A Teia da Aranha Invisível
A TEIA DA ARANHA INVISÍVEL
PARTE A
CAPÍTULO 1
Quando a xícara de café revirou-se sobre a mesa, com o abrupto esbarrão afobado de Adriano ao levantar-se, espirrou alguns pingos do pouco de líquido que ainda havia lá dentro. Amanda fez menção de limpar e socorrer prontamente, como se não conhecesse Adriano. Este já saía da sala para seu almoço, ignorando o fato.
Adriano simplesmente informou que estava saindo para almoçar com um cliente e que estaria de volta em uma hora e meia mais ou menos. Amanda fez que sim com a cabeça.
Apesar de Adriano não ser uma figura exatamente simpática, Amanda parecia gostar dele. Parecia relevar sua arrogância e temperamento, por saber, no íntimo, que se tratava de um cara de boa índole, honesto, apenas um pouco cheio de si, mas de forma alguma seria um homem inescrupuloso ou de mau caráter. Na verdade Amanda conhecia Adriano mais a fundo que a própria namorada de Adriano. Sim, quantas horas de convívio diário teria ela com Adriano, se comparadas às horas de convívio que Erica tinha? É no dia a dia que se conhecem as pessoas, não só nos momentos de lazer e intimidade de uma relação amorosa.
Amanda era aquela secretária perfeita, eficiente, fiel, discreta e muito observadora. Tinha também uma empáfia taciturna, reforçada pelo pronunciado sotaque português. Seu português era tão impecável que fazia nosso linguajar brasileiro parecer sempre chulo e pouco ilustrado. Para alguns poderia parecer que Amanda combinasse com seu chefe na soberba, mas não, era apenas um jeito europeu de ser que não correspondia ao jeito mais espontâneo do brasileiro.
Adriano saiu ao hall de elevadores e apertou o botão. Estava impaciente, aguardava o elevador como se quisesse apressar o tempo de chegada. Estalava os dedos de impaciência, pois detestava perder tempo com coisas assim improdutivas como esperar o elevador, quando queria concluir um negócio proveitoso. Ficar preso no trânsito era outro exemplo de coisa improdutiva que o irritava.
Desceu pelo térreo e atravessou o átrio do prédio. O porteiro cumprimentou-o, ao que Adriano nem respondeu. Nem seria possível saber se porque não falava muito com este tipo de gente ou se porque sua mente estava tão ocupada, fervilhando com tabelas de opções de fundos, investimentos e tudo o que seu trabalho envolvia, que não escutou.
Parecia orgulhar-se muito de sua posição e da empresa para a qual trabalhava, a Hedge AG, empresa transnacional com sede na Alemanha que geria fundos de investimentos, ações, etc. O Brasil passava por um momento muito bom, o mercado estava aquecido e Adriano tinha planos ambiciosos para os próximos anos. Enchia o peito e dava um sorriso maléfico quando pensava no futuro próximo. “O Brasil está em fase de crescimento, e quem está neste momento em posição de tirar proveito do crescimento vai estar muito bem nos próximos dez anos” pensava ele.
Caminhou algumas quadras e atravessou a rua em direção ao Century, restaurante luxuoso na Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, um dos polos mais novos de desenvolvimento financeiro da cidade. O restaurante era um dos poucos na região que se prestava a encontros de negócios.
Entrou no Century e deu seu nome, requisitando a mesa reservada. Seu cliente, Filipe, já o aguardava sentado.
Após os usuais cumprimentos passaram a escolher o almoço no cardápio. Acabaram resolvendo-se ambos por um stake au poivre. O garçom perguntou:
“Bem passado, mal passado ou ao ponto?”
Adriano adiantou-se e respondeu:
“Ao ponto, como será nosso contrato hoje”.
Filipe acompanhou-o no pedido.
Filipe era dono de uma empresa muito lucrativa, mas tinha um montante de capital pessoal, familiar, que precisaria investir a médio prazo. Estava buscando fundos de risco médio, mas que fossem confiáveis. O trabalho de Adriano e de sua equipe era precisamente este: achar, sob requisição do cliente, investimentos de menor, médio ou maior risco, comparar rentabilidade, confiabilidade etc. Sofria pressão das duas partes. Por um lado gestores de fundos e corretoras tentavam oferecer-lhe e mesmo empurrar-lhe seus produtos, nem sempre os melhores que poderia haver (pois os melhores fundos vendem-se sozinhos, ninguém precisa forçar). Por outro lado os investidores querem o impossível: fundos com máxima rentabilidade e confiabilidade e risco zero. Difícil acertar o sutil ponto de probabilidade entre o risco aceitável e o lucro perigoso. Mas ele sempre acertava a mão com este jogo de arredondar a realidade para o ponto que queria. A isto já estava acostumado.
“Veja Dr Filipe, tenho este fundo IDS – Junction da Pride-Inverness que está muito bem cotado. Tem dois anos de idade e já apresenta taxas entre as melhores do mercado, possui rentabilidade próxima do que o Senhor deseja e é administrado por um grupo extremamente confiável.
Quanto mais Adriano tentava convencer Filipe de que o investimento era confiável, mais Filipe olhava desconfiado. “Por que raios ele quer tanto me empurrar este fundo em especial”? Pensava ele para si mesmo, enquanto seu olhar de desconfiança se traía no desviar de olhos quando conversava. “Não confio muito neste cara, mas ele representa uma empresa muito séria, tanta bobagem assim não pode fazer... E além do que os números indicam um fundo realmente bom”. Perguntou então:
“Dr Adriano, que significam estas cifras do final da curva”?
E Adriano explicava tudo com detalhe e entusiasmo. Depois concluiu:
“Fiz todo um levantamento para o Senhor e achei esta preciosidade que creio encaixar-se perfeitamente no que procura. Tenho estas outras possibilidades, mas o que mais se encaixa com seu perfil é este mesmo.”
Esta era uma verdade parcial, certamente. Um fundo que só teve dois anos de sucesso não é tão confiável. O que garantiria que não foi sorte inicial e dali para frente o desempenho teria menor êxito? Confiáveis são aqueles fundos que apresentam sete, oito anos de boa performance. Além do que, havia poucos papéis que compunham o fundo e os gestores eram um grupo novo no mercado.
Mas é isto, mercado de capitais é risco. Este cliente não era tão importante assim para a Hedge e, além disso, não haveria grandes desastres possíveis. A falta de escrúpulos de Adriano chegava somente até este ponto. Jogar fechado, empurrar um negócio melhor para si que para o cliente, dourar a pílula para fazê-la parecer melhor do que realmente é. Agia de forma financeiramente egoística, porém jamais lesaria um cliente enganando-o ou tentaria realizar negócios ilegais. Apenas pintava a realidade em tonalidades ligeiramente diferentes.
“Negócio fechado então Dr. Filipe? Meu Gerente de Relacionamento, o Renato, irá formalizar a proposta por email e assim poderemos dar andamento aos procedimentos.”
Filipe pensou que não estava totalmente convencido ainda, mas teria algum tempo para pensar um pouco, e Adriano dava o negócio por fechado, pois confiava no poder de persuasão de Renato assim como no seu próprio.
Mais um negócio de sucesso, tudo vai bem. É assim que Adriano pensa ao sair do Century. Ele se sentia um sucesso profissional. Um dentre poucos, um dos “escolhidos”. O correspondente do executivo de Wall Street na versão brasileira. Boa posição social, carreira brilhante, poderoso, tinha seu carrão compatível com sua posição, dinheiro e todos os itens materiais necessários para compor o “successful businessman”. Além de tudo isso, era frequentador assíduo, quase obcecado, da academia. Tinha um corpo malhado musculoso de fazer inveja a muitos moleques de 25 anos desta geração de obesidade infantil. Com um biotipo alto magro musculoso, tinha ombros largos, um par de peitorais pronunciados, braços torosos, barriguinha de tanquinho e de novo forte nos membros inferiores. Enfim, um corpo muito bem distribuído, bem musculoso mas sem exageros. O fato de ser bem alto (quase 1,90m) distribuía-lhe bem os músculos.
Para completar este quadro, possuía um rosto extremamente bonito, parecia que tinha sido desenhado. Era loiro e tinha olhos azuis, que traíam suas origens alemãs. Aos 42 anos um homem muito atraente do ponto de vista físico. Falando claro, era um gatão. Com todos estes predicados, não seria de se estranhar que fosse arrogante.
Caminhava pela Berrini de volta à Hedge. Caminhava calmamente, como que recompensando-se com um pouco de lazer o sucesso que acabava de obter. Paquerava as meninas que passavam pela rua.
“Nossa, que gostosa! Feinha mas gostosa, eu comia e fazia ela gemer!”
“E aquela ali, carinha de princesinha no castelo, aquela teria que conquistar usando minha fantasia de príncipe encantado.”
Enquanto caminhava já ia recompensando-se por suas proezas profissionais e sexuais. Era o excesso de adrenalina.
Meninas, mulheres, ele se sentia seguro e à vontade para pegar quem quisesse. Neste aspecto sim, era extremamente inescrupuloso. Não era fiel. Já tinha sido casado e seu casamento havia terminado exatamente por causa desta questão. Hoje em dia apenas namorava Erica, mas ela não era, definitivamente, a única mulher de sua vida. Volta e meia conhecia uma secretária, uma colega de academia, o que fosse, e a abatia em seu apartamento luxuoso duplex no Morumbi.
Neste momento seu pensamento flutuava entre a moça que havia conhecido e transado no dia anterior, as mulheres que transitavam pelas calçadas da Berrini, com quem trocava sorrisos maliciosos e outras fantasias mais.
Ele se sentia perfeito, um sucesso, tinha tudo o que queria. Só não se apercebia muito claramente de um tênue vazio que havia dentro de sua alma. Talvez o ritmo frenético de vida nem desse tempo para este tipo de sensação aflorar, mas havia, no fundo da mente, soterrada sob escombros de hiperatividade, um leve tom contemplativo que insinuava que havia um vazio qualquer, indecifrável. Adriano não se dava conta, a este ponto, de nada disso. Vivia sua vida freneticamente, e esta quinta feira era mais um dia típico de sua vida.
CAPÍTULO 2
A sexta feira chegava ao fim, e com isto a sensação de missão cumprida. Eram quatro da tarde ainda, mas o que havia para ser feito estava cumprido. Adriano preparava-se para ir embora.
Tinha planos de pegar a academia mais vazia neste horário, e nem sabia o que faria depois, dado que Erica já estava em Belo Horizonte para um congresso, onde ficaria até domingo. Havia falado com ela no dia anterior. A cabeça já estava engendrando maluquices, já queria aprontar aventuras.
“Quero transar com uma gostosa hoje, mas não sei onde vou achar essa pessoa”...
Justamente neste momento Erica ligou, queria falar com Adriano, mas Amanda já tinha instruções de dizer que ele estava em uma reunião importante e que não poderia atender chamadas até o final da tarde.
Amanda encobria as puladas de cerca de Adriano. Por que faria isso? Não achava correto, certamente, mas deveria ser porque não gostava de Erica. Apesar de conhecer o caráter pouco fiel de Adriano, ainda assim não o achava mau-caráter em outros aspectos. Já Erica não. Tinha um tom de voz de impostora, de ascendente social. “O tom de voz traduz tudo o que eu sinto sobre uma pessoal” pensava Amanda para si mesma.
Num evento de última hora aparece Renato, pede para falar com Adriano e diz que havia se enganado na proposta feita ao Sr Filipe. Havia um pequeno equívoco, perguntou se ainda haveria tempo de corrigir. Os papéis estavam em cima da mesa de Adriano. Adriano consentiu na hora.
“Mas a proposta contendo o erro já foi enviada ao cliente?”
“Não Dr. Adriano, está apenas impressa em papel, para sua prévia análise e aprovação. Estou apenas trazendo o papel correto e quero substituir o incorreto.”
“Bem, se não foi enviado nada errado não há problema. Corrija, por favor, Renato, e trataremos disso na segunda.”
Nada de anormal para Adriano, autocentrado. Mas certas coisas não escapavam a Amanda. O jeito de Renato transmitia afobação e medo. Sua voz estava vacilante, suas mãos trêmulas. Parecia criança que fez coisa errada. Obvio que isto não escapou a Amanda.
Mais tarde Amanda teria visto Renato destruir o documento que continha “um pequeno equívoco” no picotador de papéis. Um pouco de exagero para um “pequeno deslize interno” de uma empresa, que não havia chegado ao cliente, não havia saído da empresa.
A localização da Orex Muscle, a academia, era extremamente conveniente. Três quadras da Hedge, Adriano podia fazer sua academia sem pegar o carro, sem enfrentar a terrível hora do Rush da Berrini e, quando terminava sua série, saía para casa com um trânsito mais reduzido. Em geral saía do trabalho entre 19:00h e 20:00h e ia para casa entre 21:00h e 22:00h. Hoje saía do esquema, mas mesmo assim ainda escapava do trânsito. Estava adiantado em relação a ele.
Durante o treino começou a conversar com Patrícia, uma garota com quem já havia conversado várias vezes antes, mas superficialmente. Patrícia era bem comunicativa, tinha jeito de inocente e trabalhava como supervisora em alguma empresa por ali. Falava com entusiasmo sobre seu trabalho, o que era enfadonho para Adriano.
“Poxa, que saco escutar este papo de cargo baixo, ela acha mesmo que isso é interessante para mim, mas eu tenho que fingir se quero mesmo fisgar este peixe.”
Tipo da menina carente, que fica com os caras por instinto, achando que evoluirá para um romance, depois se decepciona. Adriano não enxergava isto com esta clareza, dado seu narcisismo. Mas percebeu, a um ponto, que a garota estava dando em cima dele.
A garota não era exatamente bonita, mas era perfeita para o que Adriano queria. Começando pelas coxas e bunda. Esse novo tipo de menina de academia que malha muito sério.
“Será que é bombada? Incrível como tem uma bunda dura, coxa muito grossa, e os pesos que a menina pega então? Tá treinando como homem, não como mocinha que faz aquela séria bobinha. Ela treina, não malha! Olha o jeito que faz o pulldown, faz força e bufa quando solta o ar, como homem quando treina! E como pega pesado! Meu tipo de corpo, gostosa, corpo bonito, seios firmes, sem exageros, pernas e bunda duras e sem celulite, magra sem ser esquelética, barriga zerada.”
No final do treino o lero que Adriano passou foi eficiente.
“Pronto! Já tenho minha noite de sexta!”
Adriano conseguiu seu intento. A garota topou ir ao apartamento de Adriano para um jantar a dois. Este era o verdadeiro trunfo de Adriano. Uma cartada certeira! Ele sabia cozinhar muito bem. Nem precisava planejar nada, chegava em casa com alguém e já ia preparando a refeição com o que tinha à mão. Nesta hora revelava-se o lado criativo não matemático deste homem insípido, mecânico e robótico. Tamanha era a naturalidade com que ele executava as preliminares das preliminares, que o resultado era ganho certo. Conversava com sua “presa” à medida que preparava a comida, a mesa, as velas, abria o vinho, etc. Tudo de forma espontânea e segura. E a situação tinha uma conveniência a mais: a menina não poderia dormir com ele lá em seu apartamento, pois teria que ir retirar o carro no estacionamento – sim, Adriano já havia se certificado que o estacionamento estaria aberto para que a levasse de volta antes da uma da manhã.
À medida que os preparos do jantar e o assunto iam se desenvolvendo, a menina ia mostrando em sua expressão um crescente encantamento por Adriano. Parecia que já estava se apaixonando. Completamente encantada.
“Nossa, que homem maravilhoso, é tudo o que uma mulher pode querer! Será que pode ser meu?” Pensava ela.
Depois do jantar o óbvio acontece. Por mais controlada que uma garota pudesse ser, por mais que a realidade lhe avisasse que seu companheiro de uma noite não a procuraria mais, o charme de Adriano e a fantasia de romance de uma moça carente (como é fácil enganar-se...) embalaram-na. Não conseguiu dizer “não” a uma soma de tentações românticas e carnais.
Tudo a seduzia. A mesa pentagonal, sem toalha para evidenciar a arte do entalhe na madeira, os pratos quadrados, os copos longos e estilizados, os sofás de design ultra moderno, a própria arquitetura do apartamento, que tinha uma vista para um lado no piso de baixo e para outro no piso de cima, a escada em ângulo que levava ao piso de cima, o tecido de cetim dos lençóis, a imensidão da cama, a decoração moderníssima do quarto, clean, sofisticado... Tudo isto subiu-lhe à cabeça como o vinho.
Na verdade tudo aconteceu muito rápido para o que ela esperava. Os dois tiraram a roupa rápido demais, o ritmo mudou, a cara de Adriano mudou, de príncipe encantador passou a lobo voraz, mostrando seus instintos. Já nem havia mais contato visual, Adriano já tirou seu pênis para fora, colocou a camisinha e começou a penetrar a garota, firme e forte, sem carinho, sem sedução, só um vai e vem mecânico. Rápido, gozou, respirou e já mudou o tom de voz:
“Acho melhor nos apressarmos, senão o estacionamento fecha. O banheiro é ali, vou usar o de lá de baixo e a gente vai embora.”
“Não quero dar trabalho, posso dormir aqui e amanhã vou embora sozinha...” Ainda tentando segurar a situação.
“Acho melhor não, desculpe-me, mas estou precisando de uma boa noite de sono, se não se importa. Não faltará outra oportunidade”.
Adriano não queria arriscar-se. Apesar de ter certeza que Erica estava em BH, imprevistos acontecem. Levou-a de volta ao estacionamento, ela taciturna e profundamente decepcionada, a estas alturas já lhe havia ocorrido o intuito de Adriano desde o começo, na academia. Era só uma noite mesmo. Adriano não se importava com a menina e sabia que não iria repetir. Deixou-a no estacionamento e voltou para o conforto de sua magnífica cama, em seu magnífico apartamento e adormeceu.
CAPÍTULO 3
Erica estava em Belo Horizonte desde quinta para o congresso. Era proprietária de uma grande loja de roupas e acessórios. Frequentava vários congressos de moda buscando parcerias, buscando divulgar sua marca e seu trabalho. BH é um centro importante para este fim, pois é um dos grandes centros de produção de moda no país. O SP Fashion Week, o Rio Fashion Week e o congresso de BH eram os eventos mais importantes para ela.
Erica gostava de moda e tinha muito bom gosto, pelo menos era sua reputação e o que a crítica e o mercado lhe diziam. Porém sua postura não era a de uma artista ou designer. Sua postura era muito mais a de uma executiva e empresária da moda.
Estava ali no stand, assessorada por sua equipe, promovendo seus produtos, fazendo contatos e tudo o que se faz em um congresso. Era uma mulher muito atraente e um belo par para Adriano, pois era uma mulher de negócios, motivada, empreendedora, amante das benesses e luxos que o sucesso profissional pode trazer. Talvez um pequeno porém criasse a distância: dois egos inflados não se aproximam. Ambos muito independentes, muito cheios de si, o excesso de amor próprio deixa pouco espaço para o outro. Neste ponto havia um desencontro. E ela tampouco parecia ter um compromisso inquebrantável com a fidelidade, embora não chegasse aos pés das aventuras e puladas de cerca de Adriano.
Além disso chamava tanta atenção pela sua aparência privilegiada que assemelhava-se a Adriano na arrogância narcísica.
Neste momento encontrava-se vestida com um vestido preto muito justo, que lhe ressaltava as formas esbeltas e também muito bem cuidadas por academia. Colar de pérolas simples, sapato beije combinando com o cinto despretensioso mas muito estiloso, da mesma forma que a bolsa. De corpo, sempre tinha sido magra. Magra, não anoréxica. Magra consistente. Mas magra o suficiente para ter seios pequenos, o que desde cedo a havia motivado a implantar uma prótese de silicone, segredo este guardado a sete chaves. Não revelava isto a ninguém. Curioso que apesar da falta de seios (já corrigida precocemente), a natureza havia-lhe proporcionado vasta tração traseira. Natural, firme, nada caída e sem celulite, ainda mais que reforçava isto com a prática de exercícios. Tinha um rosto estonteantemente belo e bem proporcionado e cabelos pretos naturalmente lisos completavam-lhe a figura. Tudo isto rendia-lhe o apelido de Barbie, o que ela detestava, por achar vulgar. Queria passar a imagem de uma mulher refinada.
Não só na aparência equivalia a Adriano, mas também em um certo olhar de superioridade. Só que não era autocentrada como seu namorado. Tinha uma sagacidade que saltava aos olhos. Algo que ficava no limiar entre astúcia e perigo.
Entre uma conversa e outra tocou o celular, era Adriano.
“Oi, tudo bem Adriano”?
“Sim, desculpe-me não poder falar com você ontem, surgiram problemas de última hora que acabaram por se prolongar. Quando me livrei deles achei muito tarde para ligar, sei como é o ritmo dos congressos, preferi ligar hoje.”
“Ah, ok, sem problemas.”
E a conversa continuou por breve momento. Era sábado e Adriano estava ligando do Outback, onde estava almoçando sozinho, tarde, pois havia levantado tarde e ido fazer academia.
A conversa terminou e os contatos do congresso continuaram. Poucos minutos depois tocou o celular de novo. Desta vez Erica olhou o número e demonstrou um certo espanto ao ver de quem vinha a chamada. Atendeu rápido e disse em tom curto e grosso: “Já te ligo, já falo com você em 5 minutos” e simplesmente desligou.
Saiu do stand e rumou ao pátio externo do pavilhão do congresso, onde havia menor número de pessoas e de onde pouca gente poderia ouvir a conversa. Discou rápida e nervosamente o número.
“O que aconteceu”?
...
“Mas alguém teve tempo de saber”?
...
“Acho melhor desistir disto. Para que levantar suspeitas? Há tantas outras possibilidades! Eu sugiro que proceda de forma normal com este assunto e continuemos com os demais”.
...
“Ok, melhor assim, depois nos falamos, quando eu retornar a São Paulo. Beijo”.
No nervosismo de responder prontamente, Erica não se havia dado conta que Beatriz, uma de suas funcionárias, estava ali fumando um cigarro, e tinha ouvido tudo. Coincidentemente Beatriz tinha ouvido também a conversa descontraída com Adriano dentro do pavilhão, no próprio stand. Por que motivo Erica precisaria falar às escondidas com alguém, se havia respondido ao telefonema de Adriano no stand?
Havia tempos que Beatriz percebia atitudes estranhas em Erica, telefonemas escusos, segredos, nada de assustador, mas sua intuição lhe dizia que Erica escondia algo. Seria um amante?
Erica poderia ser tudo menos uma mulher inocente ou transparente. Com seus 38 anos de vida, parecia ter vivido o suficiente para ter aprendido a jogar, fosse como fosse. E escrúpulos tampouco eram seu forte. Isso se verificava no dia a dia do trabalho com ela.
CAPÍTULO 4
Adriano acordou bem descansado no sábado... às 11:00h. Ainda era um resquício de adolescência que lhe sobrava. Muitas vezes tinha aventuras (como a da noite passada) ou ia a baladas trajado como um jovem adulto e, no dia seguinte, acordava perto do meio dia.
Tomou seu café da manhã e ficou zanzando um pouco pela casa, ainda sem saber ao certo o que faria daquele sábado livre em São Paulo, sem trabalho, sem mulher.
Depois de fazer a digestão do farto café da manhã, foi à academia. A dedicação era tanta que não deixaria de treinar nem sábado ou domingo se houvesse oportunidade.
Ao sair da academia já passou no shopping Market Place e comeu no Outback, de onde aproveitou para ligar para Erica, justificando por que não havia podido atendê-la na véspera. Ficou perdido por alguns minutos, olhando vitrines e pessoas, ainda sem saber o que fazer com aquele dia livre. Talvez para pessoas tão ativas e intensas a liberdade seja um fardo. Nada lhe surgia à mente, nada de interessante, apenas os velhos programas maçantes de sempre. Pensou em ir a um parque, mas para quê? Não gostava de parques, nem de correr, nem de bicicletas. Não gostava de ler, não estudava nada, sua vida era a ação.
Passados estes instantes de hesitação, decidiu que tentaria contatar alguns amigos para assistir a algum filme. Mas Adriano era exigente. Queria ir ao Shopping Cidade Jardim. Ligou para alguns amigos e conseguiu recrutar dois, o Alexandre e o Rodrigo, e combinaram. Alexandre era casado com Cristiane, e Rodrigo era divorciado, da mesma forma que Adriano. O filme não importava muito, desde que prendesse a atenção, como dizia Adriano. Esse era um dos raros momentos em que ele não fazia questão de estar no controle.
“Escolham vocês e me liguem, eu encontro todo mundo lá”.
Assistiram a um filme de terror mediano, nada de espetacular nem instigante, apenas razoável. Acabado o filme foram jantar. Saíram do shopping e foram ao Boa, restaurante de comida contemporânea. E neste ritmo todos beberam sua caipirinha e animaram-se além do que era o planejado para aquela noite. Depois de terminada esta parte Alexandre e Cristiane foram para casa, mas Adriano e Rodrigo estavam com aquele olhar típico de quem vai contravir às expectativas de um final de sábado pacato e doméstico.
O instinto de aventura gritava nas mentes dos dois. Pensaram um pouco, nomearam alguns clubes noturnos e logo decidiram-se pelo The Creatures. Combinaram de voltar cada um para sua casa, aprontar-se e encontrar-se na porta. Ficava na Vila Olímpia o local.
Às 23:00h estavam eles lá. Entraram animados como adolescentes em noite de paquera. Sabe-se que sábado não é um bom dia para sair de balada em São Paulo, mas para quem trabalha sério não resta muita opção. Bancaram assim mesmo, sabendo que os frequentadores que encontrariam lá dentro não estariam de acordo com os padrões a que estavam habituados. Mas estava valendo.
Entraram. Música eletrônica, pessoas modernas, de várias idades, sempre tendenciosas, mas havia um quê de disfarce. Ninguém dali seria o que realmente era na vida do dia a dia. Era uma montagem de cena. A maioria das pessoas estava exageradamente arrumada, over mesmo. Roupas de marcas caras, adereços trendy e caros, bolsas fashion, tudo caríssimo. Adriano e Rodrigo, que justamente eram dos poucos que poderiam ser o que os outros fingiam ser, eles estavam trajados de modo extremamente casual.
Rodrigo estava vestido de forma bem simples: calça jeans, tênis e uma camiseta polo. Estava de cinto, tinha um relógio no pulso e uma correntinha no pescoço. Mas só. Tinha um corte de cabelo muito bem feito, nem demasiadamente stylish nem careta. Seu corpo também era trabalhado pela musculação, mas nada que se comparasse a Adriano. Não era exatamente feio, mas nada de especialmente atraente.
Rodrigo não deixava de ter seu charme, mas Adriano eclipsava-o totalmente. Quando Adriano entrava no ambiente, parecia que vários olhares se dirigiam a ele quase como por uma força magnética.
Aproximaram-se do bar para pedir um drink. Adriano pediu sua segunda caipirinha da noite. Procurava não beber muito para não estragar seus esforços na academia. Já Rodrigo mandava mais forte.
Ao voltarem em direção à pista de dança, já avistaram duas garotas solitárias, provavelmente amigas que tinham ido buscar diversão ali. Dispostas a tudo. Estas meninas do The Creatures não eram como moças da Berrini ou da academia. Estavam ali para o crime mesmo. Prontas para o bote. E já amaciadas pelo álcool. De alma molhada para a aventura.
Óbvio que os dois resolveram primeiro dar uma volta olímpica no lugar, checar muito bem todas as oportunidades e divertir-se bem primeiro. Passearam, dançaram, paqueraram muito. Este exercício de reafirmação de ego era especialmente prazeroso para Adriano. Ele adorava sentir-se paquerado, desejado, para ele esta parte era quase que mais importante que ficar com alguém e depois transar.
Todo este périplo inicial durou mais de uma hora. Talvez quase duas. A única coisa que se recusavam a fazer era o velho truque dos feinhos menos favorecidos de ficar perto da saída do banheiro feminino, à espreita para dar o bote. Não precisavam disso.
A maioria das meninas daqui estaria acima de uma nota cinco e algumas acima de oito, pensou Adriano para si mesmo. E riu sozinho: “Até aqui sou numérico, haha.” Por que motivo não são todas as mulheres assim? Comparando com a média das empresas, por exemplo. Avistou uma gatinha dançando, corpinho no jeito, vestida com um vestido azul escuro de tecido bem fino, mas levemente transparente, colado ao corpo. Bem curto nas pernas, mostrando as coxas carnudas, um cinto grosso evidenciava a cintura fina. Brincos de argola, bijuterias grandes, bem maquiada, sapato plataforma com um salto bem fino, e as mangas do vestido eram de renda transparente. As mangas longas davam-lhe uma aparência esvoaçante. Parecia uma pequena musa. Mas não era só ela, era um desfile de meninas lindas. “Aqui só tem filé”, pensava Adriano. “Melhor, pois eu dou conta tranquilo, eu também sou um gatão”. E ria-se por dentro. Sentia um prazer imenso nesta situação de tensão de paquera. De repente a menina do vestido azul olhou para ele. Começaram uma troca de olhares, ele já começava a ver se era correspondido, mas infelizmente a menina olhava e desviava. Sorriu uma certa hora, mas saiu da pista e foi para outro lugar, onde agarrou um cara e olhou de volta para Adriano, como que dizendo: “Pena, você chegou tarde”. Adriano pensou: “Que vagabunda, tá com o cara e sorri para mim, caraca”!
A tensão e adrenalina gostosa da paquera continuou por um tempo, mas logo Rodrigo queria mais uma caipirinha e começava a ficar meio chatinho, o que incomodava Adriano, que pensou: “Hora de resolver”. Ao caminhar em direção ao bar eis que encontram as duas meninas que haviam visto logo que haviam entrado. Ainda sozinhas? Que estranho! Não pegaram ninguém até agora? Ou já pegaram e já largaram? Adriano, que para estas horas era muito confiante, já foi se apresentando enquanto Rodrigo providenciava seu drink.
Ao retornar com o drink, encontrou Adriano conversando com Thaís e Renata.
“Thaís e Renata, este é o Rodrigo, meu amigo do qual falei. Rodrigo, esta é a Thaís e esta é a Renata”, já respeitando um antigo código que havia entre eles, que quando apresentassem duas meninas, ele falaria primeiro o nome daquela pela qual tinha se interessado mais.
Renata era mais cheinha, sem ser gorda, bem bonitinha de rosto, bem falante e desinibida. Parecia inteligente. E tinha uma virtude que a Rodrigo agradava imensamente – os seios fartos. Thaís, já mais recatada, era mais alta, séria, inteligente também mas menos comunicativa. Ou estava menos comunicativa aquele dia. Parecia ter um olhar levemente tristonho e vago. Mas era bonitinha, corpo bem feito, nada especial mas o suficiente para o que queria. Enfim, ambas eram apenas o suficiente para o que queriam.
Rodrigo ofereceu-se para pegar mais dois drinks, para as moças desta vez. Renata aceitou (parecia já estar mais alta também). Thaís recusou. Nesta hora o grupo se desfez.
Talvez pelo teor de álcool em ambos Rodrigo e Renata, poucos minutos depois já estavam se agarrando. Um amasso forte.
Adriano, mais lento e insidioso, não gosta de botes rápidos. Prefere seduzir lentamente como uma serpente, daí lhe vinha a sensação de poder. Enxergar nos olhos da “vítima” quase que um “pedido” para ser predada. E ele se evadia desta situação prolongando-a o mais possível. Parecia que o grande prazer de Adriano era muito mais o jogo narcisista de ser desejado que o atraco em si ou o sexo. Combinava com sua personalidade premeditada, narcisista, controladora.
A estas alturas o grupo já tinha se repartido. Rodrigo e Renata já estavam de saída, iriam pegar um táxi, pois Rodrigo não estava em condições de dirigir, por causa do bafômetro. Despediram-se.
Pouco depois Adriano e Thaís também se foram. Adriano podia dirigir sem problemas. O pouco que tinha bebido a estas alturas já estaria metabolizado. Repetiu-se a mesma cena da noite anterior, só que desta vez a moça foi guiando seu próprio carro até o apartamento de Adriano, estacionou na vaga de visitantes, e não houve jantares nem grandes preliminares. A coisa fluiu bem mais direta.
Logo após terminarem o que queriam fazer, Adriano levantou, a moça levantou, vestiu-se e falou que iria para casa. Estas meninas mais vagabundinhas de balada parecem estar acostumadas a isso. Fazem espontaneamente sem precisar pedir. Não pedem para dormir, já dão direto uma desculpa de que os pais estão esperando em casa, já se programam para ir embora sem mais delongas.
“Não é perigoso você ir sozinha a esta hora? Não quer ir de táxi? Eu chamo, é pela empresa”...
“Não se preocupe, estou acostumada, além do que moro muito perto, como disse. Moro aqui no Jardim Bonfiglioli”.
O máximo que Adriano fez foi vestir-se e acompanhar a moça até o carro. Sequer trocaram telefones.
Talvez tenha sido uma das primeiras vezes que uma mulher ficava com Adriano e deixava tão evidente que era um instinto apenas carnal. Adriano achava que isso seria quase impossível em mulheres e que, quando o faziam, seria apenas jogo ou fingimento para atrair e laçar a presa mais tarde. O intrincado estratagema feminino de conseguirem o que querem sem deixar transparecer, sempre dissimulando... Só que desta vez não havia dúvida! Por que motivo esta moça Thaís faria isso? Sequer pediu telefone! Nunca mais a veria!
Desta vez o predador foi a presa. Adriano sentiu-se como um objeto sexual. Um homem lindo e delicioso, carne de primeira. E só. Ele sabia que não era isso, tinha segurança que a ideia não procedia, conhecia seus valores, mas para a senhorita Thaís ele tinha sido só uma aventura, só carne. Thaís não tinha visto nele nenhuma qualidade. Não era exatamente que não tivesse visto, melhor, não tinha se interessado. Da mesma forma que ele mesmo por tantas vezes havia se deitado com tantas mulheres que não eram só bonitas, mas eram também inteligentes e com tantas virtudes a oferecer, não havia levado nada disto em consideração, desejando usufruir só da carne. Lembrou-se também dos deslizes perigosos que havia cometido na Hedge. Nada nunca havia sido comentado abertamente ou trazido à tona, mas Adriano tinha ficado com algumas mulheres da empresa. Havia um comentário a boca miúda que dizia que ele não deixava passar uma nova gatinha no pedaço.
E entre estes pensamentos lembrou-se de uma coisa que tinha passado despercebida! No anular da mão esquerda havia uma marca de anel! Aí estava a resposta! A moça devia ser casada e estava vivendo uma aventura extraconjugal com ele. Juntou algumas peças de reclamações dela sobre os homens em geral e cogitou ser a moça casada ou noiva e estar passando por uma crise com seu par. Daí vinha aquele olhar entristecido e vago de quando se conheceram dentro da balada. Adriano estava decepcionado. Não era nada comum levar uma machadada em seu ego, assim de forma tão frontal.
Murchou quietinho na cama e ficou remoendo as coisas que tinham acontecido. Talvez até com certo arrependimento pelas meninas que já tinha abatido de forma cruel, desconsiderando seus sentimentos. Só mesmo um golpe frontal para despertar um lado perceptivo e sagaz no autocentrado Adriano.
Vencido pelo vazio que já vinha começando a sentir mais consciente, pelo ritmo acelerado e tumultuado dos últimos dias, por estes pensamentos da noite que se acabava e pela própria exaustão física, adormeceu.
CAPÍTULO 5
O domingo já tinha amanhecido havia tempo.
Desta vez Adriano despertava à uma da tarde. Depois de uma balada forte, nada como recuperar-se. Sem nem café da manhã, resolveu pedir um beiruth delivery do Blooming em casa. Tampouco tinha disposição para academia hoje.
Assim que teve um lapso de disposição física, foi até a locadora.
Nenhum filme o atraía. Nenhum gênero. Não queria ver nada relacionado a drama, aventura, romance, mistério, policial, ação, terror, comédia, nada! As únicas coisas que o atraíam naquele momento eram filmes de ficção científica. Filmes que o transportassem para um mundo bem distante do seu, bem irreal, para não dar margem a recordar-se de um vazio estranho que lhe enchia o peito. Mundos irreais que o tirassem de sua rotina por algumas horas. Pegou dois. Viu o primeiro e depois desceu ao supermercado para fazer algumas compras essenciais para a semana. Aproveitou para apreciar o dia ensolarado, claro mas de temperatura amena que havia muito não se via em um mês de abril em SP.
Em um determinado momento sentou sobre a murada de um prédio numa rua semi-deserta de carros àquela hora e deixou o pensamento fluir. Tentava afastar pensamentos sobre trabalho, mulheres, academia, amigos e questionava-se, talvez pela primeira vez de forma consciente, o que lhe faltava. Devia ser o cansaço de tanta intensidade de vida. Curioso, nem mesmo a academia o seduzia hoje. Pareciam faltar-lhe forças à alma mesmo, mais que físicas.
Voltou para casa, passou umas duas horas em frente ao computador tentando preparar alguns itens para o treinamento marcado para a semana que entrava, mas assim que terminou de dar um outline muito superficial, encerrou. Já dominava este assunto de cor e salteado. E quanto a tarefas de trabalho nada de urgente havia para ser feito. Nada que não pudesse realizar durante a semana.
Pegou o segundo filme e viu-o tentando distrair-se – afastar o tédio que o consumia naquele domingo ocioso para um homem de ação. Logo após comeu algo leve que tinha em casa mesmo e preparou-se para dormir. Sim, era demasiado cedo. Apesar disso foi dormir, mais em função do tédio que em função do sono. Melhor assim. Uma boa noite de sono de domingo para segunda é um bom começo de semana.
CAPÍTULO 6
Início de segunda-feira e Adriano estava acabando de transferir sua apresentação para o pen drive quando Amanda veio dizer-lhe que todos já o aguardavam. Todo o Departamento de Investimentos o esperava para uma apresentação.
O Departamento crescia e tinha tido novas contratações, em função do bom momento financeiro que o Brasil vivia. Agora seria necessário mais pessoal para dar conta das tarefas. Novos prospectadores e captadores haviam sido contratados. Também novos assistentes de relacionamento com cliente. Ao mesmo tempo dois antigos funcionários haviam sido promovidos a gerência. Da mesma forma o departamento precisava disponibilizar mais especialistas em TI para este setor, e haviam sido contratados mais especialistas em tecnologia da informática. Todos estavam presentes no salão disponibilizado para este treinamento e confraternização.
Adriano começou, apresentou-se e apresentou a empresa. Apresentou-a com grande entusiasmo, mostrando que tinha orgulho da empresa onde trabalhava! Quando falava, parecia que levava a plateia em sua empolgação, despertando em todos uma motivação, uma felicidade por integrar um time tão especial como aquele, em uma empresa que ocupa posição importante no mercado de capitais do mundo, uma oportunidade para poucos. Falou que a empresa era excelente, tinha um padrão de qualidade fora de série, que existia um padrão gráfico determinado pelo marketing que dava uma cara única à empresa e aos documentos gerados por ela, padrão este representado nas cores e na formatação de tudo, até os móveis e salas tinham seu espaço e formato estudados. Parecia um torcedor orgulhoso de seu time.
Nesta hora a alma narcísica de Adriano se revelava transparentemente. Chegava a sorrir ao dizer, de forma convincente, como é bom trabalhar para a Hedge AG.
Felicitou os novos integrantes da equipe dando-lhes as boas vindas e parte para a introdução.
“Nosso departamento possui três áreas:
1. Área de Prospecção e Análise de Fundos (Fundos)
2. Área de Captação e Relacionamento com Clientes (Clientes)
3. Área de TI (TI)
A Área de Prospecção e Análise de Fundos tem a função de pesquisar no mercado financeiro as melhores opções de fundos, letras, ações, títulos, carteiras, previdências, seguros, enfim, todos os ativos conhecidos de vocês, que vêm na maioria da área de economia, administração, matemática, contabilidade e engenharia.
A Área de Captação e Relacionamento com Clientes vai atrás dos clientes, ou recepciona-os quando estes nos procuram, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Busca oferecer-lhes as melhores opções de aplicação, sempre seguindo um critério de adequabilidade ao cliente. Há todo tipo de cliente, desde os mais arrojados que estão dispostos a correr maiores riscos em troca da possibilidade de maiores ganhos, até aqueles que não podem prescindir do dinheiro que possuem e vão correr os menores riscos possíveis, em investimentos na maior parte conservadores. Em linhas gerais as pessoas jurídicas que não dependem daquele capital, já computado como lucro e que não está sendo reinvestido na empresa naquele momento, podem dar-se ao luxo de correr os maiores riscos, bastando para isso uma aprovação da diretoria. O mesmo pode ser dito de pessoas físicas que têm vasto patrimônio, podendo arriscar parte dele em investimento de alto risco. Já para empresas menores que podem precisar de liquidez ou contam com o capital para reintegrar seu capital de giro, ou para pessoas físicas que possuem uma última carteira de investimentos que os manterá até o final de suas vidas, as opções devem manter-se dentro de uma segurança bem razoável e calculada. É obvio que estamos lidando com mercado de capitais, o que sempre envolve risco, seja qual for: oscilações imprevisíveis de mercado, crises mundiais, quebras de bolsas ou moedas, enfim, coisas sobre as quais nosso outro Departamento de Macroeconomia estará sempre disposto a prestar-lhes todas as informações, esclarecimentos e projeções.
Não possuímos aqui dentro do departamento nenhum jurídico, auditoria, contabilidade, mas a empresa possui estes departamentos em outros setores, e qualquer dúvida podem contatá-los com aprovação de cada gerência.
Para os que ingressam nesta área vale lembrar que é necessário sempre deixar claro ao cliente a impossibilidade do risco zero.
Para os que ingressam na área de Prospecção e Análise de Fundos, recomendo astúcia, muito estudo e análise detalhista para não se deixarem levar por dados maquiados. Todos querem transformar seus produtos nas melhores pérolas do mercado, mas nós que temos já estrada e experiência sabemos que não é bem assim. Os que agora ingressam serão treinados pelos seus gestores para desmascarar as armadilhas mais frequentes e todos serão treinados por consultores especialmente contratados que estarão aqui, na quinta e na sexta desta semana, para conhecerem as “novas pegadinhas” ou “novas artimanhas” do mercado.
Finalmente quero lembrar a estas duas áreas em especial que não existe negócio perfeito, mas existe negócio bem feito. Para um determinado cliente escolhemos três fundos que talvez não sejam “exatamente” o que eles precisam, mas são a melhor opção naquele momento. E para os gestores de fundos a remuneração e forma de contratação que podemos oferecer, baseados nas condições do cliente, talvez não sejam “exatamente” a forma como eles quereriam vender o fundo deles, mas oferecemos o cliente que os quer comprar no momento. Ou seja, estamos na linha de fogo cruzado, pressionados pelos dois lados. Agiremos sempre como intermediários, tentando barganhar de um lado e de outro para se fechar um contrato. Ainda: para nós todos os clientes são importantes, mas cada gestor da área Clientes irá informar quais as contas fulcrais para nossa empresa, aquelas que não poderemos perder de forma nenhuma, quais são as contas que ainda não são nossas porém temos o máximo interesse em ter e quais os clientes problema. Para estes últimos em geral já temos uma série de estratégias para lidar com os percalços mais comuns que sobrevêm no decorrer do relacionamento da Hedge com eles.
Finalmente a Área de TI – É criação recente, pois agora temos uma área de TI exclusivamente alocada para nosso Departamento de Investimentos, ou seja, para as duas áreas citadas anteriormente temos o suporte de uma equipe de especialistas em TI já direcionados para nossas necessidades e aptos a lidar com nossos programas de visão e simulação de cenários. Os que agora ingressam serão treinados adequadamente pelos seus gestores e colegas.
Como o Departamento teve bom desempenho nos últimos três anos e vem crescendo muito, fizemos algumas contratações e tivemos duas promoções para posições anteriormente inexistentes.
Apresento a seguir o novo organograma:
O Diretor Geral de Operações sou eu mesmo, Adriano Sulzbach, e minha secretária é a Amanda.
Os três Gerentes da Área de Prospecção e Análise de Fundos são Otávio Ribeiro do Vale, cuja secretária é a Sônia, Mônica Barros, cuja secretária é a Silvia e Karl Ritter cuja secretária é a Andressa. O Karl foi o prospectador e analisador de fundos que teve o melhor desempenho nestes três anos, portanto foi promovido agora a gerente de área. Esta área passou de dezesseis a vinte prospectadores e analistas com as novas contratações.
Os três Gerentes da Área de Captação e Relacionamento com Clientes são Renato Saad, cuja secretária é a Ingrid, Michelle Monteiro, cuja secretária é a Letícia e Helena Correa do Lago, cuja secretária é a Eloísa. A Helena foi a gestora e captadora de clientes que obteve o melhor resultado nestes três anos, portanto foi promovida agora a gerente de área. Esta área passou de sete a dez captadores e assistentes com as novas contratações, porém já havíamos contratado duas pessoas há seis meses, pois a área já estava desfalcada. Agora acreditamos que o número de captadores e assistentes esteja suficiente.
A Área de TI para Investimentos continua tendo só um gerente, Thiago Kissakian, para quem agora foi contratada uma secretária, que é a Isabela. Com ele trabalham agora dez profissionais da área de informática, sendo que destes quatro são novas contratações e estão sendo treinados. Logo todos estarão prontos e preparados para prestar-lhes todo o apoio e auxílio e proporcionando ferramentas da mais alta tecnologia para fazer planilhas, gráficos, simulações e análises de que necessitem.
Agora passo a palavra ao Renato que dará continuidade às explicações. Entre hoje e quarta todos terão, seja treinamento para os novos, seja reciclagem para os que já estão aqui, com o Renato, com a Mônica e com o Tiago. Na quinta e na sexta serão treinados pelos nossos consultores externos.
Quero ainda frisar que a Hedge AG possui outros departamentos como auditoria, contabilidade, jurídico, consultoria, eventos, novos negócios, seguros, administração, e consultoria interna em macroeconomia, vocês irão conhecendo melhor a empresa com o tempo.
Agradeço sua atenção e desejo-lhes sorte em sua nova jornada”.
Finalizou seu speech e já retornava a sua sala quando Renato começou a falar, com o intuito de explicar mais pormenorizadamente o panorama geral que Adriano tinha apresentado. Para Amanda a voz de Renato traía algo de sub-reptício e mal-intencionado em sua personalidade, mas não sabia dizer o que, nem se era só implicância.
O treinamento duraria a semana inteira, mas a participação de Adriano estava finalizada. Voltou a sua sala após o almoço, passou a tarde resolvendo algumas negociações de maior porte e algumas decisões importantes, foi para a academia e depois para casa, onde Erica já o esperava para o jantar.
“Como foi o congresso?”
E enquanto Erica narrava com detalhes e de forma entusiasmada tudo o que havia acontecido, Adriano fazia sua tarefa usual de ir reunindo os ingredientes, preparando-os, pegando os utensílios e preparando a cena ritualística do jantar. Mas nesta situação a coisa já era diferente. Com Erica era apenas um jantar, sem sedução. Adriano não usava de seus dons “mágicos” para seduzir uma presa, era apenas o preparo de um jantar nutritivo. Fazia isto de forma desinteressada, desatenta, quase mecânica, da mesma forma como escutava a narrativa de Erica: de forma desinteressada e desatenta.
