Bebê chorão não conhece perdão

Parte da série Casa de Bonecas

Fala leitor, tudo bem com você? Eu sou o Rogério Fernandes. E vou te levar para conhecer a cidade de Liceu e seus moradores. Está prontx para um pouco de sangue? Espero que sim. Boa leitura e belos sonhos ;)

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. Não alimente a sede de vingança que sentes dentro de ti. Podes alimentar algo maior;

. Não leia em lugares escuros, principalmente se for noite;

. Se acreditas em algum Deus, ores para ele, independente de quem ele seja.

Parado a beira da rodovia que cruzava Liceu, uma cidade esquecida por Deuses, lembrada por anjos, anjos expulsos do paraíso, estava Tomás Rodrigues, magrelo e pequeno, com os cabelos lisos e castanhos, agora sujos e desgrenhados, pele negra, com um rosto cadavérico envolta de olhos sofridos e muito redondos, escuros como as três da madrugada, um nariz fino e cheio de ossos, e uma boca esbranquiçada, sem vida, sem cor.

Os carros e caminhões passavam zunindo o vento, balançando as árvores. Nos carros e caminhões ele enxergava a esperança de acabar com a solidão que há muito lhe machucava.

Naquela tarde ela gritara com ele como nunca tinha gritado. Um tapa na cara que nunca tinha vindo. Palavras que nunca tinham sido proferidas. “Nisso que deu confiar àquele fraco a sua paternidade”. “Você é fraco como ele”. “Você também não tem perspectiva de vida”.

Era aniversário do garoto. Dezessete anos. Um dia que doía mais do que os outros. Pois no dia em que fizera cinco, o presente de aniversário fora ver o padrasto com o pescoço envolto por uma corda, que pendia da macieira que havia nos fundos da casa.

Desde então, não existia mais ninguém para protegê-lo de insultos e mais insultos. Por causa da amargura, ele fora rejeitado desde o dia em que nascera. Ele era “um fardo”, como ela gostava de bradar em alto e bom som.

Suas válvulas de escape eram Marcos, a escola, e os amigos, mas nunca uma casa, um lugar para onde correr quando sofria na rua. Ele não tinha uma casa. Ele não tinha um lar. Ele não vivia em um. Nos últimos dias ele só pensava em encontrar um lar, e matar a dor.

Ele andou.

Businafreiobatidacontusãoescuridão.

Algum tempo depois — Tom não sabia se minutos ou horas — ele acordou em meio as árvores, já tinha anoitecido, uma chuva fina caía, o cheiro de terra molhada se misturava com o cheiro de verde.

Seu corpo anestesiado pelo cansaço, era um pedaço de carne estirado na terra molhada, agora, já virando barro. A respiração se alternava entre uma coisa fraca quase sem vida, e uma ansiedade acelerada buscando viver.

“Assim é morrer?” Foi o que ele perguntou em silêncio para o vazio, enquanto olhava o cenário ao seu redor.

“Seu coração não pode parar, se demônio nasceu para se tornar”. O vazio respondeu. Que vazio era aquele? Ele estava sonhando? Ele estava no inferno? Aquilo era real? O que era real?

Tom voltou a fechar os olhos e deixou o ar invadir seu peito.

Alguns minutos depois levantou com um solavanco, engasgando com o ar que acabara de puxar bruscamente. Ele não poderia estar morto se estava respirando. Podia?

Sentia sua cabeça prestes a explodir de dor, e os músculos todos doloridos, como se um caminhão tivesse passado por cima dele.

Tom estava sozinho. No meio do nada. Sozinho mais uma vez. Como ele tinha se acostumado a ser.

Ainda era seu aniversário? Ainda era dia 13 de Janeiro? O relógio já tinha marcado meia noite? Meia noite. Tempo. Uma criação humana. Criação tola. As pessoas se importavam mais com o tempo, que com momentos. Momentos. Depois do suicídio de Frederico, Tom só tinha momentos com Marcos. Não momentos bons, apenas momentos. Tom não reconhecia coisas boas ou ruins. Para ele, ou elas existiam ou não. Não existiam pessoas boas e pessoas ruins. Existiam pessoas legais, bem-humoradas, que te queriam bem, o resto? Não eram pessoas ruins, apenas não eram pessoas.

