.

- Calma aí, Vinicius, deixa de ser histérico! – Exclamou Alexandra. – Eu estava com um boy no motel, estava tentando descolar uma grana, já que você está mais para lá do que para cá comigo, até agora não me deu um tostão, e preciso pagar os remédios da minha mãe. O que aconteceu?

- Aconteceu que, enquanto você estava brincando com um macho qualquer, os desgraçados da Interpol chegaram aqui no apartamento devido a uma denúncia de que um fugitivo internacional possivelmente estava se escondendo aqui – respondeu Vinicius, ainda irritado. – Consegui fazer com que eles fossem embora rapidamente, mas você imagina se o retardado do Eduardo estivesse aqui. Ele teria estragado tudo e teria dito que eu tinha acabado de voltar de Londres.

- Caramba, mas eles te reconheceram? – perguntou Alexandra, com um tom preocupado.

- Não, como eu te disse, aquela “bixa” que eu namorei em Londres fez um ótimo serviço com o mega hair, mas eu não gostei nem um pouco do investigador, parecia que ele me conhecia de algum lugar. Talvez pelas fotos que foram divulgadas pela justiça inglesa do namorado de Lawrence Abbey, que era e ainda é o principal suspeito da morte dele. Eu não tive outra saída, tive que dar cabo daquele nojento. Preciso agir o mais rápido possível, cara. Você pode me conseguir um pouco daquele nosso pozinho especial, não pode? Quero logo dar um fim nesse caso “Pedro”. Tirar logo uma boa grana daquele imbecil e dar um tempo fora. A Interpol disse que voltaria, e não posso garantir que o Eduardo não abra aquela boca de sapo dele.

- Claro que eu posso, Vini – respondeu Alexandra. – Ainda tenho uma boa quantidade comigo. Como você acha que eu estou conseguindo dinheiro? Estou dando um bom “boa noite Cinderela” nos caras que eu trago para o motel, nem chego a fazer nada com eles, e dou o fora.

- Pronto, então vamos só esperar passar o aniversário da “traveca” e agimos – completou Vinicius. – Só não aplico antes por que o Pedro está tentando dar algum suporte aquela criatura, para que ela não desconfie tanto que ele tem uma amante. Se bem que, pelo o que ele fala dela, ela nem sonha que está sendo chifrada.

- Ótimo, me mantenha em contato. Assim que o momento chegar, te entrego o pozinho e você dá cabo do velho.

- Então está ok. Até mais, e fique atenta. Tchau.

Os dois desligaram a ligação no mesmo momento, e Vinicius se levantou e passou a andar em círculos no quarto sem parar. É, ele realmente teria que acabar logo com essa brincadeirinha com Pedro e dar um tempo fora do Brasil, de novo. Diria a Eduardo e Vitor que recebera uma mensagem do banco e que ele precisava passar lá para assinar alguns papéis e resolver algumas pendências que ele havia esquecido, e iria para outro país, Argentina talvez. O que ele não percebeu foi que esquecera a porta do quarto entreaberta e Fátima escutara tudo o que ele disse para Alexandra, e estava ainda mais boquiaberta do que quando a Interpol entrara no apartamento.

CAPÍTULO TREZE – Uma festa colorida

Fátima caminhou lentamente de volta para a cozinha, tentando não fazer barulho com os pés para que Vinicius não a ouvisse, estava chocada! Como ele pôde? Meu Deus, aquele homem tão educado e bonito, que ela conhecia desde criança, era um bandido, um assassino, e ainda por cima estava enganando o melhor amigo, que estava lhe dando um teto para morar! E agora aquela polícia internacional fazendo vistoria no apartamento... Ele só podia ser um bandido muito perigoso! Um daqueles loucos que a se vê na TV que mata todo mundo, e por prazer! Mas, o que ela deveria fazer, contar para Eduardo toda a verdade e acabar com aquela farsa? Será que não seria melhor... Sim, sim, teria que ficar calada mesmo, fingir que não ouvira nada, pelo menos por enquanto, imagina se aquele louco descobre que ela contou para os patrões sobre a visita da polícia estrangeira e sobre o que ela o ouvira falando ao telefone? Ela estaria morta!

Passou alguns minutos encostada-se a pia da cozinha, a cabeça já começava a doer de preocupação. Não achava justo mentir para Eduardo e Vitor, mas ao mesmo tempo ela não poderia arriscar sua própria vida, afinal Vinicius saberia que fora ela quem contara, pois só estavam os dois em casa naquele dia! Não, estava decidido, ela não contaria nada, ficaria calada, na dela, assim como Vinicius pedira, ele mesmo contaria ao amigo sobre a visita da Interpol. Tentaria não levantar suspeitas quando estivesse próximo a Vinicius, afinal se ele conseguira fugir da Interpol e enganar todo mundo, com certeza ele perceberia que ela sabia de alguma coisa se ela passasse a trata-lo diferentemente. Mas como que ela olharia na cara daquele monstro novamente, sabendo de tanta perversidade que ele cometera? Bom, ela teria que tentar, pelo menos evitar ficar com ele sozinha! Era seu emprego que estava em jogo, e não só seu emprego, a sua vida! E ainda tinha o seu filho, Vinicius conhecia Bruno, e se ele tentasse alguma coisa contra o seu nenenzinho? Ficar de bico fechado era realmente a coisa certa a se fazer, e iria ser feita.

***

O grande dia havia chegado para Paloma, finalmente. Seria uma festa para calar a boca de todas as suas amigas, preparada com a ajuda de vários profissionais, com tudo do bom e do melhor. Seria seu momento de rainha, momento este que ela aguardava ansiosamente, se arrumando no quarto com a ajuda de sua empregada Marluce, que não parava de elogiá-la o tempo todo.

- Minha nossa senhora das empregadas – disse Marluce, enquanto abotoava o vestido de Paloma, enorme e todo colorido, inspirado no arco-íris. O vestido caia até o chão, e ainda tinha uma calda enorme, parecia até um vestido de noiva, se não fosse pela cor, ou melhor, pelas cores! – A senhora está muito linda, D. Paloma, ai que chique!

- Você gostou do vestido? – perguntou Paloma, enquanto ainda retocava o batom. – Menina, fiz o Pedrinho gastar uma fortuna com esse tecido, seda pura, babado!

- Ai, mas está lindo de mais! – exclamou Marluce, agora pegando os saltos de Paloma, que se sentou na cama para calçá-los. – Sr. Pedro vai morrer de orgulho da senhora!

O que Marluce falou fez com que Paloma deixasse seu sorriso de lado e murmurasse baixinho:

- Será mesmo, amiga? Será que ele ainda me olha com os mesmos olhos de antes? Você percebeu que ele está muito distante, mal conversamos mais, acho que ele não vai sentir orgulho não!

- Que é isso, D. Paloma, ele vai sentir sim, a senhora vai ver! – falou Marluce, se abaixando e ajudando a patroa a calçar os saltos. E olhando para Paloma nos olhos dela, disse: - E eu não aceito que a senhora fique desse jeito. Olha só para ti, está uma diva, mais ainda do que é! O que foi, vai deixar que esse traste que está atrapalhando seu relacionamento ganhe, é? Cadê a D. Paloma poderosa que eu conheci quando vim para a entrevista de emprego? Cadê a D. Paloma poderosa e linda pela qual eu me apaixonei e que venero?

Paloma riu tristemente. Ela tinha certeza que seu companheiro Pedro a estava traindo, e sem dúvida alguma não era um namorico qualquer, afinal ele estava distante demais, e eles não mantinham relações sexuais a mais de um mês! Decidiu forçar um sorriso para Marluce, não queria deixa-la triste, pois ela era uma pessoa maravilhosa, fiel, e que ajudava incondicionalmente. Uma verdadeira amiga.

- Eu sei, babado – ela murmurou, ainda tentando sorrir. – Mas é que, você sabe, é difícil saber que está perdendo o amor da sua vida e se ver de mãos atadas! Sem poder fazer nada. Você é a prova viva de que vivo tentando pegar o Pedrinho com a boca na botija, mas não consigo!

- Olha, D. Paloma – começou Marluce, agora se sentando ao lado da patroa, segurando nas mãos dela. -, eu entendo muito bem pelo que a senhora está passando. E tenho um plano para ajudá-la. Eu não falei antes por que tive medo de ser demitida caso o Sr. Pedro descobrisse, mas amo a senhora de paixão, e não aguento vê-la assim, então decidi me arriscar.

- Que tipo de plano? – perguntou Paloma, agora séria e se ajeitando na cama. – Eu prometo para você que você não será demitida, independente do que acontecer.

Marluce suspirou, pensando por um minuto, e depois disse:

- Vamos fazer o seguinte: a senhora vai entrar deslumbrante na festa, como se nada estivesse acontecendo, como se estivesse tudo bem, para fazer com que o Sr. Pedro não desconfie de nada. Enquanto isso, eu vou ficar aqui, paradinha no apartamento, esperando que ele chegue do hospital, acho que ele não vai demorar. Assim que ele entrar no banheiro, eu vou pegar o celular dele e vou trocar o chip, eu tenho um chip queimado que eu não uso guardado lá na gaveta do armário da cozinha, e é da mesma operadora que o Sr. Pedro usa. O que acontece é que, eu troco o chip, coloco o celular dele no mesmo local, isso em velocidade recorde, pois ele é rápido que nem o homem aranha quando toma banho, e quando ele sair, o celular vai estar no mesmo cantinho. Ele não vai desconfiar de nada, só vai achar que o chip queimou. Entendeu?

- Aham – disse Paloma, agora sorrindo. Por que não havia pensado nisso antes? – E depois?

- Depois... – continuou Marluce, agora sorrindo sarcasticamente. – Ora depois! Depois nós vamos utilizar o chip em outro aparelho de celular, e assim que a vagabunda ligar, nós salvamos o número. Com certeza ela deve ligar e dizer – E imitando a voz de uma mulher. – “Amorzinho, está podendo falar?”. Então, eu acho que, se a senhora achar uma boa ideia, é claro, devemos marcar um encontro com ela, por mensagem é melhor, e irmos ao encontro dela, conhecer finalmente essa vadia.

Paloma abriu um sorriso enorme e quase gritou:

- Você é uma gênia, Marluce babado! Como foi que eu não pensei nisso antes?

- Ah, D. Paloma, quando se trata em reconhecer e acabar com vadias que roubam maridos, eu sou mesmo! – Disse Marluce, feliz por ter feito Paloma sorrir.

Paloma voltou a se observar no espelho, e finalmente disse:

- Agora vem, babado, me ajuda a terminar de abotoar este vestido, quero chegar arrasando nessa festa! E essa vadia que me aguarde!

- É assim que se fala, D. Paloma! – exclamou Marluce, gargalhando junto com a patroa enquanto abotoava o restante do vestido de arco-íris.

***

O clube estava totalmente decorado com as cores do arco-íris para o aniversário de Paloma. Eram árvores, piscina, mesas, cadeiras, luzes de efeito, tudo colorido! Nem os pratos e talheres ficaram de fora, foram coloridos também! Estava uma festa realmente deslumbrante. Eduardo e Vitor não paravam de rir ao observarem a decoração inusitada feita pelos decoradores contratados pela amiga. Até o tapete era colorido!

Eles escolheram uma mesa próxima à piscina do clube. O local já estava enchendo, com certeza Paloma convidara a Fortaleza inteira! Vinicius estava com eles também, sorrindo para Deus e o mundo quando olhavam para ele.

- Nossa, mas está linda a festa, não acham?! – perguntou Vinicius, ainda olhando ao redor. – Paloma realmente tem bom gosto, apear de estar tudo muito colorido, não ficou feio.

- Tem razão, Vini – concordou Eduardo, pedindo ao garçom que passava por eles uma bebida. – Paloma arrasou! Pedro deve ter gastado uma fortuna com todos esses detalhes!

- Oh, sim, com certeza! – disse Vinicius, cínico. Alguns dias antes ele contou ao amigo sobre a visita da polícia, e conseguira convencê-lo a não ir atrás daquele assunto, pois, como ele mesmo dissera “Os policiais se desculparam e foram embora morrendo de vergonha por terem errado o número do apartamento.”.