Erica, por outro lado, além de fazer um relato interessado e animado do evento do qual tinha participado, ao final começou a fazer perguntas pertinentes e interessadas sobre as mudanças que sabia que tinham ocorrido na Hedge. Perguntou quem eram agora os dois novos gerentes (apesar de Adriano já lhe ter dito anteriormente), perguntou quantas novas admissões tinham sido feitas, perguntou sobre as pessoas, quantos homens, quantas mulheres, como eram, se haveria alguma mudança nos procedimentos e nos programas de gestão, captação, simulação, etc.
“Porra Erica, você parece mais interessada que eu nesses detalhes! Eu tenho isso por escrito, mas detalhes de nomes e pormenores de programas estão nos arquivos da empresa, teria que consultar ou perguntar a um dos gestores diretamente! Sei dizer que o Karl e a Helena foram promovidos e foram contratadas 16 pessoas para os três setores, mas os nomes eu ainda não sei... Te passo minha apresentação com o organograma depois”! E deu uma risada alta.
Adriano pensou consigo mesmo que focava no que era grande, no Big Money, nos clientes importantes, nas perspectivas de direção da empresa (afinal ele administrava tudo). Mas para ser sincero falava só com os gerentes e ignorava os subalternos. Exceto as gatas, claro. Quanto a pormenores de desenvolvimento de metas e de funcionamento de ferramentas de informática, isto ele deixava aos “braçais”. Até achou meio exagerada a empolgação de Erica. Por que motivo se interessava tanto?
Comeram juntos falando de outros assuntos e logo foram dormir. Agora sim mostra-se um outro Adriano. Depois de o quê? Sete? Oito anos de relacionamento, o interesse sexual e o entusiasmo com o qual Adriano tocava Erica era decepcionante. Não havia empolgação. Ambos despiam-se de forma inocente como crianças preparando-se para dormir. Tocavam-se sem muita emoção, com poucos beijos desinteressados, Adriano ficava ereto quase que como por obrigação (aliás, algumas vezes nem ficava ereto ou demorava a conseguir a ereção com Erica, o que era constrangedor e dava um diagnóstico da relação), Adriano penetrava Erica de forma mecânica, fazia seus movimentos de vai e vem como se estivesse transando com uma boneca de plástico, ao que Erica retribuía com um fingimento de prazer. Ambos chegavam ao clímax (se é que se pode chamar isto de clímax) como uma outra tarefa. Não havia a vibração da conquista, da sedução, do desempenho. Uma transa muito xoxa. Mecânica. De ambas as partes. Apenas para iniciar o sono.
Bem, com Erica pelo menos ele dormia junto.
PARTE B
CAPÍTULO 7
Na empresa as coisas começariam a tomar novos ares. O número de pessoas no Departamento havia subido de 40 para 56. Dezesseis novas pessoas mudam um ambiente. Mudam o espaço físico, mudam os relacionamentos, há um clima de tensão inicial.
Fora que antes havia cinco gerentes e agora havia sete. Isto aumentaria a competição com certeza. Funcionários que antes respondiam a uma pessoa passam a responder a outra, novas relações e laços se criam, tudo isso vai gerando tensão até se resolver e entrar em um novo tênue equilíbrio, como costuma ser o equilíbrio nas empresas.
Mas velhos padrões tendem a manter-se. Em primeiro lugar uma competição tácita entre as mulheres sobre quem já tinha ficado com Adriano e quem não. Em geral bastaria uma análise estética, as gatas sim, as outras não. Porém nenhuma se atrevia a dizer uma palavra. Não queriam dizer por um lado, explicitamente, mas no fundo desejavam sim ostentar isto como um troféu em seu currículo. Isto incluía não só as mulheres do próprio departamento como de outros departamentos da empresa, de outras empresas do prédio, etc. Nada era dito às claras, mas havia um certo sorriso malicioso trocado entre duas funcionárias quando alguma garota passava (principalmente se fosse de outro departamento ou empresa). Como se dissessem sem dizer: “Aquela ali ó... hm hm”...
No dia da apresentação dos novos, a uma certa hora Marina virou-se para Leda e disse:
“Aquela ali ó”... Referindo-se a Vanessa.
“E mais de uma vez”, acrescentou Leda rindo.
Dentre os gerentes Helena, Michelle, Otávio, Karl e Thiago pareciam dar-se muito bem. Formavam uma turminha. Renato e Mônica eram um pouco excluídos.
Esta turminha também gerava comentários. Mesmo antes das duas promoções, os cinco sempre andavam juntos, eram a aristocracia da empresa, que junto com seus asseclas criavam uma panelinha que incomodava a alguns. No próprio dia da apresentação Vanessa tinha comentado sobre a cara de felicidade de Helena ao ser promovida oficialmente. E quando comentou deixou escapar um tom de inveja e indignação. Esperava ser ela, Vanessa, a promovida.
Entre os prospectadores e assistentes havia aqueles que eram os mais populares, como em qualquer empresa, e aqueles menos cotados. Os mais desinibidos e sociáveis e aqueles mais fechados.
Como em toda empresa há as garotas bonitas e as tais “gordinhas da empresa” (o mundo corporativo definitivamente não favorece o metabolismo feminino, em virtude do hábito sedentário).
Como em toda empresa há os gatos do pedaço e os feinhos. Enfim, trivialidades.
A religião era também um outro divisor de águas entre o, digamos, baixo clero, pois os evangélicos formavam grupo à parte e reuniam-se na clausura de sua crença, colocando-se à parte dos demais. Mesmo assim, estes eram poucos, não passavam de cinco ou seis pessoas, pois uma empresa que opera com este tipo de atividade não combina muito com a orientação religiosa em questão.
Dentro ainda do quadro da religião, alguns seguidores da nova modinha de ateísmo (que surgiu recentemente e anda se disseminando pela internet) humilhavam veladamente os evangélicos como sendo burrinhos ou incultos, rindo-se deles por levarem ao pé da letra aquele “livro embolorado de mitos pré-históricos”.
Da mesma forma que a orientação religiosa servia de divisor de águas, o comportamento nerd do pessoal de TI também os isolava um pouco, exceto por seu gerente, o Thiago, que possuía um savoir faire e desenvoltura social que lhe dava acesso às outras pessoas mais desinibidas, que não viviam de piadinhas cibernéticas e joguinhos eletrônicos. Parecia também que outros integrantes e novatos ali também eram mais sociáveis, entre os quais mereceriam menção Alexei, Rafael, Luiz, Priscila e Giovanna (as duas únicas mulheres do TI). Aliás, a predominância de homens no TI compensava a predominância de mulheres como secretárias e o time ficava bem equilibrado como um todo.
Mas sempre ficava claro que o contato de Adriano dava-se quase só com Amanda e os gerentes. Não falava com prospectadores, assistentes e pessoal de TI a não ser em necessidade, brevemente e com uma distância intergaláctica. Era visto como muito antipático.
Porém hoje Adriano olhava para este novo salão ampliado (uma nova ala do prédio havia sido alocada para Investimentos), este novo timão, ampliado, graças a sua boa gestão, e sentia-se muito orgulhoso. Uma das poucas vezes em que seu triunfo não era egoísta era nesta situação. Ali o triunfo era coletivo.
Depois de mais algumas horas de trabalho em sua sala, depois de receber mais algum cliente e contente com tudo estar correndo bem, percebe que a hora já chega e sai para sua infalível academia, deixando alguns pouquíssimos sobreviventes à jornada.
Fez seu treino da maneira usual. Não fazia muito exercício aeróbico. Muitas vezes já chegava e partia para o treino direto. Hoje era treino de Costas e Bíceps. Terminado o treino, Adriano em geral ia embora direto para casa e tomava banho lá, mas como hoje pretendia passar no shopping para comprar algumas coisas, tinha levado sua toalha e tomou banho.
A academia já estava vazia, pois já passavam de nove da noite. Saindo do chuveiro e enxugando-se distraído, seu olhar flutuante pairou sobre um rapaz que estava se enxugando a seu lado. Olhava para ele e voltava a pensar nas coisas que pretendia comprar no shopping, ensimesmado que estava. Subitamente percebia-se olhando para o rapaz novamente. Achou até estranho isto. Quando se deu conta de que estava fazendo isto pela terceira vez perguntou-se o que lhe chamava a atenção. E logo lhe veio a resposta. Percebia que o rapaz era extremamente atraente. Tinha um corpo pronunciadamente musculoso, fruto de anos de trabalho em academia (deveria ser), aliado a um rosto expressivamente bonito. Ombros largos, peitorais bem salientes, braços imensamente grossos, ventre íngreme, porém sem o tanquinho (mas definitivamente magro), bumbum farto, redondo e empinadinho que já continuava para as coxas grossas e pernas na medida. Tudo isto completado por boa distribuição de pelinhos finos, lisos e escuros, desde o peitoral até o baixo ventre, incluindo pernas e antebraços. Um rapaz mais baixo que ele Adriano (deveria ter por volta de 1,80m) e mais jovem (cerca de 30).
Mas de tudo aquilo o que mais chamava a atenção era o peitoral imenso. O quanto se precisa treinar para ter um peitoral tão pronunciado e projetado para a frente, um pouco arrebitado para cima e um pouco formando um volume para o lado que quase cobria a axila?
O olhar de Adriano era de espanto, pois o rapaz estava nitidamente desconfortável. Quando Adriano percebeu o que estava fazendo tratou de finalizar rapidamente e sair do vestiário.
Ainda a caminho do shopping vinha-lhe à mente a imagem do rapaz, e Adriano perguntava-se o que lhe intrigava, se tinha inveja (o esplendoroso Adriano teria inveja de alguém?), se estava se comparando – e logo lhe ocorria a ideia de que não possuía peitorais tão grandes e trabalhados como os do rapaz, e tentava confortar-se na ideia de que não seria seu tipo físico, pois era mais alto... Mas o que seria tão intrigante?
Foi então que caiu a ficha. Lembrou! Era um dos prospectadores ou assistentes da Hedge. Sim! Claro! Por isso lhe parecia familiar. Mas como assim? Seria dos novos? Não, pois não teria parecido familiar se fosse dos novos, era a primeira semana dos novos. Deveria ser alguém um pouco mais antigo, que já houvesse cruzado nos corredores e visto nos seminários e apresentações. “Que pouco caso”! Pensou alto e deu risada “Não conheço meus funcionários”! E logo se esqueceu do assunto e continuou rumo ao shopping.
CAPÍTULO 8
Nesta segunda feira depois da primeira semana de integração, os espaços físicos já estavam melhor ajeitados, os computadores já bem colocados, os funcionários bem situados em suas estações de trabalho e mais familiarizados uns com os outros, sabendo quem é quem (dentre os importantes pelo menos) e começando a travar seus novos laços iniciais para ficarem menos perdidos.
“Cecília, para qual impressora mando este documento”? Justo para quem a Cleide foi perguntar! Nova no pedaço, não sabia ainda que Cecília era uma pessoa de difícil relacionamento, tratava a todos com ordens e muito pouca educação. Recebeu instruções malcriadas...
“Márcio, podemos trocar de lugar, assim eu fico mais perto do Cláudio, que ele tá me passando as coisas”?
Já saíam para o almoço em grupos mais ou menos estabelecidos (na verdade já havia grupos antes, os 16 que entraram só se somaram aos grupos pré-existentes) e começavam a parecer menos ETs solitários perdidos e mais colegas naquele clima de panelinhas de ensino secundário. Bem, pois é esse mesmo o clima das empresas não?
Na verdade o treinamento continuava de modo informal, apenas os novos funcionários iriam continuar a aprender com a experiência, assistidos pelos mais antigos de casa. Com este porte de colaboradores já é possível que aconteça assim.
Por outro lado, tanto em Fundos quanto em Clientes, começava a evidenciar-se uma disputa de espaço entre os novos gerentes. Em cada área havia dois gerentes e passou a haver três. Também nada mais natural. É o que Adriano espera – competição. A competição entre Helena e Michelle era bem mais light que aquela entre Karl e Mônica, pois Mônica não fazia parte da panelinha dos cinco – Helena, Michelle, Otávio, Karl e Tiago.
Até aí nada de extraordinário. E é neste clima de novidade banal, com um quê de novidade, que vai transcorrendo o dia, até que a um certo ponto toca o ramal de Sílvia, que prontamente diz: “Ok Amanda”, e em seguida: “Mônica, o Dr Adriano quer vê-la em sua sala agora, com os papéis da Hekzon”.
Era como se soasse o alarme. Quando Adriano chamava alguém em sua sala assim de repente, sem marcar e pedindo que levasse algo, todos ficavam eriçados, à espera de alguma coisa grande, poderia ser boa ou ruim.
Mônica começa a juntar papéis aleatoriamente, de forma extremamente nervosa, chega a derrubar alguns no chão, vai e volta várias vezes para pegar mais alguma coisa, deixando quem a vê bastante impressionado. Quando finalmente fez que ia, Sílvia ainda chamou-lhe a atenção: “Não vai levar justo os contatos e histórico da Hekzon?” - “Ah, claro”!
Mônica deve ter passado umas duas horas com Adriano. A sala de Adriano era afastada, nunca ninguém, a não ser Amanda, saberia o que ocorre lá dentro, mas certamente não era coisa boa. Adriano não era homem de gritar, nunca ninguém soubera de qualquer relato em que ele gritasse com alguém, nem tivesse má conduta profissional de repreender alguém diante de outras pessoas (seu mau gênio costumava manifestar-se em questões nada profissionais, no mau trato a gente de estrato social inferior, mas nunca má conduta profissional), porém sabia-se que quando descobria um erro ou quando repreendia uma pessoa fazia-o de forma muito assertiva e muito humilhante.
Bem, dito e feito, Mônica saiu da sala de Adriano com uma cara horrível, parecia que tinha chorado muito. Isto logo se confirmou, pois em alguns instantes começou a chorar de novo, disse a Sílvia que estava indo embora e que anotasse os recados, que amanhã daria continuidade às pendências. Sílvia perguntou se poderia ajudar, Mônica disse que não. Saiu esquivando-se do olhar de todos, mas era inevitável. Até ela, Mônica, não exatamente a pessoa mais apreciada da empresa, inspirou piedade em muitos naquele momento. Uma cena chocante.
Mais chocante ainda foi ver Adriano sair de sua sala minutos depois para falar no mais calmo dos tons com Michelle e Renato e depois receber um cliente com toda a calma e cordialidade no hall.
O final da tarde e a noite não seriam, certamente, nada agradáveis para Mônica. Para Adriano, por outro lado, nada de novo. Ele parecia não se abalar. Simplesmente tocava adiante sua vida. Na hora que lhe conveio saiu da empresa e foi a sua academia como de costume, de novo com o intuito de sair da academia e não ir direto para casa.
Mais uma vez, por coincidência, ao sair do chuveiro para secar-se, encontrou o seu recente conhecido da academia e da Hedge secando-se ali no vestiário. Desta vez não exatamente ao lado, mas um pouco mais distantes, seus lockers desta vez estavam mais afastados, de quina. O olhar de Adriano novamente escapava furtivamente para inspecionar o rapaz, que estava de perfil. Não olhava fixamente para ele, mas de quando em quando desviava seu olhar para aquela direção e, logo após, percebia seu gesto e recompunha-se. O desconforto do rapaz era nítido. Estava óbvio para o rapaz que havia sido notado e reconhecido. Mais que isso, escaneado. Desta vez Adriano teve alguns instantes em que olhou fixamente para o peitoral do moço, um olhar de trena de construção, em centímetros e inches. O rapaz chegava a corar e olhar para baixo. Agora estava claro para ambos que se conheciam e de onde.
A um dado momento, já no final, ambos já vestidos e prontos para deixar o vestiário, o rapaz tomou a iniciativa de vir falar com Adriano. Mal abriu a boca para dizer:
“Você não é o”...
“Sim, sou o Adriano, Diretor do Departamento de investimentos da Hedge, boa noite”.
E retirou-se sem mais. Achou muita impertinência do menino ir falar diretamente com um diretor, ainda por cima chamando-o de “você”. Já não era seu costume falar com staff abaixo de gerência, ainda menos vontade tinha de entabular conversação com alguém do trabalho em ambiente de academia. Não quis dar chance de maiores aproximações já cortando o mal pela raiz. Foi extremamente antipático, claro, mas como haveria de não o ser? Já era seu jeito, e ainda por cima nesta circunstância.
O garoto ficou ali parado emudecido, ainda muitos minutos lhe faltariam até que ficasse ofendido e humilhado. Coisas de um rapaz ainda profissionalmente imaturo, que não tinha percebido a impropriedade da postura profissional e não sabia neste ponto de inexperiência de vida reconhecer um diretor arrogante e inatingível.
Tampouco teve um final de tarde ou uma noite agradável.
Adriano como sempre impassível. Saiu e foi fazer suas coisas. Mas de novo, por incrível que pudesse parecer, a figura daquele rapazinho não lhe saía da cabeça, e embora os motivos desta ideia fixa ainda não estivessem claros, agora já percebia qual imagem do rapaz lhe vinha à cabeça: era a do corpo perfeito. Outra coisa agora lhe chamava a atenção: o rapaz, além de imaturo, sem postura profissional e sem muita noção de conveniência, era também extremamente tímido. Seu olhar não traía uma reverência ao chefe dos chefes, mas uma timidez que deveria demonstrar em outras situações. Por isso talvez tivesse esta profissão em que mexia muito com gráficos e planilhas, relacionando-se mais com o computador que com pessoas. Este pensamento deu a Adriano um ligeiro, mínimo sentimento de culpa e piedade, até onde o coração dele alcançava.
CAPÍTULO 9
Dia seguinte foi a vez de Mônica. Entrou na empresa cabisbaixa e circunspecta, porém recomposta e decidida. Chamou um de seus prospectadores, Alessio, em sua sala e teve uma conversa visivelmente tensa. Mostraram-se tabelas, planilhas, Alessio ficou alterado, parecia até mesmo levantar a voz, ao que Mônica correspondia com o mesmo tom. A sala de Mônica era menos hermética que a de Adriano. E Sílvia seria certamente menos discreta que Amanda.
Em menos de uma hora Alessio se retirou da empresa e Mônica passou um comunicado dizendo que o colaborador Alessio não mais fazia parte do time. Isto veio para espanto de todos, pois era funcionário antigo e eficiente! E pior de tudo, nas empresas que lidam com investimentos e valores, as demissões são sumárias e até certo ponto violentas. Para prevenir que dados sigilosos vazem, não é permitido aos funcionários comuns o uso de pen-drives, mídias de qualquer sorte, nem mesmo celulares que possam transmitir dados. Da mesma forma, quando um funcionário é demitido, ele é convidado a retirar-se imediatamente da empresa, reúne seus pertences pessoais e retira-se abruptamente sem mais ter acesso a emails, computador, etc. Em suma, ele é enxotado imediatamente da empresa, embora todos os encargos trabalhistas sejam pagos de forma correta e até recebe uma boa indenização, para evitar problemas. É uma forma meio brutal de demitir alguém, mas é assim que funciona.
Seja como for, ninguém entendeu nada.
Na hora do almoço Mônica saiu para almoçar junto com Luiz, o que não era uma cena infrequente, dado que se suspeitava na empresa que tinham algum tipo de relação. Luiz era um dos assessores da área de TI. Deveria estar indo dar seu apoio moral na hora difícil.
Da mesma forma Silvia e Rafael foram vistos saírem juntos para o almoço. Sílvia secretária de Mônica e Rafael mais um assessor do TI.
O dia transcorreu sem mais novidades e o ambiente tenso que tinha ficado pairando no ar desde a véspera pareceu dispersar-se até o final do dia.
A rádio peão nas empresas é, porém, infalível. No espaço de algum tempo já viriam à tona várias versões do que havia acontecido. Seria só questão de esperar. Na verdade o que costuma acontecer é que surgem várias versões parciais e incompletas, mas juntando-se tudo (se alguém pudesse fazer isso), chegaríamos a um quadro verossímil.
No dia seguinte, chegada a hora do almoço, começou aquela usual troca de convites para saber quem quer ir almoçar com quem. Entre estes grupinhos novos e aqueles já mais antigos que saem juntos para o almoço, Carolina, uma antiga funcionária de Clientes, chamou Bruno para almoçar em um restaurante por kilo da região. Bruno era um dos gatos cobiçado da empresa. Aliás, tratava-se daquele rapaz que Adriano havia visto na academia, funcionário antigo mas não tanto, também da área de Clientes. Carolina e Bruno já eram próximos desde o dia em que Bruno entrou na empresa, havia mais ou menos oito meses, em uma contratação menor que a empresa precisou fazer. Junto com os dois foram Rafael do TI, que na véspera havia almoçado com Sílvia, e Gustavo, um funcionário também antigo, só que de Fundos.
O papo foi e voltou até que chegou na pergunta inevitável, que foi Carolina que fez. O que teria acontecido com Mônica e Alessio? Carolina soltou esta observação disfarçadamente desinteressada, mas foi na verdade premeditada. Sabia que Sílvia é língua de trapo, teria comentado com Rafael, só não tinha certeza se Rafael contaria hoje aos outros três o que tinha certamente ouvido. Mas o tiro de Carolina foi certeiro:
Rafael começou a desviar o olhar, o assunto persistiu com suposições por parte dos outros três, até que ele, Rafael, não se aguentou. Não haveria muito dano em contar, cogitou ele, porque o assunto seria conhecido mais hora menos hora, além do que, Mônica não era exatamente a pessoa mais querida da empresa, não seria pecado mortal expor o evento:
“Não sei se deveria contar isso” – começou com uma voz e olhar culpado – “mas a Sílvia me contou ontem. A Mônica fez um erro um pouco grande neste último ano e pouco. Um erro de projeção contra o contrato com a Hekzon. A ferramenta de projeção de simulações usada para este tipo de caso e fundos, que foi a ferramenta usada para o caso da Hekzon, foi alterada há pouco mais de um ano. O Alessio fez o cálculo de rentabilidade com base na ferramenta já nova, uns 13 meses atrás. O contrato foi montado com base nesta ferramenta. Esta ferramenta forneceria um percentual ligeiramente menor de lucro para a Hekzon, e uma remuneração ligeiramente maior de honorários para a Hedge. Só que a a Mônica se enganou, provavelmente em um dia que o programa deu pau, e voltou a calcular o desempenho do fundo, para a Hekzon, com base na ferramenta antiga, que dava maior lucro para a Hekzon e menores honorários para a Hedge. O cliente, no caso a Hekzon, era posicionado mensalmente sobre seus investimentos.
Ontem, alguém que não sabemos quem é, percebeu o erro de Mônica e comunicou ao Adriano, que foi averiguar. A diferença entre o que se haveria de pagar pelo contrato e o que foi aferido no final do período chega a uns R$ 900.000,00. A Hedge não pode negar-se a pagar a diferença, pois comunicou mensalmente rentabilidade diferente do que deveria ser pelo contrato inicial. O Adriano deu uma chamada na Mônica, que deve ter sido forte, e a Mônica responsabilizou o Alessio por não ter acompanhado. Se formos pensar com justiça, a culpa é muito mais da Mônica que não acompanhou os informes e não percebeu o erro, pois é a gerência de Fundos que fala com a gerência de Clientes. O Alessio não sabe o que está sendo comunicado ao cliente nem tem obrigação de corrigir qual programa de rentabilidade foi contratado com o cliente, pois ele é da turma de análise de fundos, a responsabilidade dele para por aí, não vai até o relacionamento com o cliente. Mas sabe como é, a corda arrebenta do lado mais fraco.”
Agora estava mais ou menos explicado. Gustavo ainda foi mais longe e perguntou a Rafael que tipo de relacionamento Mônica tem com Luiz (colega deles no TI).
“Ah, isso ninguém sabe ao certo. Eles se falam muito, sempre saem para almoçar, vemos que a Sílvia sempre chama o Luiz pelo ramal, mas ninguém sabe o que rola ali... E o Luiz é fechado, nunca fala nada nem com a gente, até parece que não é nosso colega de área”.
“É, o Luiz é meio estranho mesmo, até com a gente. Nunca conversa muito, muito geek demais, dele nunca saberemos nada – disse rindo”.
Por ora era o que se podia saber. O baixo clero não tem acesso a detalhes.
Satisfeitos todos com o que lhes cabia conhecer, o assunto enveredou por outros tópicos.
Tinham já terminado sua comida e estavam por levantar-se para pegar a sobremesa quando apareceu uma mulher baixinha, gordinha e loira e exclamou:
“Olha quem eu encontro por aqui!”
Tratava-se de Giselle, ex-funcionária da empresa. De todos ali presentes, só Bruno e Giselle não se conheciam. Bruno havia entrado após a saída de Giselle.
“Já comeram a sobremesa? Então vamos comer juntos, se não estiverem já saindo!”
Os que comiam sobremesa serviram-se e ao final sentaram-se todos de novo à mesa. Agora cinco. Logo depois de algumas notas introdutórias, perguntaram a Giselle onde estava trabalhando agora. Ela explicou brevemente e logo Carolina não resistiu e soltou:
“Você não sabe o que acaba de acontecer ontem e hoje!”
Carolina sabia que Giselle e Mônica eram inimigas à época em que Giselle estava na empresa. Giselle quis saber e Carolina contou o ocorrido com detalhes. Giselle disse que não se espantava nem um pouco.
“Olha, eu sei que para vocês pode parecer muito absurdo, mas quando eu trabalhava na Hedge percebia que tinha algo muito errado naquela empresa. Nunca nada ocorreu comigo, mas tem gente lá dentro que faz muita coisa errada e outros que sabem demais. Mas por incrível que pareça tenho a nítida impressão que nem o Adriano nem a matriz em Frankfurt têm a menor ideia de todos esses podres.
Eu saí de lá por outros motivos, recebi uma oferta de trabalho melhor, estou bem onde estou e não me arrependo. Mas quando eu estava lá dentro percebia algo de podre no reino da Dinamarca, apesar de não saber exatamente o quê. Não sei quem estaria envolvido diretamente e quem só sabe demais. Mas vocês estão trabalhando em um ninho de serpentes, cuidado hein pessoal”!
Bruno, mais inocente e mais novo na empresa não resistiu:
“Mas o que exatamente você quer dizer com algo muito errado? Quem são as pessoas de quem você desconfia”?
“Bruninho, para o seu bem, melhor não saber. Faça seu trabalho bem feitinho, ganhe seu salário por ele, cumpra a sua parte e deixe os meandros turvos por lá dentro mesmo. Não os carregue para fora da empresa, para o seu bem – é o conselho que te dou.”
Para Bruno tudo isto parecia muito novo e instigante. Um rapaz de família simples de Ribeirão Preto, economista formado pela USP, tendo passado parte de sua vida no mundo acadêmico e outra parte em empresas de pequeno porte onde nada de muito excitante acontece, tudo isto parecia muito vibrante. E para completar todo este cenário, havia em sua cabeça a figura fascinante de Adriano. Não podia negar que estava encantado com seu diretor, aquele ser intangível que lhe havia lançado aqueles olhares lascivos na academia. Bruno tinha em sua fantasia que Adriano o havia olhado de uma maneira que traía um desejo reprimido. Mas agora já não saberia dizer se não poderia acessar Adriano, nem para uma conversa trivial, porque Adriano não convivia muito bem com este desejo (que Bruno somente suspeitava que havia, ele não estava seguro que fosse exatamente isso) ou se por ser um funcionário subalterno.
Frente a tantos dados extremamente sedutores sobre a empresa e Adriano, a tarde transcorreu rotineira.
No final da tarde porém encontram-se de novo Bruno e Adriano na Academia. Agora que já se conheciam, mesmo durante o treino trocavam olhares clandestinos um com o outro, nunca se encarando diretamente. Era como se um quisesse conferir a cada momento onde o outro estava. Não se aventuravam, porém, a trocar qualquer expressão, sorriso, cumprimento que fosse. Mais: Bruno tinha uma postura de subserviência e culpa. Culpa por sentir que havia sido precipitado ao acessar seu diretor no vestiário, ambos seminus, daquela forma. E subserviência porque era seu caráter mesmo, era um rapaz já meio tímido, um pouco inseguro, isto já era dele.
Limitava-se a contemplar seu novo ídolo de longe, só olhando-o furtivamente quando aquele não estivesse prestando atenção, e se fosse flagrado olhando desviava o olhar rapidamente e de forma submissa e amedrontada. Um olhar sempre cabisbaixo e quase ofendido.
Depois daquilo cada um iria para sua casa, Bruno para jantar e dormir sozinho e Adriano para mais um daqueles jantares e noites sem sal ao lado de Erica.
CAPÍTULO 10
“Dona Erica, é de Belo Horizonte para a Senhora”.
Erica atendeu e começou a finalizar um negócio que havia sido iniciado no congresso. Erica morava em Moema, mas estava falando agora de seu ateliê na Lapa, onde produzia suas peças. Só produzia peças de tecido, e para isso contava com um time de costureiras bolivianas ilegalmente contratadas e extremamente mal remuneradas. Tinha ainda o suporte de um estilista que desenhava suas peças, sob o comando dela própria. Não produzia peças como cintos, sapatos ou bolsas, mas os comprava na 25 de março e revendia.
Para esta loja de BH ela tinha fechado uma venda de 200 peças da coleção nova, e tinha ficado pendente se a loja quereria mais um outro modelo que havia sido mostrado lá no congresso.
“Ok, o preço está fechado então, é o que combinamos”.
...
“É, mantenho a forma de pagamento, posso faturar sim em três vezes para 30, 60 e 90 dias”.
...
“Ah, o outro modelo que gostou? É o mesmo preço, mesmas condições”.
...
“Coleção passada? Não, todas são peças novas. Se eu falei devo ter-me referido a alguma outra peça, e nos enganamos, querida”.
...
“Não, tenho certeza que não posso ter dito isso, acho que tinha tanta peça em cima do balcão que ficou alguma coisa mal entendida. Mas para compensar o mal entendido posso dar um desconto de 10% se fechar em 200 peças também”.
...
“Imagine, minha flor, acho ótimo que a gente comece uma parceria, quero ter vocês sempre como clientes, é uma parceria muito interessante para nós duas”.
Beatriz sabia bem do que se tratava. Érica tinha vendido um lote de 200 peças da coleção nova e apresentado junto com ele algum modelo de coleção passada que estava encalhado em estoque. Estava empurrando 200 peças de coleção passada junto com a venda das peças novas. A compradora da loja de BH se confundiu no meio da negociação por telefone e caiu na lábia de Erica.
Beatriz sabia que Erica não se atreveria a vender peças de coleções passadas como sendo novas para lojas do eixo Rio-São Paulo, pois iria se queimar. Mas quando eram lugares distantes (BH ainda era menos, a coisa era feia mesmo quando vendia para o Nordeste ou Centro-Oeste) Erica mentia deslavadamente. O mesmo para as tranqueiras de sapatos e bolsas que comprava na 25, nas quais estampava sua logo e remetia ao Nordeste a 400% do preço, pois sabia que estes estabelecimentos particulares, se não fizessem parte de cadeias nacionais de lojas, dificilmente descobririam o embuste. Quando se tratava de cadeia nacional ou loja do eixo Rio-São Paulo ela jamais se atreveria.
Logo depois atendeu Adriano ao telefone e deu-lhe uma desculpa de por que não poderia sair com ele nesta noite de quinta.
“Pois é Adriano, hoje terei que ficar até mais tarde porque o estilista vem resolver um novo modelo e temos que estar aqui quando todos já se forma, para termos mais concentração”.
...
“Ah, então bateu, se você também não pode hoje, estamos combinando. Nos vemos amanhã acho, então”.
...
“Outro pra você meu lindo”.
Outra mentira que Beatriz flagrava. Sabia que não vinha estilista nenhum hoje.
Na Hedge outro dia normal, exceto que haveria a comemoração de aniversário de Otávio. Era esta a desculpa que Adriano havia alegado para não encontrar Erica – que em dia de comemoração as coisas se estendem até mais tarde. Isto bem era verdade, mas não era este o motivo que Adriano tinha em mente quando deu a desculpa de por que não poderia encontrar-se com Erica. Ele pretendia, depois da comemoração e da academia, ir encontrar uma moça que havia começado a conversar por internet. Adriano não gostava de conhecer gente pela internet, achava que muito raramente seriam pessoas realmente interessantes. As interessantes estão nas ruas, academias, festas, baladas ou em qualquer lugar. Mas esta lhe havia chamado a atenção e queria confirmar. Não era bobo, porém. Não a chamou direto para seu apartamento. O primeiro encontro seria só um jantarzinho rápido em um restaurante.
A comemoração começou. Adriano estava presente. Fenômeno raro, Adriano só comparecia a festas de empresa quando tinham significado para a empresa – normalmente o significado de se impor e mostrar qual seu papel de supervisor do time. Também comparecia aos aniversários da gerência e ao de Amanda. Só. Da mesma forma os gerentes só compareciam a aniversários de seus subordinados, os outros gerentes estavam implicitamente liberados. Lá era tudo assim, hierarquizado. Foi esta regra implícita que Bruno não havia entendido ao pisar na bola e ir falar direto com Adriano.
A festa começou às seis e durou até as oito, longa para um aniversário. Só mesmo por se tratar de Otávio, gerente sênior com longo tempo de empresa.
Como sempre, em festas nas quais há bebidas alcoólicas, alguns menos prudentes bebem um pouco além da conta e falam o que não devem, fazem o que não devem... Outros mais prudentes já aprenderam que em festa corporativa não se bebe.
O primeiro a fazer besteira foi o Christiano. Primeiro começou a comentar alto com outros colegas sobre as meninas novas da empresa, olhando para algumas enquanto falava. Muitos percebiam sua cara de garanhão. Logo já foi se insinuar para uma delas, a Paula, que não caiu no jogo.
Sílvia também deixou escapar que tinha sido o próprio Otávio quem flagrou o erro da Mônica. Flagrou e não deixou por menos, pois era da turma “inimiga”.
E por estes caminhos ia a festa.
Bruno não bebia porque tinha planos de ir para a academia depois. E porque não costumava beber muito mesmo, em nenhuma ocasião. Estragaria seu tão suado treino e suas tão penosas conquistas estéticas obtidas na academia. E também porque, sendo um praticante assíduo de esportes, tinha que manter regularmente uma alimentação regrada, o fato de sair desta regra lhe renderia várias perturbações metabólicas e uma bela ressaca.
Pelo mesmo motivo Adriano não bebia, além do que iria ao encontro com a moça da internet.
Na festa persistiam os olhares de Bruno a Adriano. Ali mais intimidado ainda, ele nem se aventurava a virar seu rosto para onde Adriano estivesse, tal era seu temor reverencial a este ponto. Já tinha sentido a personalidade de Adriano e os maus tratos de que era capaz. Ficou quietinho em seu canto conversando com seus comparsas, nem ficou até o fim, só marcou sua presença.
Mesmo assim, tinha a longínqua impressão que Adriano o estaria olhando discretamente em alguns momentos, mas não se atreveu a olhar de volta para conferir. Aliás, qual não foi sua surpresa ao ouvir de Carolina: “Bruno, por que motivo o Dr. Adriano está olhando para cá de vez em quando? Toda hora olha, parece que está conferindo alguma coisa, depois desvia. Parece olhar de esguelha, meio que com receio? Nunca vi este olhar no Dr. Adriano”...
Este comentário deixou Bruno levemente satisfeito.
Ambos Adriano e Bruno ficaram por pouco tempo na festa que iria até as oito. Na verdade Bruno percebeu a hora em que Adriano deixou a festa e foi-se também, na esperança de continuar o jogo de gato e rato na academia, só que lá estariam longe da observação dos colegas de empresa. E foi precisamente como ele previra que aconteceu – na academia continuou-se o jogo de gato e rato. Onde iria dar isto? Perguntou-se Bruno. Já que ele não quer aproximar-se, por que motivo insiste em perseguir-me com o olhar, só de longe? Foi justo nesta hora que se questionou de outra forma: por que motivo estaria ele, Bruno, fazendo isto se parecia que nada resultaria dali? Mas é que ele não estava tão bem convencido de que nada dali resultaria, apesar das imensas dificuldades.
Erica chegou em casa apressada. Estava atrasada. Tirou sua roupa, tomou um banho e tentou arrumar-se de forma rápida, porém sem descuidar de tudo o que uma mulher vaidosa presta atenção. Cada minucioso detalhe foi posto em prática, dos cuidados com o cabelo ao perfume, roupa, sapatos, etc. Mas ela fazia isto com tanta frequência que sabia fazer rápido e bem. Nem ficava provando vários vestidos. O caminho para casa já havia decidido mais ou menos o que usaria.
Saiu de Moema onde morava e foi para Pinheiros, onde morava Paulo. Paulo era um amante muito ocasional. Não se viam muito frequentemente, mas quando isto acontecia a coisa pegava fogo. O jantar não tomava toda aquela pompa e circunstância que costumava ter com Adriano, Paulo não era tão bem sucedido e nem tinha tanto aplomb, mas uma coisa que sabia fazer bem era transar. Aí sim ele se mostrava. Depois de um jantar sem muita conversa, já foram logo tirando a roupa e partiram para a ação. Paulo tinha pegada, tinha toque, tinha sensibilidade em seus dedos, no olhar. Beijava com intensidade, chegava quase a levantar Erica do chão. Jogavam-se na cama e os corpos se entrelaçavam com desejo, com intensidade. Paulo passava sua língua por todo o corpo de Erica, que se sentia desejada, mulher, gostosa, tudo aquilo que não tinha com Adriano. E Paulo tampouco era mecânico. Despendia o tempo necessário, dava-se ao prazer, explorava, fazia com vontade. A transa durava muito tempo. Paulo penetrava-a por muito tempo, não só para ele mesmo gozar. Deixava-a gozar muitas vezes, parecia que o prazer dele estava justamente em ver a mulher do outro derreter-se em seus braços. Sentia-se homem. Nem conhecia Adriano, mas sabia que era melhor que ele nesse quesito, e isso nem precisaria ser comentado, já se inferia só pelas arfadas e gemidos de Erica.
Enquanto isso acontecia, Adriano jantava no La Fierce com a tal da moça, já totalmente entediado, tentando comer mais rápido e elaborando em seu cérebro rápido quais as desculpas que daria para dispensar a moça e voltar para casa, já pensando no seu descanso merecido. Só uma coisa o incomodava. Ter que pensar neste tipo de coisa ao mesmo tempo em que percebia que a moça o olhava como que vendo ali um príncipe encantado. Em alguns momentos ser visto como o príncipe encantado o incomodava profundamente. Desvencilhou-se o mais breve que pôde e foi para casa.
E neste mesmo instante Bruno já estava em sua casa, nos Jardins. Não era um apartamento nada requintado, dado que tinha que manter-se sozinho e que o salário não era suficiente para aquele bairro de primeira linha. Mas adorava o bairro e não sairia dali. Insistia com Marcelo para que viesse morar com ele, para que pudessem dividir as despesas, mas Marcelo alegava as mais variadas justificativas de por que não. Preferia morar sozinho, como sempre havia acontecido. Os dois mantinham uma relação havia pouco mais de três anos, que também já estava morna. Nem seria exatamente uma relação, Marcelo saía com Bruno, ou melhor, via Bruno uma vez por semana em média, para conversas, um eventual cinema, e quase sempre uma transa. Mas mesmo esta parte, que no começo era sensacional para Bruno, hoje em dia parecia banalizada.
Marcelo era um cara fechado, misterioso. Falava pouco, era um geek de computadores. Que vírus seria este que afeta os caras que trabalham com computação? A maioria é assim nerdizada... No começo as coisas rolavam bem porque havia uma intensa atração física, isto é bem verdade. Marcelo era um tipo alto loiro (que Bruno adora), e Bruno o típico fortinho que encanta qualquer um. Até davam-se bem no início, pois ambos são inteligentes, mas o tempo foi mostrando que os mundos não combinavam e Bruno sentia-se acorrentado em uma semi-relação da qual não conseguia se libertar, pois não havia comunicação, nem mesmo Marcelo mostrava muito interesse por Bruno e por suas coisas. Bruno sentia-se muito sozinho, só tinha o trabalho e a academia, sua família era do interior e Marcelo não lhe fazia companhia. Com o tempo havia se distanciado dos amigos. Era bem verdade que possuía ainda alguns amigos com quem saía, mas estes não eram companhia suficiente. Marcelo era ausente, disponibilizava pouquíssimo tempo para a relação. E o pior: Bruno sentia que, na convivência com Marcelo, esse jeito fechado, taciturno, inseguro e tímido do pessoal da computação o havia contaminado, e o antigo Bruno, animado, extrovertido, ou pelo menos mais seguro, sociável, etc. não estava mais lá.
Depois do jantar a transa foi aquela coisa mecânica em que tinha se transformado a transa dos dois. Marcelo penetrava Bruno sem muitas preliminares, não havia um carinho, um beijo, uma sedução. Dava umas tantas estocadas até gozar, virava e dormia. Sequer se importava em averiguar se Bruno tinha gozado. Desta vez por exemplo não. Mas hoje nem Bruno estava se importando... O pensamento de Bruno nem estava ali na transa, nem naquele quarto, nem com Marcelo. Sua fantasia enxergava só um imenso Adriano olhando-o furtivamente, sempre de esguelha. Ficava tentando entender o que seria aquilo.
Adormeceu assim, e no dia seguinte acordou após um sonho no qual Adriano o espreitava atrás da porta e depois fechava a porta. Simbólico!
CAPÍTULO 11
Eram quatro horas da tarde de sexta feira e, com o expediente quase terminando, toda a turma já estava preparada para a festa de integração de duas semanas dos novos funcionários. Que ótima ocasião para sacarem quem era quem, quais eram os grupos e quais eram as histórias pregressas!
A festa começa plácida e civilizada antes das fatais primeiras taças de champanhe. Mesmo acompanhado de salgadinhos e doces, o champanhe começa a subir como as bolhinhas nas cabeças dos integrantes do time. E nessa hora aparecem muito claramente coisas que jamais apareceriam em outras ocasiões. Até para Bruno, que não era tão novo no pedaço, surgem algumas novidades.
Mesmo depois de algum tempo de casa, Bruno não havia percebido que Vanessa formava um grupo à parte dentro da empresa, que de certa forma incluía Renato e Mônica de longe. Ali estava! O contraponto para o outro grupo já conhecido dos aristocratas.
Helena e Karl já faziam um grupo com os outros três “gerentes unidos”, Otávio, Michelle e Thiago, que eram os antigos três gerentes de cada área. Mas cada um deles já tinha seus antigos “queridinhos”, que eram Leda, Marina, Luiz Fernando, Guilherme, Cristóvão, Erik, Alexei e Priscila. Eram os patrícios da empresa, em favor dos quais as coisas eram desviadas.
Em contraponto a este grupo havia uma rodinha bem nítida ao redor de Vanessa. Vanessa seria a outra candidata a gerente de Clientes, mas apesar de ter perdido o cargo para Helena, apresentava uma postura quase de gerente. E mesmo agora que Helena era oficialmente mais que Vanessa, ficava evidente que Vanessa não tinha cargo, mas tinha carisma. Todo um séquito de admiradores e puxa-sacos a rodeava e formava o contraponto para os primeiros. Tinham, de forma mais ou menos tácita, o beneplácito de Mônica e Renato. Lá estavam eles bebericando, comendo e conversando, rindo alto. Cecília era a burguesinha high class que fala com o namorado ao telefone, combinando de ir para Ilhabela. Tinha aquela voz fresca de menina mimada metida, cara de quem se acha. Também ali estava Astrid, loirinha obviamente descendente de alemães (a empresa tinha muitos descendentes de alemães, pois era empresa alemã), era imigrante de SC cheia de ideologia, formada em comunicação, super bem humorada, comunicativa, olhos claros – beleza é essencial, é um bem, etc. dizia ela em voz alta. Era uma das gatas da empresa.
Arthur e Christiano eram os gatões do pedaço também. Chamavam muita atenção por sua bela estampa e adicionavam mais carisma ao grupo de Vanessa.
Estes amigos de Vanessa não eram os poderosos, mas eram os populares, tinham um jeito de união. Eram a maioria. Alguns mesmo imprudentes, pois Bruno, ao passar perto da mesa para pegar salgadinho e coca escutou de Cecília, que falava baixo:
“A Helena não tem nada de melhor que a Vanessa, mas sabe como são as coisas por aqui né? Tráfico de influências... Isso é jogo”!
“E você viu a cara de toda vitoriosa e feliz que a Helena fez quando foi oficialmente confirmado que seria ela afinal a nova gerente? Se achando! Já o Karl não faz cara nenhuma, o insosso, bem alemão mesmo, haha”. Disse Márcio de forma muito imprudente, já que agora seria subordinado a Karl. Talvez dissesse isso justamente por não admitir ser subordinado a um cara que antes era seu igual.
Enquanto Cecília era nojentinha, se achava superior e tratava os outros com ordens, Gislaine era apagada, mas seguia os outros como uma Maria vai com as outras.
Mais adiante Bruno escutou Arthur sussurrar para Astrid: “Vamos ver quanto tempo demora para o Christiano pegar as meninas novas, como chamam? Cleide, Solange, Fernanda e Paula! Hahaha”.
Voltando para seu grupinho, Bruno perguntou a Alexei por que era só o Christiano que tinha a fama de pega-pega? (Pensando que o Arthur era tão fascinante quanto, ou mais, e o Adriano nem se fala)...
Alexei respondeu que o Christiano era mais indiscreto, mais imprudente. O Adriano possivelmente aprontava mais, porém de forma muito discreta e não dentro da empresa, pois era diretor e não podia dar o que falar, e Arthur era muito metido mesmo, escolhia demais e era bem exigente.
Logo Christiano e Arthur perceberam que Alexei e Bruno estavam falando deles, e trocaram olhares irônicos, comentaram alguma coisa que nem precisaria ser ouvida. Eles consideravam Bruno (pela timidez e por ser menos favorecido em termos sociais) e Alexei (por ser geek TI) como parte dos “lixos” da empresa. Em seguida Christiano começou a trocar comentários com Arthur olhando para algumas meninas, ficando óbvio que, mais altinho, logo iria agir.
Alexei aproveitou para avisar a Bruno que tomasse cuidado com Márcio, que era um ascendente social de mão cheia, inescrupuloso, passaria por cima de quem fosse, com qualquer coisa que pudesse usar. Isto também era comentado na empresa. Bajulava Otávio e fazia de tudo para bajular Adriano.
Mais uma incursão pela mesa de salgadinhos, desta vez acompanhado de Alexei e Carolina, e Bruno, meio de lado, escutou de longe, desta vez vindo de Marina para Leda:
“Você viu a cara de indignação que a Vanessa fez ao ver que a promoção foi para a Helena?” Elas insistiam no mesmo ponto.