Um caco de vidro brilhou ao seu lado e instintivamente Tom o agarrou fazendo um corte da parte interna do cotovelo até o pulso. A dor foi lancinante. Houve sangue. Sangue fresco. Sangue quente. Ele sentiu o cheiro de ferro invadindo o ar. O sangue parou de correr. Secou em seu braço. Estancou-se o ferimento.

“Seu coração não pode parar”. Ele se lembrou da voz. A voz.

Ele não poderia morrer? Ou ele já estava morto? Ele poderia voltar para casa?

“Seu fraco”. Era a única imagem que conseguia ter quando lembrava de casa, quando pensava em sua mãe.

“Vingue-se”. A voz ecoou em sua consciência. Era isso que ele queria? Era isso que ele sempre quis, mas nunca teve coragem sequer em pensar? E por que agora? Por que ele estava pensando nisso agora?

O acidente. O quase suicídio. Algo tinha acordado em Tom. Algo que ele não tinha noção do que era capaz… Ainda.

A chuva ainda caía. O cabelo de Tom estava sujo de barro, sua roupa, imunda e rasgada. Ele se sentia imundo e rasgado.

Saindo do bosque a beira da estrada ele voltou para a rodovia, ainda sentindo o corpo dolorido. Não haviam grupos de buscas. Não havia ambulância. Não havia carro de polícia. “Claro que não haveria. Quem se importava com um garoto qualquer, jogado para fora da estrada. Eu não me importaria. Eu estava morto. Ou deveria estar”, pensou Tom.

A casa onde o menino morava não ficava muito longe dali. As ruas de Liceu eram escuras, pelo menos naquela parte da cidade. A parte mais pobre da cidade. Sim, existia mais pobreza do que aquilo. Não relativizemos. Pobreza é pobreza. Tom, por exemplo, não passava fome. Mas para onde ele tinha nascido, ele era pobre. Não reclame comigo. Reclame com a política que separou seu mundo em Estados e territórios. Reclame com a injustiça. Reclame com seu Deus se você acreditar em um.

A rua em que o garoto morava era um breu. As luzes que ficavam nos postes estavam todas quebradas ou queimadas. A única iluminação vinha da grande mansão dos Figueiredos. Uma mansão na parte pobre da cidade? A mãe de Marcos, namorado de Tom, queria viver na parte pobre da cidade, para mostrar aos vizinhos o quanto ela era agraciada e afortunada por ser casada com um homem rico. Era como Tom dizia, não existiam pessoas ruins. Ou elas eram pessoas, ou elas não eram, como a mãe de Marcos.

O adolescente sempre se perguntara se ele era ou não uma pessoa. Quanto a isso ele nunca fora absoluto. Nos momentos ele era, momentos, para ele, eram os que passava com Marcos, era Frederico vivo o levando escondido da mãe para uma tarde no parque, era a hora de dormir, quando finalmente podia ficar sozinho com seus pensamentos, livre dos maus tratos da mãe.

Já em frente ao portão de sua casa, o Pitbul da casa vizinha, correu e pulou no portão, latindo ferozmente.

— O que foi, amiguinho? - Perguntou Tom, olhando nos olhos do animal.

Ele recuou, deitou, começou a chorar, aquele barulho que os cães faziam que parecia um choro. Um grunhido. Algo agudo. Ele escondeu o rosto debaixo das patas.

Tom vira o crânio do cão explodir, os miolos voarem por todo o quintal, fazendo todos os outros animais chorarem, como se percebessem que algo errado estava acontecendo.

Tom voltou assutado para a noite tranquila e escura. Assustado com o que tinha visto. Assustado com o que tinha desejado. Mas ele sabia em seu interior que não tinha desejado aquilo sozinho. Não de verdade.

— É o que ele merece, Tom? - Perguntaram.

— Quem está aí? - O menino devolveu, se virando para olhar para trás. Não que naquele escuro ele fosse enxergar alguém.