- Acho que o Claudio já deve estar chegando – comentou Eduardo, olhando ao redor a procura do amigo. – Ele me disse que pegaria um taxi para vir, que não precisava que eu fosse buscá-lo com o Vitinho na casa dele.

- Que você fosse buscá-lo sozinho, não é Dudu? – interrompeu Vitor, entrando na conversa. – Por que eu jamais perderia meu precioso tempo para pegar aquele cara onde quer que fosse.

- Já vai começar, Vitinho? – perguntou Eduardo, sem paciência. – Acho que nós já conversamos o bastante sobre esse assunto, não é? – E se levantando, continuou: - Eu vou atrás da Paloma, antes que comecemos mais uma discussão boba aqui. – E saiu, se misturando com as pessoas que dançavam próximas a piscina.

Vitor fechou a cara instantaneamente, o que foi percebido por Vinicius, que aproveitou para envenenar o relacionamento do amigo ainda mais.

- Nossa, o Dudu está ficando meio sem noção – começou ele, cautelosamente. – Eu não sei como ele aguenta o Claudio, sinceramente.

Vitor olhou para Vinicius, incrédulo.

- Eu pensei que você estivesse do lado dele – disse baixinho, para que ninguém ouvisse. – Afinal, vocês se conhecem desde pequenos.

- Que a gente se conhece desde pequeno eu concordo – murmurou Vinicius, se sentando na cadeira onde Eduardo estava. – Mas quanto à presença do Claudio aqui, não! E eu concordo com você, se o Dudu fosse meu companheiro e um ex-namorado ressurgisse das cinzas tentando se reaproximar, eu ficaria com ciúmes, sim!

Vitor se moveu na cadeira, sorrindo. Finalmente alguém que concordava com ele!

- Você também acha? Caramba, Vinicius, de todos, eu pensei que você seria o último a ficar contra o Dudu.

- Eu não estou contra o Dudu – Vinicius falou, tomando um gole de seu uísque, que o garçom acabara de entregar-lhe. – Não é pelo fato de eu ser amigo do Dudu que tenho que dizer amém para tudo que ele fizer. E eu não acho certo que ele tenha convidado o Claudio para a festa, afinal eles já tiveram um namoro, e um namoro longo, viu, todos diziam que eles iam até se casar!

Vitor ficou de boca aberta, incrédulo. Agora que ele queria saber mais sobre esse tal Claudio, e tinha certeza que poderia confiar em Vinicius.

- Como assim? – perguntou a Vinicius, interessado. – O Dudu nunca me contou isso de casamento.

- Você acha que ele iria te contar? – o outro falou. – Olha, Vitinho, é como eu disse, não é pelo fato de eu ser amigo do Dudu que tenho que dizer amém para tudo que ele fizer, mas tem certas coisas que eu não posso conversar a respeito, coisas íntimas de quando a gente ainda estava no ensino médio. Eu só vou te contar se você me prometer que não vai contar para ele.

- Eu prometo! – Exclamou Vitor, sem pestanejar. Nossa, Vinicius era um cara bom mesmo, se arriscando a perder um amigo por que não suporta ver coisas erradas!

- Pois bem, como eu disse, eles até falavam em casamento quando estavam no ensino médio, eu queria que você visse, não descolavam um do outro! Até que os pais dele foram para o Rio de Janeiro não sei para quê, e ele teve que ir junto. Eu não duvido nada que ele tenha voltado por ter visto o nome do Dudu em alguma revista ou jornal, afinal quando o Sr. Jonas passou o hospital para que o Dudu comandasse, foi divulgado para toda a imprensa.

- Eu também não duvido, não! – sibilou Vitor, olhando ao redor para ver se Eduardo não estava ouvindo. – Sabe, Vinicius, agora eu sei que você é muito gente boa, cara! Poxa, obrigado por me contar isso.

- De nada, Vitinho – disse Vinicius, olhando para Vitor e sorrindo daquele jeito sedutor dele. – Eu gosto muito de você, e quero que seja feliz, apesar de não ser com...

- Apesar de o quê?! – perguntou Vitor, de repente, fazendo com que Vinicius derrubasse o copo de uísque no chão. – O que você estava dizendo?

Vinicius, percebendo que chegara ao ponto crucial de seu veneno diário, fez uma cara de vergonha e respondeu:

- Ai meu Deus, me desculpa, Vitinho, mas você me assustou com esse quase grito! Eu estava dizendo que gosto muito de você, apesar de não ser tão conhecido seu! Entende?

Vitor, ainda processando a resposta de Vinicius, concordou com a cabeça. Que loucura, por um momento ele pensara que Vinicius fosse dizer “Eu gosto muito de você, e quero que seja feliz, apesar de não ser comigo.”. Bobagem!

- Desculpa, Vini – disse ele, apanhando o copo de Vinicius. – Eu só estou um pouco estressado, desculpa.

- Tudo bem, sem problema, Vitinho! – falou o outro. Havia chegado aonde queria. Pronto, a sementinha já estava plantada!

***

Assim que Pedro entrou no banheiro para tomar banho e correr para o clube onde o aniversário de Paloma estava acontecendo, Marluce tratou de colocar seu plano em prática. Discretamente, pegou o celular do patrão de dentro do bolso de sua calça, levou para a cozinha e trocou o chip. Colocou o chip bom dentro da mesma gaveta do armário e correu para colocar o celular no mesmo bolso que encontrara. Segundos depois, a porta do banheiro se abriu de repente e Pedro saiu só de toalha, dizendo:

- Marluce, a Paloma já saiu ou está me esperando ainda?

Com o susto, Marluce havia corrido para o guarda roupa aberto, afim de fingir que estava guardando as roupas lavadas. Ainda tensa, respondeu:

- É claro que ela já saiu, Sr. Pedro, o senhor sabe como ela estava ansiosa para essa festa, então nem me esperou, foi logo de táxi!

- Nossa, então corra para se arrumar, Marluce, que já estou saindo! – disse Pedro, enquanto Marluce dava um suspiro de alívio e saía do quarto. “Nossa, essa foi por pouco!” pensou.

***

- Gente, a aniversariante chegou!

Ouviu-se um grito próximo a piscina. Era uma moça que acabara de voltar dos portões do clube que corria para o meio das pessoas, gritando incansavelmente que Paloma chegara à festa. O burburinho dos convidados foi enorme. Todos estavam curiosos para ver como a aniversariante estava vestida, sim, vestida, pois a preocupação da maioria era a roupa que Paloma estivesse usando.

Eduardo, que já havia voltado para a sua mesa, acompanhado por Claudio, que chegara poucos minutos antes, se levantou para tentar ver Paloma entrando no grande tapete colorido que estava colocado para que ela caminhasse ao entrar no prédio. Vinicius também se levantou e Vitor estava lá, com aquela cara fechada que tanto irritava Eduardo. Claudio percebera o seu incômodo e, após o “Boa noite, tudo bem?” da educação, evitou até de olhar para ele.

E lá estava Paloma, com seu deslumbrante e excêntrico vestido colorido, entrando no clube, sorrindo radiante! As luzes, ao baterem em seu rosto, iluminavam-na ainda mais. Seu sorriso encantava, seu modo de caminhar elegante e lento naquele tapete colorido arrancava elogios até das mulheres presentes. Ela estava realmente linda!

Em poucos segundos, Paloma foi abordada por vários convidados, que lhe abraçavam, beijavam e desejavam felicidades. De quando em quando, ela olhava ao redor, procurando pela pessoa que ela mais desejava que estivesse ali, lhe abraçando e lhe beijando: Pedro. Mas ele não estava, talvez já estivesse chegando com Marluce. Essa era outra pessoa que ela queria ao seu lado naquele momento, por ser uma amiga honesta e fiel, e que iria ajudá-la a descobrir quem era a amante de seu companheiro. Lembrou-se do plano que haviam maquinado, e desejou a Marluce boa sorte. Mal sabia ela que Marluce já havia matado o primeiro coelho, e que o segundo viria por si só para o abate.

- Dudu, você veio! – Ela exclamou, ao ser surpreendida pelo abraço de Eduardo, que se desvencilhara das pessoas que a rodeavam e a abraçara. – Você está lindo, como sempre!

- Feliz aniversário, minha amiga! – disse Eduardo, a abraçado. - Linda está você, adorei este vestido! Na verdade, adorei a festa toda!

- Você gostou? – Ele confirmou com a cabeça. – Ah, muito obrigado, acho que está um pouco exagerada, não acha?

- O que é a vida sem exageros? – perguntou uma voz, entrando na conversa. Era Vinicius, que agora abraçava Paloma e lhe dava um beijo na bochecha. – Feliz aniversário, Paloma, você está arrasadoramente linda!

O elogio de Vinicius fez com que Paloma sorrisse. Realmente ele era muito bonito e galante.

- Eu agradeço os seus elogios, Vinicius – disse ela, depois de abraçar Vitor e Claudio, após os mesmos lhe desejarem felicidades e ela agradecer. – Quanto tempo que não o vejo? Por onde andava? – E olhou para Claudio, sorriu e continuou: - Não me diga que está namorando? É esse gatão aí?

A pergunta fez todos rirem. Claudio ficou um pouco constrangido, mas Eduardo sibilou em seu ouvido que aquele era o jeito de Paloma mesmo, que ele não se importasse.

- Não, não, Paloma, o Claudinho é só um amigo – respondeu Vinicius, ainda rindo. – Nos conhecemos ainda na escola.

- Oh, minha nossa, as escola são locais que fazem amores para a vida toda! – retrucou Paloma. Este comentário fez com que, ao mesmo tempo, Claudio olhasse para Eduardo, que olhou para Vitor, que olhou para Claudio.

Percebendo que talvez seu comentário tenha causado algum desconforto, Paloma mudou totalmente de assunto:

- Menino, o Pedrinho ainda não chegou! No mínimo está preso neste trânsito louco de Fortaleza.

- Ah, sim, com certeza está! – Murmurou Vinicius, sorrindo cinicamente ao ouvir o nome de Pedro. – Daqui a alguns anos, estaremos com um trânsito caótico de cidades como São Paulo. E como vai o Pedro? Trabalhando muito?

- Sim, sim, quase não temos mais tempo para nós dois, acredita! – Exclamou Paloma, tentando sorrir da forma mais natural possível. Não queria deixar transparecer a crise de seu relacionamento. – Eu não sabia que você conhecia o Pedrinho.

- Ah, mas eu o conheço do AA! – disse Vinicius. – Quando fui visitar o Dudu lá, eles estavam conversando e, quando o Dudu precisou se retirar, nós ficamos conversando um pouco. Você tem sorte, Paloma. O Pedro te ama demais, ele só falava de você.

- Sério? – perguntou Paloma, disfarçando a surpresa que o comentário do loiro lhe causara. – Mas, sim, eu tenho sorte mesmo, o Pedrinho é um companheiro maravilhoso.

- Gente, a conversa está muito boa, mas vamos deixar a Paloma falar com os outros convidados, não é? – interrompeu Eduardo, sorrindo. Ele sabia que o relacionamento dela com Pedro não estava indo muito bem, então decidiu poupa-la de certos comentários. – Vamos voltar para a nossa mesa, depois nos falamos de novo, Paloma.

A decisão de Eduardo foi acatada por Vitor e o restante, então todos voltaram para a mesa que haviam escolhido anteriormente e deixaram Paloma a sós, mas por poucos segundos, pois a coitada não teve tempo nem de respirar e já estava sendo abraçada por uma mulher que eles não conheciam.

Pedro e Marluce chegaram quase meia hora depois da chegada de Paloma. Assim que o viu, Paloma o abraçou e beijou muito. Pedro retribuía aos abraços e beijos da forma mais natural possível. Eles eram fotografados o tempo todo por jornalistas! Marluce sorria para as câmeras como se o foco dos jornalistas fosse ela, arrancando risadas dos convidados que assistiam a cena.

Após conseguirem fugir das câmeras, Paloma e Pedro encontraram Eduardo, Vitor e seus amigos e foram até eles. Pedro cumprimentou a todos, e, ao cumprimentar Vinicius, seu aperto de mão foi mais forte e os dois se fitaram.

- Como vai, Pedro? – disse Vinicius, sorrindo da forma que ele sabia que Pedro adorava.