Estas duas não eram da turminha da Vanessa e sempre que podiam fofocavam os podres daquela turma. Foi quando também soltaram que Cláudio já tinha feito um erro crasso de prospecção, tentou apagar o erro mas não deu certo. Ficou queimado, Otávio só o mantinha porque era competente fora este deslize.
E quando viram que Astrid estava se insinuando forte para cima de Rodolfo, um cara de outra empresa convidado para a festa, também deixaram escapar que Astrid era a vaquinha da turma, que já tinha dado para todos os interessantes.
Marina e Leda eram parte da “aristocracia”, mas eram duas fofoqueiras de primeira linha.
E mesmo com todo este volume de informação venenosa transitando pela festa, os olhares entre Bruno e Adriano continuavam, só que cada vez mais furtivos.
No momento em que percebeu que Adriano já estava se despedindo e ensaiando deixar a festa, Bruno foi fazendo o mesmo. Desta vez fez bem de propósito mesmo, seguiu Adriano na hora em que ele se retirou, dando desculpa de ter que levantar cedo. Queria encontrá-lo na academia.
Saiu sabendo de mais intimidades da empresa, o que pensava poder lhe ser útil em alguma situação, e lembrando do que Giselle tinha dito aquele dia na sobremesa: tem muita coisa errada naquela empresa, seria melhor manter-se distante deste conteúdo “radioativo”, mas quem sabe do futuro? É melhor ter armas para defender-se, se um dia for necessário.
Na academia, como esperado, Bruno e Adriano estavam agora fazendo seus exercícios. Porém desta vez acontece algo inesperado. Um colega de academia de Bruno, com quem este conversava bastante, pediu para revezar o aparelho com Adriano, e acabou apresentando os dois. Uma situação sem graça, que Adriano quebrou com maestria para evitar maiores constrangimentos. Adriano já mencionou diretamente que conhecia Bruno, pois este trabalhava para ele na Hedge. Já disse os cargos e posições bem claro e com firmeza, para impedir intimidades inconvenientes e dar um recado tácito ao colega em comum: não somos amigos, somos chefe e subalterno.
Disse para o colega em comum desta forma: “Eu o conheço de vista”. Depois virou-se para Bruno: “Você é de Clientes, não? Mas não é dos novos, você não me é estranho já de antes”.
Bruno explicou que havia entrado havia oito meses, ao que Adriano acrescentou que não tinha muito contato com pessoas exceto gerência, não era por qualquer outro motivo senão segurança do negócio e por profissionalismo, já deixando claro que nunca daria muita entrada.
Bruno contentou-se em explicar que havia trocado de academia recentemente, talvez por isso não tinham se encontrado na academia antes. E o assunto foi finalizando por aí.
CAPÍTULO 12
Depois de uma semana que finalizava com duas festas, uma na quinta e outra na sexta, nada mais certo que esperar um fim de semana bem calmo para todos da Hedge AG.
Para Adriano e Erica por um lado e para Bruno e Marcelo por outro, com certeza foi um fim de semana muito insosso.
Pela primeira vez Adriano reclamou expressamente a Erica de um certo tédio.
“Eu sempre insisti que você tivesse um hobby. A vida não pode se resumir a trabalho e academia”!
“Mas o que eu posso fazer”?
“Sei lá, você gosta de carros, por que não faz um curso de mecânica”?
“Meu trabalho já é muito técnico, não quero mais coisa técnica”...
“Então procure algo mais artístico! Arte? Pintura,? Culinária, você gosta tanto de cozinhar”!
“Ah não! Esses cursos artísticos têm muito viado. Já pensou aquela viadagem toda, e os caras dando em cima de mim”? Aqui Adriano mostra um lado nitidamente homofóbico...
“Ah, mas deixa os gays pra lá! Se você não mexer com eles, eles não vão incomodar. Qualquer coisa dá um chega pra lá”.
Aeromodelismo, Fotografia, Cinema, Literatura – nada parecia servir. E Adriano insistindo que não queria viver só de trabalho e academia (as mulheres ele não falou).
Pela primeira vez admitia honestamente para si mesmo que a tríade trabalho, academia e mulheres já não lhe davam tanta motivação. Profissionalmente não tinha mais grandes desafios, apesar das expectativas. Já não havia novidade. Pensou consigo mesmo se não seria um lapso de cansaço ou um momento de baixa emocional, mas se não fosse, estava decidido a pôr um fim ao seu tédio. Só não sabia como.
Bruno em seu apartamento estava jogado na cama vendo televisão. Não tinha vontade nem de sair. Sentia-se desmotivado com a vida, sufocado, deprimido. Estava insatisfeito com seu relacionamento. Insatisfeito com a ausência de espírito de Marcelo. Aliás, raro ele aparecer num sábado como hoje, mas quase nem fazia diferença. Marcelo estava lá agora. Depois de haver sumido por umas duas horas retornava. Isto não inspirava confiança. Às vezes passava pela cabeça de Bruno se Marcelo não teria outro.
Se por um lado Marcelo não inspirava confiança, ele, Bruno, não era santo. Porém não traía Marcelo exceto por raríssimas puladas de cerca. E se suas suspeitas estivessem corretas quanto a Marcelo ter outra pessoa, teria mais um motivo para não estar satisfeito. Assim como Adriano, sua vida estava presa a uma chatice também. Queria terminar com Marcelo, pois não estava mais interessado, mas não sabia como. Sentia-se terrivelmente só. E em meio a estes pensamentos negativos sua fantasia escapava para a figura de Adriano, uma fantasia que sabia ser impossível.
A um dado momento chegou a cogitar de atitudes drásticas para resolver sua mesmice, como mandar Marcelo embora imediatamente e ir a uma balada caçar alguém ou tentar a internet. Estava decidido a pôr um fim em seu tédio. Só não sabia como.
PARTE C
CAPÍTULO 13
O começo da semana enfadonho e monótono de Bruno e Adriano combinou com o fim de semana. Apenas tiveram ambos que trabalhar até mais tarde por conta de tarefas extensas e pouco estimulantes. O escritório já estava vazio, além dos dois havia só umas outras duas ou três pessoas, já passavam de oito horas e o prédio estava vazio. Bruno terminou o que tinha para fazer e já estava muito atrasado para a academia. Parecia que não havia mais ninguém na empresa. A sala de Adriano estava com a porta aberta e luzes apagadas.
Saiu ao hall e esperava o elevador. Quando a porta se abriu ele entrou abruptamente, e mais abrupto ainda foi o susto ao ver quem estava ali dentro – o próprio – Adriano, sozinho.
Resolveu chutar o balde. Calculou rápido – “Estamos no nono andar, tenho ainda alguns andares até embaixo”. Pegou o agasalho que tinha na mão, cobriu a câmera do elevador e apertou o botão de emergência para parar o elevador.
Sem nenhuma reverência ou hierarquia falou a Adriano:
“Por que não encara de uma vez o que sente? Você está em denial. Diga para mim com todas as letras que não fica secando meu corpo de cima a baixo, que olha para o meu peito e não sente algo”!
Afrouxou a gravata e começou a abrir a abrir a própria camisa desde o primeiro botão acima até expor completamente o impressionante torso, tomou a mão de Adriano e a fez deslizar por seu peito, passando por seu peitoral, mamilos, como se ele mesmo o estivesse acariciando-se. Continuou deslizando a mão de Adriano pelo seu corpo, em direção ao ventre e logo subiu de novo voltando a acariciar-se os peitorais com as mãos de Adriano.
Adriano estava congelado. Petrificado, desconcertado, atrapalhado. Sem reação. Por um instante retribuiu, fazendo um esforço imenso para conter seu desejo, mas quase sem resistir. Começou a explorar o peitoral de Bruno por alguns segundos, mas logo se recompôs e já ia fazer cara feia quando Bruno fez ele mesmo cara de bravo antes, começou a fechar a camisa, arrumou-se, retirou o agasalho da câmera, reacionou o elevador e disse:
“Um homem com a sua bravura e poder não sabe lidar com isso? Este comportamento não faz jus a sua estatura moral. Boa noite, DOUTOR Adriano.”
Foi o tempo necessário para o elevador chegar ao térreo, saíram os dois, Bruno nem olhou para trás para saber o que deixava.
Nenhum dos dois foi à academia.
CAPÍTULO 14
Ao chegar à empresa no dia seguinte, propositadamente mais tarde para diluir sua atitude temerária do dia anterior e evitar que a empresa estivesse mais vazia quando chegasse (ele temia represálias e, com a empresa cheia, Adriano estaria de mãos atadas) Bruno percebeu que havia um clima de agitação geral por lá.
A princípio não entendeu nada, via Helena, Michelle e Otávio bastante nervosos, e até Adriano ia e vinha da sala de cada gerente com cara transtornada. O staff também estava bem agitado. Logo percebeu que este movimento em nada se referia ao ocorrido no elevador. Deveria ser outra coisa. Ficou no seu canto e fez seu trabalho, certo de que na hora do almoço saberia. Mas estava apreensivo com tudo.
À uma saiu para almoçar com Carolina e Alexei. Assim que se viu a salvo de ouvidos alheios perguntou nervosamente o que acontecia. Alexei foi quem começou. Explicou que tinha dado um pau nos computadores, logo cedinho. Tiveram que reiniciar todos os sistemas e, quando os programas geradores de gráficos e planilhas recomeçaram a operar, começaram a gerar cálculos e curvas com erros grandes, que por sua vez produziram informações muito erradas sobre os fundos, papéis, etc. Saíram contratos e comunicados com erros grandes. Ainda que identificado o problema a tempo, isto tinha acarretado situações muito embaraçosas para a empresa frente aos clientes e também frente às corretoras. Quase toda a empresa tinha tido que parar para consertar os erros e desculpar-se com clientes e fornecedores, mesmo assim temendo que isso pudesse ocasionar perdas substanciosas.
Bruno sorriu disfarçadamente, olhando para baixo, crendo que este evento atenuaria sua audácia da véspera. A desgraça alheia era a sua salvação.
Na verdade Bruno estava bastante apreensivo com o que tinha feito impetuosamente na véspera. Agora, com a cabeça fria, pensava nas consequências, pensava que tinha sido arrojo demais para um diretor. Mas como poderia consertar uma situação tão inusitada assim?
Ainda durante a tarde a correria continuou e ele acabou sendo envolvido no trabalho de consertar os danos. Todos ficaram até mais tarde. Mas por hoje Bruno aventurou-se a ir à academia. Não esperava encontrar Adriano por lá neste dia. Fez seu treino tranquilo e nem pensou mais em nada, entretido escutando a música da academia enquanto se trocava para ir embora, quando repentinamente surgiu a figura altiva de Adriano. Com uma rigidez na postura e um olhar penetrante de águia, somado a uma expressão de raiva forte, Adriano estendeu a mão a Bruno e este ainda demorou alguns segundos até que percebesse que estava entregando-lhe um bilhete. Entregou e foi embora.
Bruno abriu o bilhete digitado e não manuscrito:
“Não OUSE repetir.”
CAPÍTULO 15
A semana transcorreu sem maiores incidentes, os olhares entre Adriano e Bruno arrefeceram. Eles agora evitavam cruzar o olhar a qualquer custo na empresa ou academia.
Amanda chegou a perguntar a Adriano se havia mais algum problema além do erro do computador. Ofereceu se poderia ajudar em algo. Erica percebeu também um nervosismo errado e desconhecido em Adriano. O semblante de Adriano estava realmente soturno e preocupante. Parecia até mostrar uma fragilidade, incompatível com sua usual postura de arrogância e segurança. Ele mesmo estava pensativo, titubeante. Algumas portas não deveriam ser abertas, pensava ele.
Os colegas de Bruno igualmente perceberam uma mudança nítida de comportamento. Apesar de Bruno não ser exatamente expansivo, estava calado demais e cabisbaixo. Carolina perguntou se estava triste com alguma coisa. Ninguém obteve resposta, nem seria possível suspeitar de nada. Qualquer coisa que houvesse ocorrido teria sido longe dos olhos de todos.
Na sexta feira Bruno estava na academia e um conhecido, pouco próximo, veio entregar-lhe um convite para uma festa no sábado. Curioso, pois o colega de academia que lhe entregava o convite nem era tão íntimo a ponto de chamar para uma festa em sua casa, aliás era um executivo arrogante do qual Bruno, de sua modesta posição social, não esperaria convites. Certamente não se incluiria no grupo social deles. Mas logo veio-lhe à cabeça que o colega era gay, e que estava juntando material apetitoso para sua festa. Um pouco depreciativo ser visto como carne, mas assim mesmo aceitou o convite e disse que iria. Estava precisando de novos ares, de novos possíveis amigos e urgentemente de coisas que divergissem sua atenção de um relacionamento e vida doméstica opressores e de um faux pas desastroso com Adriano. Apesar de que não via como erro o que tinha feito, apenas via como erro o fato de Adriano não conseguir conviver bem com seu desejo, coisa tão natural para ele, Bruno.
Tampouco tinha se ofendido ou intimidado com o bilhete de Adriano. O bilhete combinava com Adriano – breve e contundente, ameaçador, até raivoso. Mas não convencia. Era a prova de que Adriano era refém de seu próprio desejo reprimido. E Bruno esboçava um sorriso irônico ao pensar nisso. Premer esta tecla significava tê-lo como rendido. Imagine só, Adriano, o ícone de impávido colosso...
“Não convence, só confirma. Acertei na mosca! Desejo reprimido”.
Mas por essas e outras decidiu que iria à festa. Esquecer tudo o que estava vivendo e buscar outras situações novas.
A festa seria numa casa no Morumbi, o que o obrigava a ir de carro. Vestiu-se da maneira mais apropriada que pôde. Traje bem informal, mas que correspondesse às expectativas que seu anfitrião tinha. Uma calça jeans bonita, de qualidade, não muito justa para não parecer vulgar ou muito bicha, pois imaginava que não seria uma festa unicamente gay. Ele nem precisava de calças muito justas, seu corpo se mostrava facilmente em uma calça de fit normal. Completou com uma camiseta transada também sem exageros, um tênis bom, marca boa, branco, e passou pomada no cabelo para ficar levemente espetado. Já era mais que suficiente para ele.
Chegou cedo. Acompanhou pouco a pouco os convidados irem chegando. Alguns da academia, alguns desconhecidos, e finalmente um colega da academia com quem tinha mais assunto, o que o deixou mais à vontade para poder conversar. Daí em diante distraiu-se e começou a aproveitar a festa. Permitiu-se até mesmo beber um pouco, para não ficar tão retesado e desconfortável. E à medida que chegavam mais e mais conhecidos e amigos de conhecidos a festa foi ficando cada vez mais agradável. O fato de não haver ninguém daqueles mundos que lhe traziam desconforto deixava-o mais relaxado. Ninguém da empresa, ninguém dos amigos em comum com Marcelo, pois aquele era outro universo, enfim, tudo certo.
Era uma casa grande, só o térreo estava sendo usado para a festa. A entrada da casa era um hall que dava para uma sala ampla onde tocava música eletrônica em som baixo. A mobília era bonita, moderna, mesas de centro com bebidas, petiscos e abajures que iluminavam o ambiente com uma luz fraca, baixa e confortável. Esta sala abria-se para um jardim amplo com piscina.
Conversava animada e inadvertidamente quando avistou Adriano passeando e conversando com seus amigos pela casa. Neste mesmo momento Adriano também avistou Bruno. Foi uma surpresa mútua. Nenhum dos dois esperaria encontrar o outro ali. Deveriam ter suspeitado, pois era festa de uma pessoa da academia, mas como os frequentadores da academia não pertenciam a um mesmo grupo e Adriano e Bruno certamente não seriam do mesmo grupo, não haviam esperado. Mas assim foi.
Ficaram sem reação os dois. Emudeceram ambos, cada um em seu grupo, mas sequer se cumprimentaram, evitando-se.
Uma coisa, porém, chamou de imediato a atenção de Bruno. Nunca havia visto Adriano assim descontraído. Vestido à vontade, com um sorriso no rosto, fora da empresa e entre seus iguais, sem a armadura de executivo.
Hoje ele não estava fazendo o papel do executivo da Berrini. Hoje ele era um garotão de trinta e poucos. Usava uma camiseta apertada simples mas elegante, apertada apenas o suficiente para deixar muito evidente seu tórax avantajado. Já a calça sim era mais apertada. Um jeans transado, colado na perna, delineando a bunda e coxa musculosa, uma coxa grossa que aliás não destoava do resto, pois a panturrilha era igualmente grossa e proporcionada.
Seu cabelo estava levemente arrepiado com o uso de uma cera apropriada. Um tênis transado. Cinto de tecido com ponta desfiada e a extremidade caindo para um lado do corpo. Sem nada de corrente, pulseira, nada apenas o relógio preto digital simples. Mas ele não precisava de mais nada. Era o tipo de pessoa que se vestisse um saco de batatas já estaria exuberante de bonito e além disso elegante. Esse Adriano teria uns trinta e poucos anos de idade, como costumam ter alguns early forties que querem resgatar sua idade de jovens adultos.
Ao longo da primeira meia hora Bruno percebeu uma inquietação em Adriano. Apesar de mais solto, estava bebendo como não fazia. Vez por outra voltava seu olhar para Bruno.
O inevitável aconteceu. Os grupos de pessoas foram transitando pela festa até que dois grupos confluíram e eis que estavam os dois em um mesmo grupo. Foram forçados a cumprimentar-se e entabular uma breve conversação. Não mencionaram nada sobre empresa, academia ou o bilhete. Foi um pacto velado. Fingiram ter-se conhecido naquele momento. Adriano já estava um pouco mais relaxado com as duas vodkas que tinha tomado, sentiu-se mais à vontade para perguntar coisas, pois ele não sabia nada sobre Bruno. Conversaram descontraidamente por um certo tempo.
Conversavam como desconhecidos. Falavam de suas vidas, de forma superficial, um para o outro. Adriano descobriu que Bruno era economista, que vinha de Ribeirão, era descendente de italianos, morava na Alameda Casa Branca, gostava de música eletrônica e rock e por aí afora, da mesma forma que Bruno descobriu que Adriano era descendente de alemães, morava no Morumbi perto do Shopping Jardim Sul, gostava dos mesmos estilos musicais, era economista também, era de São Paulo mesmo, sabia cozinhar. Chegaram a conversar sobre filmes recentes e o que tinham achado.
Foram lentamente distanciando-se dos outros, caminhando em direção ao jardim, à beira da piscina.
Durante a conversa, não paravam de olhar discretamente um para o outro, sondando-se, descobrindo mais de perto detalhes físicos um do outro.
A certa altura estavam já bem descontraídos. Já estava claro para os dois que estavam conversando um com o outro exclusivamente, sem ninguém mais. Adriano permitiu-se o direito de conhecer Bruno, solto que estava pelo álcool. Esqueceram o mal-estar de outras ocasiões e agora divertiam-se juntos. Adriano sorria, RIA com Bruno. Estava verdadeiramente gostando do papo e da companhia. Estava gostando DO Bruno. E percebia o inesperado: Bruno era excepcionalmente inteligente. Não só atraente fisicamente como uma boa companhia e um cara muito inteligente. Além disso, por detrás do cara muito tímido havia um carinha muito simpático e carismático. Uma surpresa para quem era até agora só “um cara atraente da academia”.
Quando começaram a falar sobre musculação, confessaram-se ambos fanáticos por boa forma física e deram risada juntos. Bruno aproveitou um momento de silêncio e entrou no assunto:
“Adriano, desculpe-me por aquele dia. Eu não tinha o direito.”
“Ora, vamos deixar para lá. Esquecido”.
“Agora que estamos conversando e não só jogando, posso perguntar uma coisa”?
“Não sei se vou querer responder”.
“Você sente vontade de fazer certas coisas e não convive bem com a ideia. Posso saber o que te incomoda”?
“...”
O silêncio foi acompanhado de um desviar de olhos e um desconforto.
“Bem, ok, se não quer falar, deixa prá lá. Mas acho uma pena. Negar seu desejo é negar parte de sua vida. Mas não vou insistir. Vamos tomar outra vodka”?
“Ok, você pega lá dentro eu espero aqui. Pega uma só pros dois”.
“Fechado”.
Ao voltar, Bruno encontrou Adriano ainda mais afastado, já em direção do final do jardim. Parecia pensativo apesar de estar já meio altinho. Começaram a beber a vodka e continuaram a conversa. Já estavam tão longe da vista de todos os outros convidados que Bruno puxou Adriano para atrás de um conjunto de arbustos e árvores, onde estariam absolutamente invisíveis para os outros, e insistiu no assunto:
“Posso pelo menos te mostrar uma coisa? Desta vez sem estresse e mais à vontade, afinal agora já não somos estranhos completos”!
Adriano já estava percebendo para onde a coisa iria, mas estava embalado e não podia deixar de admitir que estava extremamente curioso. Bruno começou de novo. Pelo menos agora não estavam dentro de um elevador nem a ação era abrupta. Bruno tirou sua camiseta. Começou a mostrar-se para Adriano sorrindo, falando. Sem nervosismo.
“Veja Adriano, não tem encanação nenhuma. Eu sou um cara atraente e sei disso. Sou bem fortinho, as pessoas reparam, medem-me com o olhar, sei que desperto desejo em muitas mulheres. E muitíssimos homens. Sabe que homens também olham muito para mim? Olham para meu corpo, minha bunda e principalmente meu peito e meus braços. A maioria dos homens não admite isso, mas é da natureza humana comparar-se. E a comparação algumas vezes se sexualiza. Você acha que foi o primeiro”?
Adriano estava pouco à vontade agora, mas desta vez mais relaxado e nem um pouco congelado. Conseguia conversar e não travou.
“Não gosto da ideia de dois homens se tocarem. E não sou gay”.
“Mas não é mesmo! Você pode ser bissexual, curioso, tanta coisa! Não existe só aquele tipo de viadinho que aparece em parada gay ou televisão. E eu, você acha que eu tenho pinta de viadinho”?
“Não vou dizer que você seja um exemplo de virilidade, mas viadinho de forma nenhuma”.
“Pois vou te dizer que sou um homem. Como você é homem”.
Enquanto falavam, Adriano olhava fixamente para o corpo de Bruno.
“Não fica se reprimindo assim. Não vai morrer ninguém, ninguém vai saber nunca, eu prometo. Pode explorar o que você tem vontade. Não vou ser eu o invasivo, mas toca em frente e faz o que você tem vontade. O que te chama a atenção em mim? Me mostra”?
Adriano espontaneamente começou a deslizar as mãos pelo corpo de Bruno. Começou a explorar de leve, passava a mão timidamente pelo peito, pela barriga, sentiu as coxas do Bruno, sentiu a bunda e falou “durinha”, deu uma risada e continuou. Passava a mão pelo peitoral de Bruno e sentia como era grande e duro. Passava a mão pelo mamilo e sentia-o enrijecer-se, acariciava o ventre com as costas das mãos e dos dedos, sentindo a pelugem, testava as asas para ver a musculatura densa e rija. Estava MUITO excitado. Começava a arfar. Deixou-se levar pelo desejo e desceu sua face para perto do peito de Bruno e começou a lamber o peito, os mamilos, lamber a barriga.
Bruno percebeu a excitação de Adriano e foi logo conferir. Sim, seu pau estava bem duro. Quase arrebentando a calça meio apertada.
“Relaxa essa calça, não tá doendo”? Bruno abriu o cinto, o botão e o zíper da calça de Adriano. Colocou o pau dele pra fora e começou a pegá-lo e acariciá-lo. Via-se que Adriano estava explodindo de tesão. Bruno começou a movimentar o pau de Adriano em vai e vem. Adriano estava cada vez mais excitado. Lambia vigorosamente o peito de Bruno. O movimento ficava cada vez mais intenso. Adriano gozou.
Depois de gozar ficou perdido, tonto por alguns instantes. Não sabia para onde olhar, o que fazer. Não sabia se se arrependia, bateu uma vergonha, uma culpa, um medo, tudo junto. Bruno sorria candidamente, estava bem, sentia-se bem. Passou a mão nos cabelos de Adriano, mas não disse nada.
Adriano recompôs-se num gesto súbito. Limpou o que pôde, começou a arrumar-se e olhar para sua roupa, perguntou se tinha sujado alguma coisa, fechou tudo já com medo e pressa. Virou as costas e sumiu sem mais.
Voltou à sala. Estava tremendo, desorientado. Foi tentar pegar uma bebida na mesa de bebidas, mal conseguia segurar o pegador de gelo de tanto que sua mão tremia. Errava o gelo dentro do copo. Conseguiu colocar algumas pedras de gelo com as mãos mesmo, foi colocar a vodka e derrubou metade para fora do copo. Foi colocar o suco de laranja e derrubou mais um tanto. Sujou-se inteiro, agora sim.
Contornou a mesa para sentar-se no sofá e esbarrou em um abajur, que caiu. Foi tentar segurar o abajur e recolocá-lo, derrubou o copo com a bebida, que caiu e quebrou. Um desconhecido olhou e falou: “Tudo bem aí amigo? Quer ajuda”? E veio ajudá-lo. Ajustou as coisas e logo Adriano estava sentado no sofá com olhar de terror, tremendo visivelmente. Viu que havia sujado o sofá com a bebida, ficou com vergonha, perdeu toda sua desenvoltura.
Levantou-se e foi pegar outra bebida. Tendo conseguido, sentou-se em outro sofá, ainda com cara de pânico, e tentou relaxar. Conferia a cada instante se havia marcas de sêmen em algum lugar ou se a roupa estava aberta, se o zíper estava fechado, cinto, se não tinha camisa para fora, se estava tudo alinhado. Mesmo assim outro desconhecido perguntou; “Algo errado colega? Posso ajudar”?
PARTE D
CAPÍTULO 16
“Persiga-o”, disse Adriano a Renato. “Sem dó. Pode torturar.”
“Pois não Dr. Adriano. Algo em especial que deseja que eu faça?”
Havia um sorriso diabólico no semblante de Renato. Ele adorava poder perseguir e maltratar alguém.
“Bem, faça o que quiser, mas seja cruel. Faça da vida dele um inferno. Você deve ter daqueles clientes casca, intratáveis, com exigências insolúveis e ainda por cima malcriados. Ponha-os na carteira desse Bruno”.
“Sim, Dr. Adriano, tenho alguns cientes deste naipe, até já sei o que vou fazer”.
“Ok, pois então faça!”
“Dr. Adriano, se me permite a pergunta, algum motivo em especial, para que eu possa me orientar melhor naquilo que devo fazer”?
Renato era astuto. Já tentava obter mais informações do porquê desta indisposição, já pensando em usar isto no futuro. Quem detém a informação detém o poder, pensava ele.
“Este rapaz é impertinente e não tem noção de hierarquia. Precisa dar uma posicionada nele. Além do mais quero testá-lo se merece estar aqui na Hedge AG. Quero ver se segura a onda e se dá conta do recado”.
A ira implacável de Adriano havia sido unleashed. Adriano tinha acordado com uma ressaca moral monstruosa no domingo e tinha jurado vingança. Vingança de quê? Nem ele sabia. Vingança por Bruno ter exposto, para ele mesmo, Adriano, uma parte de sua sexualidade que ele tentava ignorar a vida inteira. Não convivia bem com isto e parte de suas aventuras sexuais excessivas eram uma forma de reafirmar sua masculinidade. Sua excessiva homofobia também era um comportamento reativo para acobertar desejos inconvenientes. Bruno pagaria por este crime de exposição.
A corda sempre estoura do lado mais fraco. Injusto isso, como o mundo...
Logo após o almoço Renato chamou Bruno e comunicou que passaria alguns novos clientes para seus cuidados. Enumerou cinco clientes, apresentou os casos (eram clientes grandes) e disse que os passaria por email com detalhes, que qualquer dúvida pedisse maiores esclarecimentos. A princípio Bruno ficou contente, achou que estivesse sendo incumbido de novos clientes importantes, que estivesse sendo reconhecido. Já começou a estudar estes clientes e as simulações de fundos e ofertas que já tinham sido feitas a cada um deles. Logo percebeu que eram clientes difíceis que não se contentavam com os fundos oferecidos, reclamavam muito, mudavam as aplicações com muita frequência e um deles tinha mesmo chegado a fazer ameaças de processar a Hedge. Eram clientes que antes estavam com Vanessa, Arthur e Christóvão. Com as mudanças de gerência, mudavam certos clientes também, redistribuindo-se. Alguns clientes mais fáceis que estavam com Helena e Bruno passavam para as mãos dos novos assistentes, enquanto estes mais difíceis agora sobravam para Bruno, sob a coordenação de Renato.
Durante as próximas duas semanas só houve transtornos graves para Bruno.
Quando foi tentar resolver o primeiro caso de que tinha sido incumbido, percebeu que a coisa estava tão grave que teria que marcar um almoço com o cliente, uma grande empresa de peças de apoio para metalúrgicas chamada LigaMetal S/A. O clima no almoço foi muito tenso. O diretor da empresa mostrava-se agressivo e insatisfeito, responsabilizando a Hedge por perdas que a empresa havia sofrido no último ano. Bruno tentava contornar, prometeu melhorar o desempenho dos investimentos, mas o diretor estava muito enraivecido. Fez várias ameaças de romper com a Hedge.
Ao voltar do almoço pediu a Renato para conversarem e expôs o caso. Renato ralhou muito com Bruno, dizendo que deveria ter sido mais assertivo. Deveria ter-se posicionado mais, esclarecido que mercado de capitais é um mercado de risco, não se ganha sempre, que não seria culpa da Hedge, isto poderia acontecer com qualquer gestora de fundos. A escolha dos fundos havia sido do próprio cliente, não da Hedge. Renato já começou e humilhar e perseguir Bruno naquele ponto.
Outro dia houve uma troca de emails pesados entre Bruno e outro cliente, uma indústria de plásticos, a Plast-O Ltda. Renato estava copiado e o cliente estava sendo extremamente malcriado com Bruno. Bruno fez seu melhor, tentou oferecer outros fundos e papéis, mas o cliente declinou todos e encerrou seu contrato com a Hedge. Renato, como estava copiado, chamou Bruno a sua sala e foi extremamente rude.
“Como você perde este cliente Bruno? Foi muita incompetência! Estava quase fechado”!
“Não estava Renato, eles não estavam demonstrando nenhum interesse e só criticavam, não iria dar certo mesmo”.
“Não se atreva a me questionar Bruno! O erro foi seu, saia já e trate de não continuar fazendo bobagens”!
Um terceiro cliente, também pouco amistoso, uma empresa de advocacia chamada Loi Advs. Assoc., passou por email a Bruno que estava tudo errado, que o que havia sido prometido não havia sido cumprido. Bruno respondeu que o cliente se enganava, que estava tudo dentro do contratado. O cliente também se zangou, e mais uma vez Renato o chamou para destruí-lo.
“Bruno, seu incompetente, jamais diga a um cliente que ele se enganou. Nós dizemos de outra forma, que houve ruído de comunicação mas tudo será realinhado! Você é muito verde. Muito mirim para este cargo, não tem experiência no trato comercial com corporações. Não sei o quanto poderá ficar aqui”.
Esta foi a primeira ameaça. Bruno estava desconsolado. O que acontecia? De repente tudo se desconstituía! Sua vida tinha virado um inferno profissional.
Em um dos dias em que foi à academia percebeu Adriano de longe. Nem ousava olhar, mas ainda não tinha se dado conta da totalidade do acontecido. Foi depois de um olhar fuzilante de Adriano para ele que percebeu tudo.
“Ah, foi isso, o Adriano está me perseguindo através do Renato”!
Chegou para Adriano e disse:
“Por que está fazendo isso comigo”?
“Não fale comigo seu imbecil! Você não faz parte de meu mundo, ponha-se em seu lugar”.
Bruno foi para casa muito triste. Guiava pensativo, seus olhos cheios de lágrimas, agora entendia de onde surgia tudo.
Adriano foi para casa também combalido. Ofendia instantemente e abertamente o menino, mas no fundo sabia o que estava fazendo. Estava afastando de si o que não conseguia lidar. Chegando em casa, ao lembrar-se da cara desamparada do menino tinha vontade de confortá-lo e desfazer o que havia feito, mas não conseguia conviver com este desejo. Sentia vontade de pegá-lo, consolá-lo, protegê-lo, e logo ressurgia um ódio reversivo, reativo. Este conflito resolveu-se em uma punheta rápida, que ele logo tratou de forçar-se a esquecer.
CAPÍTULO 17
Adriano estava mudo. Calado havia dias. Mal conversava com Erica. Bem verdade que a relação não andava lá tão boa já havia tempo maior. Mas nunca tinha estado tão ruim. Adriano estava transformado. Agora sim ele cabisbaixo, amargo (coisa que nunca tinha sido), já não preparava nem mesmo seus jantares, coisa que tanto gostava de fazer... Erica não entendia nada.
“O que está acontecendo com você Adriano? Não vai me dizer? Tudo bem que a gente já não era mais como antes, mas nestas últimas semanas você está muito esquisito. Está MUDO. Estou vendo que não é nada comigo, mas não mereço mais sua confiança? Não vai se abrir comigo? Não tem nada a me contar”?
“Não é nada não Erica, a empresa está com problemas de informática, estou estressado e cansado. É só isso”.
“Tenho certeza que não é só isso, mas se não quer contar ok, fique na sua. Mas isso me deixa muito chateada, saiba disso. Não gosto de segredos. Posso lidar com o que for, só não posso lidar com o silêncio”.
Adriano tinha perdido completamente a mão com tudo. Perdeu o controle ilusório que tinha sobre sua vida, sobre seus sentimentos, sobre as pessoas. Já não ostentava aquela arrogância de forma tão soberba, mas sua expressão traía uma reserva defensiva mais que outra coisa. Todos percebiam. Na empresa Amanda já não sabia o que fazer. Mas não tinha a menor pista de que se tratasse. Erica tampouco. Só não lhe agradava de jeito nenhum aquele Adriano ausente e hostil, sem brilho. Ali estava a semente de um desentendimento que talvez viesse a pôr fim a este relacionamento. Era o que passava pela cabeça de Erica.
Na cabeça de Adriano o que passava ia mais além. Não era só o relacionamento com Erica que estava em jogo. Pela primeira vez percebia que teria que lidar com outra forma de desejo que interferiria em seu relacionamento com as mulheres, candidatas a esposas em geral, e seus planos de vida, família e futuro.
Verdade seja dita ele nunca tinha investido muito em ter uma família constituída, mas como esse pensamento ficava no “default”, não era questionado. Agora pela primeira vez surgia um questionamento. O que queria da vida em termos de relacionamento? Iria casar e ter filhos? Iria ser um eterno solteirão que pegava as garotinhas? Até quando? Agora estava no auge da forma, mas e aos sessenta? E ainda por cima este evento com Bruno descortinava uma outra face que punha tudo em jeopardy.
Bruno por sua vez, em sua casa, estava pior do que jamais tinha estado. Mais calado, mais deprimido, mais solitário, mais desiludido. Pensava em pedir demissão, agora que já sabia o que estava acontecendo, mas precisava primeiro de tudo achar outro trabalho e não estava com o menor ânimo para procurar. A ausência de Marcelo já nem o preocupava mais, aliás, era a eventual presença dele que o incomodava. Não estava sendo tolerável aguentar aquela mosca morta neste momento. Já não servia de companhia ou apoio havia muito e agora nem servia como um ombro amigo!
Pois foi neste estado de circunstâncias que, uma noite, logo depois que Marcelo chegou, tentou conversar um pouco e Marcelo pediu para ir ao banheiro antes. Enquanto estava no banheiro chegou uma mensagem de texto ao celular de Marcelo. Não era da natureza de Bruno ser invasivo a este ponto, mas quem disse que ele estava em seu normal? Aproveitou o momento e foi ler o que chegava. Zans! Uma mensagem de Daniel, amigo em comum, dizendo: “Gostei demais meu tesão, como sempre. Quando vamos repetir”?
Então era isso? Havia mesmo um outro e era o Daniel. Debaixo dos olhos de todo mundo? Daniel era o namorado de Caio, um casal amigo. Marcelo e Daniel estavam tendo um affair que traía a Bruno e Caio! Que baixaria. Não esperou mais. Quando Marcelo saiu do banheiro Bruno pegou o celular e mostrou a Marcelo, sem dizer palavra.
Logo em seguida disse em tom muito assertivo, quase que descarregando toda a energia negativa, agressividade e impacto que vinha absorvendo da empresa:
“Vá embora JÁ! Cate o que tem de seu aqui, leve tudo para não precisar voltar pra buscar nada, e suma. Não me procure mais”.
Ao que Marcelo obedeceu quieto como quem sabe que fez coisa errada.
Era o que faltava para acontecer.
Agora, definitivamente sozinho, Bruno deitou-se e começou a chorar profundamente, não só pelo acontecido com Marcelo (que a estas alturas estava sendo um alívio), mas por toda a situação de sua vida presente.
Chorou até adormecer.
CAPÍTULO 18
Para piorar a vida de Bruno, ele foi assaltado na porta da empresa. Levaram sua mochila com o notebook e os documentos. Estava nervoso. Foi falar com Renato se poderia tirar o dia para tomar as providências de cancelar os cartões e fazer os B.O.s. Renato negou, maldosamente. Faça daqui, temos pendências urgentes, não podemos nos dar ao luxo de perder um só dia com estes clientes.
Bruno sentiu-se injuriado. Que absurdo! Não era possível trabalhar assim! Tratar com clientes dificílimos ao mesmo tempo em que tomava as providências para resolver o assalto! Foram dois dias nervosos, quase não dava para resolver as duas coisas simultaneamente.
Para piorar, mais um acidente com o TI atrapalhava totalmente o uso das ferramentas de informática. O que estaria acontecendo com aquele TI? Toda hora isso! Ok, informática é assim mesmo, toda hora alguma coisa dá pau, mas não com esta frequência, e nem poderia, pois as consequências são muito graves para o caso de simuladores de aplicações.
Adriano, passando nervosamente para consultar Thiago, esbarrou acidentalmente em Bruno e aproveitou para já lhe dar outra repreensão:
“E o que está fazendo aqui na passagem rapaz? Já não temos problemas suficientes nesta empresa? Trate de resolver os clientes que não estão dando certo, já sei de seus desastres através do Renato e não estou contente com eles”.
Bem, seria mais um a persegui-lo. Bruno estava em maus lençóis de fato. Mas o que não estava tão claro é que Adriano também estava. Fora os inconvenientes com a empresa e Erica, estava preso entre desejo e raiva. A cada dia, sedado seu desejo, voltava imediatamente à raiva, como forma de compensar o desejo, num movimento obsessivo-compulsivo.
Depois de passadas as turbulências com o assalto e os inconvenientes do TI, num terceiro dia, Bruno saiu para almoçar com Carolina, Gustavo e Alexei. Eles já tinham percebido o que estava acontecendo com Bruno. Sabiam que estava sendo perseguido, só não sabiam por quê. Perguntaram ao Bruno se ele sabia, Bruno achou melhor não dizer, resignou-se a dizer que sabia que estava sendo perseguindo ferozmente sim, mas desconhecia o motivo. Seus amigos ofereceram-se para ir falar com Helena e Michelle, que eram pessoas mais humanas e mais conversáveis que Renato, e pedir a interferência delas, ou pelo menos que elas tentassem descobrir o que acontecia.
No dia seguinte as próprias Helena e Michelle chamaram Bruno para almoçar. Pediram que fosse sigiloso, para que elas não se comprometessem. Elas pareciam querer ajudar, talvez porque soubessem do que Renato seria capaz.
Bruno aceitou tão prontamente que parecia estar desesperado, pedindo que uma mão amiga lhe estendesse ajuda.
Helena e Michelle perguntaram várias coisas a Bruno e já iam inferindo suas conclusões. Bruno contava as coisas que estavam ocorrendo com lágrimas nos olhos, Helena e Michelle escutavam-no com muita comiseração. Michelle já adiantou a Bruno que estes clientes eram os piores da empresa mesmo e que isto era sabido. Já eram problema antes, nas mãos de Vanessa, Arthur e Christóvão já apresentavam os mesmos impasses. Apenas com uma diferença: como era conhecido da gerência que eram clientes problema, ninguém torturava Vanessa, Arthur e Christóvão por este motivo. Isto tinha sido armado para boicotar Bruno. Só não entendiam por que motivo.
“Bruno, nem eu, nem o Renato nem a Helena nunca maltratamos a Vanessa, o Arthur e o Christóvão, por mais que nem tenhamos ótimas relações com esta turminha, porque sabemos que o problema é dos clientes, não deles. E se alguém falasse alguma coisa eles nem iriam se sensibilizar tanto, porque também sabem disso. É que te pegaram pra bode expiatório, você está sendo perseguido, só isso. Talvez testado? Mas não dê muita bola, faça o seu melhor, a coisa irá se resolver, tenha certeza. Outra coisa – o Renato entra de férias em duas semanas, e neste período você passará a ser supervisionado por mim ou pela Helena. Tenha um pouco de paciência e aguente firme, pois quando estivermos do seu lado prometo que faremos algo para te ajudar. Mas boca de siri, ok? Que ninguém, nem seus amigos como o Alexei e a Carolina, com quem vejo você andar, saibam disso, pois aí você coloca a nós em situação perigosa, o Adriano não gosta de conchavos. Estamos oferecendo ajuda mas nos retribua com seu silêncio, negócio fechado”?
“Claro”! Respondeu Bruno a Michelle com mais esperança.
“Então combinados. Só vamos deixar terminar esta semana que já está quase no fim, para não deixar tão evidente que falamos com você, tá bom? Helena, você topa ter um papinho com o Renato no começo da semana que vem? Misturado entre outras coisas, a gente vai conversar com ele para pedir informações sobre como andam as coisas, e com a desculpa de ele nos passar tudo antes de entrar de férias, perguntamos sutilmente sobre como andam estes clientes e como está o Bruno com eles – daí o assunto surge e a gente vê o que a gente descobre”.
Helena concordou.
No começo da semana seguinte foram Helena e Michelle conversar com Renato.
“Então quer dizer que vai tirar trinta dias hein Renatão? Que beleza”! disse Helena.
“Pois é. Trabalho há muito tempo para a Hedge e nunca tirei trinta dias, é mais que merecido, não”?
“Claro, a gente é de ferro, mas até o ferro se desgasta, haha. Já sabe o que vai fazer”?
“Vou para Acapulco com minha esposa e meus dois filhos. Quero desligar mesmo”.
“Que delícia, bom proveito”!
Michelle continuou:
“Bem, aproveitando então, temos que já começar a conversar um pouco sobre como estão as coisas sob sua gestão, porque teremos que dar conta só nós duas do trabalho de três, não é”?
“Michelle, você conhece bem os clientes como um todo, não acredito que encontrará dificuldades para tomar pé da situação muito rápido”.
Renato era esquivo. Não queria facilitar o trabalho de ninguém. Quanto mais retivesse as informações, para deixar os outros em situação desfavorável e desvantajosa para serem pegos de surpresa, tanto melhor para ele. Mas esse não era mesmo o problema. Elas sabiam que dariam conta. O problema era o Bruno mesmo. Helena começou:
“Tenho visto que você tem tido um pouco de dificuldade com o Bruno. Os clientes mais difíceis da empresa você tirou dos outros três que estavam tocando e colocou aos cuidados do Bruno. Gostaríamos que nos explicasse qual seu objetivo com isso, pois o Bruno é júnior, talvez não tenha tanto tato para lidar com estas situações. Não acha meio arriscado para a empresa”?
“Estou cumprindo ordens Helena”.
“Ordens”?
E um ar de perplexidade pairou sobre Helena e Michelle. Quem designava qual cliente dar qual assistente eram eles, os gerentes. Se recebeu ordens, só poderiam ser de Adriano. Por que motivo Adriano interferiria nisso? E ainda em detrimento da empresa! Muito misterioso. Michelle continuou:
“Bem, ok, se são ordens não questionaremos isso. Apenas gostaríamos de fazer um pedido pessoal. Temos visto que está pegando muito pesado com o Bruno. Não é culpa dele. Se você o orientasse e ajudasse, estaria ajudando não a ele, mas a si mesmo e à empresa, o que pensa”?
E logo após lançou ao ar em tom de brincadeira, mas muito premeditada: “Ou os maus tratos também são ordens superiores”?
Disse isso e riu em tom de brincadeira, para ver como Renato reagiria. Por mais opaca que fosse a reação de Renato ao responder: “Ora, como assim”? De alguma forma pareceu às duas que as ordens de maus tratos vinham, sim, de cima também. Por que motivo isso? Lembraram-se então de ter visto Adriano repreender Bruno no corredor, mas pensaram que fosse o contrário, que fosse por influência de Renato, não ao contrário. Esperavam todo tipo de cafajestagem de Renato, mas não de Adriano. Um ponto de interrogação pairou no ar...
A secretária de Renato, chamada Ingrid, pegou metade da conversa. Não captou toda a íntegra da conversa, mas secretárias falam-se muito, e logo já havia contado a Sílvia sobre o que tinha ouvido, e esta a Leda e Marina, e logo corria a boca miúda que Renato perseguia Bruno, e que talvez tudo viesse de Adriano. Ingrid não tinha escutado ou não tinha entendido as insinuações das duas sobre as perseguições virem de Adriano, mas a dúvida ficou no ar. Fato era que em pouco tempo a empresa tinha, em formato de fofoca, o que antes era só uma percepção diluída. Muitos se compadeciam de Bruno. Até mesmo alguns integrantes da turminha de Vanessa. Começaram a perceber que Renato vinha perseguindo Bruno e começaram a ter pena do rapaz.
Renato teve que ouvir a partir dali várias vezes, de várias pessoas, frases como:
“Pega mais leve com o Bruno Renato! Não foi tão grave assim o que ele fez hoje – é rotina para todos nós”!
Para Adriano ninguém se atrevia a perguntar nada.
Algumas secretárias e meninas da empresa chegavam a ficar muito preocupadas toda hora que Bruno ia falar com Renato. Era nítido como prestavam atenção. Achavam Bruno uma gracinha e compadeciam-se dele. Logo que Bruno entrava na sala de Renato, já se criava um clima de apreensão, todos os olhos convergiam para lá. Era como uma torcida. Ainda mais sendo contra Renato.
“Ai meu Deus, o Renato vai destruir o Bruno de novo tadinho”!
“Ai que covardia”!
“Poxa, que absurdo, nem tem necessidade”!
Até mesmo Arthur chegou a comentar alto um dia:
“Que bobagem infantil do Renato. Achei que na posição dele já tivesse passado desse tipo de picuinha. Que coisa boba”.
Para Bruno isto estava começando a aliviar muito o meio de campo. Sentia uma certa retaguarda, um escudo. Apesar de que só ele sabia de onde vinha a artilharia pesada e que contra esta artilharia ninguém ali poderia nada, nem os gerentes. Mesmo assim ficou menos desconsolado. Começou a ficar aliviado.
Em contrapartida Adriano, que percebeu este movimento, ficou mais incomodado...
