Sequestro de memórias
Parte da série Desculpa se te quero!
Depois de 5 horas a espera que o João acorde, a enfermeira chegou à sala de espera e anunciou meu nome:
- Roberto? – chamou-me, e eu me aproximei. – Ele deseja falar contigo. Ele está acordado!
Ficou mais aliviado, meu coração fica mais tranquilo e tudo parece dar certo. Tudo voltará ao normal. Sim. Voltará.
Acompanho a enfermeira até o quarto de João, este estava na cama observando os movimentos urbanos através da janela enorme. Após perceber a nossa presença, ele sorri.
- Bem, deixarei a sós. Qualquer coisa aperte aquele botão azul ao lado da cama. – disse a enfermeira deixando-nos a sós.
Aproximo-me de João observando cada detalhe do seu corpo. Ele estava super bem. Havia um grande curativo no seu abdome. Ele me olhava. E a cada passo que eu dava em sua direção seu sorriso se perdia.
- Okay. A enfermeira diz que você é o tal Roberto que queria falar comigo. Bem, obrigado por tudo, pelas despesas e tal. Mas você poderia, por favor, chamar meu pai e minha mãe? Eu não sei o que aconteceu! – disse ele, suplicando.
Eu não acreditei naquelas palavras. Só podia ser brincadeira. Ele perdeu a memória? Ele se esqueceu de tudo? Como assim?
- Como assim? Você não lembra de mim? – pergunto, preocupado. – Eu sou o Roberto! Seu... amigo.
- Não. Acho que não. Eu não tenho amigos. Quero dizer amigos homens. Você foi o cara que me salvou de algum acidente, por isso que estou aqui, certo? – pergunta ele com seriedade. – Eu preciso que você chame meus pais, por favor. Minha mãe deve estar preocupada!
Minha mente estava cansada, deprimida e cheia, mas aguentar isso era o fim. Eu não sabia um modo de falar para ele que sua mãe já partiu. Não sei se conto a ele a mesma historia que ele me contou durante o almoço. A mãe dele era um ser marinho... Como posso transferir essa historia para sua mente? Talvez a memoria dele não esteja inteiramente perdida.
Eu me aproximo ainda mais da cama e aperto o botão azul. Segundos depois, a enfermeira retorna com um médico.
- O que houve? – pergunta o médico.
- Bem, ele, aparentemente, não se lembra de algumas coisas. Acho que ele perdeu a memória. – disse, sem emoção. – Ajude-o, por favor.
O médico fez uma série de exames de neurologia. Depois de algum tempo, o médico me encontrou ao lado de João que estava desacordado.
- Sr. Roberto, realmente, ele teve algum perda na memória. Quando ele foi atingindo pelo tiro, ele caiu no chão e bateu a cabeça. Essa batida causou um dano cerebral, mas não se preocupe pois não é algo grave, o tempo o curará e cicatrizará. No entanto, as memórias dele voltará depois de alguns dias.
Respiro aliviado. Seria uma pena ele perder as memorias dele, pois são o que faz ele ser especial. Mas e agora? Como chamar os pais? Ele não tem celular, não sequer algum contato de parentes. Não tenho mais o que fazer. Ele não consegue lembrar seu nome todo. Só me resta apenas uma coisa: levar ele para minha casa.
Assinei todas as papeladas da alta dele. O médico me entregou alguns medicamentos para ele tomar. João não hesitou, ele me acompanhou, mas quieto. Era como se tudo fosse a primeira vez de João. As pessoas, os carros, os médicos, os pássaros. Ele olhava tudo com admiração e, outras coisas, com reprovação.
Atendo as ligações perdidas da minha mãe, e aproveito e explico a situação. Ela apoiou que eu levasse João para casa. Já estava nos aguardando.
Durante o caminho, João me perguntava várias coisas, entre elas:
- Você não conseguiu contatar meus pais, certo? – perguntou ele, com tristeza. – Lembrei que nunca vi minha mãe. Mas é estranho, pois ela parece estar tão próximo de mim.
- João, antes do que ocorreu, você havia me dito que sua mãe morreu – eu falei.
Ele me olhou com tristeza. Senti uma necessidade de abraça-lo e reconforta-lo em meu colo. Mas ele lembra que já trocamos afetos, e se caso eu tentar alguma coisa ele se assustará. Tenho medo que ele tenha esquecido sua orientação sexual.
Chegamos em casa, e minha mãe surge na porta.
- Até que enfim! Estava preocupada com você! Meu filho, você está bem? Não se machucou? – enquanto minha mãe perguntava me analisava da cabeça aos pés.
- Mãe, estou bem. Talvez eu necessite de um descanso, e o João também – digo , e João se aproxima de nós.
Minha mãe abraça ele também e repete as perguntas. Ele respondeu educadamente, mas ele mostrava claro que não entendia nada daquilo.
- Roberto, eu preciso ir pra casa. Não me sinto bem. – ele me chama no cantinho da sala. – Sinto muito. Mas tenho meu pai, certo? Ele ainda está vivo! E se tiver, ele vai me matar!
- Calma, João. Você lembra onde mora? – pergunto, e recebo um não como resposta. – Desculpe, não posso deixa-lo nas ruas procurando o seu pai, sua casa. Por favor, tenha paciência, nós encontraremos sua vida de voltra.
Ficamos nos encarando. Seus olhos castanhos estavam brilhando, eram lágrimas. Eu o queria beija-lo ali mesmo. Abraça-lo e reconforta-lo com minhas palavras. Eu me apeguei muito a ele.
Ele se afasta de mim e se dirige ao quarto de hóspede que, no entanto, era dele.
Era tarde, e minha mãe explicou a situação para minha família. Todos acharam minha atitude um tanto heroico e responsável. Ao bater o sino do relógio, todos vão se deitar. João adormeceu rápido. Eu estava verificando em 5 em 5 minutos. “Espero que dê certo”, penso.
O dia amanhece, mas algo aconteceu. Minha mãe abriu a porta do meu quarto e me encarou.
- Vá para a sala – ordenou ela – Agora!
Fazia tempo que minha mãe não se irritara assim comigo. Mas hoje ela estava muito nervosa. Eu me troco bem rápido e percebo que todos estão na sala, inclusive João que me olhava com uma cara de medo. A televisão estava ligada, e um programa telejornal estava passando anunciando a seguinte notícia:
- Está desaparecido um jovem de 19 anos chamado de João Pedro Alverella. Filho do advogado Sérgio Alverlla. O jovem desapareceu era dia, e algumas testemunhas disseram que encontraram ele andando pela a Av. Paulista, o que era de praxe. No entanto, alguns disseram que um homem o agarrou e o levou para algum lugar. E até hoje João não voltou para casa. O pai está desesperado.
- Meu filho! Ele foi sequestrado por esse bandido! – disse um moço chorando pelo microfone. – João, por favor, se estiver me ouvindo , lute por mim e volte para casa.
A noticia acabou, e todos voltaram seus olhares para mim. Eu não podia acreditar. Como tudo isso aconteceu? Eu? Sequestrador? João apenas desapareceu por horas! E como isso está na mídia! Ah! Advogados! E agora?
- Eu... posso... eu posso explicar – eu disse.
João correu para fora e bateu a porta. Minha mãe se levantou e foi para a cozinha. Meu pai me olhou com tristeza, e meus irmãos não sabiam o que fazer.
João... Não me deixe. Eu não te sequestrei!
To be continued...