- Estou ótimo, Vinicius – respondeu Pedro, retribuindo o sorriso. Nossa, que loiro gostoso! E o melhor, um loiro gostoso que era dele, só dele! Como estava enganado.

- Bom, babados, eu e meu amor vamos dar uma caminhadinha pela festa, fiquem a vontade! – disse Paloma, sem perceber a troca de olhares entre Vinicius e Pedro, e puxando o marido pelo braço, desapareceu entre a pequena multidão mais próxima.

A festa transcorreu tranquilamente, apesar de o clube ter lotado devido aos vários convidados de Paloma. No meio da noite, uma banda contratada pela aniversariante começou a tocar, fazendo com que os convidados se levantassem e rasgassem a grama e o piso do clube de tanto dançar. Eduardo e Vitor dançaram bastante, o mesmo fizeram Vinicius e Claudio. Em um determinado momento, louco para injetar um pouco mais de veneno, Vinicius pegou Vitor para dançar, o que acarretou em um olhar de fúria de Vitor para Claudio, que passara a dançar com Eduardo.

***

Assim que acordou cedo na manhã seguinte a festa, Marluce tomou um banho gelado e correu para fazer o café da manhã de seus patrões. Passou o tempo todo sorrindo, lembrando-se das suas poses para os jornalistas presentes no aniversário. Ora, ela também merecia se sentir uma diva, quem disse que pobre não tinha charme?!

Poucos minutos depois, Pedro e Paloma se levantaram e se sentaram a mesa para tomar o café. Os dois até estavam diferentes naquela manhã, chegando a dar beijinhos um no outro a cada minuto, coisa que havia se tornado um milagre de acontecer, pois ao iniciar seu caso com Vinicius, Pedro meio que “perdera” seu desejo por Paloma.

- Tchau, meu amor! – disse Paloma, dando um beijinho em Pedro antes de ele sair para o hospital. Ao perceber que o marido realmente havia saído, voltou-se para Marluce rindo, muito feliz.

- Eita que a noite foi boa ontem, não foi, D. Paloma? – perguntou Marluce, se sentando ao lado da patroa a mesa.

- Meu Deus, foi sim! – respondeu Paloma, ainda rindo. – Nossa, babado, você não sabe há quanto tempo o Pedrinho não se comporta tão bem, se é que você me entende!

- Que maravilha, D. Paloma! – disse Marluce, também rindo e se levantando. Segundos depois, ela voltou com o chip de Pedro que estava guardado na gaveta do armário desde a noite anterior.

Vendo o chip nas mãos da empregada, Paloma perguntou:

- Sim, babado, quase me esqueci, depois de uma noite louca como essa, o que foi que deu do nosso plano? Deu tudo certo?

- Tudo certíssimo, minha diva – respondeu Marluce, tirado do bolso do avental seu próprio aparelho celular e desligando-o. – Agora nós vamos por em prática a segunda parte do nosso plano. Eu vou colocar o chip do Sr. Pedro aqui no meu celular e nós vamos esperar a ligação da vadia. Com certeza deve ser um número desconhecido e com certeza ela vai chamá-lo por um apelido, que são coisas básicas de vadias como essa.

- Ai meu Deus, espero que não erremos! – comentou Paloma, nervosa. – Imagina se alguém da família dele trocou de número e está ligando para avisar, aí eu fico com a cara na poeira, não é, Marluce babado!

- Pois a senhora não se preocupe que eu mesmo atendo e salvo o número da vagabunda – disse Marluce, decidida. – Olha, D. Paloma, nós vamos pegar essa vaca, pode ter certeza! – O telefone bipou, mostrando que estava ligado. – Vai dar tudo certo.

- Isso é o que eu espero, babado, por que se o Pedrinho descobrir que nós pegamos o chip dele, estamos ferradas!

- Pois eu vou lhe dizer algo, minha estrela, que eu não duvido nada que essa vadia esteja nesse exato momento pegando o celular dela querendo ligar para o Sr. Pedro, histérica por dinheiro! – Exclamou Marluce, séria. O que ela não sabia era que, há alguns quilômetros dalí, Vinicius pegava o celular e discava o número de Pedro, doido para por seu plano em prática.

O toque do celular, alto e agudo, fez com que Paloma e Marluce dessem um pulo da cadeira e se entreolhassem, assustadas. Olharam para a tela do celular, nervosas, e fitaram o número desconhecido piscando sem parar. Era ela, a vadia que elas tanto queriam pegar!

- Eu atendo, D. Paloma – murmurou Marluce, baixinho, como se o celular tivesse a capacidade de ouvi-las.

- Não! – Paloma gritou, de repente. Não era o marido dela que essa vaca estava roubando, então era ela quem deveria atender a droga do celular e escutar a voz daquela vadia! – Eu atendo, babado. Você já fez o bastante, agora é a minha vez.

Após a confirmação de Marluce, Paloma atendeu, em silêncio. Ouviu um “Bom dia, amor da minha vida.” vindo do outro lado da linha. Mas aquela não era uma voz de vadia, tampouco era uma voz feminina. Ela reconheceu a voz no mesmo instante em que seu coração quase saía pela boca de tanto nervosismo. Era uma voz que ela havia ouvido na noite anterior. Era a voz de uma pessoa que ela elogiara bastante quando conhecera. Era a voz de Vinicius Capelo.

CAPÍTULO QUATORZE – Uma surpresinha para Vinicius

Ainda absorta com a voz que acabara de ouvir e reconhecer, Paloma continuou com o celular no ouvido, em silêncio. Vinicius Capelo! Então Pedro a estava traindo com um homem! E o pior, este homem era o melhor amigo do Eduardo, pessoa íntima deles! Será que Eduardo sabia desta história? Será que ele sabia e não a contara por causa do melhor amigo? Paloma estava tão pasma com a descoberta que nem percebeu que Vinicius continuava falando, perguntando sem parar:

- Amorzinho, você está me ouvindo? Está podendo falar?

- D. Paloma, está tudo bem? – ouviu-se a voz de Marluce, preocupada. – Cadê, a senhora ouviu a voz da vadia?

Paloma, como se tivesse acordado de um transe, afastou o celular do ouvido e respondeu abobalhada:

- Não é uma vadia, babado!

- Como assim não é uma vadia, D. Paloma? – retrucou Marluce, se levantando da cadeira abruptamente.

- Amor, eu vou desligar e quando você puder, me liga. Acho que você está ocupado, mas não esquece que te amo – Vinicius falou novamente, finalizando a ligação.

Ao ouvir o bipe do fim da ligação, Paloma baixou o celular lentamente e colocou na mesa. Um homem! Pedro a estava traindo com um homem! Mas que safado!

- Não era uma vadia, babado – disse ela, olhando séria para a empregada. – Era um vadio.

- UM HOMEM?! – Marluce caiu na cadeira de uma vez, e teve que se segurar na mesa para não cair no chão devido a pancada. – O Sr. Pedro está tendo um caso com um homem?

- Sim – respondeu Paloma, ainda perplexa. – Ele me trai com um homem. E você sabe quem é este homem.

Marluce soltou um palavrão alto e depois disse:

- Eu conheço este homem?

- Sim, conhece.

- E... Quem é esse vagabundo?

- Aquele loiro charmoso que está morando na casa do Eduardo e do Vitor, aquele que você viu ontem na minha festa. Vinicius Capelo.

Marluce levou a mão à boca, soltando outro palavrão bem alto logo em seguida.

- Mas como?... – perguntou abobada. – Quero dizer, a senhora sempre me disse que a única experiência homossexual do Sr. Pedro foi com...

- Comigo, eu sei! – exclamou Paloma, o cérebro começando a entender a situação por outros ângulos. – A única experiência homossexual do Pedrinho foi comigo. Mas agora ele está tendo um caso com esse desgraçado, então ele deve ter gostado de ficar com um homem mesmo, másculo, não feminino.

- Ué, mas... – continuava Marluce, ainda perplexa. – A senhora... Poxa vida, eu estou chocada!

- Se você está, imagina eu! – disse Paloma, o sangue subindo para a cabeça, a raiva começando a tomar conta de seu corpo por ter sido enganada por uma pessoa que se fingia sua amiga. – O Pedrinho sempre me disse que nunca teve curiosidade alguma em ficar com outro homem, e que eu fui uma exceção na vida dele. E agora eu levo uma dessas na minha cara! Nossa, eu aqui linda e cheirosa, toda delicada para ele, e ele me arranja um macho para me trair! Safado!

- Mas, e então, D. Paloma, o que nós faremos? – perguntou Marluce, séria, olhando fixamente para a patroa, que olhava para o celular.

- Eu já sei, babado - respondeu ela, também séria. – O nosso plano se mantém em pé! Vamos mandar uma mensagem para essa bixa piranha marcando um encontro e acabamos com essa brincadeirinha!

- Mas D. Paloma, um homem daqueles pode acabar com nós duas – disse Marluce, receosa. – Imagina só, somos duas mocinhas na frente daquele homem.

- Você é uma mocinha, babado – retrucou Paloma, pegando o celular e abrindo a caixa de mensagens. – Eu sou tão alta quanto ele. Ele pode ter músculos e tudo, mas eu não tenho medo, não. A vida me ensinou muito, babado. Antes de encontrar o Pedrinho, já briguei muito por causa de homem com outras pessoas do meio, você me entende, não é?

- Sim, claro – concordou Marluce, entendendo o que a patroa queria dizer. – Mas onde seria esse encontro?

- Você acha que eles têm um local no qual eles se encontram as escondidas? – perguntou Paloma, olhando séria para Marluce. – Com certeza eles devem ter, e deve ser distante daqui. O Pedrinho não seria tão burro.

- Bom, só tem um jeito de a gente descobrir, D. Paloma – murmurou Marluce, se levantando. – Vamos aproveitar que ele não está em casa e olhar nas pastas que ele guarda no escritório dele, com certeza se ele alugou ou comprou alguma coisa, a conta deve ter vindo, e o Sr. Pedro sempre pega as correspondências na caixa de correios lá em baixo, então ele pode ter escondido os papéis do aluguel ou sei lá mais o quê.

- Tem razão, babado – concordou Paloma, se levantando e acompanhando a empregada ao escritório de Pedro, um compartimento do apartamento que ficava próximo ao quarto do casal. – Eu não sei o que seria de mim sem você!

- Não precisa agradecer, minha diva! – falou Marluce, abrindo a porta do escritório e seguindo em direção a uma grande estante no fundo, cheia de portas e gavetas. – Só acho que vai ser um pouco difícil de encontrarmos os boletos aqui. Eu não sei onde o Sr. Pedro guarda esse tipo de coisa.

- Mas eu sei! – exclamou Paloma, se lembrando de que o marido sempre guardava as contas pagas do mês em uma pasta na primeira gaveta da mesa do escritório, não na estante. Puxou Marluce para juntas irem até a mesa, e ao abrir a primeira gaveta, retirou uma pasta preta, colocando na mesa e abrindo-a. – Bom, que eu saiba ele sempre guarda aqui as contas do mês, para o caso de precisar delas para alguma coisa. Na estante ele sempre guarda as antigas, tem algumas que são de uns 20 anos atrás, não sei o que ele quer com essas contas do tempo do ronca.

E continuou a olhar, conta por conta. Eram muitas, pois Pedro pagava também as contas dos filhos e da ex-mulher, que não trabalhava.

- Nossa, nós gastamos muito! – comentou Paloma, enquanto examinava cada conta, procurando por alguma que fosse estranha aos seus olhos. Passou mais alguns minutos procurando, até que um boleto que estava dentro de um envelope azul caiu no chão e foi apanhado por Marluce, que murmurou:

- Dá uma olhadinha nessa daqui, D. Paloma, nesse bairro só tem favelas, o que é que o Sr. Pedro quer com um lugar desses?

O termo “favelas” fez com que a atenção de Paloma fosse dos vários boletos que estavam em suas mãos para o boleto que Marluce a entregava. Ao fitar o endereço, exclamou:

- Só pode ser aqui, babado! Olha só, é uma conta atual, é o aluguel de um apartamento nesse bairro, só pode ser aqui, eu já estou com vários anos com o Pedrinho e nunca soube que ele tinha um apartamento no subúrbio! – E examinou ainda mais cuidadosamente o boleto, até dizer: - Olha só, o boleto informa que esse é o pagamento da primeira parcela do aluguel do imóvel, o calção! Achamos, babado, achamos! – Alegre pelo feito, abraçou forte a empregada.