CAPÍTULO 19
Adriano sentia-se cada vez pior, muito incomodado com o que acontecia na empresa. Tudo o incomodava. A possibilidade que viessem a descobrir dos eventos ocorridos entre ele e Bruno – que a esta altura já lhe parecia o menor dos problemas, já que estava longe de acontecer e Bruno não parecia estar disposto a entornar o caldo. Aliás, Adriano começava a arrepender-se do que fez, pois tinha sido num momento de fúria, e como diz o ditado, “Ira furor brevis est”. Deveria ter-se contido, pois só aumentou a proporção dos incidentes. Agora sim, ele tinha transformado um evento menor em um incidente que envolvia outras pessoas. Que ironia. Por desconforto de expor algumas intimidades suas nem tão graves, havia envolvido outros nestas intimidades e agora sim, ele mesmo, Adriano, tinha dado a chance de que os “incidentes” com Bruno não morressem por ali. Passo em falso mesmo.
Erica estava longe, distante por conta de uma distância que ele mesmo havia criado. Sentia que algo iria terminar muito mal no relacionamento deles. Novamente, outro pesadelo que ele mesmo havia criado para si. Tinham combinado um jantar para esclarecer, mas o que havia para esclarecer? Não sentia mais nada por Erica, independentemente de qualquer outra situação. Suas puladas de cerca já eram suficiente prova e ilustração disso. Somando-se aos recentes questionamentos, que sobrava? Ainda por cima, percebia que tampouco ela estava entusiasmada com ele. Mas não entendia muito bem por que motivo Erica mantinha aquele relacionamento.
Para completar este quadro, na última vez em que haviam se visto, ouviu Erica falando com um tal de Paulo. Ela não sabia que estava sendo ouvida, falava com este Paulo com uma sensualidade que havia muito não demonstrava a Adriano. Percebeu que eram amantes. Erica chegou a marcar um encontro com ele e mencionar a maneira como transavam. Pensava que Adriano estava dormindo, e que estivesse falando baixo o suficiente dentro do banheiro. Dois erros. Adriano estava muito baqueado nos últimos tempos, muitas vezes parecia estar dormindo mas estava só descansando. E achar que não se ouviria nada desde o banheiro? Tolice.
Para completar a gama de preocupações, estava muito apreensivo com as falhas de informática, sabia que seria responsabilizado por isso pela presidência.
Já estava falando muito com Thiago sobre isso, levantando hipóteses. Que erros eram aqueles? Adriano não entendia nada de informática, pela primeira vez estava nas mãos de uma pessoa dentro da empresa. Pensou em contratar alguém de fora, mas não poderia justificar isso à presidência nem autorizar a entrada de ninguém nos programas sigilosos da empresa. Por outro lado sentia que Thiago era confiável. Tipo do cara inocente mesmo. Não era um réptil perigoso, como vários outros indivíduos da empresa.
Pelo que Thiago havia esclarecido, não podia dar muita certeza do fato mas parecia haver um vírus, um programa malicioso no sistema que estava atrapalhando a geração das ferramentas e criando todo o estorvo. Ele tinha perguntado ao Thiago se daria para achar este programa antes que a auditoria o achasse, Thiago disse que faria o possível e o impossível e contava com a ajuda de dois caras muito fera, fiéis e confiáveis: Rafael Karat e Alexei Krasniev. Thiago havia pedido a Adriano se podia abrir o jogo com eles, e Adriano autorizou, mas “extra-oficialmente” e com toda a cautela para que não vazasse.
Adriano estava em maus lençóis pela primeira vez. Sentia-se um trapo, exausto. Exposto, com medo pela primeira vez, a presidência lhe daria uma chamada com toda a certeza.
E ainda por cima agora era corno!
Em meio a todos estes pensamentos, Adriano estava deitado em sua cama tentando assistir TV. Mas a televisão não o entretinha. Seu pensamento volta e meia escapava para a imagem de Bruno, que tinha virado uma obsessão secreta. Tentava ao máximo afastar a ideia quando aparecia, mas não conseguia. Hoje estava tão nítida sua imagem que não conseguiu evitar uma forte ereção ao lembrar do rapaz. Sozinho que estava, sem tanto a perder, deixou-se levar pela lembrança da festa, pelas duas vezes que tinha tocado Bruno, pela sua imagem no banheiro da academia. Resistiu um pouco mas o inevitável aconteceu, seu pênis começa a esfregar contra o calção, logo ficou grande demais para ficar lá dentro, ele teve que afrouxar o calção e tirar para fora. O pau começou a tocar os lençóis e balançar, ele deixou o membro balançar livremente entre os panos e permitiu-se o prazer. Logo suas mãos desceram, começaram a tocar-se lembrando do Bruno, lembrando do corpo do Bruno, lembrando da festa, da árvore, do Bruno sem camiseta... depois de algum tempo gozou fartamente falando alto “Ahhh cara tesão, cara gostoso, cara delícia”!
“Puta, peguei o cara mais tesudo da empresa”!
Neste momento já estava conseguindo até mesmo pronunciar alto o que sentia. Verbalizava fartamente.
CAPÍTULO 20
Outro dia começou com mais uma falha do TI e mais uma correria insana para impedir os desastres. Estava ficando absurdo isso. O que acontecia?
Adriano realmente levou uma chamada da presidência, pedindo esclarecimentos e providências.
Desta vez algo maior. Para começar chamaram um dos rapazes da área, reuniões tensas com Thiago, e logo veio a notícia: Marcos iria ser desligado da empresa. Ele tinha esquecido de iniciar o sistema no modo correto esta manhã, e gerou toda esta correria. Ele se defendia dizendo ter certeza que não havia feito isso, que não era possível. Ninguém saberia. Mas isto iria acontecer mais hora menos hora. Cabeças iriam rolar. E mais outras por vir.
Logo também Bruno foi chamado à sala de Renato. Antes mesmo que entrasse Leda e Marina já se anteciparam e disseram:
“Pega leve com ele Renato, pelo amor de Deus”!
Priscila, Giovanna, Alexei, Ingrid, Eloísa, Letícia, todos torcendo, observando. Parecia um filme de terror. Estavam esperando o monstro aparecer com uma foice.
“Ai que judiação o que o Renato tá fazendo”!
“Deixa o rapaz em paz”!
“Coitado! Ele não tem nada que ver com o pau da informática”. As pessoas já alucinam e fantasiam coisas que não existem.
Esta cena também começou a ficar comum. Renato já se sentia em posição constrangedora de cumprir a tarefa a ele designada por Adriano. Desta vez foi um papo apenas, para passar as instruções para o período em que estaria de férias e explicar a Bruno que durante trinta dias estaria supervisionado por Michelle e Helena. Que alívio para Bruno!
Por outro lado foi anunciado também que a presidência da Hedge AG (acima de Adriano) havia pedido uma auditoria interna no departamento, para averiguar o que estaria acontecendo com a área de TI e tantos contratos errados. Isto sim foi um baque. Para todos, que ficaram aterrorizados com os piores cenários de cabeças rolando, podres surgindo, pessoas empurrando seus podres para os outros...
Reuniões foram feitas às pressas, uma movimentação nervosa da gerência era vista, os sete gerentes reuniam-se ora todos com Adriano, ora alguns por departamento. Uma movimentação ensandecida, desconfortável. Nada chegava aos ouvidos do staff, permanecia a portas trancadas da gerência para cima.
Adriano poderia ser chamado pela matriz da Alemanha para prestar esclarecimentos. Temia muito que isso acontecesse. Preferiria imensamente que tudo morresse por aqui, pois queria manter uma boa imagem em Frankfurt para o caso de um dia decidir mudar-se para lá. Sua cara de consternação era patente. Ele queria resolver tudo internamente antes que alguma auditoria flagrasse algum erro e o responsabilizasse perante a presidência, ou pior, perante a matriz na Alemanha. Uma situação muito angustiante.
A auditoria interna começou.
Uma movimentação monstruosa, várias pessoas desconhecidas entravam e saíam do departamento, pediam para ver documentos, pediam para ver computadores, faziam perguntas. Todos estavam apreensivos. Exceto Renato que pensava: “Amanhã já não estou mais aqui, estarei de férias, a bomba não vai explodir na minha mão, o circo já está armado, mas eu estou fora do espetáculo”.
CAPÍTULO 21
Outra segunda feira e tudo recomeçou. Renato já estava de férias mas de resto tudo continuava.
Agora quem estava em xeque era Adriano. Tudo o que fosse averiguado ali seria responsabilidade dele. E ele sabia. Sabia que haveria normalmente as pequenas irregularidades de praxe. Mas não tinha noção de que se tratava o tal programa malicioso que Thiago tinha mencionado. Se não conheciam sua natureza, como prevenir-se para prestar contas à auditoria? Adriano caminhava agora por toda a empresa, sua empáfia desmontada. Agora estava com a bola murcha.
Em meio a este tenso tumulto, Bruno estava mais solto para operar sem a perseguição direta de Renato. Sem estar sendo diretamente observado por seu algoz, foi averiguar um dos papéis de Renato antes que a auditoria os questionasse. Eis que flagrou um erro muito estranho. Era um só contrato. Contrato grande, mas feito de forma estranha, pois celebrava um negócio que trazia opções muito desvantajosas tanto para a empresa cliente, a Madeira Norte S/A, uma gigantesca empresa de exploração de madeira no Pará e Amazônia, quanto para a Hedge AG. O que havia acontecido é que um dos paus da informática tinha feito a ferramenta que gera as simulações gerar duas simulações diferentes, uma para a Hedge e outra para o cliente. Com base nisso, o contrato foi firmado com base em uma simulação errônea e dupla, que dava estes resultados mencionados. Bruno era muito esperto com este tipo de trabalho, sabia lidar com ferramentas de informática. Testou de novo a simulação nos programas normais e não funcionava, não saía do mesmo jeito que neste contrato estranho. Testava tanto no programa antigo de antes de 2010 e no atual. Em nenhum dos dois o resultado saía como estava no contrato para o cliente. Aquilo era muito suspeito.
Num primeiro momento Bruno pediu para falar com Helena e mostrou os dados que flagrou. Helena surpreendeu-se.
“Bruno, você está certo, tem um erro grande aqui”!
Bruno mencionou a Helena que era muito chegado a Alexei, que dominava a informática. Se poderia levar estas informações a ele. Helena autorizou, extra-oficialmente.
Quando Alexei dividiu com Thiago o que tinha recebido de Bruno, eles fizeram vários testes e mataram a charada. Era um vírus sim. Thiago pediu reunião imediata com Adriano e esclareceu tudo. Adriano estava muito aliviado. Thiago o tinha prevenido que isto deveria ser só a ponta do iceberg, mas como o pessoal da auditoria não manja nada de informática, seria suficiente para aliviar a carga e dar a eles dois tempo até que achassem a real causa dos transtornos. Tinham ganho tempo lógico sobre o “adversário”, a temível auditoria.
E o mais irônico de tudo: quem tinha descoberto esta ponta de iceberg e tirado o poderoso Adriano da forca? Bruno! Adriano sentiu um pesar imenso pelo que havia feito ao rapaz e começou a pensar em como poderia reparar seu dano e recompensá-lo, porém de novo, sem atrair mais atenção para um ponto tão frágil seu.
Já aliviado com quase tudo o que se referia à empresa, ainda antes de sair, recebeu um email de Renato para ele mesmo, Adriano, copiando Bruno. Renato mandava este email já de onde estivesse, fora da empresa, dizendo que havia achado um contrato mal elaborado feito por Bruno, e que havia indício de uso de ferramentas maliciosas de informática que gerariam este contrato. Deu informações superficiais a respeito da parte da informática e aconselhou a Adriano que demitisse Bruno.
Adriano pensou: “O Renato levou a sério mesmo a tarefa que lhe designei” e riu-se por dentro, pensando que teria que falar urgente com Bruno, que deveria estar apavorado.
Bruno estava arrasado. Tinha ido à academia para relaxar, já que sabia que não encontraria Adriano lá a essa hora. Tomou seu tempo, tomou seu banho, escovou seus dentes, como se estivesse dando-se o prazer de sentir-se pelo menos atraente apesar de todo o resto. Era uma das poucas coisas que lhe restavam a estas alturas. Era como se, apesar de demitido e com tantos problemas, ainda pudesse sentir alguma coisa boa em sua vida. Saiu de lá e ia indo para casa, já dando por certa sua demissão. Que tanto fazia naquele caso mesmo, estava cada vez mais impossível trabalhar daquele jeito.
“Melhor cair fora já e procurar outro trabalho o mais breve possível antes que as coisas fiquem pretas para mim. Já sei do contrato errado do Renato e sei que o Renato vai usar isto para me responsabilizar e me demitir, como a Mônica fez com o Alessio e o Thiago foi obrigado a fazer com o Marcos. A corda sempre estoura do lado mais fraco”.
No meio do caminho resolveu mudar de rumo e passar em frente à casa na qual havia ocorrido a festa. Lembrou-se de que tinha sido o único momento bom que tinha vivido com Adriano, descontraído, legal mesmo. E, ironicamente, este bom momento teria sido justo a causa de todos os seus problemas vindouros.
“Como as pessoas complicam as coisas”, pensou para si. Estava agora dirigindo no Morumbi. Achou a casa, contemplou-a, já era noite. Os olhos enchiam-se de lágrimas. Uma amargura imensa inundava seu coração. Nem dava para saber se era pela empresa, por Adriano, pelo choque ou pela sua vida que estava tão ruim.
Deixou o carro estacionado por ali e resolveu caminhar um pouco para espairecer.
Enquanto isso Adriano estava esperando Erica, com o jantar pronto desta vez. Sabia que o assunto não demoraria muito. Tinha feito peixe à milanesa com molho de espinafre e batatas douradas.
Erica subiu e realmente a conversa não progrediu por longo tempo. Ela se justificou que não ficaria para jantar pois já estava tarde e já tinha jantado. Queria apenas pontuar que estavam finalizando um relacionamento porque não estava mais dando conta de ter um namorado que se comportasse daquele jeito. Para ela um relacionamento significava dividir o que estivesse acontecendo, dizia que já sentia Adriano distante havia muito tempo, só que nos dois últimos meses a coisa tinha se tornado insustentável para ela.
Adriano não se preocupou muito em rebater. Tinha como explicar, mas não estava com vontade, nem com vontade de falar nem com vontade de se expor. Apenas aceitou e disse que lamentava, e que ela não ficasse brigada ou magoada com ele. Erica fez menção de levar tudo dela que estava ali e devolver a chave, mas Adriano negou, falou que não precisava ser assim, queria manter boa relação com ela e queria que continuassem se falando, mesmo que não pudessem ser amigos assim tão imediatamente. Mas fariam esta parte com calma. Que as portas estavam abertas e que um outro dia quem sabe pudessem conversar com mais vagar, e ela viria buscar suas coisas. Acompanhou-a até a rua, esperou que pegasse seu carro e que se fosse. Ficou ali embaixo, na rua, em frente à portaria do prédio, ainda meio perplexo com o rumo que sua vida estava tomando. Perplexo e pensativo, mas não exatamente infeliz ou amargurado. Por um glimpse parecia que as coisas começariam a resolver-se.
Estava ali parado pensativo quando de repente uma figura para diante dele. Era Bruno.
“Então é aqui que você mora, Adriano garotão”?
Bruno também estava perplexo com a coincidência.
“Bruno, o que está fazendo por aqui? Como achou onde moro”?
“Não achei, resolvi passear em frente à festa que fomos e vim parar nesta rua, não fazia a menor ideia que morasse por aqui”.
“Bruno, que feliz coincidência então. Preciso muito conversar com você”.
“O que quer fazer mais, Adriano boy? Mais que me demitir é impossível. O que pretende fazer agora para acabar de destruir a minha vida”? Bruno não tinha mais nada a perder e tinha mudado o tom para um mais agressivo e sem formalidades.
“Não é nada disso Bruno, gostaria muito de conversar um pouco com você, podemos subir um pouco? Posso lhe oferecer um jantar”?
“Ora, como assim? Depois de tudo o que está acontecendo simplesmente me oferece para subir ao seu apartamento e pedir uma pizza ou o quê”?
“Não, não é pizza, acabo de terminar com minha namorada. O jantar está pronto, nem chegamos a comer. Não quer me acompanhar”?
Bruno estranha a atitude de Adriano.
“Pode me dar um só motivo para que eu subisse ao seu apartamento e jantasse com você Adriano”?
“Olha, estou vendo que está com muita raiva, e com toda a razão. Eu também estaria. Mas pode me dar uma chance de explicar umas coisas? Em primeiro lugar queria te pedir desculpas pelo que fiz e venho fazendo, mas tudo vai mudar muito. Tenho boas novas. Tudo foi esclarecido e você não vai ser demitido a não ser que queira sair, mas por mim não quero que saia, desconsidere aquele email louco do Renato, aquilo foi besteira dele. Eu posso explicar. Me dá uma chance de conversar, depois se não quiser aceitar minhas desculpas e quiser ir embora e nunca mais falar comigo é seu direito. Mas me dá uma última chance.”
“Como posso ter certeza de que não é mais uma das suas ciladas”?
“Você vai ter que confiar em mim, mas não tenho qualquer motivo para prejudicá-lo agora, aqui na minha casa. Pensa, por que raios eu te convidaria pra subir se não quisesse esclarecer? E pedir sinceras desculpas por esta criancice que eu fiz”?
Bruno ficou muito pensativo por alguns instantes. “O que ele quer? Será que vai me envenenar? Vai querer transar comigo porque tem vontade, depois continuar me hostilizando? Bem, isso tudo é viagem, eu posso recusar qualquer coisa, vamos ver o que ele quer. Não é um psicopata, só um alto executivo arrogante. Não tenho nada a perder”.
“Ok, mas não vou aceitar mais suas hostilidades. Já estava decidido a sair da empresa mesmo, portanto veja como me trata.”
“Poxa Bruno, que legal, vamos sim, você vai ver que não é nada disso. Vamos conversar e depois comer”.
Subiram os dois. No primeiro instante Bruno ficou extasiado com o apartamento. Nem escondia seu wonderment. Depois dos primeiros comentários acerca do apartamento, Adriano disse que não era sobre isso que queria falar. Primeiro insistiu em seu pedido de desculpas, disse que se explicaria com maior detalhe mais adiante. Logo a seguir contou todo o ocorrido com a descoberta do vírus que o Thiago tinha identificado e mencionou que justamente esta descoberta tinha vindo dele, Bruno. Estava imensamente agradecido por ter sido tirado da forca por algum tempo e que teria agora uma outra oportunidade para descobrir, junto com Thiago, Helena, Alexei e Rafael, o que estava errado na empresa. Bruno recordou-se de Giselle aquela ex-funcionária, que tinha dito que, desde o tempo em que ela trabalhava lá, tinha alguma coisa de muito errado na empresa, e que nem o Adriano nem a matriz em Frankfurt tinham a menor ideia do que estava acontecendo. Foi aí que Bruno começou a acreditar na não-maleficência de Adriano. Talvez ele fosse mesmo só um executivo arrogante.
Adriano falou também que achava uma ironia muito grande que justo o funcionário que ele tinha mandado hostilizar foi quem o tirou da forca. Explicou que se sentia muito mal por isso, não só porque Bruno o tinha salvado por enquanto, mas porque se sentia um imbecil ele mesmo de ter feito tamanha monstruosidade e sentia-se obrigado a reparar o dano. Queria saber se Bruno o ajudaria a formar um time junto com os outros que tinha mencionado, já que eram um grupo harmônico. Extra-oficialmente, claro, mas iriam operar por detrás dos panos para descobrir o que havia de errado. Bruno não aceitou a princípio, pediu se poderia pensar um pouco, ao que Adriano acedeu. Adriano também prometeu que se Bruno quisesse ficar na empresa iria tirá-lo da gerência de Renato e passá-lo para Helena ou Michelle, quem ele quisesse. E que Bruno tinha pontos muito positivos com ele, Adriano, que estava lhe devendo esta e muitas, portanto teria vasta margem de boa vontade a aproveitar, coisa que não costumava conceder a ninguém fora do âmbito de gerência.
Pediu ainda desculpas por todas as hostilidades pessoais, por tê-lo chamado de imbecil, quando o grande imbecil ali tinha sido ele, Adriano, e que poderia explicar isso com uma simples resposta:
“Faz muito tempo que venho percebendo que a minha vida possui alguma coisa de errado também, Bruno. Eu já sabia que olhava para outros homens com um olhar que não é um olhar de amizade, coleguismo ou mesmo de comparação. Mas sempre neguei isso. Você foi lá, botou o dedo na ferida e ocasionou essa reação. Sei que você não tem culpa, por isso peço desculpas de novo”.
“Ok, Adriano, para então de se desculpar. Já entendi. Só não quero ficar tomando o tranco da sua repressão sexual na minha cara a cada semana, entende? Acho que tem que resolver isso, e se for para ser dessa forma brutal, não vai ser comigo, eu não tenho estrutura para aguentar sobre os meus ombros essa violência toda – por que você não faz uma terapia? Pode ajudar muito”.
“Já pensei nisso, prometo que vou fazer”.
Bruno estava dizendo um “não” a princípio, mas seu encantamento por Adriano era tanto que por dentro já estava arquitetando um jeito de se permitir ajudar ao Adriano e tentar ver no que iria dar.
“Olha Adriano, não posso negar, desde que te vi pela primeira vez achei você muito gato. Fiquei deslumbrado mesmo. Quando você começou a me olhar na academia fiquei mais encantado ainda. Mas você tá percebendo que foi você quem começou tudo? Foi você quem começou a me olhar daquele jeito. Eu só correspondi. Aliás nem deveria, porque tinha namorado naquela época, eu terminei com ele faz algum tempo já, mas naquela época eu estava namorando”.
Adriano riu.
“Você também terminou um relacionamento recentemente? Que ironia. Acho que nossas vidas estão correndo paralelamente. Se acreditasse em destino diria que você apareceu na hora certinha, haha. Mas eu não consigo me imaginar namorando um homem. Não consigo me imaginar nem ficando com um homem”!
“Adriano, cara... você já ficou meu, haha”.
“Ok, mas não conta pra ninguém tá? Peraí, a conversa tá esquentando, vamos tomar um vinhozinho e conversar ali na varanda”?
Bruno olhou desconfiado.
“Bruno, não é veneno cara, é só um vinho, e dos bons, para acompanhar o jantar. Mas se não quiser não toma. Eu vou tomar porque começo a ficar travado com esse papo e preciso descontrair um pouco”.
Adriano foi buscar o vinho com duas taças. Era um Beaujolais Nouveau. Saíram para a varanda, onde havia uma mesinha, duas cadeiras de vime e um sofá de tecido. O tempo estava começando a esfriar muito de leve, mas não a ponto de incomodar. Soprava uma leve brisa, só isso. Começaram a bebericar e conversar sobre o tabu de Adriano. Este iniciou o assunto:
“Não consigo imaginar dois caras juntos. Naquele dia no elevador e no dia da festa foi o máximo, mas isso não é ficar pra mim. Ficar quero dizer dormir junto, transar, beijar... Nossa cara, só de pensar me dá nojo sabe? Não entendo, sinto atração pelo corpo masculino mas sinto nojo de tocar”.
Adriano falava desenvolto mas mal acreditava que estava falando deste assunto com alguém na vida. Não imaginava que conseguiria conversar sobre isso, por esse motivo não fazia terapia. Bom, não imaginava que conseguiria tocar um homem e tinha acontecido duas vezes...
“Quando vejo aqueles caras no vestiário se trocando, até acho uns bonitos, uns me dão tesão de olhar, mas quando imagino que vou tocar um deles sinto nojo. Sinto nojo do cheiro, aquele cheiro de homem em vestiário, nossa! E como deve ser o hálito de um homem. Que porqueira, me dá nojo de pensar em beijar um, nem em sonho. Só sinto tesão e admiração de olhar, vejo atores que acho gatos ou gostosos, mas é só”.
“Engano seu Adrianão, haha. Olha, pra te falar a verdade, até eu sinto nojo de cheiro de vestiário. Ninguém gosta daquele cheiro. Aquilo não é cheiro de homem, é cheiro de homem suado, de vestiário. Mas imagina um cara de banho tomado, perfumadinho, delícia. É outra coisa. Posso te sugerir um negócio? É só sugestão hein? Não vai me envenenar ou querer me matar amanhã só por causa disso. Agora é sua responsabilidade. Você já é crescidinho. Sente o perfume aqui no meu braço”.
“Olha, eu conheço esse perfume”!
“Claro que conhece, eu copiei de você. É o Swift da Drench. Você usa ele direto. Se achar fedido então você deve se achar fedido, hã”?
“É, tem razão, apesar de que o perfume fica diferente em cada pele. E além disso tem o cheiro do homem, não é só o perfume”.
“Mas eu garanto que você não iria se repugnar não. Mesmo porque aquele dia você bem que gostou. E também não ia sentir repulsa se me beijasse, por exemplo, porque minha boca está limpinha, dentes escovados, só ia sentir um hálito gostoso de boca limpa”.
A conversa deu uma pausa. Adriano começou a travar de novo e Bruno resolveu não insistir.
Mas desta vez quem insistiu foi o próprio Adriano. E sóbrio ainda por cima. Aproximou-se de Bruno suavemente, começou a segurar a mão dele, senti-la, explorá-la. Explorou o antebraço, passou a mão, como se fosse brinquedo novo, e riu, dizendo que nunca tinha pegado em braço peludo e musculoso assim. Bruno deixou. Deixou Adriano explorar o que quisesse, mas não tomou iniciativas. Adriano aproximou o braço de Bruno do seu nariz e sentiu de novo o perfume. Depois sentiu o perfume no próprio braço e sorriu para Bruno. Desta vez havia uma verdadeira aproximação, sem violência. No ritmo de Adriano. Bruno sutilmente indicou sua nuca, para que Adriano sentisse o perfume na nuca também. Adriano aproximou o rosto do pescoço de Bruno e sentiu o perfume. Mas não só sentiu o perfume. Deixou-se levar pelo perfume. Sentiu-o longamente, depois encostou seu rosto no rosto de Bruno e deixou-se levar pelo prazer que estava experimentando. Logo estendeu seus braços e abraçou Bruno de forma leve, ao que Bruno correspondeu. Ficaram ali um pouco, abraçados, Adriano acariciava a cabeça de Bruno, bem suavemente. Sussurrou ao ouvido de Bruno bem de leve: “Me desculpa”? Bruno respondeu bem baixinho “Tá”. Adriano continuava acariciando Bruno. O abraço foi ficando mais apertado. Os rostos estavam colados e também roçavam-se suavemente, e pela primeira vez Adriano percebia uma forte emoção ao sentir seu rosto barbado encostar-se em outro rosto barbado. As duas barbas estavam muito bem feitas, mas mesmo assim era para ele uma emoção nova, única, extremamente excitante.
Ficaram ali desta forma, abraçados, rostos colados, como que acariciando-se com a pele do rosto. Aquilo parecia um prazer intenso para Adriano. E para Bruno era também uma emoção única, como que reviver um primeiro encontro, um primeiro namoro, nem sabia como descrever. Era como experimentar o novo, de novo. Respeitava o ritmo de Adriano. Não fazia um movimento em falso. Já tinha aprendido sua lição.
O movimento continuou nesta dança por um tempo. Adriano começou a beijar a face de Bruno, beijava com ternura, com cuidado, com medo. Foi beijando o rosto de Bruno até que as bocas começaram a aproximar-se. Adriano timidamente queria chegar lá, mas percebia-se que estava resistindo, lutando consigo mesmo. Bruno não forçava, deixava. Aos poucos Adriano foi se achegando e conseguiu tocar o canto do lábio no canto do lábio de Bruno. Beijava-o no canto do lábio, como se fosse um beijo russo. E o beijo russo foi evoluindo para um encontro maior, Adriano foi começando a beijar Bruno por cima do lábio, primeiro só um selinho, muito cuidadoso. Bruno correspondia mas não invadia. E o beijo russo foi se transformando num legítimo beijo francês, gostoso, suave, terno e sem voracidade. Ficaram ali beijando-se por um bom tempo.
Aos poucos foram então se desfazendo deste contato, separaram-se e Adriano pôs a mão na cabeça. Sentou-se no sofá da varanda olhando para o chão. Olhou para cima e bufou de dentro dos pulmões:
“Nossa cara! Puta merda, isso é demais para mim. Eu to beijando um homem! E mais, to gostando!”
Olhava para o chão meio nervoso ainda, mãos segurando a cabeça, cotovelos sobre os joelhos, como que numa posição de desespero. Logo depois olhou para Bruno e falou: “Cara, é demais pra mim. Deixa eu beber um pouquinho mais do vinho. Hahaha. Vamos jantar daqui a pouco”?
“A gente continua conversando Adriano, uma coisa por vez, já saquei qual é o X da questão. Vamos respeitar seu ritmo, se você achar que dá pra encarar tudo bem, senão deixa pra lá”.
Foram jantar. Bruno elogiou muito o prato, disse que não combinava com Adriano saber cozinhar, jamais haveria suspeitado. Jantaram bem, como se fossem amigos. Conversaram sobre temas variados, não relacionados a trabalho, nem academia, nem ficar com homem ou mulher. Conversavam como haviam feito aquele dia na festa, quando a sintonia tinha sido perfeita. Era este o ponto de concórdia dos dois: a conversa. Mais que em qualquer outra situação, era na hora em que conversavam que ficava patente o melhor ponto em comum, esta harmonia de conversa de dois caras inteligentes, cultos, informados sobre o mundo, com gosto sobre filmes, conhecimento, estudo e por aí afora.
Finalizada esta parte Bruno decidiu que deveria ir embora.
“Só quero ver o que vai vir amanhã, vou ser chicoteado e esquartejado ou o quê”? Disse em tom de brincadeira, pois percebia que desta vez não seria o caso.
“Tranquilo Bruno, desta vez a coisa vai ser MUITO diferente. Primeiro que a responsabilidade e iniciativa foi toda minha, porque fui eu quem te convidou para subir, jantar, quem te tocou, quem te beijou, seria muita idiotice minha desta vez. Mesmo das outras já foi. Outra coisa – pode crer que o Adriano que todos conhecem está mudando. Já estou muito esquisito faz tempo, talvez uns dois anos, mas a mudança só começa a aparecer tempo depois de ser digerida. Nestes últimos meses é que a coisa começou a aflorar. Vou precisar de terapia mesmo, haha. Só te peço uma coisa – seja discreto lá na empresa. E desculpa, não é por outro motivo senão pelo bem do nosso emprego e da nossa pessoa, mas lá acho melhor não demonstrar nada e você me chamar de Dr. Adriano se acontecer, ok”?
“Mas é óbvio, não se preocupe, você nem faz ideia de o quanto posso ser discreto. Boa noite”!
PARTE E
CAPÍTULO 22
O dia era uma terça.
Adriano entrava outro homem na Hedge. Rosto desanuviado, relaxado, a expressão cabisbaixa de derrota e angústia o havia deixado. Entrava decidido a descobrir o que havia de errado com aquela informática, decidido a adiantar-se à auditoria, presidência e matriz. Mas antes de tudo, decidido a resolver suas outras pendências também. Parecia que ter ficado com um cara não era um pecado mortal a ser ocultado, com medo de uma punição eterna, castigo, com medo da reprovação e chacota dos outros. Antes, parecia que lhe tinham tirado um piano dos ombros. Estava mais leve.
Bruno entrava outro homem na Hedge. Não só não seria perseguido ou demitido como agora tinha o aval e apoio de ninguém menos que o diretor. Não seria nada aberto nem poderia usar-se disso, mas poderia contar com isso. E algo lhe dizia que desta vez era pra valer. Mais, agora tinha uma missão, uma tarefa em comum com ele – descobrir o erro. E também sua vida pessoal tinha uma missão, ajudar alguém em um caminho que para ele era mais fácil e conhecido. Com prazer faria tudo isso. Parecia que lhe tinham tirado um piano dos ombros. Estava mais leve.
“Dr. Adriano, seu olhar está mais plácido hoje, se mo permite dizer. Folgo em vê-lo assim”. Amanda observava, dentro de sua reserva portuguesa distante mas caring.
Enquanto isso Bruno fazia seu trabalho, passava as coisas a Helena e Michelle. Com atenção, para ver se flagrava mais algo estranho. Não haveria Renato por um mês, e mesmo quando houvesse... Ria-se disfarçadamente. Seu semblante estava leve. Tinha saído da empresa quase demitido no dia anterior e hoje voltava em outra vibração.
Uma hora Carolina perguntou: “Bruno, o que aconteceu menino? Tava tão chateado esses dias, agora tá todo sorridente, viu passarinho verde?”.
“Não foi nada não Carol, às vezes a gente exagera os problemas. É só colocá-los de volta em sua proporção”.
No meio da manhã Adriano pediu que Amanda chamasse a sua sala Michelle, Helena, Thiago, Alexei, Rafael e Bruno. Já a portas fechadas explicou o motivo da reunião. Explicou, sem expor muitos detalhes, que havia alguns erros no TI que já haviam sido identificados, mas que poderia haver mais alguns erros em contratos ou simulações e que seria melhor que eles descobrissem os erros antes da auditoria. Desconfiava que poderia haver mais eventos do mesmo tipo que Bruno e Helena haviam achado no antigo contrato de Renato. Se achassem mais deles, poderiam levar a algum padrão de programa malicioso ou vírus, que teria que ser descoberto antes da auditoria, para o bem de todos. Pediu sigilo absoluto, pois isso envolvia o pescoço de todos ali inclusive o dele Adriano. Disse ainda que seria forçado a tomar providências drásticas no caso de alguém quebrar este pacto de sigilo que ficaria estritamente entre os componentes deste novo time que ele agora constituía, seis pessoas mais ele. “Um número cabalístico, vamos manter a sete, que fique a sete chaves, o oito destruirá a mágica”! Disse Adriano em tom jocoso mas meaning it a sério.
Logo em seguida dispensou os outros e pediu que Bruno ficasse para analisar os cinco clientes que estavam com problemas. Pensava que resolver estes clientes junto com Bruno seria uma maneira de reparar o dano pessoal que tinha causado a ele, uma maneira de deixá-lo mais seguro e ao mesmo tempo trazê-lo para seu campo como aliado, como alguém que está fazendo uma tarefa comum – para terem uma atividade em comum. Enfim, uma maneira de estarem mais próximos.
Além disso suspeitava que algum estes clientes poderia muito bem ser outro “erro” esquisito do tipo flagrado, que forneceria mais pistas sobre o que, afinal, acontecia.
Para os outros que deixavam a sala, porém, parecia que Adriano seria muito cruel com Bruno, que continuaria repreendendo-o por erros com estes clientes, e entristeceram-se ao deixar a sala. Aos olhos deles parte da história não aparecia.
“Vamos começar analisando os cinco clientes Bruno, você pode me puxar o histórico dos cinco, tudo o que você tiver, simulações, contratos, emails e tudo o que aconteceu? Para quando me consegue isso”?
“Bem Dr. Adriano, para fazer as cinco precisaria pelo menos de uma manhã ou uma tarde, mas se quiser começar por apenas uma, já tenho em mãos isto bem preparado sobre a Plast-O, a empresa de plásticos, seria só questão de pegar em minha mesa o dossiê”.
“Boa ideia Bruno, começamos então pela Plast-O, você me traz aqui agora e tentamos ver o que foi, e de tarde você reúne os outros quatro para começarmos a ver amanhã, assim não perdemos tempo”.
“Certo Dr. Adriano, vou pegar e já volto”.
Bruno foi até sua estação de trabalho, reuniu os documentos e voltou.
Adriano analisou as propostas de investimentos feitas à empresa e ficou um pouco impressionado.
“Isto não é mesmo nada vantajoso para eles. O Renato assinou estas propostas? Que estranho! Vou fazer o seguinte. Vou encomendar ao Otávio que peça ao time de analistas para preparar propostas nesta área de investimentos e com este perfil, mas com vantagens muito mais apetitosas, que nem ofereceríamos a clientes deste porte pequeno. Meu intuito aqui é descobrir o que ocorre de errado. Então marcaremos um almoço com eles, vou ver se consigo para amanhã e você vai comigo, ok”?
“Eu Dr. Adriano? É uma honra, mas me sinto pouco experiente e pouco importante na empresa para acompanhá-lo nisto, tem certeza”?
“Bruno, temos um trato, lembra-se? No momento tudo o que preciso é de gente do meu lado. Já percebi que aprende rápido, tem boas intenções e astúcia para flagrar os erros, você já provou que consegue fazer. O resto você aprende. Eu quero que aprenda, acho uma boa oportunidade de estar presente para ver como se conduz uma relação com um cliente difícil, vai te servir para outras ocasiões”.
“Claro Dr. Adriano, o Sr. é quem decide”.
“Por hoje então esperamos as novas análises do Otávio, enquanto você reúne os outros dados de tarde e eu marco o almoço com este cliente o mais breve possível”.
Bruno saiu da sala e Adriano pediu a Amanda para contatar o presidente da Plast-O. Conseguiu marcar um almoço para o dia seguinte, quarta feira.
Bruno saiu para almoçar com seus colegas mas não comentou absolutamente nada sobre qualquer evento na empresa. De tarde reuniu tudo o que se referia aos outros quatro clientes problema, como requisitado por Adriano. O dia terminava sem mais eventos.
CAPÍTULO 23
O dia era uma quarta.
“Amanda, pode por favor chamar aquele rapaz de Clientes, o Bruno”?
“Sim Senhor, Dr. Adriano”. A meio caminho parou pensativa e voltou com ar temeroso, mas diz de forma segura: “Dr. Adriano, posso lhe fazer um pedido muito pessoal”?
“Vamos ver, se puder atendê-la Amanda... de que se trata”?
“Sei que não é de minha ingerência, pode ralhar comigo, mas peço se poderia não maltratar tanto o rapaz, Doutor”...
“Ora, não se preocupe Amanda”. Adriano sorriu disfarçadamente ao dar-se conta de que as pessoas ainda pensavam que ele estaria perseguindo Bruno. Melhor assim.
Bruno entrou, Adriano pediu que fechasse a porta e contou-lhe que tinha conseguido marcar o almoço para aquele dia mesmo. Mas pediu discrição e relatou a Bruno, rindo, que os outros pensavam que ele, Adriano, ainda o estivesse perseguindo.
“Bruno, vamos manter assim, é melhor para os dois. Nem vamos sair juntos, o restaurante é este aqui. Nos encontramos lá às 12:30h, o cliente chega às 13:00h. Por favor, não vamos sair juntos.”
“Ok, Dr. Adriano, melhor mesmo.” E saiu.
Já lá no restaurante Bruno e Adriano receberam o cliente. Adriano se apresentou como diretor de Investimentos, com o intuito de mostrar à Plast-O o quanto a empresa era importante para eles. Apresentou Bruno como assistente pessoal da diretoria e começou a apresentar novas opções de investimentos. Sem exatamente reconhecer o erro da Hedge, foi envolvendo o cliente em sua lábia e carisma. A desenvoltura do velho Adriano estava de volta. E Bruno assistia a isto de camarote.
O semblante do diretor da Plast-O foi aos poucos passando de raivoso e desconfiado para mais receptivo, até chegar ao muito entusiasmado, pois o que Adriano estava lhe oferecendo eram pérolas do mercado. Mais tarde Adriano explicaria a Bruno que estava vendendo ouro a preço de latão, só fazia isto porque queria resolver este cliente e achar o erro, mas para este porte de negócio o valor pago não compensaria normalmente. Bruno já começava a aprender.
“Hoje almoçamos juntos, quando vamos repetir um jantar juntos”? Perguntou Adriano.
“Quando me convidar Dr. Adriano”.
“Amanhã está livre à noite? Poderíamos ir direto da academia, o que acha”?
“Ah, tá bom pra mim”.
“Fechado”.
Bruno ficou muito entusiasmado. Estava achando tudo isto ótimo, aliás estava apaixonado por Adriano. Olhava-o com um olhar de tamanha admiração que só faltava o suspiro.
Voltando à Hedge, Adriano pediu mais uma vez que Amanda chamasse Bruno com as pendências dos outros clientes, que a esta altura já estariam prontas. Outra vez rolou o clima de tensão, a empresa esperava maus tratos e tensão, até mesmo demissão de Bruno. Secretárias sussurravam: “Pobre moço, em que foi se meter”...
Bruno passou os casos. A LigaMetal S/A teria perdido dinheiro por conta de negócios mal contratados e mal geridos, A Vermont Agrícola S/A também teve erro de projeção e de simulações, a Loi Advs. Assoc. Foi mal informada sobre resultados e no final deixaram a Hedge porque o que estava no contrato era uma coisa, o que estava nas simulações era outra e o que estava nos emails era uma terceira. Ainda por cima o que havia sido pago era uma quarta soma diferente. Tudo divergente por parte da Hedge, e Renato queria evitar dizer que haviam se enganado? Dizer que isto era ruído de comunicação? Finalmente uma empresa de veículos pesados para negócios agrícolas, a Agroforça S/A, tinha negócios muito vultosos e quantias altas investidas, mas muito pouca atenção da Hedge nos últimos dois anos, muitos enganos e baixa remuneração. Este seria o caso mais difícil de resolver, porque os valores de perdas eram altos demais e os equívocos e pouco caso por parte da Hedge também.
“Vamos deixar esta por último, Bruno. Que tal começarmos pela Loi? Eles têm razão. Por que motivo o Renato não quer se desculpar? Vamos admitir o erro e pedirmos para recomeçar do zero, apertar o botão de restart. Eu sou diretor, pega bem eu me importar diretamente com eles que são menores. Vou ligar pessoalmente, avisar que estão no viva voz e apresentar você como assistente da diretoria como fiz agora há pouco. Oferecemos coisa melhor, que pode ser o mesmo que foi oferecido à Plast-O, ouro a preço de banana, oferecemos melhor contrato, hmmmm, melhor ainda, eles são advogados, propomos que eles modifiquem o contrato da forma como for melhor para eles, que coloquem cláusula exigindo melhor atendimento, ao menos um contato a cada, hmmm, três dias, ou uma semana, sei lá, você pode acompanhar? Eles analisam a proposta financeira, a gente analisa o contrato e tentamos recomeçar. Vamos tentar”?
Adriano fez o combinado. Bruno ia aprendendo e via como era mais fácil de resolver. Bem, fácil porque Adriano pode decidir que aplicações vai oferecer, ele, Bruno, jamais poderia decidir sobre isso. Mas tendo esta liberdade de acompanhar, ele já ia pegando o jeito de falar com o cliente. E o melhor de tudo: achando uma delícia trabalhar junto com o cara que a esta altura ele já adorava.
CAPÍTULO 24
Quinta feira de manhã e Bruno recomeçou a rotina de “arrumar a casa”. Arrumava seus negócios pendentes que não eram exatamente os cinco “clientes problema”, fazia suas tarefas, cuidando de outras rotinas e outros clientes e esperava que Adriano o chamasse para dar andamento à tarefa que tinham combinado.
Adriano estava com Helena em sua sala e, já finalizando, chamaram Amanda em seu ramal e pediram-lhe que chamasse Bruno. Helena já nervosa disse em tom baixo:
“Por favor Adriano, não destrua o rapaz. Ele é inexperiente e um pouco tímido, mas já o conheço um pouco, posso garantir-lhe que é esperto e capaz. Não sei por que motivo o Renato pegou ele pra Cristo”...
“Pode deixar, vou tentar maneirar”. Dizia Adriano tentando não rir.
Saiu Helena, entrou Bruno. Adriano fechou a porta e segurou a mão de Bruno inesperadamente. Disse em tom baixo:
“Preparado para o jantar hoje”? Como se o que fossem resolver agora fosse menor.
“Sim, preparado para tudo Dr. Adriano”, disse sorrindo.
Adriano tocou levemente a cabeça de Bruno com a mão, acariciando-lhe os cabelos, e depois deu um beijo selinho sobre os lábios dele, afastou-se e disse: “Ao trabalho então”.
Bruno estava estupefato. Adriano analisava atentamente o material trazido por Bruno.
“Faltam então a Vermont S/A, a LigaMetal S/A e a Agroforça S/A. Estes são mais difíceis. Vamos ter que visitá-los pessoalmente. Vou ver se marco visita para cada um deles, você irá junto, ok”?
“Certo”.
“Então por hoje acho que é só, nos vemos à noite”?
“Claro”!
Já eram mais de oito quando Bruno e Adriano subiram ao apartamento deste último para o jantar. Um jantar caprichado, daqueles que há muito Adriano não fazia, só que desta vez com um homem. A ideia, ao mesmo tempo em que lhe agradava, dava-lhe arrepios. Mas eram arrepios de uma excitação diferente. Um thrill proibido, diferente. Um jantar com óbvias segundas intenções, feito para um homem. Comida, vinho, tudo. Como preliminares (de um jogo que ele não sabia direito onde iria terminar hoje). Que diferente brindar uma taça de vinho com outro homem, olhando-o nos olhos com aquele olhar que não é de amigo...
Os dois jantaram calmamente, conversando sem ansiedade. Parecia que a situação estava realmente resolvida entre os dois.
Depois do jantar Adriano ofereceu a Bruno uma escova de dente e o uso de seu banheiro (pois já previa que iriam acontecer uns beijos). Realmente, dentes escovados e prontos para um afago mais íntimo. Como ficou tacitamente acordado, Adriano fazia os first moves. Agora já bem mais à vontade, conversavava tranquilamente com Bruno à medida que ia abraçando-o. Volta e meia continuavam a conversa, permeada de abraços, beijos já mais ousados, e de novo papo vai papo vem. De vez em quando um outro Adriano, bem menos arrogante e bem mais à vontade, punha a mão na testa abaixada e falava: “Nossa, que louco, estou ficando com um cara”...
Mas isso não impediu o andar da carruagem nem um pouco. Logo estavam atracados no sofá, deitados, em um enrosco forte. Não na varanda, o clima outonal já não permitia mais. Estavam quentinhos dentro de casa no sofá. Adriano foi subindo a camiseta de Bruno e dizendo:
“Cara, você é muito gostoso. Fico louco de ver este seu peitão. Posso sentir mais de perto”? E Bruno deixava-se tocar e despir-se com um sorriso malicioso. “Pode subir a camiseta – ah, deixa eu tirar a camiseta vai – tira duma vez. Mas você tira a sua também, igual pros dois”.
A sensação era totalmente nova para Adriano. Estava abraçado com um homem, dois torsos masculinos que se entrelaçavam, exploravam-se, acariciavam-se, lambiam-se. Tudo muito novo e excitante. Já mordia a nuca de Bruno, lambia-lhe a orelha, beijava-o com gosto, sem freio. Um primeiro namoro, que coisa, há quantos anos não sentia isso? Parecia um adolescente. A sensação de coisa proibida completava a ideia de adolescência.
Logo começaram a sentir seus membros duros sob a roupa. Esta parte também era inédita para Adriano. Nunca na vida havia ficado com alguém que demonstrasse tão claramente sua excitação. Bruno percebeu a falta de experiência de Adriano com a situação e começou a roçar seu pênis sobre o de Adriano, por sobre a roupa.
