Ninguém Tem Culpa [Capítulo 2]

Parte da série Doces Sonhos

Era quinta-feira e eu me levantei cedo. Tomei meu primeiro banho diário e depois vesti uma roupa para fazer uma caminhada. Desci as escadas para preparar o café da manhã, meu pai da lia o jornal sentado à mesa.

- bom dia pai – falei indo até a geladeira e pegando uma garrafa de água mineral e limpando ela.

- bom dia – falou meu pai fechando um jornal e tomando um gole da xicara de café. – você não falou comigo ontem quando voltamos da terapia.

- me desculpa, eu tinha muitas coisas na cabeça. – vou preparar algo para o senhor comer antes de ir trabalhar.

- não quer conversar comigo agora?

Eu coloquei umas luvas na mão e peguei dois ovos o qual lavei com sabão e joguei na panela.

- o que o senhor quer sabe? – perguntei me virando e jogando as luvas fora.

- sobre o que aconteceu aquela noite que Kenny veio aquí.

- só vou responder sobre isso se você me responder uma pergunta também.

- qual pergunta?

- tem falado com meu irmão?

- não posso te falar sobre isso seu psicólogo me falou para não forçar nada, faz parte do seu tratamento.

- então não tenho nada para falar sobre o Kenny. – falei me virando e colocando novas luvas nas mãos.

Eu retirei o ovo frito da panela e coloquei em um prato com torradas e coloquei na mesa na frente do meu pai.

- tudo bem... – falou pegando a torrada e dando uma mordida.

- o que eu posso dizer sobre o que aconteceu? – falei jogando as luvas fora e passando álcool em gel nelas. – eu achei ele uma graça pai, mas quando eu desci as escadas e ví vocês fumando charutos eu não consegui ficar aquí.

Falei isso tossindo como se sentisse fumaça perto de mim.

- me desculpa filho. – falou ele comendo o ovo. – eu prometo não trazer mais ele aquí.

- não faça isso pai, pode trazer ele sim, mas quando forem fumar seus charutos e tomar suas geladas façam isso na sala de jogos. Você sabe que eu não entro naquele lugar.

- tudo bem, vou indo que estou atrasado.

- nem pensar – falei ficado na frente dele. – como está meu irmão?

Ele hesitou um pouco antes de responder.

- falei com ele ontem. Ele está bem.

Eu olhei pra baixo pensando em perguntar algo que não devia.

- ele perguntou por mim?

- Jack... você sabe que não devo...

- por favor pai.

Ele olhou pra mim e apertou os lábios balançando a cabeça negativamente.

Eu olhei para baixo outra vez respirando fundo.

- viu? Eu estou ótimo. – falei isso olhando para baixo outra vez.

- têm certeza? – perguntou meu pai.

- tenho sim. – senti meu coração acelerar um pouco. Senti uma coceira no meu braço esquerdo.

Eu olhei pra ele.

- não vai trabalhar? Ou será que aquele shopping vai ser administrado sozinho?

- eu não devia ter te dito nada.

- eu, estou, bem! – falei tentando mantar a calma.

- prove!

- ontem na terapia pela primeira vez eu peguei na mão do Jay.

- parabéns. – disse meu pai. Ele sabia que algo estava errado comigo, mas ele não ia me chatear insistindo nesse assunto.

- pai eu preciso tomar um banho – falei indo até meu quarto e entrando no chuveiro.

Meu pai tirou o terno e pegou o telefone celular e ligou para meu terapeuta Jay.

Eu entrei no banheiro e comecei a esfregar meu corpo. Eu sentia algo por debaixo da minha pele que me deixava sujo.

Depois que tomei meu banho fui até o armário e peguei produtos de limpeza e coloquei em um balde coloquei luvas de borracha verde e me agachei no chão da cozinha e comecei a limpar o local que eu tinha visto quando falava com meu pai. Lágrimas corriam dos meus olhos.

Meu pai estava sentado no sofá olhando pra mim. Eu esfregava o chão o mais que conseguisse mais parece que não funcionava.

- eu não devia ter tocado no assunto – falou meu pai.

- por quê? Eu estou bem! Só estou limpando essa sujeira.

Depois de um tempo limpando o chão de madeira da cozinha eu ouvi alguém batendo na porta.