- Eita que agora estamos com a faca e o queijo nas mãos! – disse Marluce, retribuindo o abraço que a patroa havia acabado de lhe dar. – Vamos mandar a mensagem, D. Paloma, espera aí, vou pegar o celular. – E correu até a cozinha, pegou o celular e o entregou a Paloma, que estava radiante e excitada pela descoberta que haviam acabado de fazerem!

- O que é que eu escrevo, babado? – perguntou ela, ainda radiante.

- Uma vez, uma amiga minha mandou uma mensagem para a vadia com a qual o marido dela estava saindo dizendo assim, olha – começou Marluce. – Meu amor, estou morrendo de saudades de você. O que acha de nos encontrarmos hoje à noite para você matar essa minha saudade? Encontro-te no nosso cantinho às 7 da noite. Assinado seu neném. O que a senhora acha?

- Para mim está ótimo – respondeu Paloma, digitando a mesma mensagem que a tal amiga de Marluce havia mandado para a amante do marido. – Hoje à noite nós pegamos esse desgraçado, babado. – O celular informou que a mensagem havia sido enviada. – Pronto, está feito. Com certeza ele não vai ligar mais por pensar que o Pedrinho está ocupado, mas na hora marcada nós estaremos lá, amiga. Você me espera no carro, eu subo e encontro com essa bixa vadia. Tudo bem?

- A senhora que manda, D. Paloma – respondeu Marluce, sorrindo. – Só quero que tome cuidado, olha que esse povo que rouba homem dos outros é cheio de mutretas! Cuidado.

- Não se preocupe, não, babado, eu já sei o que eu vou fazer com essa bixa. Ela vai ver com quantos paus se faz uma canoa! – disse Paloma, soltando um suspiro e sorrindo. – Agora vem, me ajuda a escolher uma roupa linda para a ocasião, quero estar deslumbrante para quando ele olhar para mim e perceber que fora enganado da mesma forma que ele me enganou.

E as duas arrumaram o que haviam remexido no escritório, anotaram o endereço do apartamento alugado e foram escolher a roupa que Paloma usaria para encontrar Vinicius.

***

- A festa foi linda, não acharam? – perguntou Eduardo. Ele, Vitor e Vinicius estavam tomando café da manhã juntos, prontos para irem para o hospital, com exceção de Vinicius, é claro, que planejava ir ao encontro de Alexandra afim de por seu plano em prática.

- Eu adorei! – respondeu Vinicius, cortando um pedaço de bolo. – A Paloma estava linda com aquele vestido. E a decoração, então, deslumbrante!

- Também achei – concordou Vitor. – Só teve uma coisa da qual eu não gostei.

- Nem continue, Vitinho – interrompeu Eduardo, que já sabia o que viria pela frente. – Você também adorou que eu sei.

Vitor fez uma cara de pouco caso e observou Vinicius retirar o celular do bolso e apertar um botão para que o aparelho parasse de tocar.

- Eita que tem gente apaixonada aqui, amor – comentou Vitor, rindo e apontando para Vinicius, que também riu. – Uma hora dessas da manhã recebendo mensagem de texto, isso é coisa de gente apaixonada!

- Que nada! – retrucou Vinicius, rindo. – Gente, com licença, eu vou ler a mensagem, parece importante. – E se levantou e saiu da sala, deixando Eduardo e Vitor para trás ainda zoando com ele.

- Vamos ver o que você tem para mim hoje, meu amorzinho! – murmurou ele, ironicamente e baixinho, para si mesmo, lendo a mensagem enviada do celular de Pedro. Segundos depois, soltou um sorriso e disse: - Você está no papo mesmo, Pedro Cardoso. Deixe estar que mais tarde você vai ver o que vai lhe acontecer, seu imbecil! – E voltou para a sala onde Eduardo e Vitor terminavam de tomar café para sair.

- Aí, falou com o amor? – perguntou Vitor, ainda zoando com ele.

- Claro, não é?! – respondeu Vinicius, em um tom brincalhão.

- Bom, pois você fique aí com esse seu amor misterioso, que nós vamos para o AA – disse Vitor, se levantando junto com Eduardo.

- É, mas um dia quero saber quem é esse cara tão misterioso! – exclamou Eduardo, ainda rindo e dando tchau com a mão para Vinicius, que apenas sorriu.

Assim que Eduardo e Vitor saíram, Fátima entrou na sala segurando um espanador, tentando não olhar para Vinicius. Iria evitá-lo de todas as formas possíveis, pois assim ele não desconfiaria de nada, afinal ela sempre fora muito transparente, e com certeza ele descobriria que havia algo de errado com ela se ela ficasse o encarando.

Vinicius, que percebera que Fátima o estava evitando desde a visita da Interpol, preferiu se fazer de desentendido, seria mais fácil de checar se algo estava rolando ou se era só impressão dele. Mas, ali, naquela manhã, ele decidiu soltar algumas indiretas para ver como a empregada reagiria. Pigarreou, calmo:

- Tisc, tisc! O dia está lindo, não está, Fátima?

Surpresa pela pergunta repentina de Vinicius, Fátima apenas se virou e respondeu, segurando o espanador:

- Sim, está. Graças a Deus.

- E como vai o Bruno, nunca mais o vi. – perguntou Vinicius, novamente, percebendo que Fátima ficara desconcertada e surpresa pela pergunta dele. – Aposto que está trabalhando bastante, não é?

- Oh, sim, claro, ele está trabalhando bastante, com certeza – respondeu ela, e sem pensar, falou: - Ele não é esse tipo de pessoa que depende dos outros para sobreviver, ele não é um parasita, ele sempre teve as coisas dele, como pobre, mas teve. – E olhou para diretamente para os olhos de Vinicius ao dizer isso, como se quisesse que o homem percebesse que aquela mensagem era para ele.

Vinicius, que nunca foi bobo, percebeu ao que Fátima se referiu com o termo “parasita” e a quem ela estava tentando atingi-lo ao utilizá-lo, porém, fez-se de desentendido novamente, e continuou:

- Graças a Deus, Fátima. Isso é ótimo. Ainda bem que ele realmente deixou aquele mundo, não é?

A expressão “aquele mundo” fez com Fátima olhasse novamente para Vinicius, porém sem fixar o olhar. Que droga, ela já havia contado para aquele bandido que seu filho já fora envolvido com drogas! Será que ele poderia fazer algum mal a Bruno por saber disto? Decidiu permanecer firme, e respondeu:

- Graças a Deus mesmo, e ao Dudu também, que é um homem maravilhoso, que só merece coisas boas na vida!

O que Fátima acabar de falar fez com que Vinicius percebesse sua desconfiança com relação a ele. Realmente, ela nunca havia lhe tratado daquela forma, sempre fora muito simpática. Será que... Não, não é possível que aquela velha gorda tivesse ouvido a conversa dele com Alexandra! Talvez... Agora ele lembrava que, quando a Interpol saíra do apartamento, ele correra para o quarto para falar com Alexandra e não fechara a porta! Caramba, como ele pôde ser tão descuidado! Aquela vaca gorda da Fátima tinha ouvido a conversa dele, com certeza, e por isso passara a agir tão diferente com ele, o evitando! Decidiu instigá-la a falar mais, afinal já percebera que a empregada não conseguia fingir.

- Oh, sim, o Dudu é um amigo maravilhoso, eu, por exemplo, devo a ele praticamente minha vida por ter me permitido morar aqui. Jamais terei como pagar o que ele está fazendo por mim, a não ser com a minha fidelidade a ele.

Sem pensar, levada pelo nervosismo que aquela conversa com Vinicius lhe causara, Fátima murmurou, um tom sarcástico em sua voz:

- Fidelidade? Que fidelidade que nada!

- O que disse? – perguntou Vinicius, se levantando abruptamente da cadeira, o que intimidou Fátima, que deixou o espanador cair no chão sem querer.

- O quê? – perguntou ela, nervosa. Seu coração estava a mil, e se ele a matasse ali mesmo?

- Eu perguntei o que você disse quando eu falei que era fiel ao Dudu – murmurou Vinicius, se aproximando da mulher, que, de tão nervosa, permaneceu estática próxima a estante que ela planejara limpar. – Por acaso, Fatinha, você sabe de alguma coisa que eu não sei?

A ênfase que Vinicius dera em seu nome fez com que Fátima sentisse um frio na barriga horrendo. Minha nossa, ela falara demais, devia ter aprendido a ficar com a boca fechada, assim como sua velha mãe sempre lhe ensinava. Resolveu desconversar, vai que ele não ouvira direito.

- Não, o que eu saberia, Vinicius? Eu só estava tentando falar que a fidelidade é algo lindo e muito raro nos dias de hoje entre as pesso...

O grito que Vinicius deu a fez calar-se imediatamente.

- Não minta!

- O que é isso, rapaz, não me respeita mais não? – perguntou Fátima, tentando se manter firme, mas suas pernas tremiam como varas de bambu.

Com um movimento rápido, Vinicius pegou no cabelo de Fátima e puxou, fazendo com que a cabeça da mulher fosse puxada para trás. Aquela vaca gorda tinha ouvido a sua conversa no dia da visita da Interpol, e ainda tentava engana-lo! Fátima gemeu de dor, a pressão na cabeça feita pelo puxão de Vinicius em seus cabelos provocara uma dor que há muito ela não sentia.

- Fátima, minha querida, por um acaso, um acaso assim do destino, sabe, você escutou alguma conversa minha por detrás da porta no dia em que a Interpol veio aqui?

A mulher continuou calada, ainda gemendo pela dor do puxão de Vinicius, com medo. Este, irritado pelo silêncio de Fátima, puxou ainda mais e refez a pergunta.

- Você escutou alguma conversa minha por detrás da porta no dia em que a Interpol veio aqui, escutou? Responde, vaca gorda, se não eu arranco o teu couro cabeludo de tanto puxar!

- Não, não escutei nada – disse Fátima, com um pouco de dificuldade.

- Não mente para mim, sua velha imunda, eu sei que você escutou alguma coisa, pensa que eu não percebi que está estranha comigo desde a visita da polícia? – retrucou Vinicius, puxando um pouco mais e arrancando mais gemidos da mulher.

- Eu escutei – sibilou Fátima, entre gemidos de dor. – Mas eu não me lembro de nada, não. Eu estava somente limpando a casa.

- Escuta aqui, desgraçada – começou Vinicius, seus lábios bem próximos do ouvido esquerdo da empregada. -, você ouviu sim, que eu sei! Mas agora, presta bem atenção no que eu vou te dizer, mas presta bem atenção mesmo, por que se não, você vai ver o que eu faço com você e com o seu filhinho drogado.

Fátima balançou levemente a cabeça, apavorada por ouvir Vinicius ter mencionado seu filho.

- Se eu souber, ou pelo menos imaginar, que você abriu essa sua boquinha para contar alguma coisa ao Dudu ou ao Vitor – recomeçou Vinicius, o tom de sua voz estava tão frio que Fátima se arrepiou ao ouvi-lo. -, eu acabo com o seu filho e com você, entendeu? Eu acabo com aquele drogado antes que as drogas acabem com ele primeiro, entendeu, ou quer que eu repita?

Fátima balançou levemente a cabeça, confirmando que entendera o recado.

- Outra coisa – continuou Vinicius -, espero que você não me venha mais com indiretas quando estiver comigo, por que eu odeio indiretas, entendeu vaca?

Mais uma vez Fátima confirmou com a cabeça. Segundos depois, Vinicius a soltou e sorriu, como se nada tivesse acontecido. A cabeça dela doía, e ela fitou Vinicius com medo, que continuava a sorrir.

- Sabe, Fátima, como eu estava dizendo, o dia está lindo hoje, acho que vou dar uma passadinha na praia, o que você acha? – perguntou ele, cínico, o sorriso lindo e mais firme ainda.