“Briga de espada”, disse, dando um sorriso maroto. Isto era muito novo para Adriano. Adriano parecia estar aproveitando muito. A situação se prolongou ainda assim por bastante tempo, Bruno aproveitou para vivenciar uma situação que há muito não vivenciava, degustar esta leveza e lentidão que não acontece mais entre dois gays não principiantes. Deixava-se conduzir pelo lento ritmo de Adriano, só dava os passos que Adriano não conhecia. Ou melhor, Adriano dava o ritmo e Bruno dava os passos. Logo mais sugeriu: “Vamos tirar a calça”? Adriano demonstrou receio, Bruno reiterou que seria só a calça.
Ambos ficaram só de cueca, deitados, abraçados, agarrando-se no sofá. Beijando-se, explorando-se em tudo.
Adriano ousou então tocar o pênis de Bruno com as mãos, por sobre a cueca, mas à leve menção de Bruno de retirar seu membro para fora Adriano sussurrou aos ouvidos de Bruno: “Não, por favor, hoje só até aqui, é até onde eu consigo ir”. Bruno aquiesceu. Continuaram suas carícias exploratórias por longo tempo, por cima do que restava de roupa. Mesmo assim gozaram os dois. Ficaram ainda abraçados sobre o sofá, mais quietinhos, por um tempo, e Adriano disse: “Você poderia ter trazido roupas para amanhã, vai dar o maior trabalho voltar pra casa e depois voltar amanhã para estes lados”.
“Mas eu trouxe, imaginei que isto pudesse acontecer”.
“Hmmm, esperto”! Então vamos dormir juntos, que amanhã ainda é sexta.
E dormiram juntos na cama de Adriano!
CAPÍTULO 25
Na sexta feira à tarde estava já marcada uma visita à Vermont Agrícola S/A. Após o almoço Adriano estava meio apressado e pediu a Michelle em tom um pouco agitado (de quem está atrasado) para que chamasse Bruno. Com o tom de Adriano, Leda e Marina comentaram entre si o de praxe: “Coitado! Lá vai, de novo, levar bronca”. E falaram isto com expressão de comiseração. As secretárias fizeram observações semelhantes. Tão focadas que estavam nos maus tratos recentes e tensão na empresa em geral que nem perceberam a tranquilidade de Bruno ao trazer os papéis requisitados e a voz totalmente amigável de Adriano ao falar com Bruno.
Estava marcada reunião com o presidente da Vermont, Dr. Carlos Alberto, às 15:00h. Saíram Adriano e Bruno em momentos diferentes sem darem indícios de que estariam saindo juntos. Foram em um carro só.
Chegando lá, depois de terem que aguardar por quase uma hora, foram recebidos com toda a má vontade e descaso por um senhor mal encarado. Desta vez a tarefa seria mais difícil. A Hedge tinha falhado mais gravemente. Adriano pediu com cautela a Carlos Alberto que demonstrasse o que tinha, o que não lhe agradava. Carlos Alberto começou a expor, em tom de desagrado, que o contrato dizia uma coisa, os gráficos iniciais de simulação outra, e os acompanhamentos por email eram destoantes de ambos os documentos.
Adriano tentou conferir com o material que tinham levado, pedindo sempre a ajuda de Bruno. Nem mesmo estes materiais batiam. Eram todos elementos diferentes. Adriano pediu desculpas, disse que iria retratar-se formalmente por email e assumir a responsabilidade pelos equívocos e dissonâncias, que teriam que estudar o caso mais a fundo na empresa e, no prazo de uma semana voltariam a contatá-lo com o intuito e compromisso de reparar os danos e realinhar toda a linha de investimentos da Vermont. O Dr. Carlos Alberto disse que não tinha a menor intenção de continuar com a Hedge, mas que aceitaria que eles reparassem o dano para evitar “medidas mais graves cabíveis”, tudo já subentendido.
Saindo do cliente Adriano disse a Bruno que realmente não entendia. Estava tudo muito errado mesmo, como Renato não havia se dado conta disso? E como se havia chegado a este ponto? Disse ainda que neste caso teriam que estudar tudo com afinco, disse estar aliviado por ter pedido um prazo de uma semana, pois este caso daria trabalho. Encomendou a Bruno que refizesse todas as simulações nos programas antigo e novo, comparando mês a mês, para verem se havia um momento específico em que as coisas se desalinhavam, ou se sempre havia sido assim.
“Não entendo de onde surgiram tantos números discordantes, você faz isto para mim Bruno? Algo me diz que não acharemos exatamente o que está errado, mas confirmaremos se existe algo nos programas ou se foi só erro de acompanhamento. Você já tem duas tarefas então: esta e continuar acompanhando pessoalmente a Loi Advs. Assoc. Acho que logo poremos a casa em ordem e acharemos o ponto onde a porca torce o rabo”.
Não retornaram à Hedge. Foram direto para a academia. De lá para seu fim de semana, que agora prometia ser uma novidade para ambos.
CAPÍTULO 26
Final de sexta feira e ambos chegaram cansados ao apartamento de Adriano. Apenas jantaram e foram dormir juntos. Bruno estava achando ótimo este ritmo de lento aprendizado de Adriano. Em lugar de uma transa sem sentido só para pegar no sono, como tinha com Marcelo, agora tinha uma companhia mais significativa. Um cara presente, que trocava carinhos e com quem tinha uma forte sintonia, algumas tarefas em comum, muito a dividir e compartilhar. Mas antes de tudo, o começo de uma nova paixão ardia em seu peito.
Bruno tinha um sentido na vida de Adriano, que era fazê-lo experimentar como é estar na companhia de um homem. Sentia que tudo estava possivelmente evoluindo para um namoro mesmo. E Adriano podia proporcionar a Bruno um contato e uma ajuda numa hora difícil dentro de seu trabalho. A relação fazia sentido para ambos.
Sem mencionar que antes de estas duas coisas acontecerem, tinha havido um forte magnetismo entre os dois. Bruno tinha ficado encantado com Adriano, e Adriano tinha sentido este forte desejo por Bruno, que por força das circunstâncias acabou por transformar-se na primeira relação homem-homem de Adriano. Isto significava muito. Bruno foi o primeiro que conseguiu trazer à tona, liberar este desejo reprimido de Adriano e deixá-lo agora mais à vontade com uma parcela de sua sexualidade que não convivia bem, o que certamente reverteria em um grande bem psicológico para Adriano.
Nesta noite de sexta dormiram tranquilos. Acordaram cedo no sábado. Adriano ofereceu um farto café da manhã a Bruno, depois ficaram pensando em que fazer juntos. Para Adriano era novidade. O que se faz na companhia de um homem? Bem, nada muito diferente do que se faria na companhia de uma mulher, apenas a sensação era diferente.
Começaram a conversar sobre seus interesses, o que gostavam de fazer, Bruno disse que poderia apresentar a Adriano alguns de seus amigos, Adriano estava um pouco esquivo, disse que seria prematuro. A princípio foram passear juntos. Estava fazendo uma manhã linda daquelas de outono, com sol, céu limpo mas um pouco frio.
“Aqui perto tem uma praça muito legal para passear e conversar, a Praça Vinícius de Morais. Podemos caminhar e conversar por lá”.
“Sim, por que não”?
Foram então os dois para a pracinha e ficaram horas caminhando e conversando por lá. Adriano perguntou muito sobre a vida de Bruno, por que motivo tinha terminado com Marcelo, como é namorar um homem, e por aí afora. Ainda não se via completamente na posição de quem namoraria um homem e, se acontecesse, teria que ser muito discretamente, pois não se sentia confortável com isso. Bruno tranquilizou Adriano e disse que nem sabiam ainda se haveria uma relação, estavam se conhecendo, e que não fazia questão de publicar relações ou assumir nada publicamente. Adriano fazia muitas perguntas sobre locais noturnos GLS, disse que tinha muita vontade de conhecer, mas nunca teve coragem de ir. Bruno enciumado disse que não o levaria, que se quisesse ir teria que ir sozinho. E os dois riram juntos. Logo a seguir Bruno perguntou sobre a vida de Adriano. Disse que ele tinha fama de ser muito garanhão, de frequentar justamente muitos locais noturnos e ficar com muitas garotas, mesmo estando namorando. Será que não faria o mesmo se fosse com um homem?
Adriano respondeu que não, isso acontecia porque estava muito desinteressado de Erica. Que Erica era uma chata, ascendente social deslumbrada, não havia nada de sincero nela, assim ele se desinteressou. Preferia a adrenalina de uma noitada com uma desconhecida a uma noite a sós com ela porque já não havia mais relacionamento. Com sua ex-esposa tinha acontecido o mesmo. Mas com um homem não tinha a mínima ideia de como as coisas evoluiriam. Bruno fez jocosamente uma cara de bravo. “Olha hein? Não admito traição”. Logo achou prudente amenizar: “Estou brincando, nem sabemos se esta nossa situação será uma relação amorosa. Vamos deixar caminhar sem planos, melhor para os dois”.
O assunto se continuou por vários tópicos, como tinha sido a história de cada um, o que mais lhes dava prazer, acharam em comum que ambos falavam línguas estrangeiras, Bruno tinha muito interesse em alemão, que Adriano falava fluentemente, e Adriano em italiano, que Bruno falava fluentemente. Pensaram em fazer cursos juntos. A manhã já estava acabando e tinha transcorrido tão bem. Horas conversando era o que Adriano não tinha havia muito tempo com alguém, nem Bruno com Marcelo.
Decidiram que seria uma boa ideia almoçar no Outback ali da Rua Marechal Hastinfilo de Moura. Foram até lá e almoçaram, depois combinaram de ir ao Jardim Sul para pegar um cinema.
No cinema escolheram duas cadeiras bem ao fundo, para que pudessem fazer “coisas” às escondidas. Tudo estava parecendo um namoro adolescente para ambos, pois para Adriano era tudo novo e escondido e, para Bruno, só em cinemas da região da Paulista e Jardins estas coisas seriam possíveis. A situação de estar com alguém num shopping de outro bairro não gay era nova também.
No cinema pareciam dois adolescentes, trocavam carícias e eventuais beijinhos no escuro, nada muito ostensivo ou intenso, mas muito bom para ambos.
Enquanto trocavam estas carícias escondidas no fundo da sala de cinema, Adriano sentia um frio na barriga digno de adolescente, ao mesmo tempo em que lhe passava pela cabeça: “Quando que eu imaginava que ia estar aqui no cinema dando uns catos neste gatinho delícia que eu olhava de longe na academia”?
Da mesma forma Bruno pensava: “Quando que eu imaginei que ia ficar com este gatão da empresa”?
Terminado isso foram para casa. Lá no apartamento de Adriano a pegada era outra. Adriano estava mais à vontade. Já logo começou a aventura do sofá. Sempre lentamente, degustando cada parte. Mas parecia que cada dia Adriano se sentia à vontade para dar um passo além. Hoje Adriano segurava Bruno com uma pegada forte, foi este o primeiro dia que Bruno sentiu que Adriano tinha uma pegada legal. Adriano explicou, no meio, que não era com todo mundo, só quando estava inspirado. Já foram tirando a roupa mais à vontade e logo foram para o andar de cima na cama de Adriano.
Bruno foi facilitando para que ambos tirassem a cueca também, e já brincava de balançar seu membro em direção ao de Adriano. Passava-o sobre o corpo de Adriano, meio que ensinando-lhe certas coisas que poderiam fazer juntos, pois tudo era muito novo para ele.
“Hmmm, que delícia” e passava o pau sobre o peito de Adriano, sentindo-lhe o corpo. Logo Adriano também levantou e copiou o gesto, explorando o corpo de Bruno com o pênis, sentindo seu peito, sua barriguinha peludinha, suas coxas, sua bunda, seu pau também. Bruno segurou os dois paus e começou a masturbar os dois juntos. Pegou o pau de Adriano e pegou a mão de Adriano conduzindo-a a pegar seu pau. Ficaram um tempo brincando um com o pau do outro. O coração de Adriano disparava, sentia uma emoção louca e nova, quase transgressiva, estava explodindo de tesão.
Voltou a explorar o corpo de Bruno com a língua, Bruno repetia. Explorava o corpo de Adriano parte por parte. O peito, caminhando até o baixo ventre e voltando ao peito. Adriano contorcia-se de prazer. Bruno aproveitou o momento, chegou de novo ao pau de Adriano e começou a lambê-lo. Lambia-o, de cima a baixo, demoradamente, primeiro assim, depois enfiou tudo para dentro. Um boquete de primeira. Demorou bastante neste boquete, fez questão de caprichar. Percebeu que Adriano se contorcia de prazer, mas foi continuando. Só na hora que viu que o gozo era iminente, parou e afastou a boca. Não queria acabar tudo rápido. Deixou a coisa esfriar um pouco e pediu para Adriano brincar um pouco com seu pau. Adriano tentou repetir o feito, foi bem até a parte que tem que engolir, daí não conseguiu. Bruno não insistiu. Disse:
“Bem, acho que chegamos ao ponto máximo de hoje, como você mesmo diz. Chegamos até onde você consegue. Já fizemos muito! Lesson Male-on-Male 101 outro dia, 102 depois, hoje fizemos a 201”. E deu risada. Adriano riu também. “Por hoje é só a lição”. Terminaram numa masturbação mútua até gozarem, foi muito bom para ambos. Caíram no sono por um pouco de tempo e depois foram ver televisão. E rolou muito assunto até a hora de irem dormir. Adriano pensou: hoje foi um dia praticamente ocioso, não fiz sequer academia, e não estou sentindo aquele vazio...
No dia seguinte, logo depois de levantarem, já começou o atraco. Mal tinham se levantado, tomado café, tomado banho, escovado os dentes, começou um engate ali. Parecia que Adriano estava tirando o atraso de tantos anos sem saber o que era o corpo de um homem, ou mesmo era a novidade das coisas mesmo, o fogo da nova relação.
A cada dia sobrevinha um passo novo. Adriano já chegava naturalmente até a parte de receber o sexo oral, mas ficava muito receoso e reticente em fazer sexo oral em Bruno. Bruno deixava a coisa fluir naturalmente. Não forçava nem comandava, deixava que Adriano se sentisse à vontade, fazia com leveza para deixá-lo bem livre, fazia sorrindo, transformando a coisa em brincadeira, leve. Com um sorriso maroto. Adriano retribuía a leveza e sorriso maroto, ia lambendo o pau de Bruno por cima, por baixo, por fora, tentava colocar a glande na boca, ao que Bruno fazia sinal de alerta e começou a tirar. Deu um sorriso e explicou que tinha que tirar o dente – coisas que para Adriano não seriam tão óbvias. Adriano ia explorando esta nova forma de sexo – transar com alguém que tem pênis é diferente afinal, mas logo já estava conseguindo engolir boa parte do pau de Bruno. Percebeu que isto dava um prazer imenso ao Bruno, e agora ele sabia o que é estar do outro lado. “Nada como um outro homem para entender exatamente como funciona isto”... pensou. A transa foi pegando fogo, os dois corpos se deliciando um com o outro, dois machos se pegando com vontade e tesão, dando-se prazer e sentindo a força da coisa.
Eles colocaram camisinha os dois. Voltaram a chupar-se, Bruno estava deitado, fez um leve gesto de abrir as pernas, suficiente para que Adriano, já enlouquecido de tesão, pegasse o KY e passasse no ânus de Bruno e no próprio pênis. Bruno foi relaxando, foi deixando, sabia que a primeira vez ia rolar assim. Os dedos de Adriano acariciavam o ânus de Bruno, que foi soltando-se.
Esta parte não seria tão nova do ponto de vista de “encaixe” para Adriano. Bruno levantou suas pernas abertas e apoiou sobre o ombro de Adriano, que começou a penetrá-lo, com vontade, mas com carinho. Sentiu seu garoto gostoso apertar seu pau de leve. Sentiu seu pau dentro do carinha que ele desejava e queria, e isto lhe dava um tesão ainda maior. Pensou para si “Estou dentro deste menino delicioso que eu tanto desejo, finalmente, que gostoso” enquanto seu pênis fazia o movimento de ir e vir esfregando deliciosamente dentro de Bruno. Bruno pegou a mão de Adriano e a fez pegar seu pau. Isto era um “plus” também. Pelo arfar de Adriano, Bruno percebeu que este estava para gozar, afastou a mão de Adriano de seu pau, pegou-o e começou a masturbar-se. Percebeu que Adriano ia gozar e já se preparava para gozar junto. E os dois finalizaram harmonicamente. Muito bom para uma primeira vez!
Bruno nem ousou tentar sugerir inverter as posições. Já estava muito bom por agora. Sem traumas e sem barreiras. Bruno abraçou Adriano com vontade e disse: “Pronto, foi! Eis nossa primeira vez completa. E a sua primeira transa completa com um homem”. Adriano retribuiu o abraço e o sorriso e o abraçou pensativo. Realmente era uma coisa muito nova para ele. O Adriano, homem, garanhão, executivo, etc. transou com um homem. Muito forte, quase impensável. “Melhor nem pensar muito que eu piro”, deliberou ele para si mesmo.
De sexo pelo fim de semana estava bom. Passaram o resto do domingo passeando e conversando, não mencionaram muita coisa, só conversaram como amigos.
CAPÍTULO 27
Segunda de manhã e Michelle veio falar com Bruno.
“Bruno, você já está com a corda no pescoço e dá um perdido assim na tarde de sexta? Estamos tentando salvar a sua onda, mas dá uma ajuda não é?”
Bruno olhou meio assustado e percebeu a burrice que havia feito. Tão confiante de ter as costas quentes, tinha esquecido de dar ao menos uma desculpa. Ia começar a falar, muito sem jeito, sem tempo de inventar algo convincente, quando surgiu um Adriano por detrás da quina da parede (ninguém o havia visto ali) e disse:
“Michelle, me desculpa, minha cabeça tem estado muito quente estes dias. Eu chamei o Bruno para me acompanhar a um cliente e esqueci completamente de avisar a vocês, perdão, foi de última hora. Vou passar um email comunicando”.
“Eu que peço desculpas Dr. Adriano, não sabia disso, imagine”. Respondeu completamente sem graça, imaginando que havia soado como se estivesse questionando instruções do Diretor.
“Bem, já fica dito então que o Bruno não estará aqui amanhã à tarde e provavelmente na quarta também, eu passo o email para vocês duas Helena e Michelle, copiando a Amanda, confirmando os horários e pedindo a vocês duas se podem me “emprestar” o rapaz por estes períodos”. Como se ele tivesse que dar satisfação a elas, mas foi uma forma de deixar avisado. Michelle estava completamente sem graça. Parecia estar pedindo satisfações a Adriano e Adriano exagerava no tom de profissionalismo para reforçar a situação.
No dia seguinte Bruno estava em sua estação de trabalho e apareceu Adriano descontraído, entrando na seção de Clientes. Ele não costumava entrar direto nesta sessão da empresa e falar direto com um assistente, sempre chamava por uma secretária ou falava com os gerentes. Sentou-se descontraído sobre a mesa de Bruno e perguntou: “Bruninho, os papéis da LigaMetal S/A estão prontos?”
“Estão sim Adriano, estão aqui, ainda falta grampear”. E estendeu os papéis a Adriano, que os pegou e começou a analisar, sentado displicentemente de quina sobre a mesa, Bruno em pé ao lado. Um dos papéis caiu, Adriano abaixou para pegar e Helena pediu a sua secretária meio nervosa: “Eloísa, tem um grampeador”? Eloísa ainda meio sem jeito demorou uns dois segundos para reagir, tarde demais, já estava ali Bruno com o grampeador na mão, estendendo-o. “Aqui Adriano, hrrr, Dr. Adriano”.
Depois disso Adriano seguiu para sua sala com os papéis e Bruno continuou seu trabalho em seu lugar.
Helena pensa: “Bruninho? Adriano”? Mas logo raciocina que Adriano o estava tratando bem porque foi ele quem descobriu o problema com a Madeira Norte S/A.
No dia seguinte à tarde foram os dois visitar a LigaMetal S/A. Mesmo clima de tensão e mesmos maus tratos. Esta tampouco seria um caso fácil de resolver. Mais um equívoco complicado que teriam que estudar para compreender. Bruno estudou o caso a fundo na manhã do dia seguinte à visita à LigaMetal S/A e em um dado instante gritou para si mesmo “Heureka!”, parecia ter achado algo forte. Escreveu um bilhete e deixou-o com Amanda: “Pode entregar ao Dr. Adriano, por favor, Amanda”?
Quando Adriano leu o bilhete ligou direto para o ramal de Bruno e disse: “Bruno está livre agora? Pode vir aqui por favor”?
Mais uma rodada de tensão, do jeito que Adriano tinha chamado Bruno, parecia que iria acontecer outro stress como havia acontecido com Mônica. Mas eles não sabiam do que se tratava. No bilhete estava escrito:
“Dr. Adriano, acho que descobri algo interessante. Quando puder, podemos conversar”?
Adriano fechou a porta e pediu que Bruno explicasse o que havia encontrado. Bruno passou a expor que, no caso da LigaMetal S/A, havia alguns descontos diferentes que não constavam das outras simulações que conhecia. Nesta simulação os valores apresentados ao cliente possuíam um desconto de 1% ao ano sobre o patrimônio investido, que eram posteriormente fragmentados em vários sub-itens como honorários de advogados, atendimento a cliente, taxas e impostos, remuneração de participação classificada como taxa de sucesso, entre muitos outros itens. Só que este 1% nunca entrava na conta da Hedge AG, e ficava uma diferença de 1% entre o que estava na simulação e o que estava no contrato. Bruno não conseguia rastrear para onde teria ido este 1%.
Bruno perguntou se estes descontos procediam.
“Claro que não Bruno, nunca ouvi falar destes descontos em contrato. Entre o que está na simulação e o que entra para a LigaMetal ou Hedge há uma diferença de 1%. Precisaríamos de um contador, acho que estamos lidando com um legítimo caixa dois aqui. Meu garooooto! Parabéns, acho que você descobriu um fio solto. Vou providenciar um contador para deslindar este negócio. Sigilo entre nós dois sobre isso, ok”?
Bruno voltou a sua mesa e continuou seu trabalho de investigação.
No final do dia havia uma caixa fechada sobre sua mesa. Bruno abriu, havia um perfume ali dentro, acompanhado de um bilhete: “Bem nosso estilo. Este você mereceu”. Ele deu um sorriso e continuou.
Amanda também sorriu de longe ao ver a cena, ela mesma tinha sido encarregada de mandar comprar.
CAPÍTULO 28
A estas alturas Bruno já dormia frequentemente na casa de Adriano, mesmo durante a semana. Era noite de terça para quarta e Bruno estava lá. Tinham voltado cedo do trabalho e da academia.
Estavam em seu enrosco preliminar quando Bruno, depois de colocar a camisinha, foi tocando o ânus de Adriano e fez menção de pegar o KY. Adriano interrompeu e Bruno sabia que isto iria acontecer. Bruno disse:
“Não tá a fim de tentar pelo menos? Sei que não entra na sua cabeça, mas posso tentar um pouco? Se você não gostar eu paro na hora”.
“Não sei não Bruninho, não me sinto bem fazendo isso”.
“Eu sei Adriano, a gente é educado para achar isso errado, sente que perde a masculinidade ao fazer, mas te asseguro que você continua sendo o mesmo Adriano, o mesmo homem depois. Posso tentar fazer bem de leve, bem devagar, se você achar que está doendo ou não conseguir relaxar, a gente para. Basta você sinalizar que eu paro”.
Adriano não estava parecendo gostar da ideia. Pensava, postergava, argumentava que poderiam deixar para outra hora. Bruno concordou.
Mas Adriano calou-se. Ficou meio taciturno e devagar durante um bom tempo e a transa esfriou.
“O que foi Adriano, desculpe, não vou mais tocar no assunto, desculpe-me, se você não quer não quer e tá ok”...
“Bruno, você é ativo ou passivo”?
“Olha Adriano, sempre fui mais pra passivo, mas essas coisas não têm mais esta fronteira tão nítida. Teve namoros que fui sempre o passivo, como por exemplo com o Marcelo. Teve outras situações nas quais eu fazia as duas coisas, com frequências diferentes”.
“Bem, do jeito que você fala, com o Marcelo não deu muito certo e, se você queria me penetrar, deve gostar de ser ativo também”.
“Vou ter que ser sincero com você, eu gosto sim de fazer as duas coisas. Terminei com o Marcelo não por causa disso, mas foi um motivo a mais”.
“Bem, já que aprendi tanto, não quero que este item em particular vá atrapalhar o que já estava andando tão bem. Já cheguei até aqui...haha. Tá na água é pra se molhar. Vamos lá meu lindo, eu to a fim de pelo menos tentar. Quer me ensinar mais esse truque”?
Bruno mal podia acreditar:
“Poxa, muito legal sua atitude Adriano, acho que mostra uma super boa disposição da sua parte. Vamos tentar sim. Eu vou te ensinar, você vai me dizendo se está conseguindo ou não, e duas instruções básicas: relaxa, mesmo, vou te ajudar, e outra, se estiver doendo fala que eu paro”.
Depois de conversado ficou mais fácil. A transa rolou sim. Não foi tão tranquila como a outra. Um pouco desengonçada, Adriano fazia umas caras de desconforto de tempo em tempo, Bruno tirava, reajustava, mas em algum momento conseguiram. Foi forte. Adriano ficou pensativo, como sempre, depois de mais um passo dado. Era muito novo e chocante para ele, mas estava indo bem.
Dormiram bem cedo e acordaram muito cedo. Foram os primeiros a chegar ao setor da Hedge aquele dia. Estavam preparados para tentar achar mais erros em contratos e tentar enxergar o que acontecia.
Bruno continuou seu trabalho de acompanhamento da Loi e da Vermont. No caso da Vermont descobriu que não havia um momento específico em que as coisas começaram a dar errado, mas sim que havia uma série de desajustes durante pelo menos todo o último ano. Quanto à Loi, continuava em contato constante com o cliente.
Seria necessário mesmo um contador para averiguar os destinos de cada item lançado e saber onde entrava aquele 1% misterioso. Confabulando com Adriano, este desabafou:
“Acho que vamos precisar de um contador. O problema é que não quero deixar vazar para o setor de contabilidade da Hedge. Se eu abrir um chamado vou ter que explicar. Por outro lado, não posso pedir a um contador externo para fazer esse trabalho, dando-lhe acesso a dados sigilosos, vamos nos complicar. Estamos num beco sem saída. Ou fazemos por fora e arriscamos que descubram que fizemos algo contra o código de sigilo da empresa, ou chamamos alguém de dentro e arriscamos que os dados vazem internamente. Estamos entre a cruz e a caldeirinha”.
“Adriano, tenho quase certeza que o Rafael Karat é contador também. O que acha de pedirmos a ele”?
“Vamos pensando. Por mais que achemos que ele é uma boa pessoa, também tenho medo de expor estes dados aqui internamente e eles vazarem”.
Nesta hora Amanda bateu à porta, Adriano pediu que entrasse e ela viu um fato inusitado: Adriano estava sentado em frente ao computador, em sua mesa, e Bruno sentava em uma cadeira ao lado, bem de perto. Ambos estavam vendo coisas no computador de Adriano e acompanhando nos papéis. Amanda não se recordava de ter visto nunca, em anos de trabalho com Adriano, que este desse espaço a que um funcionário sentasse ao seu lado na mesa. Amanda deu-lhes bom dia, colocou a correspondência que trazia para Adriano sobre a mesa e foi-se, sorrindo para si mesma.
Os dois continuaram checando passo a passo os papéis das quatro empresas que queriam sondar: Agroforça, MadeiraNorte, Vermont e LigaMetal. Os quatro eram clientes que tinham com a Hedge investimentos de mais de US$ 10 milhões e os quatro apresentavam o mesmo erro, um padrão de curva diferente de outros de valor inferior.
Não viram outra alternativa senão pedir a Alexei e Rafael que investigassem, pois eram funcionários da Hedge, estavam mais familiarizados com os programas e clientes, conheciam mais os casos e a empresa. Além do que, Bruno garantiu a Adriano que eram dois caras confiáveis, não maliciosos, quietos, e assim o assunto não sairia do departamento nem da Hedge. Desta forma até mesmo o próprio Adriano manteria sua própria promessa de que o caso ficaria entre os sete iniciais, sem transbordar.
Adriano chamou Alexei e Rafael para a sala e explicou o caso, ao que estes dois prestaram muita atenção. Prometeram que analisariam este padrão de forma sigilosa e trariam um resultado assim que descobrissem de que se tratava. Também Thiago, sendo chefe dos dois, seria envolvido na investigação interna.
Mais tarde Adriano chamou Amanda e perguntou-lhe sobre a situação da sala ao lado da dele. Havia uma sala pequena ao lado da sala de Adriano, que sempre tinha estado vazia e Adriano usava para guardar papéis e arquivos. Antes da entrada de Adriano na empresa, a sala tinha servido de lugar para uma assistente da Diretoria, quando o diretor era outro. Ao entrar na Hedge, Adriano a princípio não tinha uma assistente e, como a situação foi correndo assim, assim ficou. Ele acabou por prescindir deste cargo, ficando só com Amanda como secretária. Mas via-se agora que o cargo fazia falta, pois Adriano era muito afastado do staff e coisas como as que estavam acontecendo agora poderiam passar-lhe desapercebidas. Assistentes fazem um link interessante entre diretoria e staff que não existe só através dos gerentes. Adriano sentia-se propenso a restaurar o cargo, cedendo-o a Bruno. Mas ainda não queria comunicar abertamente, por isso indagava superficialmente a Amanda, sem abrir o jogo.
PARTE F
CAPÍTULO 29
Enfim chegava o tão esperado feriadão de Primeiro de Maio. Férias de sábado a terça. O tempo estava mais fresco, mas firme. Não estava chovendo. Bruno sugeriu a Adriano descer para a praia, mas fazer um passeio antes. Fazer uma trilha de ecoturismo pela mata atlântica na quinta e descer até Santos. Depois seguiriam para o Guarujá, onde passariam da noite de quinta até segunda, voltando na segunda mesmo para evitar o trânsito da terça. Adriano achou a ideia muito boa, afinal o que faltava no relacionamento com Erica eram atividades em comum.
A trilha de ecoturismo foi muito interessante. Foram com um grupo, acompanhados de um biólogo.
A paisagem era muito impressionante. Era muito especial ver uma floresta legítima, uma mata virgem, pelo lado de dentro. Em alguns pontos o sol entrava pelas brechas das árvores mais altas, iluminando em raios verticais e retos, em várias direções, as partes mais baixas da mata. Era uma visão paradisíaca. Muitos tiravam suas máquinas fotográficas e registravam este quadro. Volta e meia escutavam pios de aves que saíam em revoada, ou o ruído de um animal que saía correndo, ou ainda viam um macaco que saía braquiando pelos ramos das árvores. Tampouco faltavam bromélias e orquídeas de todos os tamanhos e tipos, formas e cores. Também estavam presentes teias de aranhas com suas donas paradas ao centro, visão um tanto arrepiante em alguns casos. Mais assustadoras ainda eram algumas cobras que cruzavam o caminho dos turistas, fora os inúmeros roedores e lagartos que corriam lépidos como foguetes rasteiros.
O guia ecológico explicava com detalhes toda a vegetação original da mata atlântica, as interessantes epífitas (bromélias e orquídeas), a evolução das plantas, os insetos e eventuais outros animais que apareciam. A descida pela mata era em terreno úmido e escorregadio. Em um dado momento Adriano escorregou e quase ia estatelar-se no chão, mas Bruno estava ao seu lado e segurou-o firmemente, abrindo-lhe um sorriso. Foi uma segurada-abraço, que terminou em um beijinho no rosto (ninguém estava vendo). Bruno era muito forte e Adriano sentiu uma coisa interessante. Como era diferente namorar um homem! (Já considerava namoro). Se fosse uma mulher não teria tido força para segurá-lo. Sentiu uma certa segurança por estar ao lado de um homem e não de uma mulher. Havia um quê de maior segurança, de que ainda não havia se dado conta. Isso sem falar do tipo de programa aventura, que uma mulher dificilmente iria topar. O namoro com homem trazia diferenças boas. A relação homem-homem traz um companheirismo e sentimento de aventura que não estão presentes na relação homem-mulher.
Terminaram em um mangue, onde o biólogo explicou as interessantes relações das raízes aéreas das plantas com o ambiente de maré cheia e vazante, os caranguejos, etc.
Gostaram muito do passeio, que durou a quinta inteira. Chegaram a Santos já no final da tarde e rumaram para o Guarujá, onde ficariam em um hotel. Esta noite só descansaram, pois o dia tinha sido mais que cansativo.
Dia seguinte e a incursão pela nova vida sexual de Adriano continuava. A cada dia descobriam uma nova coisa. Adriano estava se sentindo bem mais à vontade agora. Transava com paixão, com leveza, com delícia, com gosto, com pegada. Sentia, aliás, o que era a pegada de um homem. Isto também era novidade para ele. Nenhuma mulher tem esta pegada. Um abraço forte, uma pegada de cara fortão como Bruno, tudo era muito diferente. A coisa arde em um fogo diferente, uma transa robusta, como dizer? Mais firme. O contato de dois corpos com testosterona nas veias. Suas fantasias de repulsa inicial davam lugar a sensações de delícia ao descobrir que a pele do homem é rija, a carne do homem é mais dura, mais firme. E homem é mais quente também. Não era só a questão de ter pênis. Era tudo, desde a pele, o rosto barbado, até a pegada, a força, e o olhar de sacanagem que não sentia haver com uma mulher. Que sensação diferente ao tocar e ser tocado por um homem!
Outra coisa que não tem igual é bunda de homem. Dura, firme, sem celulite” hahaha, ria sozinho. Bruno perguntou do que estaria rindo, Adriano respondeu: “Nada, nada”. Mas para não deixar a impressão de que estava rindo do Bruno, acabou contando. Os dois riram juntos desses itens.
“Adriano, estou achando tudo isso muito divertido”, disse Bruno. “Você está vivendo intensamente sua descoberta, hahaha”.
Depois de sua transa matinal, foram para a praia. O dia não estava exatamente propício para banhos de mar ou ficar na praia, pois estava nublado e até meio frio. Ficaram lá por um tempo, Adriano percebeu como muitas garotas olhavam para Bruno e sentiu-se orgulhoso por estar com ele. A mesma coisa para Bruno. Adriano percebeu que mesmo alguns caras olhavam para ele e Bruno e ficava se questionando por que seria. Seria por comparação? Seria mesmo por um desejo oculto? Seria verdade que uma parte dos homens, no fundo no fundo, possui alguns sentimentos bissexuais?
“Homem realmente tem outra cabeça e ficar com homem é realmente uma coisa diferente, tem mais sentido de aventura e companheirismo, mas puxa bem mais pro carnal e sexual que pro lado do romance, vou ter que ir me acostumando a essas diferenças”.
Passaram umas boas horas lá na praia, caminharam, nadaram, depois foram a um restaurante de beira de praia e comeram um farto almoço. Voltaram ao hotel, assistiram um pouco de TV e pensaram: que vamos fazer agora à noite? Tinham visto um barzinho de praia que parecia reunir uma galera bem interessante, chamada “Pico da Moçada”. Adriano sugeriu irem para lá. Bruno topou:
“Não gostaria de ir a uma balada gay com você por enquanto, mas ir a este barzinho hétero no Guarujá não tem problema”, disse ele rindo.
Foram. Sentaram-se em uma mesa os dois, pediram uma caipirinha e logo viram que ali rolava uma paquera brava. Acharam engraçado, pois nenhum dos dois ficaria com uma mulher e ali não havia paqueras homem-homem. Eles eram os legítimos gatos entre os pombos.
Lá pelas tantas sentaram-se duas moças com os dois. Eram duas amigas e estavam procurando companhia. Uma falava mais com Bruno, outra mais com Adriano. Elas estavam tentando dar em cima deles. Eles se entreolharam e trocaram um sorriso malicioso um para o outro. Como se estivessem dizendo: “Vamos ver aonde isso vai dar”.
“Como vocês se chamam”? Perguntou a mais desinibida.
Bruno se apresentou, apresentou Adriano e retribuiu a pergunta. Elas se apresentaram como Simone e Fátima.
“Vocês estão sozinhos por aqui”?
“Sim, estamos”.
“Cadê as namoradas de vocês”?
“A gente não tem namorada”.
“Como pode? Dois caras bonitões! Vocês tão mentindo, são casados e estão traindo as esposas”, disse a mais desbocada.
Adriano e Bruno deram uma olhada um para o outro e responderam sorrindo: “Não, não temos namorada mesmo”.
Ó, vamos acreditar hein? O que vocês fazem”?
“Trabalhamos em uma empresa de investimentos”.
O olhar das garotas acendeu-se. “Como estes dois partidões estariam soltos? Ah, devem ser dois galinhas”!
“Simone! Desculpem minha amiga, ela fala antes de pensar. Deixa eu me apresentar. Eu sou arquiteta de interiores e a Simone é decoradora. Fazemos projetos para casas daqui do Guarujá”.
E assim o papo foi decolando. Mas as garotas foram se entusiasmando demais ao ver que eram dois caras realmente interessantes além de bonitos.
Quanto mais as garotas se entusiasmavam, mais os dois se retraíam. Uma hora Simone foi tentar tocar Bruno pegando-lhe a mão e aproximando-se demais, Bruno afastou-se. Simone não entendeu. A mesma coisa acontecia com Fátima e Adriano. Esta tentou agarrá-lo e ele se esquivou do abraço. Elas não entendiam. Quando as garotas começaram a ficar muito inconvenientes Bruno sussurrou a Adriano: “Posso”? Adriano não se sentia confortável para fazer nada em público. Mas pensou que eram duas desconhecidas, que nunca as veria de novo, que problema teria? Deixou.
Bruno pegou, começou a acariciar o rosto de Adriano com as costas dos dedos e falou às garotas:
“Meninas, sinto muito por isso, mas a lagoa não tá pra peixe”... Logo em seguida deu um beijo no rosto de Adriano. Adriano completou a cena segurando a cabeça de Bruno e tascando-lhe um beijo na boca. As meninas soltaram um certo “Ahhhh!” de desconforto e espanto e resolveram ir embora visivelmente decepcionadas.
“Taí Adriano, sua primeira experiência de se mostrar em público. Não precisamos fazer isto sempre, mas é como um laboratório para saber como você se sente”...
Adriano estava Ok.
CAPÍTULO 30
Na segunda subiram para São Paulo. Subiram de ônibus, pois na descida não tinham ido de Carro. Bruno falou: “Preciso voltar para casa, não tenho mais roupas”.
Adriano falou: “Bruno, pelo jeito estamos caminhando para uma relação mais séria. Não quero ser precipitado, mas não seria a hora de considerarmos passar mais tempo juntos? Gostaria que tivesse parte das suas roupas e coisas por aqui. Sua escova de dente, toalha, sabe essas coisas? Vamos fazer um trato? A gente tenta por 15 dias, para ver se combina? Prá não ficar pacto mal feito? Daí a gente reconsidera”?
Bruno topou. Foram os dois no carro de Bruno (que tinha ficado na casa de Adriano) até o apartamento de Bruno pegar as coisas. Foi também uma oportunidade para Adriano conhecer como Bruno vivia.
“Não vai esperar muita coisa hein? Não tenho seus luxos, meu salário não me permite”.
“Não estou procurando isso, você deveria saber”.
Entraram. O apartamento de Bruno realmente era mais simples, apenas uma sala com um quarto, um banheiro e uma cozinha. Pequeno. Pequeno mas bem arrumado. Não tinha nada de especialmente decorativo ou artístico, mas era de bom gosto e muito bem arrumado. Tudo em ordem e sem bagunça. Adriano gostou muito de ver isso, pois teve certeza de que estaria pondo para dentro de casa um cara organizado, não um bagunceiro.
Bruno pegou suas coisas e fez a mala. Desceram de novo e voltaram ao apartamento de Adriano, que inclusive era muito mais perto da Berrini, facilitaria a vida ir trabalhar dali.
Tinha início uma nova fase, estavam selando um pacto.
“Bom, acho que agora estamos oficialmente namorando né”? Disse Bruno
“Pô, para mim isto já era claro faz mais tempo, não só agora”... Talvez para Adriano passar pela experiência sexual fosse a marca, pois para ele ficar com um homem era o fator decisivo e mais difícil. Para Bruno, acostumado ao mundo gay, sexo não significava isso de forma nenhuma.
O feriadão acabou e na quarta estavam ambos já lá na Hedge para uma semana curta.
Adriano pediu a Amanda que desse uma olhada no que precisaria ser feito para equipar a sala vaga ao lado da sua, para que fosse destinada a um eventual assistente. Amanda já sabia quem seria o eventual assistente.
Esta saleta não tinha comunicação com nenhuma outra parte do escritório exceto uma única saída para a sala de Adriano e uma saída para a secretaria da diretoria. Amanda estava ali silenciosamente inspecionando o que precisaria ser feito quando, pela porta entreaberta, flagrou Adriano acariciando os cabelos de Bruno e dando-lhe um selinho. Sorriu para baixo e pensou que não era nada que já não soubesse. Melhor para Adriano, ele precisava pôr isso para fora e transformar-se em um novo homem.
Na quinta Adriano reuniu de novo em sua sala o “grupo dos sete” e expôs as novas descobertas e seus novos planos. Pediu a Thiago, Rafael e Alexei que investigassem como isto poderia estar sendo feito e encarregou especialmente Rafael de averiguar, com muita cautela, a contabilidade deste fatídico 1%. Bruno continuaria acompanhando os clientes problemáticos, tentando manejá-los e satisfazê-los, agora sob supervisão direta de Adriano. Foi esclarecido para todos que Bruno agora seria assistente da diretoria.
A semana terminou sem mais eventos e no fim de semana Adriano e Bruno prosseguiram em seu novo propósito de terem uma vida a dois, com hobbies e atividades que preenchessem o relacionamento já desde o início. Adriano não queria que caísse na mesma monotonia que tinha caído com Erica, apesar de ter certeza de que isso não ocorreria, pois era um relacionamento diferente. Bruno tampouco temia, pois sabia que Adriano não tinha os vícios do mundo gay.
Resolveram fazer um passeio e visitar a famosa Caverna do Diabo, perto da cidade de Eldorado, a umas 5 horas de São Paulo pela rodovia Regis Bittencourt. Foi um passeio e tanto, ficaram em um hotel perto dali mesmo. Chegaram e já foram visitar a caverna.
Entraram na Caverna do Diabo sozinhos, pois não acharam necessário contratar um guia, como no passeio da Mata Atlântica. Era uma formação geológica bem interessante. Tratava-se de uma abertura cavada na rocha pela água, ao longo de milhares de anos. Na verdade havia estalactites e pequenas formações no chão que pareciam montinhos cobertos de sal, mas eram duros. Por entre estas formações rochosas abriam-se túneis pelos quais os visitantes passeavam para observar o ambiente. O local era parcialmente iluminado por luz artificial que, refletida na rocha, conferia ao ambiente um aspecto amarelado. Filetes de água fluíam também por entre as formações rochosas, formando pequenas cachoeiras e, para melhor transitar por locais de difícil acesso ou para transpor as cachoeiras, havia pequenas pontes ou escadas e caminhos cercados.
O local era bastante interessante, seria fácil perder-se por ali. Aliás, tinha um quê de romântico e aventuresco perder-se pelos meandros daquele lugar meio misterioso, um quê de fantasia medieval. Adriano e Bruno foram lentamente distanciando-se da multidão de visitantes e buscando um pouco de intimidade. Logo que estavam longe da visão direta dos outros, começaram a trocar leves carícias. Era interessante estar assim à vontade, longe da visão alheia, e fazer coisas “proibidas”. Adriano sentia-se como num conto de Edgar Allan Poe.
Passado algum tempo de exploração, só os dois, por um labirinto de túneis, Adriano e Bruno sentaram-se no chão por uns momentos, em um local onde era possível sentar-se. A camiseta de Bruno levantou-se um pouco, expondo, por uma pequena fresta, seu ventre. Adriano observou esta parte do corpo de seu namoradinho e percebeu que sentia um imenso tesão por ela. Aquele pedaço em que os pelinhos sobem do baixo ventre como uma linha, circundam o umbigo e seguem pela barriga em direção ao peito. Adriano começou a fazer carinho em Bruno, como se fosse uma cosquinha. Isto deixou ambos muito excitados, mas teriam que esperar até o hotel para continuar. Adriano estava muito feliz com isso, pois nunca pensou que conseguiria liberar este tesão há tanto reprimido. Bruno idem, pois há muito não sentia este tesão todo por alguém.
Adriano não queria demonstrar estas coisas em público, mas volta e meia, quando ninguém estava olhando, dava um beijinho em Bruno, que ficava muito contente com estas demonstrações de afeto, pois Marcelo nunca as fazia.
“E aí Adriano, como se sente em ter um namorado homem? Está se sentindo bem”?
“Estou me sentindo um pouco estranho ainda, mas estou gostando. E gosto muito de você”.
E assim transcorreu mais um fim de semana interessante para os dois em sua nova vida.
Na semana subsequente o trabalho seguia normal na Hedge, a auditoria os tinha deixado em paz por um tempo e eles continuavam a investigar os dados suspeitos. Exceto pelo fato de que a relação de Adriano com Bruno começava a ficar evidente para todos, nada de novo acontecia.
Em um dado momento na semana pôde-se ouvir mais um comentário das fofoqueiras mor da empresa. Marina disse para Leda: “Dr. Adriano garanhão não perdoa. Acabaram as mulheres disponíveis e ele vai atacar o gatão do pedaço, o Bruno”. Comentário tosco. Como se fosse só isso...
CAPÍTULO 31
Mais um fim de semana se aproximava e Adriano e Bruno resolveram não viajar. No sábado era aniversário de um amigo de Bruno, e Adriano já se sentia mais à vontade para acompanhá-lo à festa.
O aniversariante se chamava Fabrício. Os dois passaram antes numa loja de presentes bem moderna e compraram um relógio de parede todo transado, que parecia um aquário de peixes, os ponteiros deslocavam a água e os peixes, soltando bolinhas quando se moviam.
O apartamento ficava no bairro de Higienópolis, na própria Avenida Higienópolis, próximo à Avenida Angélica, num prédio de apartamentos bem tradicional da região. Era incrível como prédios tão antigos eram as residências de uma população tão moderna aos dias e hoje.
Subiram pelo elevador antigo porém luxuoso e saíram em um hall que dava apenas para duas portas, significando que o prédio tinha dois apartamentos por andar. Tocaram a campainha e seu anfitrião, o próprio Fabrício, veio recebê-los. Adriano e Bruno estenderam-lhe o presente e deram-lhe um abraço de feliz aniversário. Fabrício retribuiu as boas vindas apresentando o apartamento relativamente pequeno, apesar de ser de bastante alto nível, mostrando onde estavam as bebidas e oferecendo que se sentissem à vontade.
Isto para Adriano, no primeiro momento, seria impossível. Adriano estava bastante travado. Nunca tinha ido a uma festa gay antes. Digamos, exclusivamente gay. Percebia que havia muitos homens por ali. A maior parte dos convidados eram casais homem-homem, algumas meninas perdidas que pareciam ser as amigas de alguns dos presentes e alguns homens solteiros que o mediam e olhavam inspecionando-o. Percebeu que o estavam paquerando, pois não o tinham identificado como namorado de Bruno. Percebeu que alguns também paqueravam Bruno, provavelmente por saberem que Bruno tinha terminado com Marcelo e por não saberem que Bruno já estava namorando de novo.