- bom dia – falou Jay entrando com óculos escuros.

- ele está lá faz 20 minutos. Ele insistiu em falar do irmão

- tudo bem. Pode ir pro trabalho eu cuido dele.

- até mais tarde Jack. – falou meu pai, mas eu estava ocupado demais para responder.

Eu tinha decidido limpar todo o chão da cozinha, felizmente eu tinha trazido uma escoda de dentes, pois era muito precisas para limpezas.

Jay tirou os óculos escuros e ficou em pé na minha frente.

- com licença – falei pedindo um espaço para limpar onde ele pisava.

- como está se sentindo?

- estou bem. Só estou limpando essa parte do chão.

- o que nós conversamos ontem? Você me disse que estava pronto para o próximo passo.

- eu estou pronto para o próximo passo.

- não é isso que eu estou vendo. Eu disse que teria que ser com pequenos passos. Seu irmão é um passo que você ainda não está pronto?

- eu não estou pronto? – falei parando de limpar o chão. – eu estou pronto quem não está pronto é ele. Como ele pode ficar com raiva de mim desde que nasci? Sempre que precisei de um irmão mais velho para me proteger era dele que eu precisava ser protegido. Eu sei que a culpa foi minha por isso eu tenho que limpar esse chão antes que ele volte e veja a sujeira que eu fiz quando resolvi nascer na cozinha da minha casa.

Eu continuei limpando. Onde eu limpava às vezes caia uma lágrima, mas eu não podia chorar senão teria que limpar outra vez.

- a culpa não foi sua. – falou Jay se sentando no chão.

- não importa.

- a culpa não foi sua – falou ele outra vez.

- para de ficar falando isso.

- mas a culpa não foi sua e você sabe que não foi.

Quando ele disse isso eu parei de limpar e olhei para ele. olhei fundo nos olhos dele tentando me acalmar:

- e se ele não voltar? E se receber uma ligação dizendo que meu irmão morreu na guerra porque me odeia demais para conseguir ficar em casa?

- ele vai voltar, mas enquanto ele não volta você têm que se preocupar com você. E se ele voltar e você não conseguir ficar perto dele?

Eu me levantei e tirei as luvas.

- é verdade.

Jay se levantou e ficou em minha frente.

- se sente melhor?

- sim. Eu vou conseguir superar esse medo.

- tenho certeza que sim. Eu estou com minha mão no seu ombro e você nem percebeu.

Eu olhei para meu ombro e ví a mão dele apoiada sobre ele. Eu olhei pra ele e sorri.

- eu não me sinto incomodado.

- Jack esse foi um grande passo.

Eu olhei para a mão dele no meu ombro e coloquei minha mão sobre a dele.

- você vai melhorar em breve. – disse ele virando a mão e segurando a minha e apertando forte.

- obrigado. – falei olhando para ele.

Ele tirou a mão do meu ombro:

- você está bem. Vou indo embora.

- antes de ir posso pedir uma coisa?

- claro - falou ele virando.

Eu peguei a mão dele entre as minhas e coloquei a mão dele no meu rosto direito. Era bom sentir o toque humano. Fazia tempo que não sentia outra pessoa tocar em mim.

- esta é sua recompensa. Quem sabe em breve você não sinta o Kenny tocando você desse jeito e um pouco mais quem sabe.

- quem me dera – soltei a mão dele.

- tive uma idéia... quando seu pai chegar hoje do trabalho você vai fazer exatamente o que você fez comigo. É bom praticar com as pessoas que estão ao seu redor.

- vou sim.

- você vai vencer seus medos. – ele disse isso colocando os óculos escuros e pegando as chaves do carro. – agora deixa-me ir, pois tenho outras pacientes precisando de mim – falou Jay dando um sorriso. Eu o acompanhei até a porta.

Eu peguei o telefone o limpei todo e disquei os números do escritório do meu pai.

- gostaria de falar com Henry.

- só um segundo – falou a secretária dele.

- alô filho. Esta se sentindo melhor?

- estou sim pai. Hoje eu vou trabalhar e não precisa ficar esperando eu chegar. Eu estou bem.

Se despedi do meu pai e limpei o chão da cozinha. Fui relaxar até que chegasse a hora de ir trabalhar.

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