Como ele conseguia ser tão dissimulado? Perguntou-se Fátima, massageando a parte de trás da cabeça, que doía. Ele havia acabado de ameaça-la e sorria como se nada estivesse errado, só podia ser muito perverso mesmo.

- Quer saber – falou Vinicius, checando as horas no celular. – Acho que vou à praia mesmo, mas eu volto para almoçar, ok? Capricha aí, Fatinha, eu adoro sua comida! Até mais. - E saiu do apartamento, deixando a mulher absorta na sala, ainda massageando a cabeça, com dor.

Aquele homem era realmente um maluco mesmo, ela pensou. Deveria ter se controlado, quanto tempo ela já não havia segurado as pontas quando estava em casa sozinha com aquele parasita! Agora ele já sabia de tudo, e ela estava em perigo, aliás, só ela não, Bruno também estava. Lembrou-se das palavras de Vinicius: você vai ver o que eu faço com você e com o seu filhinho drogado. Meu Deus, ela teria que ficar de boca fechada, não poderia dizer NADA, exatamente nada para o Dudu, se não estaria ferrada e Bruno também sofreria as consequências. Coitadinho do Dudu, um homem tão maravilhoso, sendo enganado pelo melhor amigo, ela tinha que contar, tantos anos trabalhando para a família Alcântara Alves! Porém, o amor por seu filho era ainda maior do que a necessidade de manter seu emprego, e, assim como Vinicius ordenara, ela ficaria calada. O jeito seria rezar para que Dudu percebesse o monstro que tinha dentro de casa.

***

- Os psicopatas apresentam níveis de autocontrole muito reduzidos – disse Carolina, enquanto tomava uma xícara de café. Ela estava em seu consultório em uma das Clínicas do Comportamento do AA, acompanhada por uma de suas pacientes, a mesma que falara sobre o marido violento na consulta anterior. -, por isso são geralmente vistos como estressados ou “cabeça-quente”, e respondem as frustrações e críticas com atos violentos de uma hora para a outra e até mesmo com ameaças. Esses ataques de agressividade vão com a mesma velocidade que vieram, logo em seguida o psicopata age como se tudo estivesse normal, como se nada tivesse acontecido. A senhora lembra que, ao terminar de xingá-la, ele voltava ao normal, voltava a ser um homem amável como antes, não era?

- Aham – respondeu a mulher, pensativa.

- Isso se deve a pobreza emocional que os psicopatas possuem, como eu te expliquei na consulta passada – continuou Carolina. – Em seu relato também, a senhora falou que, depois da separação, descobriu que seu ex-marido tinha várias amantes. Sabe o que acontece? – A mulher negou com a cabeça. – Em sua maioria, os psicopatas são intolerantes a situações rotineiras e, devido a isso, são incapazes de se manterem fiéis ao marido ou a esposa. Uma vez me falaram uma frase, eu ainda estava em Dallas estudando, e a frase era a seguinte: Nem toda pessoa que trai é psicopata, mas todo psicopata trai. Eles não conseguem amar, o máximo que eles sentem por alguém é um sentimento de posse, devido a isso ele te tratava como uma coisa, sem se preocupar com a sua opinião, se você estava sofrendo, enfim, ele era egocêntrico, assim como todos os psicopatas são.

- É muito difícil, Dra. Carolina – começou a mulher. -, você aceitar que o pai dos seus filhos é um doente mental. É muito difícil para uma mulher aceitar que o homem que ela ama é um psicótico.

- Psicótico, não! Psicopata. – corrigiu Carolina e, pegando um panfleto que estava em uma gaveta, entregou a paciente. – Neste panfleto, que contém citações de vários estudos sobre os transtornos da mente, a senhora vai ver que existe uma grande diferença entre os psicopatas e os psicóticos. O psicopata geralmente exibe um charme superficial para as outras pessoas e tem uma inteligência normal ou até mesmo acima da média. Não mostra sintomas de outras doenças mentais, tais como neuroses, alucinações, delírios, irritações ou psicoses. Eles chegam a ter um comportamento tranquilo no relacionamento com as outras pessoas e têm uma considerável presença social e boa fluência verbal. O psicótico, não! O psicótico perde a conexão com a realidade quando está em crise. Ele pode até te machucar, mas depois ele vai perceber o que fez e te pedir perdão. Um psicopata jamais te pede perdão, a não ser que ele queira alguma coisa e esteja te passando a perna e, além disso, os eles não tem sentimento de culpa, ou seja, quando te machucam, eles sabem exatamente o que estão fazendo, diferentemente dos psicóticos.

- Nossa, doutora, mas esses transtornos são muito difíceis de serem entendidos – falou a mulher, guardando o panfleto na bolsa. – A maioria das pessoas pensa que os psicopatas aparentam ser o que são, tem toda aquela aparência de assassino e tudo o mais.

- E aí é que está o erro, querida – retrucou Carolina. – Esse transtorno não é tão fácil de ser percebido, não, até por que os próprios psicopatas escondem sua verdadeira personalidade para poderem enganar as pessoas e fazer mal a elas.

- Bom, Dra. Carolina, eu vou aproveitar que estou de folga hoje e vou dar uma boa lida neste panfleto que a senhora me deu – disse a mulher, se levantando e erguendo a mão para Carolina, que também se levantou e deu a volta na mesa para abraçar a paciente. – Assim que eu marcar a próxima consulta, lhe digo o que achei.

- Tudo ótimo, então – sorriu Carolina, acompanhando a paciente até a porta do consultório. – Dê uma boa lidinha nesse panfleto, e naqueles livros que lhe indiquei. E lembre-se: a única forma de nos livrarmos dessas pessoas é saber como identificá-las. Tenha um bom dia.

***

Vinicius chegou ao apartamento alugado por Pedro meia hora antes do horário marcado por Paloma. Havia passado uma parte da tarde com Alexandra na praia e havia pegado com ela um pó que deixa a pessoa inconsciente. Daquela forma, ele faria com que Pedro assinasse uma procuração feita por ele mesmo com a sua assinatura de advogado, com a qual Pedro passava para ele o direito de receber uma boa parte dos lucros do hospital que eram direcionados para a conta bancária do próprio Pedro. Com certeza ele iria conseguir, e no dia em que Pedro descobrisse, diria a ele que o mesmo assinara a procuração por conta própria, e caso ele argumentasse, ah!, Aí daria um jeito naquele quarentão boboca.

Assim que entrou no apartamento, um local pequeno, porém bem arrumado e confortável, Vinicius abriu o jornal e passou os olhos pelas reportagens. Parou em uma que chamou sua atenção em especial, uma pequena nota no caderno de fofocas do jornal que mostrava uma foto de Pedro abraçado com Paloma. Ele leu:

O Doutor Pedro Cardoso, atualmente um dos diretores do Hospital Alcântara Alves, foi fotografado ontem no aniversário de sua companheira, Paloma Cardoso. A festa estava realmente deslumbrante, e de acordo com fontes confiáveis, ela custara uma fortuna para o médico. Paloma Cardoso, que trajava um vestido longo e todo colorido, não parava quieta em momento algum, o tempo todo recebendo convidados e conversando com amigos.

Vinicius riu ao observar Paloma na foto, aparentemente feliz, abraçada com Pedro, que sorria. Que casalsinho mais ridículo! Sinceramente, ele não sabia qual era o mais ridículo casal da festa, se era Eduardo e Vitor, ou se era Pedro e Paloma. Achou que deveria ser feito uma pesquisa para que essa resposta aparecesse!

Enquanto Vinicius ria de seus próprios pensamentos dentro do apartamento, o carro de Paloma era estacionado em frente ao pequeno prédio e ela descia acompanhada por Marluce. Paloma estava muito bem arrumada, e fechava a mão direita de momento a momento, tensa, porém decidida. Ela daria um basta naquela situação, doesse a quem doer.

- Você fica aí no carro, babado – Paloma falou para Marluce, que já empurrava o pequeno portão do prédio, que não tinha porteiro e estava entreaberto. – Mas olha só onde é que o Pedrinho veio se socar com aquela bixa desgraçada!

- Pior, D. Paloma, esse museu nem se compara com o condomínio onde a senhora mora, olha aí, não tem nem porteiro, qualquer um entra! – concordou Marluce, que voltara para frente do carro.

- Tudo bem então, faremos o seguinte, babado – começou Paloma, segurando a bolsa com a mão esquerda. – Eu vou subir e, digamos, ter uma conversinha com ele, e você fica aqui me esperando. Qualquer coisa, você corre e liga para casa, talvez o Pedrinho já tenha chegado.

Marluce concordou com a cabeça, e após murmurar um “Boa sorte” para a patroa, a viu abrir o portãozinho de ferro e entrar no prédio. Segundos depois, Paloma chegava ao segundo andar, dos três andares. Procurou pelo número do apartamento e o encontrou no fim do corredor. Respirou fundo e tocou a campainha da porta. Aguardou, ansiosa.

Ao ouvir a campainha, Vinicius jogou o jornal de lado e seguiu para a sala, praguejando por achar que Pedro havia esquecido a chave. Caminhou até a porta e, colocando um sorriso enorme no rosto, abriu a porta com força, escancarando-a.

- Boa noite, Vinicius – disse Paloma, e sem dar tempo para que Vinicius pelo menos pensasse, ela lhe deu um tapa com toda a força que reuniu no braço direito e adentrou no apartamento.

A força do tapa de Paloma fez com que Vinicius caísse no chão abruptamente. Sem pestanejar, Paloma fechou a porta do apartamento e rodou a chave. Agora estava sozinha com o amante de seu marido e ia vingar cada lágrima que chorara por causa dele.

CAPÍTULO QUINZE – A Vingança de Paloma

Antes que Vinicius pudesse se levantar do chão devido ao tapa, Paloma soltou a bolsa que levava e pulou em cima dele, imobilizando seus braços com os joelhos.

- Tá louca, Paloma? – perguntou Vinicius, ainda sem entender a chegada repentina dela ali.

- Eu vou te mostrar quem é a louca, sua vadia! – Murmurou Paloma, o rosto cheio de ódio. – Você vai aprender quem é Paloma Cardoso!

E após dizer isso, Paloma começou a esbofetear o rosto de Vinicius sem parar, com toda a força que conseguia reunir. Vinicius permaneceu imóvel enquanto apanhava, pois seus braços estavam imobilizados pelos joelhos da mulher.

- Vagabunda! Vadia! Rameira! Mato você! – gritava Paloma, segurando a cabeça de Vinicius pelos cabelos com a mão esquerda e esbofeteando seu rosto com a direita. – Bixa suja! Pilantra! Cachorra!

Os minutos se passaram e Paloma não cansava de bater em Vinicius. Ela já havia dado tantos tapas no rosto dele, que sua boca e seu nariz sangravam devido a um anel que Paloma usava na mão direita. Ela queria causar o máximo de dor aquele homem que quase arruinara a sua vida. E ela iria causar.

- Aprendeu rameira? Aprendeu? – gritou ela, finalmente se levantando e deixando Vinicius no chão, que levou a mão ao rosto e percebeu que sangrava muito devido aos machucados. – Responde sua cadela! – Com um puxão de cabelo, Paloma fez com que a cabeça de Vinicius pendesse para trás, da mesma forma que ele havia feito mais cedo com Fátima. – Responde sua vagabunda! Bixa rameira, responde! – E quanto mais ela repetia a pergunta, mais ela puxava o cabelo, segurando firmemente com a mão.

- A-a-a-pren-pren-di – disse Vinicius, entre gemidos de dor.

- Ah, conseguiu falar, vaca? – perguntou Paloma, puxando ainda mais. – Você vai ver o que eu vou fazer com você, sua vadiazinha de rua, você vai pensar duas vezes antes de chegar perto do Pedrinho de novo.

Antes que Vinicius pudesse se levantar, Paloma começou a chutá-lo freneticamente no seu estômago e em suas partes íntimas. Vinicius se protegeu como pôde, colocando as mãos em cima de suas partes íntimas para evitar que se machucasse ainda mais. Quando Paloma não conseguia machucá-lo onde queria, ela chutava o seu peito e, algumas vezes, o chute atingiu o rosto de Vinicius. A dor que sentira foi imensa, e ele só conseguia gritar e gemer de dor ao mesmo tempo. Depois de algum tempo, o que pareceu para ele uma eternidade, Paloma parou de chutá-lo e voltou a segurá-lo pelo cabelo, dizendo:

- Entendeu o meu recado, bixa rameira?