Como estava pouco à vontade e não conhecia ninguém, resolveu, a princípio, seguir a orientação de seu anfitrião e checar o que haveria para beber. Logo à entrada havia um balde de gelo com Prosecco e algumas taças. Adriano sugeriu a Bruno que fossem beber um pouco de Prosecco. De lá Adriano observava o apartamento. Era constituído somente de um ambiente como sala de estar e jantar. A mobília deveria estar parcialmente afastada para a festa, pois havia um espaço no centro deste lugar único maior do que esperado para uma situação de quotidiano. Os sofás circundavam este espaço aberto. Sofás de cor marrom acinzentada recobertos por um tecido que parecia acetinado, móveis em madeira escura muito envernizada e mesas de centro em um estilo que não faziam a cabeça de Adriano. Eram muito elegantes, sem dúvida, mas muito clássicos. Adriano tinha um gosto mais moderno. Este era um fator a mais para fazê-lo sentir-se deslocado.
Bruno, por sua vez, parecia estar bem à vontade e já circulava por alguns grupos. Como percebeu o desconforto de seu companheiro, tentou aproximá-lo de amigos com os quais tinha maior intimidade: Igor, Henrique e Gabriel. Apresentou Adriano aos três e explicou que eram grandes amigos. Igor, que dos três era o que possuía maior habilidade social, percebeu que Adriano estava deslocado e começou a puxar conversa.
“Prazer em conhecê-lo, Adriano, já ouvimos falar alguma coisa de você”.
“Bem ou mal”?
“Não se preocupe, só coisas boas”.
“Hmmm, melhor assim. O Bruno comenta coisas sobre o trabalho dele com vocês”?
“Muito pouco, mas comentou que tinha conhecido você. Você é economista como ele, não é”?
“Sou. Fiz economia depois me especializei em finanças. Atualmente dirijo uma empresa de investimentos, você deve saber, mas ahh... não quero falar sobre isso agora. Estou achando a vista deste apartamento muito interessante. Olha só”!
“É, dá pra ver justo uma parte super urbana de São Paulo. Isto porque estamos em um andar alto, mais de baixo a vista não seria tão interessante. Quer sair ali na sacada um pouco pra ver melhor”?
“Vamos sim”.
Havia uma pequena sacada que se estendia da sala. Os dois saíram para esta sacada, tinha acabado de chover e o clima, apesar de meio friozinho, estava muito agradável. O ar limpo e as luzes da cidade, vistas de cima, davam um aspecto muito plástico à vista.
Henrique logo os viu ali na sacada e foi juntar-se a eles. Bruno deixou que a cena corresse solta, porque acreditava que Adriano precisaria se enturmar um pouco, afinal já era crescido e vacinado. Logo estavam conversando os três.
“E você, Henrique, o que faz”?
“Eu sou arquiteto. Eu e o Gabriel. A gente se conheceu na faculdade e desde lá ficamos amigos”.
“Que legal, você projetam o quê? Casas, coisas comerciais, estradas, são mais ligados em urbanismo, o quê”?
“Agente projeta desde casas até lojas, mas sempre espaços habitáveis, nada de urbanismo ou estradas”.
“Hum, entendi – eu nem faço ideia de como seria projetar alguma coisa, é um mundo totalmente distante do meu”.
“É, imagino que sim. E está sempre em transformação. Agora algumas pessoas estão começando a fazer exigências estapafúrdias, tipo projetar alguma coisa de acordo com Feng Shui ou começar a construir em um determinado signo e acabar em outro, o que dificulta muito para nós.”
“Nossa! Rola isso? A vida já é tão difícil”!
“Pois é, agora rola”...
“Mas mudando de assunto, o que tem de bom para se fazer nesta cidade além desta festa”? Perguntou Adriano curioso, tentando sondar o que um público gay faria em um sábado à noite.
“Olha, hoje é sábado. Eu adoro dançar. A festa é um ótimo esquenta, mas nós três vamos na Myst depois daqui”.
“O que é Myst”?
“É uma balada GLS – mais G eu diria, que tem na Barra Funda. Uma balada imensa, com duas pistas de dança, espaço aberto, piscina e muita gente bonita”.
“E que tipo de música toca lá”?
“Eletrônica, você não deve gostar”.
“Eu adoro! Como assim não devo gostar”?
“Ah, sei lá, parecia que você era muito sério, pelo que o Bruno falou”.
“Bom, se sou sério não sei, mas eu gosto muito de música eletrônica”!
“Então um dia a gente precisa combinar de ir lá”.
“É, podemos combinar sim, eu ia gostar muito, mas acho que o Bruno não vai deixar, haha”.
“Ahh, imagina, você vai com a gente, o Bruno vai junto, é para se divertir, não para aprontar”.
“Bom, se você convencer ele eu topo”!
Nesta hora começou a sentir-se melhor e conversar mais solto. Igor era dos melhores amigos de Bruno e contou a Adriano que sabia dos passeios que estavam fazendo. Confidenciou a Adriano que torcia por eles, pois estava fazendo muito bem a Bruno. Agora Bruno era outra pessoa, mais contente, muito diferente do Bruno que eles tinham visto nos últimos tempos, infeliz, deprimido, etc. Pediu a Adriano que o tratasse bem, pois temia por Bruno. Adriano garantiu que faria o possível e impossível para não errar com Bruno, pois também estava gostando muito e apostava para dar certo.
Adriano ficou muito feliz com a observação, e assim progredia o papo. Já se movia mais à vontade, ia buscar mais Prosecco quando o conteúdo de sua taça acabava, mas não era só em virtude do Prosecco que se sentia melhor. Começou a perceber que estava entre gente ok, pessoas legais que o estavam recebendo bem. Não tinha muita diferença entre um ambiente hétero, exceto que não sentia a tensão sexual entre homens e mulheres, aliás, a desproporção entre homens e mulheres era flagrante. Estavam presentes no máximo umas cinco mulheres contra uns trinta homens. Mas elas pareciam não se incomodar com esta diferença, nem com o fato de que não despertariam a atenção de nenhum homem por ali. Aliás, era justo o contrário, parecia estarem confortáveis.
Quando Henrique estava conversando com uma amiga, Adriano aproveitou para aproximar-se e se apresentar. Assim que teve a oportunidade disse que era novo no pedaço e lhe perguntou como se sentia ali, se não a incomodava o fato de não ser desejada. A Garota respondeu:
“Muito pelo contrário, eu acho ótimo. Aqui acho verdadeiros amigos e não preciso me preocupar muito se vou ser assediada ou não. Posso beber à vontade que sei que absolutamente nada vai me acontecer, hahaha”.
Adriano respondeu:
“Ah, se for por esse lado, realmente é uma vantagem”...
Neste momento Bruno se reaproximou e apresentou duas novas pessoas de surpresa:
“Adriano, estes são o Rodrigo e o Rodolfo, dois outros grandes amigos meus”!
“Ah, prazer, tudo bem com vocês”?
“Tudo, e com você? Aproveitando o sabadão”?
“É, a gente precisa descansar e relaxar um pouco também, né”?
“Pois é, toda farinha tem seu dia de mingau, haha. Está conhecendo os amigos do Bruno agora não é”?
“É, estou socializando com a turma do namô, haha”.
“Se não gostar de alguém não fala nada, hein, haha”. Disse Rodolfo brincando. Mas, por incrível que parecesse, Adriano estava agora bem mais ambientado que antes. E estava gostando de todas as pessoas que havia conhecido até então. Ficou feliz por ter um bom entrosamento com os amigos do Bruno. Um problema a menos. Isso nunca tinha acontecido com Erica.
Junto com Rodolfo e Rodrigo logo se aproximou um carinha chamado Daniel. Era um médico residente de GO, conversou um pouco e logo se retirou, chamado por um outro grupo que o engoliu. Várias pessoas passaram, foram apresentadas e sumiram-se em meio aos outros convidados enquanto Adriano e Bruno continuavam conversando com Rodrigo e Rodolfo. Adriano não se recordaria de todos eles de seus nomes, exceto por um figura muito mal humorado que lá pelas tantas apareceu e trocou umas farpas com ele. Adriano não entendeu nada até que Igor se aproximasse e explicasse que se tratava de Marcelo, o ex do Bruno. Que não deveria levar em consideração pois era puro ciúme. Besta inclusive, pois ele não tinha valorizado quando estavam juntos. Ciúme competitivo de quem perdeu o jogo.
Adriano conversou com muita gente na festa e chegou a conseguir demonstrar afeto a Bruno na frente dos outros convidados, inédito até agora. Até pessoas desconhecidas vinham conversar com Adriano, descontraidamente, o que o deixou bastante bem. Pessoas vinham puxar papo sobre filmes, amenidades, etc. Um outro cara até sentou-se ao lado de Adriano mais tarde e disse: “Fico feliz que o Bruno tenha encontrado alguém melhor, você parece ser outro naipe, diferente do Marcelo. O Marcelo não merecia o Bruno, o Bruno é um cara de caráter e o Marcelo não. Torço para que dê certo entre vocês, pois você me parece ser um cara mais sério e parece merecer o Bruno”. Adriano ficou feliz ao ouvir isso e o estranho se retirou logo. Parecia que só tinha vindo dar este recado.
O saldo da festa foi positivo, Adriano e Bruno conversaram um pouco a caminho de casa. Adriano disse que tinha se sentido muito bem na festa, só pedia a Bruno que lhe desse um tempo para que pudesse se acostumar ao mundo gay, não seria da noite para o dia. Bruno respondeu dizendo que hoje em dia já não existe mais mundo gay e mundo hétero, existem pessoas, grupos, amigos, mas não mais esta separação por castas. Adriano entendeu mas ainda assim insistia que precisaria ir sendo exposto aos grupos de amigos de forma “homeopática”.
“Gostei de alguns dos seus amigos Bruno. O Igor já me ganhou, achei ele bem legal. O Henrique e o Gabriel também. São diferentes do que eu imaginava que fossem os gays. Que bom. Eles não estão namorando”?
“Não, estão os três sozinhos. O Igor saiu de um relacionamento recentemente. Os outros dois gostam mesmo de uma putaria, adoram ir pra balada ficar com bastante gente. Eles são mais jovens, acho mais é que têm que aproveitar agora enquanto eles podem, já que eles gostam”.
“Entendi. Não me sinto parte deste mundo, mas gostei de conhecer seus amigos”.
CAPÍTULO 32
Esta semana Renato estava voltando de férias e nem imaginava as surpresas que o aguardavam.
Já no primeiro dia encontrou Bruno conversando com Michelle sobre alguns clientes e disse:
“Agora estou de volta aqui, quero lembrar que se reporta a mim e não à Michelle ou à Helena, então vou conversar com o Dr. Adriano sobre sua volta a minha supervisão. Mas por enquanto volte ao seu posto de trabalho até que decidamos”.
“Ehhh, hmmm, Renato, estou fazendo algumas outras coisas, acho que não sabe ainda”.
“Bruno, você é um pouco impertinente, não estou gostando desta atitude, isto será reportado ao Dr. Adriano, por enquanto faça o que digo. E quero ver como andam aqueles clientes que deixei sob seus cuidados. Volte ao seu posto e me prepare um relatório”.
Bruno ficou meio sem jeito de afrontar Renato, já não seria mais o caso. O problema é que estava em outro lugar, seu posto de trabalho já não era mais o antigo, foi obrigado a responder: “Renato, fui mudado de posto, não estou mais na salinha de Clientes”.
“Pois ora volte para onde estiver agora e faça o que lhe pedi”!
Michelle tampouco sabia como dizer. Bruno não quis criar caso e fingiu que obedecia, mas voltou a fazer o que estava programado para ele.
Mais tarde Renato o encontrou no corredor e ficou mais irado ainda, como que se sentindo desafiado. “Bruno, onde está tudo o que lhe pedi? O que está fazendo”?
“Estou revendo alguns outros clientes Renato. São outras tarefas, outras prioridades agora, aqueles clientes estão encaminhados”.
Renato estava prestes a perder a paciência quando Adriano, que não era bobo, já esperava esta reação e estava à espreita. Interveio dizendo: “Renato, os clientes estão sendo resolvidos, não se preocupe. O Bruno está fazendo outras tarefas agora”.
“Dr. Adriano, este rapaz não está fazendo o que lhe requisitei, temos um problema aqui. Pedi alguns relatórios e ele está fazendo outras coisas e não forneceu o material que pedi”.
“Renato, o Bruno está fazendo algumas tarefas que eu mesmo requisitei a ele, pode deixar”.
Renato não entendeu nada e resignou-se.
Mais tarde, quando pediu que Adriano o atendesse para se situar quanto a algumas coisas que haviam ocorrido durante sua ausência, ficou mais estarrecido ainda. Ao entrar na sala da diretoria viu Bruno sentado ao lado de Adriano na mesa. “Estamos acabando de resolver o último caso difícil, o da Agroforça S/A. O Bruno agora acompanha todas estas empresas diretamente comigo, Renato”, disse Adriano. Renato percebeu que as coisas tinham mudado de figura. Bruno estava sentado na mesa com Adriano, ao lado dele! Adriano disse:
“Bruno, liga para o Dr. José Camargo, da Agroforça, vamos alinhar esta situação. Senta aí Renato”!
Renato sentou-se em frente aos dois na mesa. Bruno ligou e anunciou ao Dr. José Camargo que o colocaria em viva voz com o diretor da empresa, Adriano, e com o Gerente de Clientes, Renato. Conversaram uns quinze minutos em áudio-conferência e deixaram as coisas em melhor situação que antes. Mas a questão não era essa. A intimidade com que Adriano tratava Bruno e a forma como isto era recíproco deixou Renato embaralhado e até embasbacado.
“Renato, então você já sabe em que pé estamos não? Qualquer coisa o Bruno te explica os bons andamentos que tivemos com os clientes problema, já demos passos largos para solucionar tudo. Bruno, você continua as coisas cara”?
“Pode deixar Adriano”.
Renato saiu abobado da sala.
Na tarde deste dia Alexei e Rafael pediram para falar com Adriano. Adriano preferiu que estivessem presentes só os dois, junto a ele e Bruno. Rafael começou:
“Dr. Adriano, estivemos pesquisando e encontramos algumas incompatibilidades de programas e algumas não conformidades contábeis. Em 2011 veio para nós da matriz na Alemanha um novo programa simulador de aplicações. Ele se chama Troika, e simula com mais exatidão as expectativas de ganhos para os fundos. Substituiu nosso programa antigo. O que ocorre é que este programa parece ter algum problema. Ele não funciona sempre da mesma forma. Em algumas ocasiões ele gera uma simulação diferente. Percebemos que, quando se trata de clientes que aplicam somas maiores de dinheiro, e suspeitamos que este limite seja algo em torno de US$ 10 milhões, o programa gera um pequeno erro. Ele gera uma simulação em duplicidade. São geradas duas simulações, uma simulação para o cliente com 1% a menos de ganhos e uma simulação com 1% de ganhos a mais é gerada para a Hedge. O contrato com o cliente é feito com base na simulação a menor. A simulação a maior serviria para a Hedge, mas este 1% não fica aqui. Ele é fracionado e lançado como inúmeros itens desconhecidos de cobranças internas, taxas, etc. – tudo como já havíamos visto antes. O que ocorre, que não sabíamos, é que estes valores obtidos com o 1% não chegam à contabilidade da Hedge nunca. Mais ou menos uma vez por mês o programa parece dar um pau e emite estes valores para alguma conta que não conseguimos traçar, pois o programa também apaga a conta creditada. Não sabemos se propositadamente ou por acidente, toda vez que este “vírus” atua, ele faz os programas se confundirem e dão aqueles paus que presenciamos frequentemente. A cada vez que temos um pau desses a operação de emissão do 1% é realizada e, ao termos que dar um reset nas máquinas para trabalhar de novo, as operações são apagadas. Só que os paus gerados emitem relatórios errados e, ao nos comunicarmos com o cliente por email, o cliente pode vir a flagrar algum erro no investimento. Não sabemos se isso é proposital, acreditamos que sim, que seja um programa malicioso que esteja desviando dinheiro para a conta de alguém. Mas algo dá errado, pois depois que isto ocorre, a operação acaba por gerar uma inconsistência entre o que havia sido contratado e o resultado do investimento. São vários dados conflitantes gerados que nos deixam perdidos e deixam o cliente também perdido. O programa Troika não parece gerar os paus. Parece que ele só é ativado por algum outro programa que vem de fora e só atua uma vez ao mês. O que acontece é que o sistema começou a dar paus mais frequentes do que provavelmente era o previsto, ao invés de emitir mensalmente o 1%. O próprio vírus deve ter dado pau e estar incompatível com o sistema.
Adriano e Bruno estavam boquiabertos. Estava claro para eles, alguém tinha comprado um programa malicioso que separava 1% e transferia para outras contas. Alguém estava roubando.
“Mas quem adquiriu este programa Troika, Rafael”? perguntou Adriano.
“Foi a matriz Dr. Adriano” respondeu ele. “Mas não é o Troika que dá o pau, entendeu? O Troika faz a simulação em duplicidade e gera o erro de 1%. O pau e a emissão contábil desse 1% não são gerados pelo Troika e sim por algum outro sinal que vem de fora. Provavelmente um vírus comanda o Troika para emitir esse valor e finalizar a operação”.
Nesta hora Alexei interveio: “Dr. Adriano, não posso deixar de fazer esta observação. Sou de origem russa, o Sr. sabe. Em russo Troika quer dizer tríade, ou trinca, como uma trinca de ases. Acho que temos uma tríade de programas aqui. O Troika já são na verdade dois programas, pois geram uma duplicidade, mas há um terceiro que dá o comando de emitir os valores acumulados de 1% no mês, apagando o rastro. Grande parte dos vírus de computador hoje em dia vem da Rússia, os russos infelizmente se transformaram em grandes planejadores de fraudes por internet”.
Bruno acrescentou:
“Bem, acho até que muita coisa está esclarecida, mas quem se beneficia desta fraude? Poderíamos pensar em alguém daqui, mas se o programa veio da matriz, não pode ser ninguém daqui que se beneficia”...
“Pois é, mas alguém daqui tem que operar e manter o programa para que continue sendo comandado pelo sinal que vem de fora”, respondeu Alexei.
“Hmmm, então temos gente dentro e fora como cúmplices! O que faremos? Isto é coisa grande”!
Adriano interveio: “Se temos uma fraude destas proporções, não faremos nada. Não somos auditoria nem muito menos polícia. Isto deverá ser reportado. Só temo duas coisas – uma, não temos provas contra ninguém, duas, se isto envolve forças externas à empresa, temo retaliações perigosas. Não vamos dizer nada por enquanto, consultarei meu advogado para saber como proceder sem nos arriscarmos”.
Adriano agradeceu a todos e pediu-lhes que aguardassem novas instruções. Quando ficou a sós com Bruno, este perguntou imediatamente: “Você desconfia de alguém em especial”?
Adriano respondeu: “Não, ninguém em especial”. Mas Adriano não estava querendo se abrir, especialmente porque a pessoa de quem desconfiava ia colocar fogo no Bruno. Adriano desconfiava de algo errado com Renato. Aquele contrato que o próprio Bruno e Helena haviam descoberto como sendo um erro já era suspeito, e havia outros detalhes de atitudes de Renato que o deixavam encucado, mas não quis botar lenha na fogueira que queimaria justo o desafeto de Bruno. Preferiu calar-se. Só não entendia como alguém de dentro estaria mancomunado com alguém de fora. Seria da própria matriz? Que estapafúrdio!
Voltaram para casa, jantaram e foram dormir.
CAPÍTULO 33
No fim de semana Bruno e Adriano estavam sentados, logo após tomarem seu café na manhã de sábado, e começaram a se perguntar:
“O que vamos fazer hoje Bruno”?
“Quer pegar um cinema mais tarde”?
“Ah, cinema hoje não estou muito inspirado, queria alguma coisa diferente, mais emocionante”.
“Emocionante tem as Noites de Terror no Playcenter, huahuahua”.
“Engraçado você, haha. Mas a ideia não é tão estapafúrdia. Que tal a gente fazer um passeio horripilante”?
“Como assim”?
“Vamos ao Instituto Butantan”?
“Poxa, gostei da ideia! Já que estamos lidando com serpentes e imersos em uma trama que mais parece uma teia, parece um programa macabro interessante a gente ver estes bichinhos doces ao vivo, haha”.
“Então vamos”.
E lá foram eles para o bairro do Butantã, onde fica o Instituto Butantan, conhecido instituto paulistano que contém um grande acervo de cobras, aranhas, escorpiões e mais alguns bichos peçonhentos, além de possuir linhas de pesquisa relacionadas com vacinas, vírus, etc. O passeio realmente parecia apropriado. O Butantan fica ao lado do Campus principal da USP – Universidade de São Paulo, e todo o complexo tem uma paisagem muito bonita, além de ser um interessante passeio. Adriano já conhecia este passeio, lembrava-se de ter ido antes lá em uma excursão com a escola. Bruno não conhecia ainda.
No Butantan puderam ver os dois viveiros de cobras, um para as peçonhentas e outro para as não peçonhentas. Ficaram longo tempo observando as criaturinhas reptilianas deslizarem sobre o chão e sobre suas casas. Na maioria das vezes muito lentamente, só de vez em quando uma saía correndo e cruzava um grande território. Era relaxante, de uma certa forma, observá-las. Bruno mencionou que este seria um bom passeio para a Família Addams, romântico inclusive sob a ótica do filme. E neste clima de romantismo exótico chegaram a trocar alguns beijinhos roubados em meio aos outros poucos frequentadores que lá estavam. Volta e meia Adriano puxava Bruno para um cantinho e lhe dava um agarrão mais safado. Era um legítimo namoro gostoso. E quem diria que ambos estivessem entediados com seus ex-parceiros? Nunca se trata de falta do que fazer, mas sim de uma companhia errada. Com uma companhia mais adequada torna-se possível transformar o prosaico em romântico, aproveitar o que a cidade pode oferecer para enriquecer uma relação. Formariam mais uma memória na história deste encontro tão feliz que estavam vivendo.
A seguir entraram no museu para ver os terrários dos animais que não ficavam a céu aberto. Viram muitas aranhas, escorpiões e outros tantos artrópodes de arrepiar.
Almoçaram lá no Butantan mesmo e, por fim, quando já era próximo à hora de fecharem, foram dar uma passeada pela USP. A USP tem um clima especial. Ambos haviam estudado lá e puderam recordar seus tempos de estudantes. Só quem fez USP sabe o sabor que tem aquele Campus, tão exuberante e bem cuidado, mas ao mesmo tempo misterioso, cheio de meandros e histórias. Quem bem conhece a USP sabe de locais onde se pode estacionar o carro e ficar dando uns amassos bem à vontade. Só não foram muito longe em suas estrepolias porque não precisavam disso. Não eram mais adolescentes e teriam local muito mais agradável para fazer o que quisessem. De qualquer forma, aquela introdução já dava ensejo ao que fariam mais tarde.
Ao voltarem para casa já era fim de tarde e Adriano começou a fazer o jantar. Jantaram muito bem e foram para a cama. Estavam aproveitando muito suas carícias e fazendo as coisas que a estas alturas Adriano fazia com desenvoltura.
Na portaria estava Erica. Tinha voltado porque achava que já era hora de pegar suas coisas, algumas poucas que havia deixado na casa de Adriano. Já se sentia bem de novo para encará-lo e estava indo lá com um propósito. Imaginou que seu pouco fiel ex-namorado já estaria com outra mulher e tinha vontade de surpreendê-lo para causar-lhe um mal estar.
O porteiro quis impedir mas Erica, muito esperta, o dissuadiu de fazê-lo: “Oi Joaquim, eu sou de casa, não precisa avisar, vou só entrar e pegar minhas coisas, se ele estiver dormindo nem vou acordar”.
“Não tenho ordem para deixar ninguém subir sem avisar, Dona Erica, sinto muito”.
“Mas eu não sou “ninguém”, sou de casa Joaquim, que bobagem”.
“Não posso Dona Erica, são ordens do condomínio”.
“Ele está com outra mulher não está Joaquim, por isso não quer deixar”.
“Posso garantir que não está com outra mulher, não é por isso”.
“Mas então não vou ter surpresas? Que pena”!
“Dona Erica, acho melhor não subir, por que a Sra. não volta outro dia”?
“Mas se não tem outra mulher, Joaquim”!
“A Sra. é quem sabe, não vai gostar do que vai ver”.
Erica sabia que Joaquim estava ocultando algo, só não imaginava que em nenhum momento ele tinha mentido. Esperta que era, enquanto travava a conversação com Joaquim, tinha feito de propósito para que ele se entretivesse o suficiente olhando para seus peitos e ela pudesse arrancar sutilmente o fio do comunicador do interfone. Dito e feito, Joaquim não conseguia comunicar-se com o apartamento de Adriano.
“Engraçado, acho que não tem ninguém, deve ter saído de carro pela garagem e eu não vi”.
“Deixa eu subir Joaquim, o Adriano me autorizou, eu falei com ele por telefone”. Erica nem esperou a confirmação de Joaquim, já foi rumando ao elevador, sabendo que Joaquim não teria coragem de pará-la. Já tinha pensado de antemão em tudo, estava com a chave do apartamento na mão e sabia que iria flagrar Adriano com outra. Só pelo mal estar, pois Adriano já não lhe devia mais nada.
Subiu pelo elevador já pensando: “Vou criar um mal estar muito grande e humilhar muito o Adriano, fazendo-o passar por um grande galinha na frente da garota. Quero só ver a cara dele”.
Abriu a porta muito silenciosamente. Já tinha tirado os sapatos no elevador e deixado no hall, sua meia de seda era ideal para esgueirar-se sorrateiramente sem qualquer ruído. Já embaixo escutou algo e percebeu que havia realmente alguém com Adriano. Foi subindo pé ante pé. Chegou à parte de cima mas não se deixou ver. Queria ver primeiro a cena, espiar pela quina da parede, colocar só os olhinhos antes de qualquer coisa, ver bem a cena e só dar o bote na hora ideal.
Realmente, como tinha dito Joaquim, ela não iria gostar do que estava por ver. Quando avistou a cama de Adriano, viu Adriano enroscado com um... HOMEM!!! Sim, dava para ver muito bem, estava iluminado. Adriano estava beijando calorosamente um outro homem, não havia dúvida. Estavam ambos nus, não tinha como não ver. Era um cara branco de cabelo moreno, muito forte, musculoso, com corpo de homem, cara de homem, pelo no peito, não tinha por onde! E os dois se beijavam intensamente, dava para ver os dois paus deles muito eretos jogando por debaixo dos lençóis, eles se beijavam intensamente e passavam a mão um no corpo do outro enquanto arfavam e gemiam. Vozes de homem.
Erica soltou um grito. Bruno assustou, Adriano mais ainda.
“Erica”?
Bruno logo entendeu. Erica gritou:
“Adriano seu louco! Você tá transando com um homem seu vagabundo”!
“Erica, eu ia te contar”.
“Então você me traía com homens e não mulheres”!
“Não é nada disso, eu só fiquei com o Bruno muito depois que terminei com você e nunca tinha ficado com homem antes, eu juro. Erica, deixa eu apresentar, esse é o Bruno, Bruno, essa é a Erica”.
“Que apresentar o quê, Adriano, que pouca vergonha, seu descarado”!
Bruno disse: “Acho melhor eu deixar vocês a sós para conversarem um pouco, Adriano, depois a gente se fala”. Ia levantar-se mas quando ficou de pé percebeu que não só estava completamente nu mas também que estava de pau duro ainda. Ficou sem graça e cobriu-se com o lençol.
Erica ainda em estado de choque falou:
“Não vá embora não querido, agora que as coisas estão começando a ficar quentes? Não se preocupe, já vi muitos como esse antes, não precisa se envergonhar. Aliás é até bom eu ver bem nítido, que é para eu não ter a menor dúvida. Quem dá pra quem aí”?
Adriano começou a irritar-se. Bruno também. Bruno respondeu:
“Aqui não temos posições exclusivas Erica, somos os dois iguais, ambos fazemos de tudo”.
“Então são duas bichonas mesmo”?
Adriano irritou-se:
“Cala a boca Erica. Não te dou o direito, está na minha casa. Bruno, não vai embora não! Fica aqui junto cara”.
“Não vou mesmo Adriano, vamos esclarecer. Erica, ele não está mentindo e EU posso provar. Só não é necessário o escândalo”.
“Não é necessário nada querido. Não vou ficar debatendo essa coisa absurda. Então Adriano garotão, agora que já catou todas as garotas que queria, partiu pros gatinhos? Bem, vou ter que admitir que você é muito atraente rapaz. E você Adriano, me sinto honrada, você tem muito bom gosto pra homem”. E soltou uma gargalhada nervosa. “Podem deixar, eu volto outro dia para pegar minhas coisas. Adriano, faça o favor de deixar tudo lá embaixo na portaria Ok? Não quero rever esta cena”.
E retirou-se muito brava. De certa forma tinha conseguido o que queria: causou um imenso mal estar. Só não contava que o mal estar seria maior nela mesma que em qualquer um dos outros dois.
PARTE G
CAPÍTULO 34
Para atropelar a Hedge AG, a segunda feira reservava uma surpresa a todos.
Tinha havido denúncia de estelionato por parte de algum cliente (provavelmente uma ou mais empresas clientes) e o delegado da 96ª. DP do Brooklin Novo, Delegado Freitas, estava promovendo diligências em busca de provas para instruir o inquérito policial. Havia um investigador de polícia, Investigador Mourão, que fazia perguntas, e técnicos (peritos) que o auxiliavam. Se houvesse processo judicial, este correria contra a Hedge AG, mas Adriano certamente seria responsabilizado.
O investigador de polícia, junto com o perito, fazia várias perguntas a Thiago, que respondia nervoso:
“Sim, temos tido alguns problemas com erros de programas por aqui, mas não tínhamos ideia de que se tratasse de algum programa malicioso, apenas achávamos que seriam os usuais paus informática, tão frequentes. Só fazíamos nossos melhores esforços para corrigir os erros”.
“Mas quem identificava os paus”?
“Qualquer pessoa que estivesse fazendo simulações ou atendendo a clientes e verificasse que os dados da simulação não batiam com os dados anteriores”.
“Com tantos profissionais competentes em sua equipe nunca ninguém suspeitou que pudesse haver intuito de desviar dinheiro”?
“Não Sr., não suspeitamos. Está fora de nossa realidade. Se quer saber, somos todos meio nerds por aqui”.
“Isto não os isentará de nada, quero que fique bem claro”.
“Perfeitamente”.
O delegado questionava Helena e Bruno:
“Foi relatado que vocês dois detectaram este erro grande de contrato. Em nenhum momento lhes ocorreu denunciar à policia? Não sabem que se trata de estelionato, que é um crime”?
“Não tínhamos ideia da magnitude do erro Sr. Delegado. E ainda estávamos dentro de uma suspeita, não tínhamos provas nem tínhamos indício nenhum de quem poderia ter feito isso. Achamos melhor ficar quietos. Vícios do mundo corporativo, é sempre um jogo de manipulação e retenção de informação, não é um jogo aberto, espero que compreenda”.
“Não, não compreendo senhora. Não compreendo”.
Mais tarde estavam o delegado e o inspetor a sós com Adriano em sua sala, falou o Delegado:
“Então o poderoso Doutor sente que, do alto de sua sala de comando, não precisa se preocupar com detalhes do que fazem os outros, verdade Dr. Adriano? Temos relatos de que não conversa sobre o que chama de “ninharias” com os funcionários, não acompanha o trabalho da equipe, só conversa com a gerência”.
“Dr. Delegado, é assim que funciona o mundo corporativo, cada um tem uma função, não tenho como acompanhar a todos, cada funcionário se reporta a sua gerência e eu acompanho os gestores”.
“Mas saiba então que será responsabilizado por tudo o que aconteceu, mesmo não sabendo”.
“Tenho certeza disso Sr., não esperava não ser”.
“Então responda-me uma última coisa, Dr. Adriano”, questionou o Inspetor Mourão “Como diretor de um departamento tão importante e que movimenta somas tão grandes de dinheiro, não teve sequer curiosidade de procurar saber de que se tratavam tantas falhas no setor de TI, que está justamente sob sua administração”?
“Tive sim, Sr. Inspetor, estava me movimentando para achar tudo o que pudesse o mais rápido possível e corrigir o erro antes que a auditoria, ou mesmo a polícia viesse a saber. Nossa empresa vive da reputação. Se tanto auditoria como polícia nos descobrem teríamos problemas. Foi isso, não descaso. Estávamos indo bem, só não poderia suspeitar de crime. Achávamos que fosse problema com o programa, só”.
“Mais uma coisa Dr. Adriano: que tipo de relação mantém com o Sr. Bruno Trevori”?
“Ffffff”... Adriano soltava um suspiro de desânimo, enquanto segurava a cabeça com as mãos. A polícia parecia ter feito muito bem seu dever de casa. E quando partiram para a ofensiva já questionaram todos de surpresa, muita gente deixou escapar muita coisa, eles compunham um quadro inteiro e já chegavam com o bolo pronto.
“Em que minha relação com o Bruno afeta o crime, Sr.”?
“Não sabemos, por isso perguntamos”.
“Sou obrigado a responder isso?”
“Não, mas lembre-se de que, se esta peça de diligência chegar a constituir um processo crime, o fato de ter-se recusado a responder constará lá e contará em seu desfavor, Dr. Adriano”.
“Bem, sendo assim – sim, tenho uma relação amorosa com o Bruno, há mais ou menos um mês, talvez um pouco mais”.
“O Sr. se qualifica como gay Dr. Adriano”?
“Não, Sr. Inspetor, é minha primeira experiência com um homem, sempre me relacionei com mulheres antes, pode averiguar isto. Talvez hoje em dia possa me qualificar como bissexual, não sei ao certo como lhe responder isto”.
Este primeiro dia de investigações foi apavorante. Todos ficaram muito chocados. A maioria das pessoas não supunha, nem de longe, nem in their wildest dreams, que os paus do TI estivessem relacionados a um crime de estelionato. Aliás, não era certo que estivessem, o que deixava a todos em uma situação de incerteza pior ainda.
Só o “grupo dos sete” sabia de que se tratava este problema e não pretendiam responder à polícia mais do que fosse questionado, não só porque seriam certamente responsabilizados todos, mas também porque não sabiam com o que ou com quem estavam lidando. Ainda não se conformavam com a situação e não faziam a menor ideia de quem estivesse por detrás daquilo tudo.
Aliás, eles e algumas outras pessoas da empresa sabiam que deveriam ter feito soar o alarme antes, mas como bem disse Helena, no mundo corporativo não se joga aberto, é um jogo sempre fechado.
Ao irem embora da empresa, Bruno e Adriano estavam exaustos.
“Poxa Adriano, por pouquíssimo tempo não desvendamos isto por nós mesmos, estávamos quase lá”!
“Sabe que não Bruno? Acho melhor assim. Não sabemos com quem estamos lidando, tem alguém dentro da empresa mas pode ter alguém na matriz, melhor não mexer. Deixemos para a polícia. Se não temos culpa no cartório certamente hemos de nos safar. Vamos deixar para a polícia o trabalho perigoso”.
“Você desconfia de alguém lá dentro”?
“Tenho algumas pessoas em quem confio menos, ou melhor dizendo, que acharia capazes de fazer alguma coisa, mas daí a ter como apontar alguém, não, não posso fazer isso”.
“Eu acho o Renato meio suspeito e acho que você concorda comigo”.
“Não tenho nada de concreto contra ele, só acho certos false moves meio suspeitos”.
“Ok, você não quer se comprometer”.
Nesta hora passou pela cabeça de Bruno mais uma vez a figura daquela ex-funcionária da empresa, a Giselle, e o que tinha ouvido dela. Que havia coisa muito errada na Hedge que nem o Adriano nem a matriz sabiam. Bruno sentiu certa segurança nesta recordação. Pensou que poderia confiar em Adriano pelo menos. Pensou em procurar a Giselle para almoçar um dia, para ver exatamente o que ela sabia. Depois perguntou a Adriano:
“Adriano, espero que nem passe pela sua cabeça que eu tenho algo a ver com isso, não é”?
“Ora Bruno, que absurdo. Não pensaria de forma nenhuma, mas tenha em mente que você pode provar isto alegando que nem estava nem na Hedge quando o programa foi comprado e os paus começaram – use isto a seu favor heim cara”!
Depois de tanta tensão jantaram e foram dormir. Sem academia este dia.
CAPÍTULO 35
No dia seguinte as investigações continuavam. O delegado Freitas questionava Mônica.
“Quando foi que o Dr. Adriano percebeu este erro em seu contrato, Sra. Mônica”?
“Não sei precisar a data Sr. Delegado, deixe-me consultar... hmmm”.
“Não tem importância Sra. Mônica. Gostaria de saber por que demitiu o Sr Alessio da empresa”.
“Por que o contrato estava sob responsabilidade dele e ele não foi capaz de perceber o erro e me avisar, foi erro dele na verdade.”
“Mas não seria responsabilidade da gerência supervisionar o trabalho dos funcionários, Sra. Mônica”?
“Depende do ponto de vista Sr. Delegado”.
“Que ponto de vista quer que eu anote aqui em meu relatório Sra. Mônica? Que ele errou e a Sra. o tinha acobertado, hmmm, vejamos, ou que a Sra errou e achou mais fácil demiti-lo, para desviar a atenção da Sra., ou que o programa errou e a Sra. não percebeu e achou mais fácil empurrar a culpa para ele e demiti-lo para não perder a Sra. mesma seu cargo, mas não tinha conhecimento do erro”?
“Digamos que estritamente para questões de polícia, a verdade é esta última suposição Sr. Delegado”. Disse Mônica contrariada contendo a raiva por ser-lhe arrancada a verdade e ser desmascarada por força superior.
Enquanto isso Thiago era interrogado da mesma forma pelo Inspetor Mourão.
“Não tinha conhecimento da extensão do dano, Sr. Inspetor, não conhecia tratar-se de crime, jamais passaria pela minha cabeça. Mas realmente o Márcio foi um bode expiatório. Temos que fazer essas coisas em empresa para desviar a atenção e impor respeito. Infelizmente é assim. Não acho que ele fosse completamente inocente não. Ele estava responsável naquele dia por reiniciar o sistema e não acusou erro quando este apareceu. Mas eu também sou responsável, com toda a certeza. Apenas gostaria de deixar claro que nenhum de nós, ou pelo menos não eu, sabíamos que se tratasse de estelionato. Para nós era apenas um dos comuníssimos paus de informática”.
Mais tarde ambos interrogariam Renato:
“Sr. Renato, o Sr Bruno e a Sra. Helena encontraram um erro de simulação e contratação muito grande, os valores são divergentes por cifra muito alta. Como explica o fato de, sob sua supervisão, este fato ter-lhe passado desapercebido por tão longo tempo”.
Os lábios de Renato tremiam. Não saberia dizer se mais de medo por ser desmascarado ou por ódio de Bruno, aquele pivete, a quem ele tinha sido incumbido de hostilizar, e que tinha conseguido virar o jogo e passar-lhe a perna. Como um rapaz verde daqueles, que já estava no papo e que seria justamente usado para servir de bode expiatório para o erro do tal contrato, invertia o jogo contra ele, Renato, esperto e sênior? Justo quem! De quem ele teria que engolir isto, e agora ainda por cima aturar que aquela criaturinha era o queridinho do Adriano!
“Sr. Delegado, temos centenas de contratos sendo gerados e modificados dia a dia. Estas curvas mudam e depois mudam de novo ao longo de curtos períodos, são acompanhadas dia a dia. O mercado de capitais gira e é volátil, isto é conhecido. Por isso temos vários funcionários tanto em Clientes como em Fundos, para que eles acompanhem mais de perto cada caso. Não posso saber de cor cada caso, cada fundo e cada cliente. Certas coisas certamente me escapam”.
“E quanto aos outros seis clientes que apresentaram erros de simulação e contratação Sr. Renato? Por que motivo lhe escaparam? E a quantia de US$ 10 milhões lhe escaparia Sr. Renato?”
“Poderia escapar sim, se nada me indicasse que houvesse qualquer coisa de errado com o lugar onde está aplicada”. Respondeu Renato contendo a raiva em resposta à ironia do Delegado.
“E o Sr. acha que há alguma coisa de errado com o “lugar” onde está aplicada, Sr. Renato”? O Delegado fazia esta pergunta de duplo sentido insinuando que Renato teria intenções de mudar de emprego, pois havia indícios de que teria vontade de desligar-se da Hedge.
“Não Sr. Delegado” respondia Renato já quase alterando seu tom de voz. “Certamente trata-se só de um problema de informática que será elucidado e solucionado”.
O trabalho não rendia diante de tanta pressão. Havia agora três peritos em informática e matemática inspecionando as curvas desde 2011 até o presente, junto a muitos dos funcionários das três áreas, que estavam tensos. Seria como uma auditoria, mas muito pior, pois tinha aquele clima de polícia, crime.
Em meio a este sobressalto, Bruno conseguiu sair para almoçar com Giselle. Não disse nem a Adriano que, assoberbado com tantos problemas, distraiu-se justo nesta hora. Quando foi procurar não achou Bruno. Ligava em seu celular e este estava fora de área. Decidiu ir almoçar sozinho.
Quando voltou Bruno estava com outra cara. Seu semblante estava modificado, pesado. Desconfiado. Olhava para todos com jeito de quem não queria estar lá. Chegou para Adriano e diz: Preciso falar com você. Adriano disse: o que aconteceu? Não dá aqui, só fora. Hoje à noite.
À noite, saindo da Hedge, foram os dois para sua academia. Adriano perguntava o que havia acontecido a Bruno. Bruno estava distante, falava que não poderia falar ali, que teria que ser com calma e a sós. Que esperasse até chegarem em casa.
Saíram da academia, cada um rumou para pegar seu carro. Era tarde, Bruno não havia deixado o carro no estacionamento quando voltou do almoço com Giselle, tinha deixado o carro numa ruela escura. Que falta de providência, justo neste momento! Ao ir pegá-lo, estava abrindo a porta quando três homens encapuzados chegaram-lhe junto e começaram a fazer-lhe ameaças enquanto batiam nele.
“Cuidado com o que você sabe, mano. Se for contar pra alguém, já está encomendado. É melhor você ficar quietinho. Sabe o que é isso”? E o bandido mostrava uma arma e o apontava para a cabeça de Bruno. O bandido fazia o som da bala com a boca. “Cuidado com o que você fala e com o que você faz, tem gente que não gosta de você. Acho melhor abandonar o seu patrãozinho querido”. Dizia isso enquanto hostilizavam e agrediam-no fisicamente.
Bruno não conseguiu mais fazer nada. Caiu desfalecido e lá ficou até que o achassem. A sorte foi que os bandidos não haviam levado nada. Ainda estava com sua carteira, seu celular e tudo o mais. Ao tomarem seu celular, os três rapazes que o acharam abriram a agenda telefônica do celular e ligaram para o primeiro nome que apareceu. Que sorte a de Bruno namorar um cara cujo primeiro nome começa com as letras A e D.
Adriano veio imediatamente. Estava muito chocado. Bruno estava desfigurado. Foi levado para o Hospital Albert Einstein, atendido no PA e depois encaminhado. Estava inconsciente. Tinha várias escoriações, hematomas, uma fratura no dedo anular da mão esquerda e uma suspeita de hemorragia interna por rompimento de baço que depois não se confirmou. Adriano estava estarrecido. Que mais poderia acontecer? Nunca deveria ter feito esta pergunta.
Bruno permaneceria no hospital por enquanto e ele voltaria para casa. Não sabia se comunicava à família de Bruno no interior, mas optou por não fazê-lo, pois seria preocupar os familiares por algo que já tinha acontecido. Pensaria no dia seguinte se o faria.
CAPÍTULO 36
Adriano estava completamente abalado e chocado. Antes de tudo muito triste, pois sentia-se parcialmente responsável por isso. Sentia que tinha envolvido Bruno em um problema e, por conta deste problema, Bruno estava sofrendo. A estas alturas entendia Bruno como algo seu – um namorado ou parente. Estava triste por seu querido Bruninho, muito triste, não se conformava de vê-lo assim neste estado.
Um homem duro como Adriano não se permitia chorar, mas várias vezes em que não havia ninguém no quarto do hospital, só ele e Bruno, seus olhos enchiam-se de lágrimas, consternado que estava. Passava as mãos sobre o rosto de Bruno contemplando-o e murmurava: “Tudo vai ficar bem, gato. Te amo”. E os olhos voltavam a encher-se de lágrimas.
Bruno permaneceu por quatro dias no hospital. Saiu de lá no sábado fora de perigo, mas ainda não poderia voltar à ativa e continuaria recuperando-se em casa. Isto significava que ficaria na casa de Adriano. Adriano assim pediu. Não retornaria à empresa por uns tempos, ainda mais que corria perigo lá.
Para piorar, não conseguia lembrar-se do que queria contar a Adriano, pois pela pancada na cabeça, havia apagado da memória os últimos dias antes do ataque que tinha sofrido. Estava um pouco assustado e sentindo um pouco de dor e medo, mas não demasiadamente, pois a medicação aliviava estes sintomas. Dormia grande parte do dia e sentia-se mais protegido na casa de Adriano.
Para ele as coisas estavam mais tranquilas, mas para Adriano nem um pouco. Adriano estava apavorado. Apavorado por todos os lados. Temia pelo que pudesse vir a acontecer a ele, temia por Bruno, temia pela empresa, enfim, sua situação emocional não era nada confortável. Estava muito assustado com tudo.
A partir de segunda as investigações continuavam na Hedge e Adriano não sabia o que fazer. Tentava compreender quem estaria interessado em agredir e ameaçar Bruno e o que ele sabia que não se lembrava. Contava com a rápida recuperação de Bruno, não só para que se resolvessem as pendências, mas também porque gostava muito dele e não queria que se envolvesse em um jogo tão sujo que não guardava relação com ele. Tinha pedido ao Delegado proteção para Bruno, mas o Delegado disse que não dispunha de recursos para isso. Que ele permanecesse a salvo dentro de casa. Adriano achava que o Delegado ainda não havia se dado conta da gravidade da situação e enraivecia-se com isso.
“Dr. Freitas, será que teremos que esperar que aconteça algo mais grave para que o Sr. aceite mobilizar um pouco mais de sua força policial”? Reclamava ele em tom alterado – sim, este era um novo Adriano em cena. A vida o estava mudando rapidamente.
Na terça feira, ainda sem nada de conclusivo a respeito das fraudes, Bruno recebeu um telefonema de Marcelo dizendo que sentia muito por tudo o que estava acontecendo e que queria vê-lo pessoalmente. Disse que iria até a casa de Adriano, ao que Bruno disse que não seria correto da parte dele recebê-lo lá. Sugeriu que fossem a uma padaria próxima para tomar um café. Bruno estava ainda sob efeito de medicação, meio desnorteado. Uma pessoa em seu estado normal não aceitaria este convite. Bruno, porém, estava meio alheio, apático.