— Não me procure pelas ruas, menino — responderam, quase debochando.

— Quem é você? Onde você está? - Tom perguntou para a noite.

— Eu estou na sua mente e no seu coração, meu filho.

— Meu pai está morto — o garoto gritou, agachando-se e batendo na cabeça com o punho fechado. - Sai da minha cabeça — pediu ele, chorando de desespero.

Ninguém respondeu e Tom se acalmou.

Levantando-se devagar, ele olhou ao redor. Ninguém apareceu. Ele respirava fundo, e rápido. O ar o faria refletir melhor. “Eu não posso enlouquecer”, era só o que conseguia pensar.

Tom colocara a mão no trinco para abrir o portão branco enferrujado.

— Praga — gritara uma mulher de dentro da casa, no primeiro sinal do portão se abrindo.

Assim era como sempre fora recebido. Uma maneira única de se sentir acolhido.

Ele parou em frente a porta de madeira manchada pela chuva, a entrada de uma casa pequena e feia, com a parede branca suja demais e uma janela de lata.

— Onde você estava que está todo imundo desse jeito? - Perguntou Clarisse, a mãe de Tom, sentada no sofá velho verde com riscas marrons, assim que ele entrou em casa.

Clarisse não era velha, pelo contrário, Tom fora concebido no último ano da mãe na escola, mas o cabelo quase todo branco e quebrado, preso em um rabo de cavalo mal feito, diria o contrário para quem não a conhecia.

— Quando não apareceu para esquentar o jantar achei que tinha fugido — disse ela, sem tirar o olho da televisão, se deliciando com a ideia. - Você acaba de estragar minhas esperanças — endurecera a voz.

Tom podia enxergar a linha fina e dura em que a boca da mulher tinha se tornado.

— Desculpa — disse. - Eu vou fazer.

— Imprestável — disse ela. - Você acha que eu ia deixar de comer por sua incompetência?

— Não — o menino respondeu.

A mulher dera uma gargalhada.

— Você é como aquele imprestável do seu pai — disse ela. - Só serve para trazer decepções.

Como mais cedo no portão da vizinha, Tom saiu de sua realidade, tirando uma faca do cós dos jeans puídos que vestia, e pegando a mulher pelos cabelos, passava o fio cortante na gargante dela.

— Está olhando o que, seu idiota? - Perguntou ela, encarando Tom, pela primeira vez desde que este chegara, acordando-o para a realidade. - Vai fazer um café para mim. E se fizer muito forte eu vou queimar sua cara com ele. Entendeu? - Gritou.

— Sim, senhora — disse, respondendo a ameaça, que não era falsa. Ela já tinha feito isto uma vez.

Tom foi para o pequeno quarto, parando em frente ao grande espelho em moldura creme descascada em vários pontos, espremido entre a cama de madeira antiga e o pequeno armário creme que ele usava de guarda-roupa.

Ele tirou a roupa suja, encarando o reflexo nu e esquelético.

— Imprestável — repetiu, olhando para cada parte, que odiava mais que a outra, do corpo. - Nem para se matar você serve — disse.

O menino pegou uma roupa limpa e a vestiu antes de ir até o banheiro lavar o rosto e o cabelo.

— Melhor — disse ele, olhando o espelhinho que ficava em cima da pia.

Abrindo o que na verdade era um armarinho, Tom pegou a caixinha de giletes que usava para cortar os pulsos.

Na cozinha, ele pegou uma jarra de alumínio e encheu de água para ferver. Depois pegou o coador de pano, onde colocou algumas colheres de pó de café. A água finalmente começou a ferver, fazendo Tom sentir o cheiro de ferro invadir a cozinha, o cheiro do oxigênio deixar a água, o cheiro da água morrendo.

Alguma coisa o fez sentir como se a água fosse derramada em sua pele, um calor maravilhoso que o dominava, a água não parava de cair, era como uma cachoeira. A pele queimava em carne viva. As queimaduras amansavam a dor que o machucava por dentro.