- S- s- sim! – respondeu Vinicius, entre gemidos.

- Ótimo! – exclamou ela, com um sorrisinho de satisfação no rosto, e tendo uma ideia repentina, murmurou: - Mas eu ainda não acabei, vadia. Quero que você nuca se esqueça desse nosso encontro. Você vai ver o que eu vou fazer agora!

Dizendo isso, Paloma passou a entrar nos poucos cômodos do apartamento, enquanto Vinicius gemia de dor no chão da sala. Dentro da cozinha, ela encontrou o que procurava dentro de uma gaveta do armário: uma tesoura.

- Agora você vai aprender a colocar um mega-hair de gente, sua rameira! – Disse ela, quando voltava para a sala e se abaixava. Vinicius não conseguia mover um músculo de tanta dor, muito menos falar alguma coisa. Ao passar a língua pela gengiva, ele percebeu que havia um espaço entre dois de seus dentes da frente. Sim, Paloma havia quebrado um de seus dentes devidos aos chutes que ela lhe dera. Ah, traveca desgraçada!

Paloma pegou uma mecha do cabelo de Vinicius e cortou. Vinicius gemia, com ódio, seus maxilares pareciam estar travados de tão machucados. Paloma continuou a cortar o cabelo dele até que Vinicius estivesse com o cabelo bem desajustado, com partes longas e curtas.

- Agora eu quero ver você encontrar um cabeleireiro que tenha capacidade de ajustar esse seu pelo, vadia! – exclamou Paloma, sorrindo, cheia de satisfação por ter dado uma surra em Vinicius e acabado com o cabelo dele. Se levantando, disse: - E da próxima vez que eu pelo menos imaginar que você se aproximou do Pedrinho eu juro que vai ser pior, muito pior. Entendeu, cachorra?

Com muita dificuldade, Vinicius balançou a cabeça positivamente, arrancando seus próprios gemidos de dor. Paloma, observando que seu “serviço” já estava feito, foi até o banheiro e arrumou o cabelo e o vestido, que haviam se desarrumado enquanto ela estapeava Vinicius, voltou para a sala, pegou a bolsa e disse, encarando Vinicius nos olhos:

- Ah, e espero que você seja discreta e não conte a ninguém dessa nossa conversa, querida. – E abriu a porta, dizendo: - Mexe com uma bixa apaixonada para você ver! – E saiu cantarolando, fechando a porta ao passar.

Quando Paloma entrou no carro, feliz e sorrindo, Marluce já foi logo perguntando:

- E ai, D. Paloma, deu um jeito nessa bixa vadia?

- Ah se não dei, Marluce! – respondeu Paloma, gargalhando e fechando a porta do carro. – Acabei com ela, você não tem noção! Quero só ver se ela ainda vai continuar com o Pedrinho!

- Mentira! – exclamou Marluce, também gargalhando. – E o que foi que a senhora fez?

- Dei uma surra nela de vergonha! – respondeu Paloma, ligando o carro e dando partida. – Ela apanhou por vinte!

- Ai que babado forte! – Marluce bateu palminhas.

- Babado forte, não, querida, babado máster! Agora tenho certeza que ela aprendeu que não se mexe com os homens dos outros – retrucou Paloma, ela e Marluce ainda gargalhando dentro do carro, já em direção a casa.

Vinicius continuava imóvel no chão da sala, gemendo. Como será que aquela travesti maldita descobrira sobre o apartamento e sobre o caso que ele e Pedro tinham? Será que o imbecil do Pedro teria contado toda a verdade? Droga, logo agora que ele finalmente recolheria a assinatura do boboca e garantiria uma boa grana durante muito tempo! Tentou se levantar, mas sentiu uma pontada forte de dor na barriga e na cabeça. Ah, vadia desgraçada havia acabado com ele! Mas como ele sairia dalí? Não estava conseguindo se levantar, nem mesmo gritar, então seria impossível chamar alguém. Lembrou-se do celular que estava em seu bolso esquerdo e fez um esforço enorme para tirá-lo do bolso.

- Ahhhhhhhhhhhh! – gemeu ele, quando o celular finalmente caiu de lado.

Fazendo força para não errar, suas mãos ainda um pouco dormentes devido ao peso de Paloma quando pressionara seus braços para imobilizá-lo, Vinicius conseguiu abrir o menu de mensagens. Mandaria uma mensagem para Alexandra, assim ela poderia ir pegá-lo e levá-lo para casa. Quando a avalanche de perguntas de Eduardo começasse, ele diria que... Ele diria que fora espancado por um grupo de homofóbicos que o viram beijar seu namorado no meio da rua enquanto caminhavam, e que seu namorado fugira quando o grupo atacou, deixando-o sozinho. É, seria essa mesma a história que contaria, pois Paloma poderia destruir seus planos, caso Eduardo e Vitor soubessem que ele tinha um caso com Pedro mesmo sabendo que Pedro era casado.

Após digitar a mensagem, Vinicius relaxou. Tomara que a retardada da Alexandra não esteja com o celular desligado, por que se não, não terei como sair daqui tão cedo! Ele pensou.

A quilômetros de onde Vinicius estava, Alexandra sentiu o celular vibrar dentro do bolso. Estava em casa, se preparando para sair, afim de conseguir dinheiro. Pegou o celular e viu o nome de Vinicius na tela de mensagem.

- Nossa, o que será que o Vinicius quer de novo? – murmurou ela, para si mesma, abrindo a mensagem e lendo. Segundos depois, soltou um palavrão e disse: - Caramba, que babado! Bom, quem manda mexer com os homens casados, é nisso que dá! – Respondeu a mensagem dizendo que chegaria o mais rápido possível e saiu de casa, agora rindo da situação de Vinicius.

Alguns minutos depois, a porta do apartamento se abriu abruptamente, e Alexandra entrou. Assim que viu Vinicius deitado no chão, ainda se contorcendo de dor, ela levou as mãos a boca e exclamou:

- Minha nossa, que loucura foi essa?!

- A v-v-vadia da Paloma – respondeu Vinicius, forçando o maxilar.

- Put’z, ela acabou contigo, Vini! – disse Alexandra, tentando ajudar Vinicius a se levantar. – Caramba, ela é realmente maluca.

Com muita dificuldade, Alexandra ajudou Vinicius a se levantar, o levou até o quarto e o deitou na cama.

- E agora, o que faremos? – perguntou ela, trazendo um pano de prato molhado para passar no rosto de Vinicius, que estava molhado de sangue.

- Me l-l-leva p-p-ara a c-c-asa do Edu-a-a-ardo – murmurou Vinicius, tocando os lábios. Sentiu novamente que um de seus dentes havia sido arrancado com os chutes de Paloma, e continuou: - Va-va-vagabunda, me deixou bangue-gue-lo!

O comentário de Vinicius fez com que Alexandra soltasse uma gargalhada estrondeante.

- Você está rindo, não é? – Vinicius olhou para ela, sarcástico. – Que-queria saber se fo-fo-fosse com você!

- Desculpa, mas é que eu nunca imaginaria uma travesti daquelas dando uma surra num homem forte como você! – retrucou Alexandra, ainda rindo. – Mas vamos, vou dirigindo o seu carro, ok? Se segura em mim, agora que tiramos o excesso de sangue do seu rosto as pessoas não vão desconfiar.

Vinicius colocou o braço nos ombros de Alexandra e assim eles foram até o carro dele, que estava do outro lado da rua. Vinicius se sentou com dificuldade no banco traseiro, enquanto Alexandra ligava o carro e seguia para o apartamento de Eduardo.

- O que você vai dizer para o seu amigo, Vini? – perguntou ela, enquanto fazia uma curva em uma rua. – Sim, porque se você acha que ele vai te receber em casa todo machucado e não perguntar nada, você está muito enganado!

- E você acha que eu já não pensei nisso? – retrucou Vinicius, mantendo o pano de prato nos lábios, estancando o sangue. – Eu vou dizer para ele que eu e meu namorado fomos abordados por um grupo de espancadores de gays e que ele fugiu e me deixou sozinho, assim aproveito e já digo logo que estou solteiro, afinal não posso mais ficar com aquele imbecil do Pedro.

- Mas por que não? – perguntou Alexandra, surpresa.

- O que você acha que o Eduardo e o Vitor vão pensar se descobrirem que eu tinha um caso com um dos amigos deles e, ainda por cima, que era casado?

- Tem razão, Vini.

- Claro que tenho, Alexandra. Agora que não posso continuar com o Pedro, vou investir no Vitor, que confia em mim totalmente. Sempre que dá eu enveneno ele por causa do Claudio, aquele lá que voltou do Rio de Janeiro, que já namorou bastante com o Eduardo.

- Bom, realmente, se essa traveca fez isso, imagina o que ela não contaria para os teus amigos lá – murmurou Alexandra, prestando atenção no trânsito. – E não seria nada bom mesmo que o Eduardo descobrisse que você tinha um caso com o Pedro, ele perderia a confiança em você.

- Por isso que terei que acatar a “ordem” – ele falou esta palavra sarcasticamente. – daquela maldita. Mas ela me paga! – E observando seu reflexo no vidro do carro, seu rosto machucado, ele murmurou baixinho: - Você me paga, Paloma!

***

- Meu Deus do céu, o que aconteceu, Vini? – perguntou Eduardo, nervoso, com as mãos na cabeça, quando Fátima abriu a porta do apartamento e Vinicius entrou, sendo segurado por Alexandra. – O porteiro falou que você estava machucado, meu amigo, o que aconteceu?

- Ai, Dudu, eu estou acabado, amigo! – respondeu Vinicius, se sentando no sofá com a ajuda de Alexandra. Depois de dar um olhar de canto de olho para Fátima, ele continuou: - Eu nunca pensei que Fortaleza estivesse tão perigosa.

- Mas o que aconteceu, cara? – perguntou Eduardo, se sentando ao lado do amigo. Vitor apareceu na sala de repente, e levou as mãos à boca de tanta surpresa.

- O que aconteceu, Vini? – Vitor perguntou, se aproximando de Vinicius e de Alexandra, que permanecia calada o tempo todo.

- Eu fui atacado no meio da rua por um grupo de homofóbicos – começou Vinicius. – Eu estava beijando aquele cara lá que eu falei para vocês, e eles apareceram de repente. A gente ainda tentou correr, mas eles me pegaram e o filho da mãe me deixou sozinho, apanhando.

Ele falou aquilo com uma voz tão embargada que, no mesmo instante, Eduardo o abraço de leve, observando as lágrimas de Vinicius caírem como chuva.

- Nossa, mas que namorado você foi arranjar, não foi, Vini! – disse Vitor, se sentando do lado esquerdo de Vinicius. Eduardo estava do lado direito. – Que safado, te deixar sozinho num momento desses!

- Nós temos que ir a delegacia registrar um boletim de ocorrência, Vini – disse Eduardo, limpando as lágrimas de Vinicius com as mãos. – A gente não pode deixar isso barato, hoje foi com você, amanhã pode ser com qualquer outra pessoa.

- Não, eu não quero passar por isso, Dudu – chorava Vinicius. – Eu já fui bastante humilhado por hoje. Eu não aguentaria olhar para um delegado e relatar tudo aquilo que eu passei, aqueles monstros me chutando e me batendo.

- Meu Deus, eles quebraram um dente seu! E olha só este cabelo, Vini, caramba, eles cortaram o seu cabelo todo! – exclamou Eduardo, preocupado, ao perceber a falta do dente da frente de Vinicius e observar o estrago feito por Paloma no cabelo dele. – Vini, nós temos que registrar essa ocorrência, cara.

- Não, Dudu, eu te imploro, não me obriga a fazer isso, por favor, eu te imploro – chorou Vinicius, abraçando Eduardo com toda a força que ainda lhe restava. – Cuida de mim aqui mesmo, por favor.