Mais ou menos uma hora depois Marcelo fez-se anunciar na portaria do prédio de Adriano. Bruno desceu, pois já estava bem melhor fisicamente. Sentia-se melhor fisicamente mas a cabeça não estava acompanhando. Como sair assim sem ao menos ligar para Adriano e comunicar?
Ele e Marcelo resolveram ir a pé a uma padaria muito próxima, Bruno estava já quase cem por cento recuperado do trauma físico, por isso sentia-se bem para sair, mas seu raciocínio não estava cem por cento lúcido, pois de outra forma não faria esta besteira. Achou que não haveria problema em sair por algum tempo e ir até uma padaria local.
Percebeu um tom de voz e postura esquisita em Marcelo. Estava tremendo, esquisito. Mas nada de estranho lhe tinha ocorrido porque não relacionava Marcelo a nada que estivesse acontecendo na Hedge e, também, porque os medicamentos lhe tiravam o senso crítico. Foi este ledo engano de uma mente inocente e sedada que o traiu. Logo quando houve oportunidade surgiram três figuras nefastas, um arrancou Marcelo da cena dizendo: “Sua parte está feita mano, agora é com a gente”, empurrando-o fortemente para longe. Marcelo caiu e se machucou. Isto acontecia enquanto os outros dois forçavam Bruno violentamente para dentro de um carro. Bruno percebeu que tinham armado para cima dele. Tinham descoberto a existência de Marcelo e o tinham usado como isca. Um destes estava armado. O carro sumiu com Bruno imobilizado pelos dois assaltantes.
Mais tarde, ao voltar para casa, Adriano não encontrou Bruno. Ficou muito preocupado, tentou ligar, nada. Perguntou a Seu Antônio, o porteiro do dia, e este disse que o Bruno havia saído para passear com um amigo e não tinha voltado ainda. Adriano ficou desesperado e ligou imediatamente para a polícia.
O delegado lhe fez algumas perguntas e disse que providenciaria uma busca. Depois de muito brigar com a polícia pela falta de providência, que ele tinha pedido vigilância, assistência, que tinha avisado e tal, Adriano conseguiu conter-se um pouco. Apesar de estar sentindo muito medo e de estar muito agitado, queria ir à delegacia, falar com o médico de Bruno, procurar nos hospitais. Por outro lado, não havia muito o que pudesse fazer senão esperar. O médico de Bruno disse que, dado o estado de Bruno, ele poderia ter tido uma espécie de ausência e saído a esmo, sem rumo, para passear um pouco e voltar. Não havia muito o que fazer a não ser dar prosseguimento às buscas. Era tarde e o médico de Bruno deu a Adriano alguns tranquilizantes para que pudesse dormir pelo menos até que fosse possível fazer alguma coisa no dia seguinte. Adriano estava muito chocado e só conseguiu relaxar e dormir por causa da medicação.
CAPÍTULO 37
No dia seguinte, uma terça, Adriano acordou e resolveu ele mesmo ir atrás de Bruno.
A ficha ainda não tinha caído por completo para Adriano. Ele não tinha se dado conta da extensão da coisa, não tinha entendido que Bruno tinha desaparecido mesmo. Ainda ficava esperando que Bruno reaparecesse ou telefonasse a qualquer momento e explicasse um mal entendido qualquer. Estava desesperado, brutalizado, péssimo. Talvez por isso não conseguisse ver com clareza.
Não permaneceu na empresa, ficou pouco por lá, já saiu cedo e foi a um médico para pedir tranquilizantes. O médico diagnosticou que Adriano estava em choque e recomendou que se poupasse um pouco, receitou-lhe ansiolíticos e pediu para diminuir o ritmo de trabalho, se possível ficar mais em casa para repousar ou fazer atividades relaxantes, mas sem deixar a cabeça ociosa.
Adriano, porém, não conseguia desligar. Em primeiro lugar foi à casa de Bruno para tentar ver se achava algo, pois tinha a chave consigo. Queria o telefone da família dele, pois achou que já seria mais que hora de comunicar-lhes. Depois de subir ao apartamento, aproveitou para remexer muitas coisas e ver se achava algum indício que lhe desse uma pista de o que estaria acontecendo, algo que Bruno não tivesse contado (apesar de saber que Bruno estava em sua casa havia tempo). Ficou no apartamento por muito tempo, foi fuçando nas coisas de Bruno, em um misto de nervosismo e tristeza. Buscava pistas para o desaparecimento e simultaneamente tentava entender a vida pregressa dele, entender quem era aquele rapaz que lhe havia despertado sentimentos tão interessantes, que havia muito não sentia.
Foi olhando os retratos dele com os amigos, um Bruno sempre sorridente com jeito de garoto ainda, parecia ser um cara feliz. Achou fotos dele quando mais jovem e se enterneceu, chegou a abraçar a foto e beijar e, nesta hora, percebeu que estava muito apaixonado pelo cara. Não conseguiria suportar perdê-lo assim tão precocemente, mas ainda não sabia o que estava acontecendo. Passava-lhe tudo pela cabeça. Abria gavetas, viu suas roupas, as cartas antigas, ligou o computador, descobriu muitas coisas que não sabia sobre sua vida pregressa. Quem ele era antes da Hedge, um rapaz simples, estudioso, uma adolescência meio complicada por conta de sua sexualidade diferente, etc. Achou até um relato no computador descrevendo sua paquera com o diretor da Hedge (ele mesmo Adriano) e o quanto o rapaz estava encantado, depois humilhado, bem, esta história ele conhecia bem. Sentiu uma dor imensa no peito por ter feito Bruno passar por um mau pedaço. Sentiu vontade de tê-lo de volta e colocá-lo no colo e dizer o quanto gostava dele...
Descobriu também muitas coisas sobre Marcelo e não gostou do que viu. Começou a sentir uma raiva crescente de Marcelo ao ver que este havia tratado tão mal seu novo amor, não entendia como alguém pudesse não ser apaixonado pelo Bruno. Descobriu também quem eram os verdadeiros amigos, quem eram aqueles a quem, em momentos de maior dificuldade, o tinham ajudado e prestado auxílio tanto emocional como até mesmo financeiro, quando precisou. Anotou o telefone de todos, decidiu procurá-los e pensou para si mesmo: “Por que não me aproximei mais destes caras? O Bruno gosta tanto deles e eu, no meu egoísmo de não querer me expor, privei-o dos amigos que ele gosta tanto!” Decidiu que, fosse qual fosse o resultado, quando Bruno reaparecesse, tentaria frequentar mais seus amigos e fazer parte daquele círculo, pois estaria agradando a Bruno.
Descobriu também que Bruno estava passando por uma certa dificuldade financeira, por que motivo não havia contado? Ele poderia ajudá-lo! Sua família também não estava tão bem e nenhum dos dois mencionou nada, Bruno por vergonha da família, talvez, e ele por ser muito auto-centrado. Recriminou-se por isso nessa hora.
Descobriu que Bruno era descendente de imigrantes italianos por ambos lados, paterno e materno. Do lado paterno havia uma história um pouco complicada, a bisavó paterna havia escapado da primeira guerra mundial, fugindo da guerra contra o Império Austro-Húngaro. Havia fugido direto para o Brasil com os filhos. Descobriu também que o avô materno de Bruno tinha sido alcoólatra e pródigo, e este tinha sido o início dos problemas financeiros da família.
Feito isso, Adriano continuou sua própria busca. Não passou dias inteiros na Hedge desde quarta até sexta. Estava muito consumido por este evento e, a cada dia que se passava, sua preocupação aumentava, pois estava esperando que Bruno reaparecesse para contar o que lhe havia acontecido. Estes dias foram um inferno para ele. Apesar de todos os problemas, possuía uma equipe na empresa que funcionaria sozinha e o inquérito também não requeria sua presença full time. Portanto, ele mesmo começou a dar buscas em delegacias, hospitais, etc. da região do Morumbi e da Berrini em primeiro lugar, depois Jardins. Descobriu sites para pessoas desaparecidas, fuçou e tentou de todo jeito.
Na sexta de tarde o Delegado compareceu à casa de Adriano e pediu para falar com ele. Adriano o recebeu em seu apartamento. O delegado expôs que um carro havia sido encontrado em Cidade Tiradentes, subúrbio da Zona Leste de São Paulo. O carro estava parcialmente queimado e havia um corpo queimado lá dentro, que a princípio não sabiam de quem seria. Quando escutou isto Adriano gelou. Quase nem conseguia continuar prestando atenção ao que o Delegado falava. Sua respiração e batimento cardíaco aceleraram de uma tal forma que tiveram que interromper. Foi uma crise de pânico. Assim que dominada, o delegado disse:
“Sou obrigado a dar continuidade”, e prosseguiu seu relato dizendo que a polícia também tinha descoberto que Bruno tinha saído com Marcelo na tarde de seu desaparecimento, pois este tinha comparecido à polícia na quarta feira, dia posterior ao desaparecimento, com escoriações leves, e tinha relatado o acontecido à polícia.
Tendo interrogado Marcelo, que contou sua versão do rapto, a polícia juntou os fatos.
No carro foram encontrados também documentos de Bruno e alguns outros pertences, no banco de trás, dentre os quais um CD e um pen-drive.
O pen-drive continha uma cópia do programa Troika e um outro programa malicioso que alterava simulações a partir de US$ 10 milhões para serem realizadas em duplicidade, com diferença de 1% de uma para a outra cópia, sendo que o 1% restante era fracionado em vários itens contábeis, posteriormente emitidos separadamente para contas fantasma. Estes valores eram a seguir reagrupados em uma só conta bancária e todos os rastros eram apagados.
O sinal que fazia o programa emitir e operar não tinha sido detectado e os emails que se referiam a ele mencionavam-no como “A Entidade”.
No CD havia os registros de simulações fraudulentas, contratos fraudulentos com clientes, alguns trâmites do dinheiro entre contas, alguns itens não apagados, vários emails envolvendo Adriano, uma carta assinada por Bruno chantageando Adriano para que lhe desse R$ 1.000.000,00 senão o denunciaria por estelionato e uma carta assinada por Adriano ameaçando Bruno para que não abrisse a boca sobre isto senão sofreria graves consequências.
O Delegado informou também que a polícia tinha ido à casa de Bruno para investigações e tinha averiguado que Adriano havia estado por lá na terça, o que era uma atitude suspeita.
Marcelo já tinha sido chamado para identificar o corpo achado dentro do carro como sendo o de Bruno ou não e sua identificação havia sido positiva.
O Delegado estava indiciando Adriano por estelionato e homicídio.
Adriano desmaiou.
O Delegado Freitas já tinha se precavido e providenciado auxílio médico para Adriano. Chamou o médico, que estava esperando embaixo do prédio, este subiu e medicou Adriano. O Delegado já tinha feito o que tinha programado. Dar a notícia a Adriano e deixá-lo sob cuidados médicos e vigilância policial para afastá-lo da empresa.
Na cabeça do Delegado tudo estava muito claro. A única dúvida não sanada era sobre o programa. Este programa não operava sozinho, não conseguiam compreender de onde vinha o sinal para o programa emitir o 1%. Não estava nem na empresa, nem no Troika mesmo e nem no vírus que fazia o programa operar. O vírus era apenas a instrução e linguagem, mas tinha que ser acionado por outro programa que não estava em lugar nenhum.
Na verdade o que estava claro na cabeça do delegado não era a culpabilidade de Adriano. Estava claro que havia um crime de estelionato, crime cibernético, contínuo, uma contínua evasão de soma de dinheiro da empresa Hedge AG, e que em um dado momento o responsável por este desvio de montantes de dinheiro começou a perceber que alguém o tinha detectado. Percebeu que algumas pessoas sabiam demais e resolveu forjar uma ameaça e plantar provas, desviar os olhares de si. O Delegado Freitas, esperto que era, não se deixaria enganar por esta manobra simplória. Fingiria que aceitava este teatrinho tolo, apenas para dar tempo lógico ao verdadeiro perpetrador do estelionato e homicídio. Queria dar-lhe tempo para que se sentisse seguro e continuasse agindo, enquanto ele, Delegado, fingia acreditar na história e tinha tempo para investigar. Por outro lado, não tinha a menor compaixão ao culpar e indiciar Adriano, um executivo arrogante. “Deixa ele sofrer um pouco”, pensava.
Assim que Adriano se sentiu melhor ele recomeçou: “Dr. Adriano, não vou requisitar que seja retido durante as investigações, pois as provas não são concretas, são evidências inconclusivas, pistas fracas. Ficará em liberdade enquanto prosseguem as investigações. Só vou pedir que se afaste da empresa por algum tempo, aproximadamente um mês, talvez mais, inclusive em função de suas condições emocionais”.
“Ok, Sr. Delegado, não me resta nada senão obedecer. Só gostaria que soubesse que não sou responsável por nenhum destes crimes e vou fazer de tudo para provar que sou inocente, espero que aceite minha ajuda”.
“Sua ajuda limita-se a servir de testemunha e dar seu depoimento. Qualquer coisa de que se lembrar, que possa guardar relação com os eventos também será de extrema valia. Mas as investigações correm por conta da polícia, Dr. Adriano. Aqui tem meus contatos se quiser relatar algo que porventura se lembre, ou mesmo se precisar. Não hesite em nos chamar. Também deixarei o Sargento Geraldo aqui por algum tempo, ele o acompanhará a um serviço médico hoje se desejar, sei que não está passando bem e que pode precisar de proteção. Será também vigiado dia e noite por uma viatura com dois policiais, por precaução. Ligue para mim se houver necessidade”.
O Delegado se retirou e deixou Adriano em sua casa com o Sargento Geraldo e o médico, mais perdido e mais desconsolado que antes. Adriano disse ao Sargento que não iria ao hospital naquele momento, tentaria dormir primeiro, dar uns telefonemas na manhã seguinte e depois seguir para o hospital.
No dia seguinte Adriano acordou, ligou para Otávio, relatou todo o ocorrido e pediu a Otávio se poderia assumir o posto na sua ausência. Disse que passaria um email à presidência esclarecendo que precisaria afastar-se e que indicava Otávio para o posto por aproximadamente um mês. Depois ligou aos pais de Bruno para combinar quando se veriam (ainda sem relatar nada do que tinha escutado) e ligou para seu médico particular para pedir uma consulta urgente.
E por enquanto ficou quieto sob cuidados médicos.
A tristeza e desamparo de Adriano eram incomensuráveis.
CAPÍTULO 38
O Delegado Freitas tomou o depoimento de Marcelo novamente, para saber com detalhes como havia sido o rapto.
“Eu tava indo para o trabalho Dr. Delegado, quando três sujeitos me abordaram na rua e me forçaram a entrar num carro. Era um carro velho e todo arregaçado e batido. Os sujeitos me forçaram a ligar para o Bruno e combinar de sair. Era pra eu não falar nada e ficar quietinho senão eles me “apagavam”. Eu tive que ligar e combinar para o Bruno descer, acabamos combinando de ir para uma padaria ali perto da casa do Adriano, mas eu já tinha desconfiado que coisa boa não era. Eles só me usaram de isca, eu tava nervoso demais, nem conseguia conversar com o Bruno, mas o Bruno tava dopado de remédio. Eu tentei dar umas dicas para ele pular fora, tentei de tudo mas o Bruno não captou. A gente tava indo para a tal da padaria e eu sabia que os três bandidos estavam observando, mas eu não sabia do que se tratava. Daí no meio do caminho um deles me empurrou forte para longe, eu caí no chão, bati a cabeça contra uma mureta e me machuquei, eles intimaram o Bruno a entrar no carro e desapareceram. Eles tavam com uma mochila, mas eu não sei o que tinha dentro. Se eu visse alguém acho que reconheceria, porque eles não estavam de rosto coberto. É só isso que sei. Quando o Sr. me chamou para ver o corpo queimado, eu posso dizer que apesar do corpo estar muito queimado, era o Bruno sim. O carro era o mesmo carro e a pessoa era o Bruno, porque os outros três eram muito franzinos, raquíticos, magrelos e o cadáver queimado tinha o mesmo porte físico do Bruno. Conheço o corpo do Bruno, o porte, a forma. Além disso o relógio que tinha no pulso do cadáver era do Bruno. Só pode ser ele. É tudo o que sei”.
Enquanto a polícia dava andamento aos trâmites de investigação que aconteciam na delegacia, Adriano cuidava da outra parte. Afinal, apesar de indiciado estava livre e não podia trabalhar.
Foi receber os pais do Bruno no aeroporto. Tinha pago as passagens para eles virem de avião, conversou com muito cuidado com eles para dar a notícia, mas não tinha como melhorar muito a situação. Explicou que o Bruno trabalhava com ele, que eram amigos pessoais (evitou entrar na questão da relação, pois sabia que os pais não toleravam o assunto), mas não teve como furtar-se a dar a notícia. A mãe de Bruno ficou desconsolada, Adriano já tinha providenciado todo o atendimento médico possível, hotel, etc. Queria dar-lhes o maior conforto e prestar toda a assistência possível. Como Marcelo já tinha identificado o corpo, pediu encarecidamente ao Delegado que não expusesse os pais a reconhecerem o corpo de novo, pois seria um choque para eles ver o corpo do filho todo queimado e desfigurado. Apenas providenciou para que os despojos de Bruno seguissem para Ribeirão e providenciou o enterro.
O enterro foi uma coisa muito triste. Os pais e os irmãos (Bruno tinha dois irmãos e uma irmã) choravam muito, havia alguns amigos de infância e ele, Adriano, que se sentia um intruso. Sentia-se assim sem motivo, pois os pais e família não o viam assim. Viam-no como um benfeitor rico que estava ajudando e pagando tudo. Mas Adriano culpava-se em fazer parte de uma trama que não teria culminado na morte do Bruno. Se Bruno não tivesse trabalhado na Hedge, se não o tivesse conhecido, se não houvesse acontecido entre eles a historinha de romance que aconteceu, nada disso teria sucedido. Ele se sentia culpado. E imensamente triste com tudo. Sentia uma forte tristeza em perder Bruno desta forma. Logo agora que tinha conhecido o único carinha capaz de tirá-lo da vida falsa que vivia, agora que tinha se apaixonado talvez como nunca tivesse se apaixonado antes, tudo terminava em uma tragédia. Horrível.
Depois desse evento deixou a família de Bruno no interior dizendo que poderiam contar com ele para o que precisassem, inclusive financeiramente. Que tinham um amigo e que não hesitassem em pedir o que fosse.
Voltou para São Paulo e começou a pensar como daria continuidade a sua vida. O que faria dali para frente? Um executivo indiciado por estelionato e homicídio, como poderia trabalhar de agora em diante? Seu emprego na Hedge estava com os dias contados. A não ser que tudo fosse provado. Ele tinha certeza que não havia cometido nenhum crime, mas como provar?
Foi então que decidiu que, independente da investigação que a polícia fosse conduzir, ele continuaria, mesmo afastado, tentando achar a verdade, para inocentar-se e tocar a vida em diante, pois de outra forma ficaria impossível. Tinha que provar de forma cabal que se tratava de um total engano, que ele tinha sido set up. O problema é que não tinha a menor motivação para fazer nada. Estava tão triste e esgotado que não tinha vontade de fazer nada. De onde tiraria forças para continuar?
Enquanto Adriano passava por estes dias infames, a polícia continuava seu trabalho e a empresa continuava seu trabalho normal, tentando evitar publicidade negativa a respeito do ocorrido. As pessoas também tentavam continuar seu trabalho, mesmo sendo difícil trabalhar em tal ambiente, onde o diretor tinha sido acusado de dois crimes e um colega tinha sido assassinado...
PARTE H
CAPÍTULO 39
Havia-se passado um mês e a situação tinha mudado um pouco de figura. Adriano passou por uma depressão por um primeiro momento, mas já tratado e em recuperação, estava tentando ir atrás do que havia acontecido, que para ele estava só parcialmente elucidado. Mesmo porque sua vida dependeria do resultado do que fosse descoberto e, apesar de a polícia não aceitar muita ajuda, que eles viam como interferência, ele tinha que fazer alguma coisa. Dinheiro não seria o problema, tinha resevas que o sustentariam ainda por um bom tempo. Queria aproveitar do fato de estar aguardando a investigação em liberdade para elucidar a maior quantidade de coisas que pudesse. E procuraria manter-se em contato com a polícia o mais que pudesse.
Adriano tinha quase total certeza de que a morte de Bruno estava relacionada com o estelionato e que os dois tinham sido vítimas de uma armação para enganar a polícia e dar uma explicação para tudo, mas como se sentia impotente para investigar junto à polícia, decidiu-se por fazer o que poderia fazer: ir atrás dos amigos do Bruno e conhecer melhor da vida pregressa dele. Fazia isto um pouco em virtude de todo o acontecido e um pouco pelo fato de não ter se desvinculado emocionalmente de Bruno. Estava ainda apaixonado, não se conformava de ter perdido Bruno, não conseguia desligar-se e um dos meios que encontrou para dar vazão a este sentimento de perda foi conhecer melhor a vida do seu querido, que lhe tinha sido subtraída tão precocemente.
Pensou que poderia começar com Marcelo, mas a ideia não lhe apetecia muito. Queria conversar melhor com Marcelo, porém decidiu deixar para um segundo momento.
Lembrou-se então daqueles três amigos do Bruno que tinha conhecido na festa, Igor, Henrique e Daniel. Tinha simpatizado tanto com os três que não seria esforço nenhum convidá-los para sair e conversar um pouco. Ocorreu-lhe também que seria uma maneira de ampliar seus relacionamentos com caras que são gays e ter mais acesso a este mundo que ele desconhecia por completo.
A lembrança de Igor lhe inspirava uma coisa boa. Parecia ser um cara nota dez, de fácil relacionamento. Logo que lhe ocorreu a ideia, foi correndo procurar os telefones que havia anotado no dia em que tinha estado na casa do Bruno para tentar desvendar seu paradeiro, já pensando em uma maneira de se apresentar. Não queria que o assunto se restringisse à morte de Bruno e não queria que os amigos de Bruno o vissem como responsável por sua morte. Como faria para tentar estabelecer um vínculo sem falar só sobre Bruno e sem se sentir na condição de um ex-namorado de um cara brutalmente assassinado? De qualquer forma tudo começaria com um telefonema, relembrando a Igor quem ele era e perguntando se gostaria de sair para tomar um café.
“Oi Igor, tudo bem? Quem esta falando é o Adriano, te conheci em uma festa, quando eu estava com o Bruno, você se lembra de mim”?
“Claro que lembro Adriano. Tudo bem? Poxa cara, sinto muito por tudo o que aconteceu, que pena. Sinto muito pelo Bruno também, que desastre, eu imagino que você não esteja muito bem, se você me desculpa a intromissão”.
Adriano achou a recepção de Igor inesperadamente acolhedora, afinal ele era o principal suspeito, até agora, de ser o mandante do homicídio de Bruno. Só depois viria a saber que entre os amigos de Bruno já havia circulado a ideia de que tudo tinha sido uma armação e que os amigos de Bruno não o consideravam culpado, mas sim a outra vítima de uma simulação.
“É Igor, não estou nos meus melhores momentos, mas estou tentando continuar a vida. Desculpe ligar assim, você nunca me deu seu telefone, eu peguei na agenda do Bruno, queria não perder contato com as pessoas legais que conheci”.
“Ah, ok Adriano, entendo”...
“Olha, gostaria de sair um dia com você e eventualmente seus outros dois amigos, o Henrique e o Gabriel, você acha possível”?
“Hmmm, podemos sim, o que você quer fazer exatamente”?
“Talvez tomar um café no Starbucks, o que acha”?
“Pode ser sim, quando”?
“Quando você puder, eu estou mais ou menos livre”.
“Bom, por mim pode ser até hoje mesmo, você está livre”?
“To sim. Que tal às oito horas no Starbucks da Alameda Santos”?
“Pra mim tá bom. Só que os outros dois não podem hoje, vou só eu ok? Se não se importa gostaria de saber mais sobre o que aconteceu”.
E aí Adriano percebeu que não era só benevolência mas havia interesse por parte de Igor em saber melhor sobre o assunto.
“Então está marcado, lá conversamos melhor”.
Chegando lá os dois pegaram seus cafés e um salgado cada e foram sentar-se. Adriano ainda estava muito desconfortável sobre como falaria do assunto, mas como não era pessoa de fazer muitos rodeios, acabou sendo direto como era seu estilo.
“Igor, nem sei como te dizer isso cara, mas vou dizer direto. Não sei o que você pensa de mim e o que acha que aconteceu, mas eu não matei o Bruno, nem sou responsável por nenhum estelionato. Sei que as pessoas não têm uma ideia muito boa de mim, sempre fui um cara muito arrogante. Mas foi graças ao Bruno que eu estava mudando muito. E tudo estava indo tão bem”... Neste momento seu discurso parou e a voz estava começando a embargar. Adriano fez uma pausa, cobrou a compostura e continuou: “Eu adorava o Bruno, ou deveria dizer que adoro? Estava muito apaixonado, mas alguma coisa de muito ruim estava acontecendo na empresa que a gente trabalhava e armaram uma cilada para nós dois. Fomos o bode expiatório de um mega crime, mas eu não matei o Bruno, te garanto, gostaria que não me visse assim, eu vou provar isto, te prometo”!
O que Igor queria estava ali, já no primeiro momento do encontro. Igor tinha ido saber a versão de Adriano sobre o ocorrido.
“Relaxa Adriano, eu sei. O Bruno comentou muitas coisas comigo sobre o que tinha de errado lá, comentou que ele até descobriu umas coisas erradas e que foi esse o motivo de vocês dois se aproximarem. Antes mesmo de te conhecer eu já tinha ouvido falar muito de você, só coisas boas. O Bruno também falou que tinha uns problemas cabeludos na empresa que nem você nem a matriz em Frankfurt faziam a menor ideia, não desconfio de você não. Quando um negócio envolve muito dinheiro tem muita coisa errada por trás, eu sei”.
“Nossa, o Bruno sabia tudo isso! Poxa, acho que o Bruno devia saber mais que eu até, porque foram ameaçar justo ele e no final foi ele quem levou a pior”. A voz de Adriano começou a falhar de novo.
“Adriano, um outro dia eu te conto mais sobre o que o Bruno me disse, mas fica tranquilo, não tenho má impressão de você não. Muito pelo contrário, tenho uma ótima impressão, pelo que o Bruno me contava. Sei que você teve alguma dificuldade em encarar um relacionamento com um homem e isto foi um problema no começo, mas que vocês superaram e o Bruninho tava super feliz. O Bruno tava deprimido e muito infeliz com o Marcelo, isso sim. Você foi uma coisa boa que aconteceu para ele”.
“Puta, eu acabo achando que não, se não fosse por mim ele estaria vivo, não paro de me culpar”.
“Ah, não fica assim, não foi sua culpa, como você mesmo disse, pegaram vocês dois para bode expiatório. Mas a polícia vai acabar descobrindo tudo, você vai ver”.
“É, mas o Bruno não está mais aqui”...
Nesta hora Adriano não conseguiu se conter e os olhos encheram-se de lágrimas. Igor passou para o outro lado da mesa e lhe deu um abraço amigo, tentando confortá-lo:
“Olha, vai demorar muito para todo mundo se acostumar com essa ideia, mas a gente tem que levar a vida adiante. Conta comigo, eu fui com a sua cara já antes de te conhecer, na festa mais ainda, e agora tenho certeza. Não fica sozinho não, a gente pode te dar uma força. Por mais que você tenha seus amigos, acho que eles não devem entender esse teu lance com o Bruno né? Ou eu to enganado”?
“Vou te dizer uma coisa, eu sempre fui tão chato que nem tenho muitos amigos. São todos muito ligados em grana, carrão, aparências, eles não seriam uma boa companhia nesta hora, e ainda por cima sempre fui tão auto-centrado que meus amigos não são muito camaradas”.
“Pois então quem sabe uma nova era comece para você agora? Vou te apresentar pra uns amigos meus, tenho certeza que você vai ter oportunidade de conhecer muita gente legal”.
“Poxa, agradeço muito a sua boa vontade. Vamos ter que superar porque não tem outro jeito, mas quero sim conhecer melhor você e seus amigos”.
“Ok, isto vai rolar com toda a certeza. E uma hora este assunto não vai mais ser o único assunto que a gente conversa. Só sinto pena que tenha sido de um jeito tão ruim que a gente se aproximou e veio a se conhecer melhor”.
“Bem, já que você tocou no assunto, eu realmente gostaria de conhecer melhor os amigos do Bruno. De mim você já sabe tanta coisa e eu não sei praticamente nada de você. O que você faz para começar, e quantos anos você tem”?
“Bom, eu tenho 38 anos e sou veterinário. Tenho um pet-shop com mais dois amigos, aqui perto mesmo, na Alameda Jaú. Cuido dos cachorrinhos das madames, haha. Eu gosto de cachorro, não posso negar, mas isto para mim é mais um meio de vida, minha paixão são animais de grande porte especialmente cavalos. Mas não achei nada de rentável para fazer com eles. Cuidar de cachorro é mais fácil como trabalho. Bom, que mais? Eu estava num relacionamento que durou três anos mas acabou, foi bom enquanto durou, mas não estava dando certo e a gente decidiu terminar. Daí eu to naquele ponto meio parecido com você, sem relacionamento e sem muitos amigos... hmmm, desculpa, foi sem querer. Eu entendo a diferença”.
“Não, tudo bem. Não tem nada não. Só não acho que eu esteja neste ponto porque eu não estou procurando um novo relacionamento, não sei se foi o trauma mas acho que nunca mais vou gostar de ninguém e não quero mais me envolver com ninguém”.
“Não fala isso. Você vai superar, sua vida continua. Mas vamos mudar de assunto. E você, quantos anos tem”?
“Quarenta e dois”.
“Nossa, sério? Não parece! Parece bem menos”.
“Acho que é porque eu me cuido”.
“Deve ser. Bom, mesmo assim, acho que estamos no mesmo ponto. Você precisa se distrair e fazer novos amigos e eu também. Só que eu to querendo conhecer alguém novo, haha. Que tal a gente unir forças e partir prá luta? Desculpa, quero dizer, você deve estar querendo e precisando ampliar seus horizontes e não ficar sozinho em casa, vamos sair mais vezes e conversar, conhecer gente nova, o que você acha”?
“Acho ótimo”!
“Então porque você não começa indo me fazer uma visita no pet-shop? Daí você conhece a gente lá e depois combina de sair um dia”.
“Feito, a gente marca e eu apareço lá, é só você me dar o endereço e dizer quando”.
“Ó, este é o meu cartão. Se quiser a gente combina este sábado, depois eu saio de lá e a gente vai fazer alguma coisa”.
“Muito bom Igor, vou ligar e a gente combina direitinho, gostei da ideia”.
Logo em seguida saíram e foram embora. Adriano estava menos deprimido. Era melhor ocupar-se, realmente. Foi para casa com a sensação de que tinha conquistado algo e que as coisas poderiam mudar. Foi para casa sentindo-se bem melhor.
CAPÍTULO 40
No sábado, como combinado, Adriano ligou para Igor para acertar como fariam para se encontrar. Igor sugeriu que fosse até o pet-shop para conhecer, depois sairiam para a casa de Igor, onde este tomaria banho e se preparariam para jantar e ir à Myst, uma balada gay imensa bem conhecida em São Paulo, no Rio e Floripa. Adriano estava muito animado em conhecer um lugar GLS. Dava-se a desculpa de querer conhecer a vida pregressa do Bruno e seus ambientes, mas tinha também um desejo oculto de conhecer um lugar desta temática há muito tempo. Combinaram às quatro, pois o pet-shop fechava às seis. Ele já iria já pronto pra balada.
Ao chegar ao pet-shop encontrou apenas o esperado. Um monte de cachorros, alguns gatos e até furões, todos esperando dentro de seus compartimentos para serem tosados, examinados, receberem alguma vacina ou mesmo tomarem banho. Alguns funcionários faziam a tosa e outros secavam os animais com secadores potentes para o pelo deles.
Perto das seis horas as madames vinham retirar seus “filhotes” e pagar as contas. Adriano teve a impressão de que aquele era um grande negócio.
Logo sai Igor para recebê-lo, todo cordial e amigável. Mostrou a Adriano como funcionavam as coisas por ali, enquanto fazia os últimos ajustes. Pouco depois de seis chegou a última dona de seu cãozinho me retirou-o. Não poderia ficar nenhum no pet-shop fechado durante a noite nem o domingo.
“Ainda bem que hoje deu tudo certo, algumas vezes me sobra um rapazinho por aqui e eu tenho que me virar para entregá-lo ou ficar com ele, até mesmo deixar num hotel para animais”.
“É, deve ser uma responsabilidade”.
Fecharam tudo e foram para a casa de Igor na rua Bela Cintra. O apartamento era bom, daqueles antigos dos Jardins, mas muito bem reformado e decorado. Todo modernoso, como Adriano esperaria que fosse a casa de um cara gay. Cheio de enfeites de uma decoração interessante para o estilo, com móbile de balões de vidro colorido logo na entrada, depois um porta CDs muito transado, móveis com design bem arrojado, Adriano ficou impressionado. Era mais opulento que a casa de Bruno, pois o Igor deveria ganhar mais. O plano era que Igor iria tomar banho e arrumar-se primeiro, depois sairiam para jantar. Escolheram o Na Chapa para comer uma coisa rápida de forma prática. Mesmo no Na Chapa, uma sanduicheria bem típica americana da rua Melo Alves, havia muitos gays. O bairro dos Jardins é conhecidamente povoado por uma grande porcentagem de gays.
“E aí Adriano, como se sente de ir pela primeira vez a uma balada gay”?
“Ah, to um pouco apreensivo, como funciona”?
“Nem esquenta, você vai estar entre amigos. É diferente mas acho que você vai gostar. A Myst deu uma decaída nos últimos tempos, mas ainda é um lugar grande com música eletrônica boa e gente bonita, ótimo para paquerar. Você vai ver”.
“A que horas vamos”?
“Olha, até reunir o pessoal, a gente poderia fazer um warm up na casa do Henrique e depois ir. Lá não começa cedo não. Tem gente que chega meia noite, mas a coisa só começa mesmo às duas. Acho melhor a gente chegar à uma. Por ser sua primeira vez, vamos evitar chegar às duas porque fica uma fila muito grande na entrada. E daí você acompanha todo o movimento, desde o começo da festa até a coisa esquentar. E daí a gente volta mais cedo também”.
“É um lugar parecido com aquele famoso Massivo de antigamente, meio clubber, com drag queens e gente meio fantasiada como naquele filme Party Monster”?
“Você bem que conhece alguma coisa hein? Essas coisas que você citou são a imagem que os héteros têm dos gays. Parada gay, Massivo, caras efeminados e clubbers. Não, nada a ver. É um outro estilo, não é estilo clubber. Espera, você vai entender quando chegar lá, não adianta explicar agora”.
“Os caras vão ficar dando em cima de mim e me assediando, passando a mão”?
“De jeito nenhum! Não é assim que funciona, o pessoal é mais reservado, poderíamos dizer até meio metido – ah, para! Você vai ver lá”!
Foram pra casa do Henrique. Chegando lá Igor reapresentou Adriano a Henrique e Gabriel, que já se lembravam dele. Conversaram um pouco sobre o incidente com o Bruno, mas depois mudaram de assunto. Gabriel falou: “Hoje é dia de festa, uma outra hora a gente fala de coisa triste”...
E resolveram começar a conversar sobre assuntos mais amenos, enquanto bebiam uma vodka coca para esquentar. Gabriel era um cara alto e esguio, branco, cabelo e olhos castanhos, bem falante. Henrique já mais calado e reservado, mais baixo e corpulento, também branco de cabelos e olhos castanhos.
Ambos faziam o contraponto para Igor, que tinha o biótipo do mesomorfo, estatura média e porte parcialmente muscular, além do que Igor era um pouco mais moreno.
Mais ou menos à meia noite eles saíram da casa de Henrique e foram de carro para a Myst. Chegando lá pararam o carro numa ruazinha próxima, pois é na Barra Funda, bairro de ruas calmas e sem movimento de casas noturnas. Só tem a Myst, num quarteirão que deve ter sido de um antigo distrito industrial que hoje é parcialmente residencial, com casas mais simples. O terreno é um testemunho disso – deve ter sido uma antiga fábrica que se transformou em casa noturna. Um terreno bem grande.
Já na porta havia uma grande multidão de gente, na maioria homens, mais da metade caras muito fortes que já davam uma amostra do que encontrariam lá dentro. Adriano começou a olhar o estilo de pessoas que estavam na fila para entrar. Era impressionante o tamanho dos caras. A maioria, mais de dois terços, eram caras muito malhados, bombados, grandes mesmo. Algumas pessoas chegavam a pé como eles, outras estacionavam seus carros no estacionamento que havia ao lado, que era parte da boate. Tomaram lugar nesta pequena fila para entrar. Pegaram seu cartão de consumação e entraram.
Tudo era muito novo para Adriano. Não o lugar físico, que poderia ser uma casa noturna qualquer, mas a vibe. O espaço era bem grande, com uma parte externa grande que tinha dois bares, uma piscina e oposta à área da piscina uma pista de dança grande com a cabine do DJ acima, ao fundo. A casa estava vazia, Adriano perguntou:
“É muito grande, o público deve ficar bem diluído”.
“Você nem imagina – disse Igor – mais ou menos por volta das duas lota, você vai ver”.
Adriano custava a crer que um espaço tão imenso pudesse ficar lotado, entendeu que ficasse mais cheio, isso que entendeu. Mas com o passar dos minutos aquela fila que tinha na porta foi ficando imensa, de perder de vista, uma multidão. Na verdade não era uma fila mas várias, paralelas, que chegavam a uns dez caixas paralelos. E era uma multidão querendo entrar. A casa foi então enchendo até ficar lotada. Até a segunda pista de dança, ao fundo, que no começo estava vazia, ficou lotada.
Na pista principal as pessoas começaram a avolumar-se muito. Que visão completamente nova aquela para Adriano, e que emoção diferente! Deveria haver o que ali? Uns 200 caras? Quase só homens, quase todos muito fortes. Tudo muito diferente. E foi assim quase inadvertidamente que Adriano foi-se dando conta, sem muito choque mas naturalmente, que alguns caras tiravam suas camisetas. Tiravam suas camisetas e penduravam-nas na cintura traseira da calça, começando a dançar sem camiseta, exibindo seus peitos musculosos, seus abdomens perfeitos. Alguns deixavam a calça cair suavemente, deixando a cueca aparecer de forma harmônica, o abdômen continuava-se naturalmente deixando entrever apenas um comecinho da púbis, apenas atiçando e insinuando sem mostrar. Faziam isso com uma sensualidade incrível, exuberante, Adriano quase ficou louco. Era muito contagiante este clima de sensualidade masculina, ele percebeu que naquele lugar o objeto sexual era o homem e não a mulher. “Acho que o único lugar que eu conheço onde o corpo do homem é o foco do tesão”, pensou ele.
Contagiado por este calor sensual e, ao ver Igor tirar a camiseta e mostrar seu peito nu, Adriano tampouco resistiu e tirou a camiseta. Entrou no clima, deixou-se levar por aquela aura de sentir-se objeto, sentir-se especial, sentir-se tesão. Ele podia dar-se este gosto também. Sentiu que poderia pertencer àquele lugar, pois tinha o physique du rôle para tal. Pensou como explicaria isto se fosse explicar esta sensação a um amigo hétero:
“Imagina que você tá num lugar onde só tem mulher, só gostosa, tesuda, peituda, cada uma mais perfeita que a outra, todas dançando sem camisa, de peito pra fora. De repente você olha pra baixo e vê que você TAMBÉM é uma delas, é a mesma coisa! Indescritível”!
Logo estava bem desinibido e via que os outros também. Igor e Henrique riam para ele, achando engraçado como ele já tinha se identificado tão rápido.
Mais perto do palco, além de dançarem sem camiseta, Adriano percebeu que os caras formavam rodas de muitos caras e que, em algumas dessas rodas, os caras trocavam beijos e passavam a mão nos corpos uns dos outros, a dois, três, quatro, etc. Muitos deles usavam óculos escuros.
“Por que eles estão de óculos, Igor”?
“Eles tomaram uma bala”.
“Hã”?
“Bala, ecstasy”.
“Ah, entendo”.
Isto Adriano não queria. Mas queria participar mesmo sem a bala. Foi incursionar por aqueles territórios e riu-se por dentro com um pensamento “Se a terra tivesse que explodir em algum lugar, certamente seria aqui. Vou chamar esta pista grande de Sodoma e a pequena de Gomorra, haha”.
A estas alturas o lugar já estava tão cheio que ficava difícil de caminhar por ali sem empurrar e ser empurrado. Mal dava para passar, principalmente porque havia dois palquinhos que estreitavam a passagem. Neste momento, squeezing himself in through the multitude, dois caras o agarraram e deram um cato nele, com beijo e tudo. Ele achou o máximo, deixou. Sentiu-se desejado. Foi breve e fleeting, mas bom. Tudo isto parecia uma loucura, uma multidão de homens ultra sensuais dançando sem camiseta e agarrando-se. Uma Babilônia!
Estava muito impressionado mesmo, aquele lugar exsudava sensualidade masculina. Os caras eram muito caprichados e sabiam que eram muito atraentes. Parecia que faziam parte de um clube ou seita, todos semelhantes, com comportamento semelhante, ali o objeto sexual era o homem. Havia umas pouquíssimas mulheres e alguns poucos héteros. A maioria eram gays extremamente sensualizados. Dava vontade de entrar naquele clima.
Adriano nem tinha percebido muito bem para que havia aqueles quatro palquinhos, mini-palcos de talvez 2 m2 de área, dentro da pista de dança. Então vieram os gogo boys, subiram aos pequenos palquinhos e começaram a dançar. Caras ultra bonitos e sarados, como se fossem capas de revista mas muito mais fortes. Dançavam com vontade, insinuando-se para o público que, comportado, não reagia, somente observava. Os caras ostentavam para o público seus corpos bombados. A balada era uma ode ao corpo masculino bombado. Uma pegada muito diferente das baladas héteros.
Adriano ficou deslumbrado como um novo rico. Aproveitou muito, pegou em muitos caras, muitos corpos, beijou muito. Para ele valeu!
CAPÍTULO 41
O encontro com Igor tinha sido muito positivo. Adriano decidiu que esta era uma atitude muito boa para recomeçar a vida, dar um gás, recobrar o ânimo e começar a fazer algo além de ficar deprimido. Começar a ir atrás de achar alguma pista ou solução. Quem sabe o Bruno não teria dito coisas importantes a seus amigos? Sua ideia não estava de todo errada, afinal, e a saída com Igor tinha provado isso. Sabia que tinha que falar com Marcelo mas a ideia ainda lhe parecia impalatável. Deixou-o para terceiro e resolveu repetir a dose com o Fabrício, o aniversariante da festa à qual tinham comparecido.
Fabrício foi bem receptivo, era muito educado e aceitou prontamente sair com Adriano. Fabrício não era um amigo muito próximo de Bruno. Ao saírem para jantar Adriano descobriu este fato. Conversaram bastante e ficou claro que Bruno não tinha uma relação muito frequente com Fabrício. Mas não havia de ser problema, Adriano achou proveitoso mesmo assim. Fabrício tinha dois convites para ir a uma casa noturna chamada Ensemble e Adriano achou uma boa ideia conhecer outro lugar GLS.
Chegaram à meia noite, horário em que a casa abria, para evitar filas. O lugar estava fechado e deserto. Pela amostra que havia fora, não prometia ser grande coisa. Pessoas desinteressantes num lugar desinteressante. Mas esta primeira impressão mostrou-se errônea.
Que surpresa ao entrar no lugar. Era um casarão antigo reformado para ser danceteria. Decoração muito caprichada! Um lugar lindo, muito moderno, mas com fotos e quadros da antiga sociedade dos barões do café que mais parecia uma espécie de família real portuguesa. Tudo muito novo e limpo.
A princípio estava bem vazio, mas com o tempo a casa foi enchendo e por volta das duas estava quase intransitável. Havia algumas pessoas bonitas, não muitas. Os frequentadores eram mais normais que os da Myst, sem aquela proporção de fortinhos, e não havia esta mania de arrancar a camiseta. Um clima bem diferente do que havia visto na Myst.
A música não era eletrônica, mas sim flashback anos 80 e 90. Um lugar bem agradável. Dançaram muito, conversaram pouco. Adriano era apresentado superficialmente aos amigos de Fabrício, mas lá dentro não era possível conversar muito. Bem, a música estava muito gostosa e o ambiente agradável.
Já mais tarde Fabrício e Adriano estavam conversando e apareceu um amigo de Fabrício, o Theo. Foi falar com Fabrício, mas o magnetismo entre Adriano e Theo foi imediato. Antes mesmo de serem apresentados já estavam olhando-se com olhar de forte desejo. Começaram a dançar juntos, mas não era possível conversar muito, pois o som estava alto. Adriano percebia um cara muito gostoso ali embaixo daquela roupa que mostrava pouco. Uma calça jeans e uma camisa social. Só dava para ver que o cara tinha uma bunda bem legal. Nem teve tempo de arquitetar nada. Theo já o puxou de lado e começou a beijar sua boca bem intensamente. Adriano gostou e retribuiu.
Ficaram ali naquele enrosco por um bom tempo, até que Fabrício veio interromper dizendo que iria embora. Adriano ficou meio sem jeito de ter deixado seu novo “contato” sozinho, mas já tinha acontecido. Theo mencionou que queria ir embora também e convidou Adriano para dormir em sua casa, que era ali perto. Adriano aceitou.
Esta era a primeira vez que Adriano flertava com um cara desconhecido e se colocava em uma situação que certamente não seria uma conversa ou amizade, antes de rolar um papo mais extenso. Pela primeira vez não era em seu apartamento. Ele estava no apartamento do outro. Não tinha conversado quase nada com o cara antes, estavam os dois só se atracando até então. O motivo de estarem os dois lá, no apartamento de Theo, era óbvio.
Agora não era Adriano quem fazia as honras da casa, ele estava ali como visita. Theo ofereceu uma cerveja. Enquanto Theo trazia a cerveja e os copos e preparava as coisas andando pela casa, Adriano o observava. Theo era mais para baixo, moreno de cabelo, barba por fazer, pele clara, bem atarracado, um tipo daqueles tração nas quatro rodas, bunda farta e peito para frente, mas naturalmente, não era forçado. Típico de quem tem cintura baixa. Aliás, era uma postura que lembrava um misto de jogador de futebol com ginasta olímpico. Jeito bem masculino, andava de pernas abertas e braços jogados, falava com uma voz bem grossa, era bem másculo mesmo. Isso até fez Adriano cogitar se esse cara seria exclusivamente ativo, o que seria meio limitador para sua nova vivência neste campo.
