Sorte Grande [Capítulo 3]

Parte da série Doces Sonhos

Depois de minha recaída de manha eu já me sentia bem melhor. Eu trabalhava como ajudante de cozinha em um restaurante. De todos os lugares em que convivia diariamente a cozinha do restaurante onde eu trabalhava era o lugar onde me sentia mais confortável. Talvez por ser a cozinha de um renomado restaurante eu sentia que tudo era bem limpo.

Eu trabalhava dia sim, dia não e meu expediente começava ás 17h00min e ia até a hora em que o restaurante fechasse que era em média de 00h00min. Eu saí para o trabalho por volta dás 16:30. Eu estacionei meu carro e logo entrei no restaurante. Eu sempre era o segundo a chegar. Meu chefe era o primeiro. Ele era tanto chefe como o chef do restaurante.

- boa tarde – falei batendo na porta da sala dele.

- boa tarde – respondeu ele se levantando. Ele veio até mim e estendeu a mão. – minha mão está mãos limpa do que as panelas que fazemos as refeições. Eu apertei a mão dele.

Meu chefe se chamava Rupert e ele nunca fez questão de esconder ter interesse em mim. Ele era um homem muito bonito, ele era alto, charmoso com o rosto liso sem barba, boca grande, tinha um lindo sorriso e pelo o que via vestido parecia ter um corpo bonito, mas nem todas essas características me fizeram tentar algo.

- então, quando você vai aceitar meu convite para sair? – perguntou Rupert enquanto colocávamos os aventais.

- olha eu queria muito aceitar, mas... Você sabe.

- não tem problema – falou ele sorrindo pra mim.

- Rupert é sério!

- eu sei só que... Eu não estou te chamando para fazer algo que não queira eu só quero sair com você qualquer dia desses, mas não se sinta pressionado só porque sou seu chefe.

Eu respirei fundo e tentei imaginar a cor dos olhos de Jay.

- ok. Vou pensar no seu convite.

Quando o relógio marcou por volta dás 19h00min começamos a receber os clientes. Enquanto eu fazia os pratos todos conversávamos. Eu usava quase 20 luvas por dia de trabalho. Eu precisava diminuir a quantidade de luvas usadas então eu tinha que resistir a vontade de tirar as luvas.

Por volta dás 22h00min o garçom me disse que um cliente queria conhecer o chef que tinha feito o prato. Como eu era apenas um assistente Rupert foi comigo até os clientes.

- gostaríamos de agradecer a refeição desta noite. Estava magnifico.

Depois de agradecer pela comida era hora de voltar até a cozinha e quando me virei dei de cara com um garçom que me derrubou e deixou os pratos que ele tinha acabado de retirar de uma mesa cair em cima de mim. Felizmente nenhum prato chegou a me cortar, mas eu fiquei cheio de sobras de comida. Eu fiquei caído no chão paralisado. Algumas pessoas vieram para me ajudar a se levantar:

- não encosta nele. – falou Rupert.

Eu nem sabia o que estava sentindo. Estava coçando em todo meu corpo. Tinha vermes embaixo da minha pele.

- procure saber se têm algum psicólogo aquí. – falou Rupert para o garçom.

Rupert se agachou em e mandou ficar calmo.

- eu vou pegar os pratos para que você não se machuque com os cacos, não se preocupe.

Eu olhei pra ele com os olhos vermelhos:

- tudo bem – falei rouco.

Vagarosamente Rupert e outros garçons começaram a pegar os cacos que estavam em volta de mim e também os pratos que milagrosamente não tinham se quebrado.

- meu nome é Stephen e sou terapeuta – falou um homem chegando entre as pessoas em minha volta.

- obrigado Stephen – falou Rupert apertando a mão dele.

Rupert começou a cochichar algo com ele. Provavelmente explicando minha situação.

- olá Jack – falou Rupert se agachando.

Eu olhei pra ele e ví com quem falava. Eu fiquei estonteado com a beleza dele. Era um homem caucasiano com cabelos loiro escuro e barba loiro escuro.

- olá – falei olhando para meus braços e passando minha mão devagar para tirar a sujeira em cima de mim.

- não olha pra você, olhe pra mim – disse ele com um meio sorriso de lado.

- fique calmo.

- eu estou calmo. Minha vontade é de pegar aquela faca e arrancar minha pele.

- não faça isso. Eu sei que você não gosta dessa situação e adivinhe: eu também não.

Falou ele arrancando um sorriso meu.

- lamento termos nos conhecido assim, mas eu vou pedir um favor.

- qual?

- sabe quando você era criança e engatinhava?

- sim.

- seu amigo aquí Rupert disse que você se sente melhor quando está na cozinha do restaurante então quero que você fique na posição correta e engatinhe bem devagar até que chegue na cozinha. E tente não se importar com as pessoas olhando pra você.

- eu posso fazer isso – falei mudando bem devagar de posição.