— Vai demorar muito? - Gritou a mãe da sala, trazendo-o de volta a cozinha.

Tom tirou a água do fogo, e a derramou no coador. O café escorria quase rubro na garrafa, do jeito que a mãe gostava, nem muito forte, nem muito fraco. Então ele serviu uma xícara e a levou para a sala em um pires.

— Até que enfim — disse ela, pegando o pires lascado da bandeja e adoçando o café com os torrões de açúcar. - Faça uma massagem nos meus ombros — ordenou ela, despachando-o com um movimento de mão.

— Sim, senhora — disse, dando a volta no sofá.

— Pare de guinchar, garoto. Fala direito — Gritou ela.

— Você sabe o que ela merece — a mesma voz de mais cedo voltou a falar ao ouvido do menino.

Tom se virou rapidamente, mas não havia nada ali, além dos móveis velhos de madeira.

— Está demorando muito — disse Clarisse.

— Desculpa — pediu Tom.

— Fraco — disse ela. - Desculpa, desculpa — debochou, afinando a voz.

— Você pode acabar com essa humilhação — a voz ecoou mais uma vez.

— Para com isso — disse Tom, ficando assustado.

— Quem você pensa que é para falar comigo desse jeito? - Perguntou a mulher, entendendo errado.

— Desculpa — pediu o menino.

— Sabe o que você é? - Perguntou ela. - Um bebê chorão. Patético. Foi aquele infeliz que te deixou assim.

— Vingue-se — Tom ouviu.

— Chega — gritou o menino, empurrando a mãe.

Ela caiu para frente, batendo a cabeça na mesinha de centro. E o menino avançou em direção a ela.

Clarisse não estava mais enxergando os olhos do filho. Mas, sim, olhos duros, mortos. O rosto ainda era de Tom. Mas as feições não eram mais sofridas, submissas. Eram raivosas, como se aqueles olhos sem vida buscassem por vingança.

— Sentiu minha falta, Clarisse? - Perguntou Tom, com a voz dura, uma voz que não era mais de menino. Como se a voz que ele tivesse ouvido a noite inteira tivesse se tornado sua própria voz.

Clarisse arregalou os olhos, como se reconhecesse a voz diabólica que saía da boca do filho. Seus lábios tremiam, como se quisesse dizer alguma coisa, mas era impedida pelo medo. Pelo pavor.

— O menino não tem culpa da mediocridade que sua vida se tornou — dizia Tom, ou o que quer que fosse que estava a frente da mulher tomada de terror.

Tom se sentou no colo da mãe que estava estirada no tapete queimado em várias partes, provavelmente, de cigarro, segurando o cabelo dela, enquanto ela tentava se soltar, sem sucesso por conta da tontura e do desespero, e então pegou uma lasca do pires, grande o suficiente para cortar uma pessoa.

— Mamãe? — por um momento os olhos frios voltaram a ser os amedrontados, muito escuros, arregalados de medo e surpresa, e então voltaram aos raivosos sem vida, cheios de sede de vingança.

— Me solta — pedia ela, sem muita entonação, como se estivesse perdendo a voz.

Tom se levantara sem soltar o cabelo da mulher, a virou de bruços, e puxou a cabeça até que ela ficasse de joelhos.

— Me perdoa, Alastor — sussurrou ela.

Tom jogou a lasca do pires longe, e pegou do bolso de trás uma gilete.

— Desculpa, Clarisse. Mas bebês chorões não conhecem perdão — disse Tom com a voz diabólica, enquanto cortava o pescoço da mãe com a gilete.

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E então? Me conte sobre essa nova história. Quero saber o que achou e o que espera de Casa de Bonecas. Caso não tenha visto, fiz um capítulo de apresentação com sinopse e uma playlist gostosinha para você ouvir enquanto curte a leitura. Deixem suas críticas, pedidos e perguntas. Beijo na bochecha ;*

Comentários

Há 1 comentários.

Por Depressivo em 2017-03-28 21:49:05
Ca-ra-lhe-ou muito foda eu diria foda de fuder fudendo você deveria ir fazer um livro desse conto no watppad