O Travesseiro de Hugo – Capitulo 6 – Folhas de Outono
Parte da série O Travesseiro de Hugo
Agora estávamos no outono e pela janela via-se do lado de fora que as folhas do juá se amontoavam em grande volume a criar uma manta marrom pela grama que crescia em desalinho na rua. Os animais do bunker deviam estar migrando ou se preparando para o inverno já que nos encontrávamos mais uma vez só eu e Hugo no grande quarto de paredes descascadas que um dia tiveram tons esverdeados.
O silêncio impera sobre o enorme vão entre a porta e a janela ao fundo do quarto. O único som ouvido de vez em quando é o doce virar de páginas: o menino está lendo. Uma descrição não tão detalhista de Hugo nesses raros momentos de lazer são os olhos brilhando. Nos livros, o garoto encontra uma forma de voar, mesmo com suas asas cortadas... mergulha de cabeça naqueles rios de palavras.
Quando aparece um livro, o menino abre mão do seu dia de sono para passar o domingo inteiro vagando por entre páginas de fantasia e aventura, ao ponto de imaginar-se personagem deles. Se o livro tem um final triste, o garoto chora, chora e o arremessa com toda força à parede, ou então treme de medo com um terror. Várias faces, várias identidades, uma para cada personalidade do jovem garoto.
O som do vento que passou a soprar repentinamente, faz Hugo tirar a atenção do livro por um instante e pensar sobre as tarefas do dia seguinte... o desânimo é evidente no rosto do pequeno. Mais um dia de extremo cansaço vem aí, ele já pode até senti-lo chegando. O tempo que parece não passar sentado na cadeira de mogno, sem encosto para que não relaxe durante o serviço, a lhe esperar como sua velha mal feitora.
Já iam em três anos desde o dia em que chegou ao bunker de costura pela primeira vez a pedir abrigo, e desde aquele dia, o tempo mudou totalmente sua duração a cada novo raiar de sol. As máquinas polidas consumiram toda sua força, e o dono das confecções, como um vampiro insaciável, sugou seu espírito com a brutalidade de um esfomeado. Jovem e inocente criança cansado de sofrer a vida.
O menino dá um último suspiro para afastar da cabeça os maus pensamentos e o sofrimento de sua vida, retomando a sua leitura, mas não sem antes uma balançar da cabeça para reforçar seu intento. Quieto, nem o som da respiração do garoto é audível. Uma concentração inquietante faz aparecer uma pequena ruga em sua testa.
Eu sem ter o que fazer fico observando o garoto sonhar. Que passe logo rápido essa página, gosto do som das páginas passando e do brilho âmbar do olhar de Hugo aumentando a cada palavra devorada. Daqui a pouco o dono das confecções liga a calefação, essas noites, o frio toma de conta de boa parte das horas, enquanto isso me despeço, dedicarei minha atenção total ao garoto e sua leitura.