- sim. Você consegue. Imagine que a cada passo que você dá é um jato de água bem branquinha e límpida em você.

Eu comecei a engatinhar e ele fez o mesmo ao meu lado me dizendo coisas para que eu me acalmasse. Eu fui calmamente me afastando de toda a sujeira e a cada vez que chegava mais perto da porta eu me sentia mais forte. Assim que eu entrei na cozinha fecharam a porta e eu fiquei sentado escorado na parede.

Stephen se sentou ao meu lado e segurou minha mão entrelaçando os dedos.

- respira fundo e solta. – disse ele.

- eu consegui – falei.

- sim. Você conseguiu fazer isso na frente de várias pessoas. Você é mais forte do que você pensa.

- sou mesmo – falei sorrindo.

- agora... será que você consegue ficar de pé e ir até ao escritório do seu chef. Eu sei que você ainda tem algumas coisas pelo corpo, mas a parte difícil acabou.

- consigo sim – falei soltando a mão dele e me levantando.

Assim que entrei no escritório Rupert e Stephen entraram junto e trancaram a porta. Eu me sentei em um sofá.

- muito obrigado – falou Rupert apertando a mão dele. Fico realmente agradecido. Rupert tirou o avental e sentou-se à mesa e pegou um cartão anotando algumas coisas e se levantou entregando para Stephen.

- quando precisar de reservas para qualquer restaurante da cidade qualquer dia e a qualquer hora é só me ligar nesse número.

- muita gentileza sua – falou Stephen agradecendo.

Ele veio até o sofá e se sentou no meu lado pegando um cartão em sua carteira e me entregando.

- se precisar de qualquer coisa em qualquer hora do dia pode me ligar.

- obrigado – agradeci o cartão.

Eles saíram da sala conversando e me deixaram lá dentro. Depois de alguns segundos meu chefe voltou e entrou na sala.

- vou te levar até em casa. – falou Rupert com minha mochila nas mãos.

- não precisa – falei.

- quer trocar de roupa antes? – perguntou Rupert fingindo que não ouviu o que eu disse.

- sim.

Assim que ele saiu da sala Eu me levantei e retirei minha roupa usando luvas e fiz o mesmo procedimento jogando ela no lixo usando um saco plástico. Depois de me limpar com lenços umedecidos eu estava pronto.

- vamos? – falou ele pegando suas chaves e saímos pelos fundos.

Entramos no carro dele e fomos em direção a minha casa.

- você está mesmo bem? – perguntou Rupert.

- estou sim.

O restante da viagem foi em silencio. Assim que chegamos à porta do condomínio onde eu morava eu me identifiquei e entramos. Assim que chegamos à porta da minha casa Rupert parou o carro.

- eu entendo se você quiser me dispensar.

- por quê? – perguntou Rupert – me dê um motive para fazer isso?

- o que aconteceu hoje não pode acontecer de novo.

- exatamente! E não vai. É por isso que você vai continuar fazendo terapia e se esforçando bastante para melhorar e se por acaso acontecer de novo... tudo bem.

Eu dei um sorriso e nos olhamos por um instante. Eu já tinha sentido vontade de beijar outro homem que eu estava afim, mas essa a primeira vez que eu realmente sentia “a vontade”.

Eu fui me aproximando dele e nossos lábios se encontraram e deram um selo. Nós nos olhamos por mais algum tempo e tudo o que saiu da minha boca foi:

- você é meu primeiro beijo.

Ele sorriu:

- isso é melhor do que um encontro.

Nós nos afastamos e continuamos a nos olhar.

- não fica preocupado com isso – falou Rupert sorrindo pra mim. Foi apenas um beijo não quer dizer que vou pra cama com você... a não ser que você queira.

Eu dei uma risada.

- é sério – reafirmou Rupert – mas fique claro que quando você quiser me beijar outra vez é só pedir.

Eu não conseguia dizer nada. Eu só sentia vontade de sorrir.

- você gostou? – perguntou Rupert.

- muito! - respondi sorrindo.

Eu estava feliz. Apesar de tudo o que tinha passado aquele dia eu estava progredindo. Fiquei feliz por ter dado meu primeiro beijo. O melhor de tudo é que me sentia uma pessoa normal.

- você sabe que um beijo de verdade envolve a língua?

- sim – falei olhando pra ele.

- mas... acho melhor acabarmos a noite por aquí. Foi muito progresso pra um dia só. – falou Rupert. Vamos deixar o beijo de língua para uma ocasião especial quando você estiver pronto.

- tudo bem – falei abrindo a porta do carro. – obrigado pela carona.

- obrigado pelo beijo – falou ele.

Antes que ele desaparecesse completamente eu entrei em casa pensando no beijo. Não sei se sentia algo pelo Rupert, mas aquele beijo tinha feito algo de diferente no meu corpo. Depois de um longo banho eu me deitei agradecendo pelo dia ter sido tão difícil, pois junto com a dificuldade veio a vitória de muitas batalhas.

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