Eduardo olhou para Vitor, que concordou com Vinicius com um movimento de cabeça, e depois falou:

- Tudo bem, Vini, tudo bem, a gente não vai à delegacia, ok? Não se preocupe que nós vamos cuidar de você aqui. – E se virou para Fátima, que permanecia parada no meio da sala observando Vinicius com uma expressão indecifrável. – Fátima, liga para a farmácia e pede alguns analgésicos e antitérmicos, por favor. O meu estoque particular acabou, e eu nem me lembrei de trazer alguns medicamentos necessários do AA.

A empregada concordou com a cabeça após receber um olhar cínico de Vinicius, e foi para a cozinha. Ao perceber a presença de Alexandra ali, Eduardo perguntou:

- E quem é essa moça que te ajudou?

- Oh, me desculpem não ter me apresentado antes, eu me chamo Alexandra – disse Alexandra, apertando a mão de Eduardo e de Vitor. – Eu estava na rua passando de carro quando encontrei o seu amigo deitado na calçada, gemendo de dor. Perguntei a ele o que tinha acontecido e onde ele morava. Ele me guiou até aqui.

- Muito obrigado mesmo, Alexandra, eu não tenho como te agradecer por ter trazido o Vinicius para casa – falou Eduardo, se levantando. – Foi uma gentileza sua fazer isso.

- Que é isso, não precisa agradecer – retrucou Alexandra, sorrindo. – Bom, agora que ele já está em casa são e salvo, eu preciso ir. Foi um prazer conhecê-los.

- Não aceita jantar conosco? – perguntou Vitor, entrando na conversa.

- Não, não, muito obrigado, eu já jantei – respondeu ela, ao entender o olhar que Vinicius lhe dera.

- Bom, então mais uma vez, muito obrigado – disse Eduardo, acompanhando Alexandra até a porta. – Qualquer coisa que precisar, pode vir aqui, ou me procurar no Hospital Alcântara Alves, eu sou um dos diretores, tá bom?

- Claro, eu apareço! Boa noite para vocês, e se cuida, Vinicius! – exclamou Alexandra, dando um último aperto de mão em Eduardo e saindo do apartamento. Ótimo, Eduardo, um dos donos do melhor hospital da região, gostara dela! Com certeza ela iria aparecer de novo, quem sabe ela não conseguiria o tratamento para o câncer de sua mãe gratuitamente?!

- E você, rapazinho, vamos fazer um esforço e vamos para o banheiro, você precisa tomar um bom banho e se deitar – murmurou Eduardo, voltado para Vinicius. – Vamos lá, eu te ajudo, depois do banho você vai beber uma remédio ótimo para dor. Amanhã vai estar melhor.

Eduardo ajudou Vinicius a se levantar com a ajuda de Vitor, e os dois o levaram para o quarto de hospedes e o ajudaram até o momento que ele tomou o remédio dado por Eduardo e tentou relaxar e dormir, o corpo latejando de dor. Antes de pegar no sono e dormir, ele murmurou mais uma vez: - Você me paga, Paloma!

CAPÍTULO DEZESSEIS – O Policial

O policial Valério Christofolini entrou em seu apartamento estressado e com muita raiva. Passara a noite toda de plantão na delegacia e só recebera reclamações. Quem aquele delegado idiota achava que era? Que mania estúpida de humilhar as pessoas na frente das outras! Mas que droga! Ele chutou a primeira cadeira que viu pela frente e soltou um palavrão ao sentir uma dor no dedão, dando pulinhos e pressionando o dedo com as mãos. Saiu praguejando o delegado até entrar no banheiro para tomar banho, precisava descarregar todo o estresse e raiva que sentia por aquele homem, não poderia se permitir nutrir tais sentimentos pelo seu chefe, afinal teria que aguenta-lo praticamente todos os dias, aguentar seus gritos, seus modos arrogantes e seu ceticismo quanto a sua capacidade de trabalho.

Depois de se despir, Valério ligou o chuveiro e tentou relaxar o máximo possível, imaginando que a água estava levando para o esgoto todos os sentimentos ruins que estava sentindo. Seu corpo era malhado e forte, devidos aos treinamentos policiais dos quais participara, e também devido as suas idas frequentes à academia do bairro. Sua pele era parda e seu cabelo era tão negro quanto um besouro; porém seus olhos eram verdes e brilhantes, o que chamava a atenção de muitas pessoas.

Saiu do banheiro alguns minutos depois, botou seu pijama e decidiu dormir um pouco, apesar de não estar com um pingo de sono. Eram 8 horas da manhã. A noite fora cansativa, porém não houvera nenhum chamado importante, o que não acontece com tanta frequência, e assim que o dia amanhecera, ele bateu o ponto e praticamente fugiu da delegacia, esperando não olhar para a cara de seu chefe tão cedo. Um dia ele iria provar que era um dos melhores policiais dali, ah se iria!

O que pareceu para ele alguns segundos, o fez dar um pulo da cama ao acordar e verificar que já passavam das 3 da tarde. Minha nossa, ele dormira demais, tinha que visitar seu irmão no hospital, e já estava em cima da hora de visitas! Vestiu-se em tempo recorde, pegou as chaves do carro e saiu correndo do apartamento. Precisava chegar a uma das Clinicas do Comportamento do Hospital Alcântara Alves até às 4 da tarde, pois seu irmão estava internado lá.

Alguns meses depois de Valério ter se tornado um agente policial, seu irmão Alberto, o caçula, presenciara uma cena terrível dentro de casa: seu pai matara a sua mãe com um tiro, durante uma discussão. Aquilo fora a gota d’água na família, e o pior foi que a mulher não sobreviveu ao tiro, pois, policial como o filho, o pai de Valério sabia onde atirar para matar, e alcançou seu intento. Como resultado, Alberto, que já possuía alguns problemas psiquiátricos, piorou e acabou tendo que ser internado.

- Boa tarde, moça, eu vim visitar o paciente Alberto Christofolini – disse ele para a recepcionista da clínica, quando ele finalmente chegou lá.

- Oh, sim, o senhor é o irmão dele, não é? – perguntou a recepcionista.

- Sim, Valério Cristofoline – respondeu Valério.

A moça informou-lhe que Alberto estava no jardim acompanhado de uma das doutoras da clínica, e que ele poderia ir lá visitá-lo. Valério agradeceu-a e seguiu para os fundos da Clínica, em direção ao jardim, uma área bastante extensa onde os pacientes que estavam internados e que precisavam de acompanhamento médico tomavam sol, passeavam, conversavam, enfim, tinham um momento de lazer, além de receberem suas visitas.

Ao chegar ao jardim, ele olhou ao redor e não conseguiu avistar seu irmão. Lembrou-se do que a recepcionista lhe dissera, que ele estava acompanhado por uma das médicas, então focou seu olhar nos pacientes que estavam acompanhados enquanto caminhava pelo jardim. Depois de alguns segundos, avistou seu irmão sentado próximo a beira de um lago, conversando com uma mulher linda. Nossa, que corpo era aquele? Que mulherão!

- Com licença – murmurou ele, baixinho, com medo de atrapalhar a conversa que a mulher estava tendo com o seu irmão. – Eu vim para visitar o paciente Alberto Christofolini.

Carolina desviou seu olhar de Alberto, um rapaz magro de cabelo até os ombros, e olhou para Valério, ficando um pouco desconcertada pela beleza do rapaz. Ela segurava um copinho de plástico aparentemente vazio na mão direita, e se levantou para falar com Valério.

- Boa tarde – disse ela, sorrindo e apertando a mão que Valério erguera quase automaticamente ao ouvir a voz da mulher. Nossa, de perto ela era ainda mais linda! – Eu sou a Dra. Carolina, sou a diretora das Clínicas do Comportamento do AA.

-Ah, eu já ouvi falar de você – falou Valério, sem conseguir para de encarar Carolina nos olhos. – Porém me foi informado que você não estava aqui quando o Alberto foi internado, me disseram que você estava nos EUA.

- É verdade, eu fui me especializar em psiquiatria lá – disse Carolina, sorrindo. Aqueles olhos verdes de Valério a hipnotizavam. – Voltei no mês passado, e agora assumi de vez o controle das clínicas.

- Bom, me chamo Valério, sou o irmão do Alberto – murmurou Valério, que de repente teve a atenção chamada por Alberto, que se levantara e falava sozinho.

- Sai daqui, seu ganso chato, sai daqui! – Alberto exclamava sem parar, enquanto era observado por Carolina e Valério.

- O que ele está fazendo? – perguntou Valério, sem entender nada.

- Bom, é exatamente por isso que eu estou aqui – respondeu Carolina. – O Alberto, desde cedo, se recusa a tomar a medicação diária, então me chamaram para que eu consiga fazê-lo tomar. Você quer tentar? – Ela ergueu o copinho de plástico para Valério, que só então percebeu que não estava vazio. Havia um comprimido dentro do recipiente.

- Bom, não custa nada, não é? – respondeu ele, sorrindo e pegando o copinho. Caminhou até o irmão e, receoso, murmurou: - Alberto, tudo bem, cara?

Como se tivesse sido interrompido durante uma conversa muito importante, Alberto virou o rosto para o irmão e disse:

- Sim, eu estou ótimo, mas esse ganso não para de me perturbar, já pedi milhões de vezes para que ele saísse daqui e me deixasse em paz, mas esse ganso é muito teimoso.

- Alberto, não tem nenhum ganso aqui – retrucou Valério, sendo observado por Carolina atentamente. – Olha só, veja como não tem nenhum ganso aqui. – E caminhou até a ponta do lago e voltou.

Aquilo pareceu não agradar Alberto, que continuou a afirmar que o tal ganso continuava berrando próximo a ele.

- Você não vê? Olha ali ele, cuidado para ele não te bicar!

- Olha, se você tomar o seu remédio, eu tenho certeza que ele vai embora na hora – falou Valério, erguendo o copinho de plástico para o irmão.

- Não vou tomar nada disso, pois se não o ganso me pega e pega você também! – exclamou Alberto, virando-se de costas para Valério, que olhou para Carolina e percebeu que ela o estava observando.

Vendo que Valério já não sabia mais o que fazer para que o irmão tomasse o medicamento, Carolina se aproximou dos dois e pegou o copo de plástico das mãos de Valério, que disse:

- Nossa, é muito difícil fazer com que ele tome o remédio. Eu não sei mais o que fazer.

- Bom, preste atenção, Valério – murmurou Carolina, se aproximando de Alberto novamente, que se virou para ela. A menção de seu nome por Carolina fez com que Valério sentisse um arrepio.

- Alberto, o que o ganso está fazendo agora? – perguntou ela, de forma calma.

- Sim, está ali, ele parou de berrar, mas agora fica me encarando como se quisesse dizer que é melhor do que eu – respondeu Alberto, fazendo cara de criança birrenta.

- Olha só o que eu vou fazer, Alberto – disse Carolina, caminhando até onde Alberto apontara que o ganso estava e gritando: - Sai daqui, ganso chato! Chô! Chô! Chô! – E voltou para o rapaz, que abrira um meio sorriso, mas ainda olhava com certa desconfiança para o local onde o ganso estava. – Viu, ele foi embora, ele só estava implicando contigo!

Alberto ainda olhou alguns segundos para onde o tal ganso estava e depois sorriu, falando:

- É verdade, Dra. Carolina, ele fugiu, morrendo de medo da senhora.

- Ora, ele morre de medo de todo mundo, esse ganso é medroso! – comentou Carolina, entregando o copo para Alberto. – Agora para que ele não volte mais, tome esse comprimido que vai te deixar muito forte e mais inteligente do que esse ganso que só berra.

- Tem razão, Dra. Carolina, vou tomar – E virou o copo na boca, engolindo o comprimido.

Carolina se voltou para Valério, que observara a cena totalmente pasmo. Aquela mulher, além de arrasadoramente linda, ainda era inteligente a ponto de conseguir fazer seu irmão psicótico tomar um comprimido quando mais ninguém conseguiu!

- Você viu o que eu fiz? – perguntou Carolina, se aproximando de Valério.

- Sim – respondeu ele. -, e estou pasmo. Nunca imaginei que teria que fazer tal coisa para convencê-lo a tomar o remédio.

- Se você teimar com ele, dizer que ele está errado, ou que está louco, só vai piorar a situação. O que você tem que fazer é tentar entender o que ele está dizendo e o por que. Se ele diz que tem um ganso berrando próximo a ele, é por que tem! Ai você tanta modificar a situação como eu fiz, entendeu?

- De mais – respondeu Valério, sorrindo e olhando Carolina nos olhos. – Sabe, tem sido muito difícil desde que o meu pai matou a mamãe e ele presenciou tudo. Eu estava trabalhando na hora e nem tive como ajudá-lo em nada.

- Eu entendo – comentou Carolina. – Me desculpa perguntar, mas seu pai ainda está preso?

- Sim, ele está, afinal foi um crime doloso, ele teve a intenção de matar a mamãe. De uma hora para outra eu recebo uma ligação informando que meu pai estava sendo preso e que meu irmão estava trancado dentro de um guarda roupa, e que se recusava a abrir a porta. Acho que a situação ficou tão insustentável que tive que interná-lo aqui. Como você vê, eu não teria condições psicológicas de cuidar dele da forma que ele é cuidado aqui.

- Pode ficar despreocupado que ele está recebendo o melhor tratamento aqui – disse Carolina, tirando um cartãozinho do bolso e entregando a Valério. – Qualquer coisa que precisar, pode me ligar, neste cartãozinho você tem o número da clínica e o número do meu consultório. Pode ligar a qualquer momento, tudo bem?

- Muito obrigado então, Dra Carolina – respondeu ele, sorrindo e guardando o cartão no bolso.

- Pode me chamar só de Carolina, se você preferir – retrucou Carolina, encarando-o. – Bom, agora que minha missão está cumprida, preciso ir. Minha paciente já deve estar chegando a qualquer momento. Foi um prazer conhecê-lo, Valério. Aproveite o horário de visitas com o Alberto, ele merece e você também. – E deu um último sorriso antes de sair, que foi retribuído por Valério, que sorriu abobalhado, observando-a entrar novamente no prédio.

***

- Ai, que dor nas costelas, Vitinho! – gemeu Vinicius, enquanto Vitor entregava outro comprimido para ele. Eduardo havia ido para o AA sozinho, pois haviam muitas consultas agendadas em seu nome, e pedira a Vitor que ficasse em casa para cuidar de Vinicius, pois Fátima não teria tempo de cuidar dos afazeres dela e ainda tomar conta dele. Os dois estavam no quarto de Vinicius, este deitado na cama com curativos no rosto e no corpo, e Vitor sentado em uma poltrona próxima à cama. – Nossa, aqueles imbecis acabaram comigo. Tenho vergonha até de me olhar no espelho para não ver que estou banguela.

Vitor riu quando Vinicius disse aquilo. Ele realmente admirava Vinicius. Poxa, mesmo em uma situação daquelas, todo machucado e ainda por cima doente, Vinicius não perdia a graça. Ele era realmente um grande homem.

- Não se preocupe, Vini – disse ele, parando de rir. – Assim que seus machucados melhorarem, nós te levamos para o AA. Eles fazem implantes dentários lá também.

- Aiiii – gemeu Vinicius, de novo, ao tentar se ajeitar na cama. – Eu não sei o que seria de mim se não fossem por vocês.

- Só estamos ajudando um grande amigo – disse Vitor, sorrindo para Vinicius. Mesmo com o rosto machucado, Vinicius continuava um homem lindo. Aqueles olhos azuis eram profundos e lhe provocavam uma sensação estranha. Decidiu mudar de assunto ao perceber que Vinicius notara seu olhar para ele: - Cara, mês que vem acontece a Parada Gay aqui em Fortaleza. Você está a fim de ir?

- Claro! – exclamou Vinicius, sorrindo com dificuldade, devido a um inchaço que se formou em seu lábio inferior. – Estou precisando mesmo de um pouco de diversão, preciso espairecer. As Paradas Gay da Europa são tão sem graça, você nem imagina. Não tem todo esse calor daqui do Brasil, entende?

- Sim, sim – respondeu Vitor. – Ano passado a Paloma foi a madrinha do evento. Eu aposto o meu pescoço que ela será a madrinha do evento este ano também, depois de uma festa daquelas.

A menção do nome de Paloma fez com que Vinicius mudasse o semblante instantaneamente, mas para que Vitor não notasse, ele sorriu e comentou:

- Mentira, ela era a madrinha ano passado?

- Sim, ela era. Ela estava linda.

- Nossa, então concordo com você. Se depender da badalação da festa de aniversário que ela fez no clube, o posto de madrinha já é dela – falou Vinicius.

Ouviu-se uma batida na porta do quarto, e segundos depois Fátima colocou a cabeça para dentro, dizendo:

- Vitinho, o síndico disse que precisa falar com você. Ele está ao interfone.

- Já estou indo, Fatinha – disse Vitor, se levantando. – Faz só um favorzinho para mim?

- Pode dizer – pediu a mulher.

- Fica aqui com o Vini enquanto eu converso com o chato do síndico – respondeu Vitor, parado na porta com Fátima. – Ele não está conseguindo se mexer, então qualquer coisa que ele precisar, você faz, ok?

- Tudo bem – concordou Fátima, secamente, ao reparar que Vinicius dera um sorrisinho sarcástico. – Pode ir tranquilo, Vitinho.

Vitor seguiu para a cozinha afim de atender o tal síndico, sem perceber o clima que tomou conta do quarto quando Fátima fechou a porta e se sentou na poltrona onde outrora Vitor estava sentado.

Cínico como ele só, Vinicius aproveitou o momento para soltar suas piadinhas:

- E, ai, Fatinha, como vai a vida?

A mulher olhou para Vinicius fuzilando-o com o olhar, e continuou em silêncio, fingindo que ele não estava ali. Vinicius, para injetar ainda mais veneno, continuou:

- Nossa, Fatinha, eu estou me sentindo tão solitário, sabe! O Dudu trabalha muito e eu percebo que, ás vezes, ele quer me dar mais atenção e não pode, devido as milhares de consultas que os pacientes marcam com ele no AA. Nem parece que ele é o diretor do hospital, ele não para de trabalhar.

Fátima continuou calada, não importava o que Vinicius dissesse, ela não responderia. Ele já demonstrara o suficiente que não tinha um pingo de caráter e, além disso, era extremamente violento. Na verdade, ela adorou quando o viu todo machucado na noite anterior, mas tratou logo de afastar tais pensamentos da cabeça, pois sempre fora bondosa com as pessoas, e aprendera que não é certo desejar o mal ou ficar feliz quando algo ruim acontece com alguém.

Os minutos pareciam não passar dentro daquele quarto, Fátima já estava ficando ansiosa por estar tão próxima a Vinicius durante tanto tempo. Mas que síndico inconveniente, parece até que não tem o que fazer!

- Fatinha, meu bem, será que você poderia me dar um copo d’água? – perguntou Vinicius, quebrando o gelo, com aquele sorriso cínico com o qual Fátima já estava acostumada. – Minha garganta está tão seca.

A contragosto, Fátima se levantou, caminhou até o criado-mudo mais próximo, enchendo um copo com água de uma jarra de vidro que fora colocada mais cedo por Eduardo, e entregou o copo a Vinicius, que ergueu o braço com dificuldade e segurou-o. De propósito, ao levar o copo aos lábios, Vinicius deixou o objeto cair no chão, molhando parte do tapete do quarto.

- Meu Deus do céu, me perdoe, Fatinha! – exclamou ele, fazendo cara de arrependido. – Aqueles bandidos acabaram comigo, estou até sem força nas mãos!

Fátima praguejou baixinho e apanhou o copo do chão, colocando-o de volta no criado mudo. Murmurou um “Volto já” e foi até a cozinha para pegar um pano de chão. Quando voltou ao quarto, Vinicius a encarou sorrindo. Que homem cínico, meu Deus! Ela pensou, enquanto secava a água que se espalhara pelo tapete.

***

Desde a surra que dera em Vinicius na noite anterior, Paloma não parava de sorrir, radiante. Pedro já havia percebido seu comportamento alegre repentino, e passara a noite toda a indagando pelos motivos de tal felicidade.

- É que eu sou feliz, meu amor – ela respondera, o beijando. – Eu tenho um homem que eu amo, lindo e gostoso, um apartamento lindo, e um homem que me ama também. Você me ama, não me ama?

- Claro que eu amo, que pergunta mais sem pé nem cabeça! – exclamara Pedro, retribuindo aos beijos de Paloma. Realmente, ele a amava muito, mas seu corpo pedia pelo de Vinicius, que por coincidência não falava com ele desde antes da festa de aniversário de Paloma. Espertamente, quando chegara em casa, Paloma pegara o celular de Pedro e fizera novamente a troca de chip, desse modo, ao tentar fazer uma ligação (pois passara o dia todo tentando e não conseguira), Pedro pensou que o sinal da operadora voltara ao normal.

Naquela tarde, ele atendia a uma de suas pacientes mais regulares, e assim que a mulher deixou seu consultório, ele pegou o aparelho, ansioso para falar com Vinicius. Sua respiração praticamente parou quando ouviu o tom de chamada ao colocar o celular no ouvido.

Fátima havia voltado para a cozinha quando celular de Vinicius tocou. Ele viu o nome de Pedro piscando na tela e murmurou um “Que saco!”, pensando em como terminaria com aquele quarentão idiota. De qualquer, teria que terminar com ele, pois assim conseguiria impedir de Paloma ir correndo encher a cabeça de Eduardo de caraminholas. Atendeu o a ligação e disse:

- Alô.

- Alô, Vini? – perguntou Pedro, feliz por ouvir a voz do loiro.

- Sim, é ele. Quem está falando? – retrucou Vinicius, fingindo que não reconhecia a voz de Pedro.

- Ora quem está falando! Sou eu, Vini, o Pedro.

- Ah, oi Pedro, precisava mesmo falar com você.

- Sobre o quê, meu bem?

- É o seguinte, eu preciso que você pare de me ligar. Não quero mais ficar com você.

- Como assim, Vini? – perguntou Pedro, exasperado e surpreso. Há alguns dias Vinicius dizia que lhe amava e agora ele estava terminando tudo?!

- É isso que você entendeu, Pedro – continuou Vinicius, frio. – Eu não quero mais ficar com você. Eu conheci outra pessoa pela qual eu me interessei e nós estamos ficando. Espero que você pare de me ligar e contente-se com a sua Paloma.

A frieza na voz de Vinicius fez com que Pedro sentisse um arrepio. Ele não estava acreditando. Como era possível que há alguns dias atrás o cara diz que te ama e depois fala que conheceu outra pessoa e que estava apaixonado?

- Espera aí, Vini, que história é essa? Vamos conversar, cara! – ele pediu, o desespero começando tomar conta de seu corpo.

- Eu não quero repetir o que você já entendeu, Pedro – retrucou Vinicius, ainda mais frio e sério. – Eu não quero mais ficar com você. Acabou.

- Mas você não disse que me ama? Você não disse que estava completamente apaixonado por mim?

- Eu estava, não estou mais – disse Vinicius, sem paciência. – Agora me faz um favor, para de me ligar. Nossa relação acabou. Eu gosto de outra pessoa agora.

Dizendo isso, Vinicius desligou a chamada e sorriu. Que boboca!

Pedro soltou o celular, que caiu no chão. As lágrimas caíram de seus olhos como gotas de chuva. Sentiu um aperto no peito forte e se apoiou nos braços da cadeira para não cair. Minha nossa, o que ele havia feito? Ele traíra sua companheira de anos a fio com uma pessoa que acabara de terminar com ele, friamente e por telefone! O arrependimento chegou como uma bola de neve que se destrói ao bater no chão com estrépito. Sem pestanejar, e tentando se recompor do abalo, ele enxugou as lágrimas com as mangas do jaleco, pegou as chaves do carro e saiu em disparada em direção a sua casa. Ele precisava, aliás, precisava não, ele necessitava pedir perdão a sua companheira por tê-la traído com um alguém tão artificial. Pediu a recepcionista para cancelar todas as suas consultas marcadas e correu para o encontro de Paloma, seu verdadeiro amor.

Comentários

Há 2 comentários.

Por em 2013-04-01 19:47:13
oi,estava indo tão bem, adorei o conto, pq vc não terminou?
Por em 2013-03-15 19:00:06
Porque não termina teu outro conto??? Tava indo tão bem!