O cara era selvagem, não deu nem tempo de Adriano arquitetar nada, como era de seu costume. Desta vez não seria ele quem conduziria o jogo, já tinha ficado claro. O cara partiu pra cima dele no meio do papo e da cerveja, com cara de desejo. Continuou a beijar Adriano fortemente, agarrava-o pela nuca, beijava o cangote e a orelha, passava a mão pelo corpo inteiro de Adriano, que mal tinha ocasião de retribuir. Tirou a camiseta de Adriano e começou a beijar-lhe o corpo, tirou sua própria camiseta e já foi se despindo inteiro, ao que Adriano acompanhou.
Theo lambia Adriano inteiro. Os dois já estavam de pau duro, Theo baixava e chupava o pau de Adriano, com força e com paixão. Lambia o corpo de Adriano e depois subia até em cima, dando um sorriso maroto. Mais que maroto. Era um sorriso safado. Ele lambia Adriano e dava aquele sorriso safado, parecia um cachorrão sedento de sexo. Nesta hora pareciam dois homens selvagens lambendo-se e dando-se prazer. Adriano sentiu que estava com um homem. Homem. Apesar da cara de safado Theo fazia as coisas com prazer e leveza, com gosto. Adriano estava curtindo muito. Lambia o cara com muito prazer também, desde sua barriguinha peluda até o peito, a bunda, o pau. Entrou no clima de fazer um sexo muito safado.
Rolaram para a cama em menos de dez minutos e o cara comeu Adriano sem mais. Depois inesperadamente abriu as pernas e indicou que queria fazer a outra parte também, para surpresa de Adriano. Era realmente uma época de romper com antigas noções infundadas. Imagine que ele pensaria, em outras épocas, que um cara desses gostaria de dar? Se encontrasse um cara desses na rua jamais o veria com outro homem, quanto mais dando...
Foi tudo muito bom, depois de terminado ficaram os dois deitados um pouco lado a lado. Passou pela cabeça de Adriano: “Estou na cama de um cara, numa casa que não é a minha. Sinto que minhas carnes não pertencem mais ao Bruno”.
Sentiu um pouco de culpa ao ter este pensamento. Não entendia o que estava se passando com ele. Depois de uma paixão fulminante e com tanta coisa grave acontecendo, ainda mais depois de perder o carinha que ele tinha gostado tanto, estava se lançando em aventuras sexuais inéditas... Mas a culpa durou pouco. Sabia que não deixaria de resolver tudo o que o incomodava. Mas mesmo neste momento de dificuldade iria permitir-se um pouco de prazer.
CAPÍTULO 42
Depois de ter conhecido mais coisas a respeito do mundo gay e da vida de Bruno antes do sequestro, Adriano estava bem melhor do trauma e decidido a buscar maiores detalhes. Achava que conseguiria muito se persistisse sondando. Percebia que sua conduta sexual estava um pouco inadequada para a situação, mas atribuía isto a uma questão de stress e tentava não se recriminar muito. Foi até suas anotações e percebeu que havia nomes que deveriam fazer parte de outro grupo, que não tinha relação direta com os amigos de Igor, Henrique e Gabriel.
Saltaram-lhe aos olhos alguns nomes dos quais se recordava da festa ainda: Rodrigo e Rodolfo. Resolveu ligar para o Rodrigo primeiro.
Conversaram por telefone e combinaram de sair juntos e conhecerem-se melhor. Adriano repetia a fórmula que estava dando certo. Apresentava-se, explicava que não tinha relação com a morte de Bruno e que ambos haviam sido o bode expiatório de um outro esquema criminoso.
Desta vez o lugar escolhido para o primeiro encontro foi o restaurante Sidon, na esquina da Rua Augusta com a Rua Matias Aires. O restaurante em si já é gay. Um restaurante muito agradável e bem frequentado com comida boa e honesta, cujo proprietário é um imigrante libanês que deu muita sorte no Brasil.
No começo Adriano não gostou do lugar. Era na Rua Augusta, mas do lado que fica em direção ao centro, um lugar bem decadente. Para aumentar seu desconforto, Rodrigo e Rodolfo tinham pedido uma mesa na calçada, e isto significava muita exposição.
Adriano ainda não estava tão confortável com o fato de estar saindo com gays, pensava que a qualquer momento poderia passar uma pessoa conhecida por ali, era aberto, exposto. Como se sentiria se o vissem com dois caras gays? Com o tempo foi relaxando com a conversa. E a comida era muito boa, pastéis, bolinhos de queijo e pratos típicos libaneses, tudo muito bom. Foram conversando muito a respeito das vidas de cada um, Adriano desta vez evitou falar muito de Bruno e falou mais sobre sua vida antes de conhecer o Bruno, enquanto Rodrigo e Rodolfo falavam de suas vidas. Como Adriano já tinha suspeitado, eles eram namorados.
“É bem diferente para mim Rodrigo, tudo isso. Não acho melhor nem pior, não é isso, é que eu estranho um pouco sabe”?
“O que você estranha”?
“Não saberia nem te dizer. Mas vou começar assim – como essas pessoas vivem? Eles vem aqui paquerar ou eles estão só se divertindo com os amigos”.
“Aqui é mais um bar, não rola muita paquera não. É mais para conversar”.
“É, eu percebi. Cada um na sua. Mas como é a vida dos caras? Eles tem um relacionamento, depois acaba, vão ter família, como”?
“Bem Adriano, certamente não é uma relação convencional, mas você também não se enquadra no convencional. Até pelo que contou da Erica pra gente, e o fato de ter sido casado antes, você também não seria convencional mesmo na sua vida hétero”.
“Tem razão. Acho que os héteros vivem a “ilusão” de fazer parte de um modelo que os conforta, mas a solidão é igual para todos”.
Ficaram lá conversando por bastante tempo. Aquilo foi uma lição de anatomia do tecido social gay, se se pode dizer assim. Viu como era um bar gay e estava saindo com o primeiro casal gay que conhecia. Parecia tudo ok. De novo, gostou bastante e combinou de reencontrá-los. Eles acharam uma boa ideia levá-lo ao Allure no dia seguinte, sábado. Adriano aceitou. Achava ótima esta quebrada de vida, estava num momento de indefinição, tudo o que não queria era ficar estagnado em casa sozinho. Precisava deixar as emoções fluírem, digeri-las até que soubesse para onde ir a este ponto.
Dia seguinte, onze e meia, encontrou Rodrigo na porta do Allure. Ainda não se sentia à vontade para entrar sozinho em um ambiente gay. Conversaram um pouco na porta, ainda esperando Rodolfo chegar. Quando este chegou, entraram.
Adriano logo percebeu que o estilo era totalmente diferente da Myst. O pessoal não era tão bonito, para começar. Não havia aquele desfile de corpos nus sensuais que tinha visto na Myst. Talvez também porque estivesse mais frio e o lugar tivesse uma parte aberta. As pessoas pareciam mais elegantes, mais bem trajadas, e havia mais mulheres no local também. O clima estava diferente, talvez isto contribuísse. Todos muito bem arrumados, notou que as mulheres estavam muito bem vestidas, com botas e casacos muito classudos. Aliás, tinha muita mulher ali, para seu espanto! Era a primeira vez que via mulheres lésbicas assim em um local gay. Chamaram-lhe muito a atenção estas mulheres, não pareciam sapatões feias e masculinizadas, mas mulheres até bonitas e femininas. Que interessante para ele isto, um mundo desconhecido.
Os homens, por outro lado, não eram tão atraentes na maioria. Um grupo de pessoas de faixa etária na média mais velha, entre trinta e quarenta. Certamente mais alta a faixa etária que na Myst e no Ensemble. O diferencial ali tampouco era o corpo, mas a atitude mais centrada e adulta, o que o interessou a princípio. Não estaria lidando com garotos molecotes.
O ambiente era muito agradável, uma parte externa para onde as pessoas saíam para fumar, beber e conversar e uma parte interna com dois andares. No térreo havia uma banda que tocava músicas ao vivo, mescladas de hits dos anos setenta, oitenta e posteriores e acima uma pista de dança que, segundo Rodrigo e Rodolfo, começaria a funcionar depois que a música ao vivo terminasse.
Ficaram um pouco sentados em uma mesa do térreo escutando as músicas tocadas pela banda. Música ao vivo não era o forte de Adriano. Preferiria um rock gostoso ou dance ou techno. Não gostava desta situação. Preferia ouvir um som legítimo de gravadora, gravado com qualidade em um estúdio. Ou mesmo uma música eletrônica mixada por um DJ. Porém esta banda tocava muito bem, entretinha mesmo quem não fosse muito adepto do gênero.
Neste momento a pista de dança ainda estava fechada para não atrapalhar a música da banda e a todo momento Rodrigo e Rodolfo queriam sair para fumar, Adriano os acompanhava.
Em uma destas saídas Adriano avistou um cara muito interessante. Um loirinho bem bonito, deveria ser bastante jovem, em seus early twenties, conversando com dois amigos. Adriano conseguiu pescar parte da conversa, estavam falando sobre o hospital Santa Casa e o loirinho parecia ser um residente de GO. Falava com muito orgulho e firmeza da Santa Casa. Os amigos eram desinteressantes do ponto de vista físico, mas o loirinho era muito atraente. Estava vestido com uma calça jeans, um tênis padrão, uma camiseta padrão e uma jaqueta. Como estava frio, não dava para ver como ele era de corpo. Adriano logo intuiu que deveria ser um corpo gostosinho porém simples, sem grandes arrojos musculares como alguns gays costumam ostentar. Não parecia haver grande peitoral ou braço debaixo daquela jaqueta. Parecia até mesmo ter uma barriguinha, o que contava em seu desfavor. Era só um rostinho bonitinho mesmo. Desencanou.
Continuaram sua conversa por mais um tempo, entre a parte externa e interna, até que uma hora a banda começou a tocar uma música que interessou a todos. Muita gente entrou e lá dentro estava mais quente. Enquanto pediam mais uma cerveja e escutavam a banda, o loirinho resolveu tirar sua jaqueta, e que surpresa! Adriano ficou estupefato ao ver o corpo que aquela jaqueta escondia. Para sua surpresa havia sim muito peitoral e muito braço ali debaixo, aquele braço que deixa as mangas da camiseta esturricadas. As coxas eram grossas combinando com o resto das proporções do garoto e, o que parecia antes barriga, era apenas o abdômen normal de um cara mais brevilíneo que fez bastante musculação. Ele era um tipo roliço, muito gostoso mesmo, Adriano ficou com tesão na hora. Instintivo. Inesperado para a situação emocional. Ao tirar a jaqueta os amigos brincavam com ele e acariciavam o corpo do loirinho como se fosse um gogo boy. Tinha mesmo um corpo fenomenal ali embaixo. Era como se reverenciassem este símbolo sexual. O cara era bem baixinho, e por conta destas proporções, a musculação lhe havia favorecido as formas. “Que coisa impressionante”, pensou Adriano. “Um deusinho. Moleque, criança de tudo mas deusinho de beleza”.
No tranquilo movimento dos cumprimentos de conhecidos do local, certa hora Rodolfo foi e cumprimentou o loirinho, começando a falar com ele. Logo estavam todos na mesma roda. Tratava-se do Daniel, mais um dos amigos da turma de Bruno. E pensar que ele também constava das anotações de telefones que Adriano tinha tomado no dia em que estava na casa do Bruno! Provavelmente era mais um dos caras que estavam na festa, a tal fadada festa, que tinha ido com Bruno, mas ele não se recordava do loirinho. Daniel. Deveria corrigir para Daniel Delícia.
Com o desenrolar do assunto logo se apresentaram, Daniel assustou-se um pouco ao saber que se tratava do ex-namorado de Bruno. O tal executivo por quem Bruno tinha se apaixonado. Começam a conversar. Daniel era uma delícia mesmo. Sabia que era a carne cobiçada do pedaço e dava-se toda a honra do fato. Não era nem um pouco modesto. Também tinha um jeito bem másculo, aliás forçava este jeito, um pouco overacted, talvez por insegurança quanto a sua orientação sexual. Mas isso aumentava-lhe os atrativos.
“Você é médico”?
“Sou residente da Santa Casa, sou Ginecologista e Obstetra. E você”?
“Sou economista, até onde sei trabalho para a Hedge AG, uma administradora de fundos”.
“Ah, eu sei, você estava com o Bruno”. Deu um sorriso malicioso. “Você não era gay, né”?
“Ainda não sei se sou”.
“Que ruim o que aconteceu com o Bruno”!
“Eu não tenho nada que ver com isto, não sou nenhum assassino, estou sendo penalizado por isso também”.
“Ah, a gente já comentou sobre isso, deve ser armação”.
E aí Daniel se traiu, pois deu a entender que toda a turma já havia comentado sobre o assunto. “Você é bem gato, agora entendo porque o Bruno perdeu a cabeça por você”.
Adriano pensou: “Que menino direto e reto hein?” E respondeu apenas “Obrigado, você também é muito interessante”.
Neste momento a banda acabava de tocar e começava a funcionar a pista de dança no andar de cima.
“Vamos dançar”?
“Vamos”.
E foram os dois dançar juntos. Já na pista de dança os olhares se cruzavam, Adriano sentiu um frio correr pela espinha que era novo também. Olhava para os olhos do cara, ele retribuía, depois olhavam-se para os respectivos corpos, estava nítido que havia uma atração instantânea e recíproca. Que coisa, era uma legítima paquera. Tentavam conversar na pista de dança, mas o som era muito alto, tinham que se aproximar e falar ao ouvido um do outro, a conversa mal fluía. Isso pouco importou. Logo Adriano sentiu oportunidade de tocar o loirinho ao falar com ele. Este toque foi se tornando cada vez mais íntimo, até que rolou um beijo. E deste beijo já foi rolando um amasso forte. O loirinho Daniel se deixava abraçar por Adriano muito facilmente, a coisa foi pegando fogo. Rodrigo e Rodolfo observavam de longe. Com um certo olhar de reprovação. Mas nem Adriano nem Daniel se importaram muito com isto.
No final da balada Adriano não resistiu e convidou Daniel para dormir com ele em casa. Daniel aceitou.
Chegando lá os dois subiram para beber um copo de vinho no terraço, mas o vinho nem chegou a sair do copo. O tesão era tanto que Adriano trouxe Daniel para dentro, para seu quarto, começou a tirar a roupa dele e a própria. Começou pela camiseta. Daniel era diferente de Bruno, era bem mais claro, loiro, não tinha pelos no torso. Não tão forte quanto Bruno mas muito gostoso mesmo. Adriano foi tirando a calça do Daniel também. Primeiro quis vê-lo de longe só de cueca:
“Deixa eu ver como você é. Poxa, você parece um comercial de cueca, só que mais roliço, eu adoro cara com seu tipo de corpo. Que bundinha heim? Deixa eu ver”. Definitivamente um tipo fortinho roliço brevilíneo, o legítimo baixinho gostoso.
E já ia metendo a mão, passava a mão em todo o corpo de Daniel, na bunda durinha, no peito, nos braços, depois beijava-o. Daniel era mais passivo, via-se também. Deixava-se levar pelos movimentos de Adriano. Adriano estava com o pau duro havia horas e Daniel caiu de boca finalmente. Adriano começou a lamber a bunda de Daniel, morder, começou a passar a mão mais enfaticamente e logo já buscou a camisinha, o KY e começou a acariciar o bumbum do Daniel com óbvias intenções. Daniel deixou. Daniel parecia estar com muito tesão, mexia a bunda e gemia. Adriano pensou “Ele deve adorar ser penetrado, está louco para sentir meu pau dentro dele”. E este pensamento o deixou muito entesado. Besuntou Daniel de KY, enquanto o acariciava para relaxá-lo, e já foi penetrando-o com cuidado. Daniel gemia e se remexia muito de prazer. Nem deixava Adriano tocar o pau, preferia ser acariciado no peito.
Durante alguns momentos ficou aquele movimento de vai e vem, mas Adriano estava louco de tesão e logo falou: “Não estou aguentando de tesão, vou gozar”.
“Goza, goza”!
Adriano gozou dentro do Daniel e, quando foi ver, Daniel tinha gozado sozinho, sem nem mexer no pau. Que diferente!
Dormiram ali mesmo imediatamente, não sem Adriano sentir uma boa parcela de culpa por ficar com outro carinha. Parecia que estava de luto, a figura do Bruno ainda estava muito presente, sentiu-se um traidor e arrependeu-se. Tarde demais, o tesão o tinha tomado e arrebatado, depois de feito era tarde demais. Dormiram.
CAPÍTULO 43
Finalmente era chegada a hora de sair com Marcelo para ver se ele sabia de algo mais. Não era uma situação confortável para Adriano encontrar Marcelo, ele estava adiando este encontro havia tempo, mas não teria como adiar muito mais. Sentia que haveria um clima de concorrência. Infundado, pois Bruno já tinha terminado com Marcelo antes de começar a namorar Adriano. Mas de certa forma um tinha sucedido o outro e, quando terminou com Marcelo, Bruno estava em seu limite muito em função do stress com Adriano, fora que tinham se estranhado na festa de Fabrício. Bem, que alternativa? Resolveu encarar.
Pegou o telefone que tinha em suas anotações e ligou.
“Oi Marcelo, tudo bem, aqui é o Adriano”.
“Ah, oi Adriano”.
“Desculpe tomar a liberdade de ligar, mas tenho algumas coisas que precisaria conversar com você, você teria disponibilidade”?
“Bom, o que você quer conversar”?
“Ah, eu acho melhor que fosse pessoalmente, não podemos nos encontrar? Garanto que será melhor para nós dois e em consideração ao Bruno. Não vou tomar seu tempo. Pode ser no dia e hora que for conveniente para você”.
“Bem, ok, eu saio do trabalho às seis. Poderíamos nos encontrar ali pela região da Paulista, onde quiser”.
“Você manda, é só dizer o dia, hora e lugar”.
“Que tal no Cave, sete da noite na quarta”?
“Pra mim tá bom, vou estar lá. Qualquer coisa me liga para cancelar se não puder ir, ok”?
“Pode deixar”.
Na quarta encontraram-se. Sentaram, ambos pediram uma coca light com gelo e limão e um hambúrger. O Cave era um lugar tradicional de São Paulo. Na Alameda Franca, Jardins, um barzinho que existia desde a década de oitenta e tinha um público alternativo chic, com comida e bebida transada, apesar de um pouco cara para o quanto valeria de verdade. O lugar era mais interessante mais tarde, quando ficava mais cheio e as pessoas que aguardavam mesa ficavam esperando nos bancos que havia na calçada, bebericando. A esta hora ainda estava vazio.
Adriano e Marcelo também deram-se conta de que não seria o lugar ideal para a conversa que queriam ter, pois o espaço entre as mesas era muito pequeno e não havia privacidade para conversar. Mas, já que já estavam ali, prosseguiram.
“Marcelo, acho que você já conhece bem a história, inclusive foi até envolvido nela por tabela, sinto muito por isso. Mas o que eu queria te perguntar é se por acaso não teria alguma coisa que o Bruno falou pra você nestes últimos tempos que a gente pudesse juntar aos fatos. Eu não me conformo com nada disso, acho que tem mais coisa por detrás disso e não tenho certeza de que a polícia vá conseguir descobrir tudo. Quem sabe nós dois juntos possamos nos lembrar de alguma coisa a mais conversando um com o outro”?
“Você acha que vai saber mais que a polícia Adriano? Tá investigando por conta própria? Virou detetive”?
“Marcelo, não quero ser seu inimigo. Por que não deixamos a ironia de lado e nos ajudamos? Estaríamos ajudando ao Bruno”.
Disse isso politicamente, mas não tinha gostado do tom de Marcelo e já começava a antipatizar com ele.
“E ajudando a você também né? A se livrar das acusações”?
“É, também, mas por que não pode me ajudar também? É tudo uma coisa só”.
“Ok, vamos conversar então. Olha, eu não sei de mais nada, tudo o que sei já contei à polícia. Não conheço aqueles assaltantes, não tenho mais detalhes quanto a eles, foi tudo muito rápido”!
“Não, não estou falando disso. Estou pensando mais em outros tempos. Antes do rapto. Quando você estava namorando o Bruno ainda, ele não chegou a falar nada sobre a empresa, sobre mim, sobre os funcionários da empresa”?
“Olha Adriano, a gente tava conversando muito pouco. A nossa relação já estava muito desgastada, não tinha muito assunto. Ele chegou a mencionar que um chefe dele estava perseguindo ele, mas agora não lembro se estava se referindo a você ou ao tal do Renato. Falou que tinha muito problema com informática, que ninguém sabia o que era, chegou uma vez a brincar comigo se eu não queria pedir emprego lá e ajudar a resolver – eu sou analista de sistemas, não sei se você sabe”.
“Sei sim. Mas não pode tentar se lembrar com mais detalhe o que ele disse sobre todos estes assuntos em particular? Nomes? O que mais lembra”?
“Olha Adriano, ele chegou a mencionar algumas pessoas, mas não vou lembrar os nomes de jeito nenhum. Falava de umas pessoas que não gostava porque eram fofoqueiras, tinha uma amiga que ele gostava – ah, lembrei, a Carol! Carolina”.
“Ah, Carol! Vou falar com ela, bem lembrado. O que mais, estamos no caminho certo”.
“Tinha a Carol, um tal de Alexei que ele gostava muito também, uns caras que ele falava que eram metidos e garanhões, umas fofoqueiras, mas eu não vou lembrar o nome”.
E por aí foi a conversa, um pouco truncada dada a pouca empatia que havia entre os dois. Também não foi tão produtiva quanto Adriano esperava, nada de muito substancioso saiu dali. Não demoraram muito, apenas o tempo para que finalizassem sua comida. Ao final Adriano disse:
“Bom, acho que isto já é um bom começo. Vou tentar localizar a Carol e vamos nos falando, acho que nós dois somos os dois que temos mais condições de unir forças e elucidar um montão de coisas. Tá vendo como eu tinha razão? Podemos continuar nos falando e deixar uma bobagem de inimizade para trás? Não tenho nenhum motivo para ser seu inimigo, nunca me fez nada e espero que sinta da mesma forma”.
Marcelo fez que sim com ar desconfiado.
“Vamos continuar cooperando, quem sabe a gente auxilia a polícia em alguma coisa”?
Os dois finalizaram seu jantar conversando sobre outros assuntos. Não é que houvesse uma verdadeira afinidade ali, mas este contato poderia ser muito útil para Adriano, ele estava investindo.
Ainda nem eram dez da noite quando Adriano saiu do Cave. Pensou rápido: “Já vou ligar pro Igor e agendar uma conversa também. Conversando as coisas começam a sair”.
Pegou seu celular e ligou para o Igor:
“Igor, tudo bem cara”?
“Tudo Adriano, e você? Doidão, já está bem encaminhado na sua nova vida né”?
“Até que sim Igor, só queria que não ficasse com essa má impressão. Não estou a fim de putaria não, aliás, não estou ligando para sair mais, estou ligando porque gostaria de falar com você sobre outros assuntos. Quando você teria tempo pra gente conversar um pouco”?
“Pode ser no pet-shop”?
“Pode sim, acho até bom”.
“Então que tal amanhã de tarde, tipo umas três”?
“Tá, passo lá então”.
CAPÍTULO 44
Logo no dia seguinte procurou em suas anotações o telefone de Carolina. Lambrava-se vagamente da moça, mas quis encontrá-la, pois provavelmente era a melhor amiga de Bruno na empresa. Sugeriu saírem para o almoço, antes de ir ao pet-shop de Igor. Ela aceitou.
Carol aceitou prontamente sair com Adriano. Estava muito chateada com a morte de Bruno e faria qualquer coisa para ajudar. Não duvidou das boas intenções de Adriano, era uma moça inocente. Adriano achou a moça muito simpática desde o começo, entendeu por que Bruno era amigo dela.
“Dr. Adriano, o Sr. não sabe o quanto estou chocada com a morte do Bruno. Estou desconsolada, ainda não consigo acreditar, eu gostava muito dele! Ele era uma pessoa super do bem, honesto, sincero, estava passando por umas fases difíceis, não merecia nada de ruim, muito pelo contrário, merecia tudo de bom”!
“Eu também gostava muito dele Carol, você nem sabe o quanto. Por isso mesmo quero muito desvendar tudo o que aconteceu, acho que tenho isto como obrigação moral. Não vou sossegar enquanto não achar. Por isso estou aqui. Eu acho que a polícia está fazendo o trabalho deles, mas talvez nós possamos ajudar. Gente como nós, que éramos próximos a ele, talvez possamos nos lembrar de algo que, conversando assim mais relaxadamente a dois, saia mais fácil do que num interrogatório policial. Será que você, que era mais presente e tinha mais intimidade com ele, não se recorda de nenhum evento que possa estar relacionado com este crime”?
Olha Dr. Adriano, eu agora estou lembrando de uma coisa que não me lembrei de dizer à polícia. No dia em que o Bruno levou aquela surra, ele tinha ido almoçar com a Giselle, sem falar para ninguém. A gente acabou sabendo depois. O Sr. lembra da Giselle”?
“Não, quem é”?
“Uma ex-funcionária da Hedge”.
“Hmm, acho que sei”.
“Eu me lembro que um dia, faz tempo, nós estávamos almoçando eu, o Bruno, o Alexei e o Gustavo. Quando a gente já estava terminando apareceu a Giselle por acaso. Ela conversou com a gente um pouquinho e a gente falou que estavam acontecendo aqueles paus de informática. Foi naquele dia que ela disse que a empresa tinha umas coisas muito estranhas, que nem você nem a matriz em Frankfurt sabiam. O Bruno achou aquilo bem estranho, acho que ele gravou isto muito bem, quis saber mais, a Giselle recomendou que não, que não perguntasse mais nada para ficar fora de problemas”.
“Nossa Carol! Isso é fundamental”!
“Ainda mais que a Giselle saiu da empresa em condições meio esquisitas”.
“Preciso ir atrás dessa Giselle. Você não falou nada para a polícia sobre isso”?
“Não, nem tinha lembrado”.
“Pois então fale, mas me dê uns dias para eu falar com a Giselle antes, por favor, tem umas coisas que eu queria conversar com ela antes da polícia”.
“Sem problemas”.
Adriano ficou satisfeitíssimo por descobrir isso. Iria providenciar um papo com a tal Giselle. Despediu-se da Carol, ofereceu ajuda no que precisasse e prometeu que seria uma pessoa melhor e um diretor melhor caso voltasse à Hedge. Trocaram seus contatos e foram embora.
Mais tarde Adriano passou no pet shop de Igor como combinado.
“Pois é Igor, estou aqui por outro motivo hoje, não para a gente combinar de sair”.
“Não gostou da nossa companhia”? Perguntou Igor jocosamente.
“Não, não é nada disso. Gostei muito de sair com vocês, vocês viram bem como me diverti”.
“Ah, isso eu vi sim”...
“Pois é, vamos repetir a dose muitas vezes. Mas hoje queria conversar outro assunto com você. Ontem eu saí com o Marcelo e foi muito produtivo. Fomos conversando com calma sobre o Bruno, sobre como era a vida deles, sobre o que o Bruno falava do trabalho, de mim, dos colegas e acabamos por descobrir pistas. E eu achei que com você poderia repetir a dose, vocês eram muito amigos, quem sabe ele não tenha dito alguma coisa pra você que a polícia não conseguiu rastrear”?
“Ah, você quer dar uma de detetive”?
“Sabe que até funcionou”? Adriano riu. “É muito diferente duas pessoas que conheciam o Bruno conversarem com calma e sem polícia interrogando. Acaba saindo alguma coisa que alguém não se lembrava”.
“Pois então vamos lá, o que quer saber”?
“Ah, não é nada de específico assim. Só queria que a gente conversasse um pouco sobre o que o Bruno falava a você sobre mim, sobre a empresa, sobre os colegas, você vai acabar se lembrando de alguma coisa”.
“Ok então. Bom, ele tinha uma vida bastante normal no trabalho antes de, como vou dizer, te conhecer. Não adorava o trabalho mas também não detestava. Mas a vida pessoal dele tava bem ruim. Eu e a galera estávamos até meio preocupados, querendo que ele fosse ver um psicólogo ou psiquiatra, porque a gente achava que ele tava meio deprimido. Tinha que dar um chega pra lá no Marcelo e virar a mesa. Mas ele não fazia isso. Logo depois fiquei sabendo por ele que ele tinha conhecido o Diretor da empresa na academia, que era um gato e tal. Ele ficou encantado, a vida dele mudou, tinha um novo brilho no olho quando falava da empresa, já nem se importava com o Marcelo. Acho que ele ficou meio encantado de primeira com você Adriano, foi amor à primeira vista”!
“Nem queria falar sobre isso Igor, porque da minha parte também foi, você nem imagina a dor que eu sinto quando penso que não vou mais vê-lo. É muito por isso que estou aqui com você fazendo isso. Não consigo me desligar emocionalmente do Bruno, por mais que tenha outras experiências, por mais que já tenha passado um pouco de tempo, por mais que outras coisas graves estejam acontecendo. Você não sabe como sinto saudades dele, o quanto EU também fiquei apaixonado por ele, o quanto eu sinto muito por ter feito ele sofrer a princípio, que bobagem, poderia ter aproveitado mais tempo com ele ao invés de ficar ensebando por puro bloqueio emocional meu”.
“É, eu entendo. No começo a gente falava pra você tocar a vida mais para dar uma força, mas hoje te digo que a gente comentava o quanto você deveria estar chocado, chateado, etc. Ah, vou te contar um segredão hein? Quando o Bruno comentou com a gente sobre você, a gente ficou muito curioso pra te conhecer, perguntava pro Bruno quando que ele ia apresentar e ele nada. Foi só na festa do Fabrício que a gente conheceu. Vou te dizer, você fez muito sucesso lá e deixou o Marcelo muito enciumado. Todo mundo ficou comentando que você era um gatão. E o Henrique e o Gabriel também falaram muito isso depois do dia que a gente foi na Myst”.
“Poxa, fico até meio sem jeito, obrigado”.
“Bom, você sabe que é né”?
“Olha, nas atuais circunstâncias isso não importa em nada. Mas voltando à vaca fria, o que o Bruno comentava sobre mim e a empresa”?
“Bom, ele contou que avançou em você duas vezes, uma no elevador e outra em uma festa, e que se arrependia, que achava que tinha sido muita irresponsabilidade. Depois contou que você tinha mandado perseguir ele através de um cara muito ruim lá da empresa, eu lembro o nome, ele falou muito desse cara, um Renato”.
“Hm, que mais”?
“Ah, depois que tinha umas pessoas ajudando ele, uma Helena e uma outra, que mais? Hm, depois foi a história de vocês dois mesmo, que você convidou ele para jantar no seu apartamento, que começaram a ficar juntos, ele tava muito feliz, nem acreditava. Foi mais isso. Que a situação na empresa mudou, que você começou a quase que bancar ele na empresa, que ele se sentia protegido, sei lá que mais”.
“Ele não falou nada em específico sobre mais ninguém da empresa”?
“Que eu me lembre não. Tinha os amigos dele lá, uma Carol os outros eu não vou lembrar. E esse Renato, que era um cara muito mal-intencionado”.
E sobre nosso relacionamento”?
“Ele só falava coisas boas, que você estava demorando para conseguir transar mas que ele estava achando isso ótimo, que ele curtia o ritmo novo, - Ah, contou que a sua ex-namorada flagrou vocês dois na cama e que foi muito constrangedor na hora mas ele veio contar pra gente e a gente dava muita risada da história. Que até o tal de Renato acabou sabendo disso”.
“O quê”???
“É, o tal do Renato soube da história”.
“Como assim”???
“Um dia na empresa sua ex-namorada ligou pra o Renato e contou a história. O Bruno tava do lado e percebeu que ela tava contando, depois pegou o celular do Renato para conferir o número da chamada, quando ele não estava olhando, e bateu, era o número da tal da Erica mesmo”.
“Bingo Igor!! Cara, tá vendo como conversando a gente acaba descobrindo? Que história é essa? O Renato não conhece a Erica, pelo menos até onde eu sabia! Que intimidades são essas da Erica de ligar pro Renato para contar? Ela nem tinha quer ter o telefone dele! Aí tem. Mais uma pra levar à polícia, se você não se importar”.
“Não me importo não, o que puder ajudar”...
“Olha Igor, isso foi ESSENCIAL cara, é uma pista e tanto. Tem alguma coisa errada aí e eu vou atrás disso. Peço sua discrição quanto ao que acabamos de descobrir, só vou levar isso à polícia porque isso eles têm que saber, mas não conte pra mais ninguém ok”?
“Ok Adriano, não entendi onde isso é tão importante mas não vou abrir a boca não, pode deixar”.
“Tá certo. Amanhã tenho que falar com a polícia sobre estes dois fatos novos que descobri com você e com o Marcelo, vai que eles já sabem, mas vai que não? Mas de qualquer forma muito obrigado Igor, você não tem noção de o quanto ajudou. A gente tem que brindar a isso. Vamos sair de novo? Quando a gente pode sair de novo”?
“Bom, esse fim de semana no sábado pode ser, para mim, o que você acha”?
“Pra mim tá bom, mesmo esquema?”
“Pode ser sim combinados, a gente se fala”.
Adriano saiu do pet shop muito satisfeito. Sabia que tinha duas informações bem importantes na mão. Mas precisava falar com a tal da Giselle primeiro.
Estava justamente começando a voltar para casa quando o celular tocou. Era Daniel. Adriano atendeu com um friozinho na barriga.
“Oi Daniel, que surpresa, fala garoto”!
“Oi Adriano. Sumido. Não gostou de me conhecer”?
“Não é isso não Daniel. Minha vida tá uma loucura né cara, você sabe. Mas eu estava pensando em te ligar este fim de semana”.
“Hm, tava pensando e não ligou, né”?
“Bom, vamos fazer diferente. Não liguei mas já vou te perguntar o que você vai fazer na sexta. Quer me ver”?
“Acho uma boa ideia sim”.
“Quer sair ou aceita ir jantar lá na minha casa”?
“Prefiro a segunda opção”. Disse Daniel e deu uma risadinha.
“O que você gosta de comer”?
“Ah, tenho um gosto eclético”.
“Mas me diz uma coisa e eu preparo. Prefere carne, frango, peixe”?
“Vai acabar com o treino, mas sendo sexta... eu gosto mesmo é de massa”.
“Então pode deixar que eu providencio um capeletti ai funghi caprichado, pode ser”?
“Pode”.
“Você sabe chegar”?
“Sei sim, mas me manda o endereço de novo por torpedo”.
“Ok, vou fazer isso”.
“Ah, Adriano, só mais uma coisa. Tenho um recado do Marcelo pra você. Ele preferiu que eu fosse contar, ao invés de ele te encontrar, sabe como é né? Então eu resolvi unir o útil ao agradável. Vou te contar mais uma coisa que ele lembrou. Estou indo porque quero te ver, em primeiro lugar, mas foi uma boa desculpa que encontrei”.
“Nossa, agora fiquei curioso”.
“Espera até depois de amanhã, a gente conversa”.
“Ok, te espero lá, me liga depois na sexta pra dizer que horas você vai”.
“Fechado”.
Adriano ficou muito positivo com estas últimas revelações. Afinal sua ideia estava certa. Conversando com os amigos do Bruno ele poderia levantar dados que talvez escapassem à polícia, e esta postura mais pró-ativa não o deixava cair em depressão passivamente, pois fazia com que ele participasse ativamente do deslinde dos crimes. Fora que estava conhecendo muita gente nova e até se divertindo muito. Que coisa! Numa situação dessas ele até que não estava tão mal!
CAPÍTULO 45
Eram sete da noite e o Daniel chegou à portaria. Fez-se anunciar e Adriano pediu ao porteiro para deixá-lo subir. Daniel apareceu na porta como o deusinho loirinho que era, perfumado, dengoso, gostoso.
Adriano já estava com tudo quase pronto a esta hora. Mas resolveu, antes do jantar, pegar duas taças e tomar um Cava com o Daniel, para dar um clima. Como se precisasse. Rolava uma química forte ali. Não deu nem quinze minutos e os dois já estavam se atracando forte, antes de comer, antes de conversar sobre Bruno, antes de tudo. Adriano tinha começado a beijar aquele rostinho perfeitinho de menino barbado, nem conseguia conter-se para não beijar um cara tão gostosinho daqueles. Queria apertar aquele tesãozinho gostoso, morder, lamber. Muito gostoso o menino mesmo.
Mais adiante partiu para cima do Daniel, como que repetindo o que Theo havia feito com ele (ele estava juntando experiências e fazendo um repertório sexual vasto a estas alturas), arrancou a camiseta daquele loirinho dourado todo fortinho e roliço, foi lambendo tudo, como tinha feito da outra vez, e nem precisa dizer onde isto foi terminar, e logo. Em menos de meia hora estavam já rolando na cama, Adriano penetrando o cara com gosto. Daniel arfava com vontade também, impressionante como dava bem, para um carinha com jeitinho de homem, menino grande na verdade.
Terminada esta parte, foram jantar. Desta vez a coisa começava diferente, o sexo primeiro, depois o resto. Adriano tinha preparado capeletti ai funghi, só faltava finalizar. Enquanto fazia isto tomavam o Malbec que acompanharia o prato.
“O que você queria me contar, Daniel”?
“O Marcelo me ligou e falou que vocês conversaram”.
“É, foi, ele até me ajudou bastante com algumas coisas que se lembrou”.
“Pois é, ele se lembrou de mais uma e pediu para eu vir te contar”.
“Por que ele não podia vir pessoalmente”?
“Ah, não liga não Adriano, acho que não rola uma empatia muito grande dele com você, sabe como é né? Ele acha que vocês já se conheciam e o Bruno largou ele por você”.
“Isso não é verdade, eu conheci o Bruno depois que eles já tinham terminado”.
“É, mas quando o Bruno terminou com ele já te conhecia e já estava interessado em você”.
“Bom, isso não vou negar”.
“Daí o Marcelo soube que eu tinha te conhecido e perguntou se eu não queria vir conversar com você. Eu faço isso com muito prazer, haha”.
“Haha”.
“Aproveitei para vir te ver mais uma vez”.
“Mas ok, agora vamos aos fatos. O que o Marcelo queria me dizer”?
“Ele disse que se lembrou que um dia, quando já não estava mais vendo o Bruno e o Bruno já estava com você, alguém ligou pra ele e disse com tom de ameaça a seguinte frase – É melhor você tomar cuidado com o que sabe. Não vai mexer em vespeiro que vai se dar mal, melhor ficar quieto, em boca fechada não entra mosquito”.
“Pô Daniel, que estranho, se o Bruno não estava mais com o Marcelo, por que raios ligariam para o Marcelo”?
“Então, o Marcelo acha que confundiram as bolas, devem ter ligado para ele ao invés de ligar pro Bruno, só pode ser isso. Ele até nem deu muita bola porque não fazia sentido nenhum. Esqueceu do assunto. Mas depois que falou com você lembrou-se disso e quis que você soubesse”.
“Hmmm, mais uma peça neste quebra-cabeças. Tudo isto vou levar à polícia para juntar com o que eles têm. Só preciso antes falar com uma outra pessoa”.
Comeram seu jantar e conversaram sobre outros assuntos. No final, Adriano percebeu uma coisa, olhou para Daniel estranho e perguntou:
“De onde você conhece o Marcelo tão bem? São amigos? Acho que me lembro do nome, agora que está me caindo a ficha, era com você que o Marcelo traía o Bruno, não é”?
Meio sem graça Daniel respondeu que sim. Adriano fez um sinal com as mãos e falou:
“Ah, pouco importa agora, já rolou tanta coisa. Bem, parece que eu e o Marcelo estamos sempre competindo no mesmo mercado, não é mesmo, que chato”!
“Pois é, acho que é uma razão a mais porque ele não quer te ver, entende agora”?
Adriano entendeu mas pouco importava. O amor de Bruno era sincero, o interesse de Daniel era sincero, e ele honestamente não tinha nada contra o Marcelo. Além disso, o importante na história toda era desvendar o que estava por detrás desta teia de confusão, não desafetos de namoros malsucedidos. E de quebra, por que não aproveitar um pouco da diversão que estava experimentando ao descobrir-se em mais uma faceta de sua sexualidade? Estava gostando muito de tudo aquilo. Resolveu convidar Daniel para dormir lá. Daniel aceitou prontamente.
Dormiram sem muitas acrobacias esta noite. Pela manhã acordaram e tomaram seu café. Estavam ensaiando ainda o que fariam naquele dia quando Adriano recebeu um telefonema. Era o Theo.
“E ae grande, quando vamos nos ver de novo”.
Adriano ficou meio sem graça de receber um telefonema de outro “amante” na presença de Daniel. Mal sabia ele que Daniel teria uma reação inesperada. Adriano ainda tentou disfarçar:
“Ah, a gente precisa combinar para conversar mais”. Disse ele disfarçando. Mas Theo insistiu:
“Estou passeando pelo Morumbi, eu sei que você mora por aqui, que tal a gente se encontrar”?
Ah, Theo, agora não dá, estou com visita em casa”.
Quando Daniel ouviu o nome de Theo seu entusiasmo foi imediato:
“Você tá falando com o Theo”?
Adriano não estava conseguindo driblar os dois ao mesmo tempo, mas Daniel se encarregou:
“Convida ele para vir aqui! Vamos fazer uma brincadeira os três juntos”!
Adriano ficou meio sem saber o que fazer, mas entendeu o que Daniel queria.
“Theo, você conhece o Daniel? Ele está aqui comigo. Quer vir bater um papinho com a gente”?
“O Daniel médico loirinho tá aí? Vou sim. Passa o endereço”.
Adriano passou o endereço e pensou:
“Que loucura, mas vou pagar pra ver”. Deu o endereço e Theo disse que chegaria em vinte minutos.
“Você conhece o Theo”?
“Só de conversar pouco, mas queria muito conhecer melhor”.
Theo chegou, subiu e eles começaram a conversar. Pouco. Logo Theo e Daniel, mais desinibidos, começaram a make out no meio da sala, já puxando Adriano para o enlace. A curiosidade de Theo por Daniel e vice versa era patente. Logo um foi tirando a roupa do outro. E em seguida tirando a roupa de Adriano. A coisa começou a esquentar logo. Foi uma sinergia rápida. Theo avançava com avidez sobre o corpo de Daniel, chupando-lhe os mamilos, os braços, o corpo inteiro. Pegava com vontade. Adriano entrou na dança e começou a pegar Theo e Daniel juntos. Logo estavam brincando em trio, todos tocando todos, nus.
O entusiasmo de Daniel era óbvio. Já estava percebendo que ia dar pros dois ao mesmo tempo. Já foi se jogando na cama e deixando-se soltinho para que os dois o explorassem à vontade. Theo passava o pau sobre todo o corpo de Daniel e de Adriano. Adriano repetia. Catava Daniel e Theo com a mesma força. Era um rolo a três que estava deixando Adriano louco. Puseram suas camisinhas e logo Adriano comia Daniel ao mesmo tempo que Theo punha seu pau na boca de Daniel para um boquete. Depois trocavam as posições. Adriano e Theo estavam comendo Daniel ao mesmo tempo em que se beijavam. Uma verdadeira suruba. Depois de muito aprontarem e curtirem o corpo um dos outros, ficaram deitados por um tempo juntos, embolados, trocando mais carícias.
Neste momento entra Erica, o porteiro do dia a tinha deixado subir sem muitos questionamentos. Quando Erica avistou a cena ficou mais surpresa ainda, mas sem o gritinho.
Eles ficaram um pouco sem jeito, mas Erica já os tranquilizou:
“Podem deixar. Já esperava uma cena do gênero. Não com dois, vou ter que confessar. Adriano, você virou um putão e marca maior hein? E olha, vou ter que confessar, que bom gosto para homem que você tem, não para de me surpreender, hahaha”!
Os três muito sem jeito de serem flagrados.
“Quem é esta pessoa”? Perguntou Theo.
“É minha ex-namorada”.
“Ixx, sujou”!
“Não sujou nada”! Disse Erica. Estou gostando de ver. Que fogo hein Adrianão? Olha, agora somos competidores, é isso? Poxa Adriano, acho que não tive uma vida tão cheia de aventuras como você está tendo agora. Estou com inveja”! Seu tom era de sarcasmo extremo.
Os três estavam nus, o único lençol não cobria a todos.
“Ora, deixem de bobagem, adoro homem rapazes, deixa eu ver como vocês são. Sem pudores, já vi muito homem pelado, não precisam se esconder, deixa eu ver. Adriano, divide comigo estas maravilhas, olha só que exemplares de raça masculina que você reuniu! Deixa eu ver eles ao natural”! E pediu para os dois andarem nus para ela poder vê-los melhor. Dava risada e falava: “Hmmm, Adriano, que dois caras delícia”!
Theo e Daniel, menos inibidos e mais afeitos a um exibicionismo, já levantaram e começaram a conversar com Erica como se fossem amigos.
“Podem continuar o que estavam fazendo, ou conversar, eu só vim pegar minhas coisas que ficaram aqui. Adriano, parabéns, você virou um putão classe A hein”?
E continuou conversando enquanto reunia seus pertences. Enquanto isso Theo e Daniel passeavam tranquilamente pela casa, com seus paus balançando à mostra. Adriano visivelmente incomodado. Erica acabou o que tinha ido fazer e despediu-se dizendo a Adriano:
“Parabéns pelo bom gosto, adorei estes gatos. Da próxima vez me chama né? Já pensou eu com três homens”? Disse isso em tom de chacota para provocar. Deu uma risada irônica, despediu-se e deixou os três ali.
CAPÍTULO 46
Era sábado de novo e Adriano achou boa ideia repetir o programa de visitar o pet-shop de Igor. Desta vez foi mais cedo porque queria conversar mais longamente antes de sair para programações noturnas ou reuniões com amigos. Queria mesmo conversar com Igor, da mesma forma que havia conversado com outros amigos de Bruno. Igor era o melhor amigo, pelo que Adriano podia perceber. Certamente em uma conversa longa achariam material farto.
Apesar do movimento do pet-shop, conseguiram conversar um pouco.
“Igor, tenho conversado um pouco com os amigos do Bruno e acabei descobrindo uns fatos bastante interessantes, aposto que a polícia não teria acesso a estes dados. Será que você não saberia alguma coisa preciosa para o caso, sem se dar conta? Afinal, acho que você era um dos melhores amigos do Bruno”.
“Ah, o que por exemplo Adriano”?
“Não sei... O que vocês conversavam? O que ele falava de mim, para começar”?
“Bom, no começo ele ficou com muita raiva de você, você deve saber. Ou melhor, passou por todos os estágios. Encanto, medo, raiva, paixão, tudo. Mas não sei se falou alguma coisa que te ajude agora”.
“E sobre a empresa, você não lembra se ele falou algo que parecesse estranho”?
“Bom, fora a questão dele com você, tinha a história dos paus da informática que ele começou a achar muito estranho, depois vocês descobriram que tinha vírus, mas nunca falou com muito detalhe sobre isso comigo”.
“E das pessoas, quem ele mencionava”?
“Ah Adriano, é pedir muito de mim. Não vou lembrar dos nomes. O único que ele frisava mais era um tal de Renato que perseguia ele e que ele ficou feliz quando ia tirar férias. Ele suspeitava muito deste Renato na questão dos paus, achava que ele tinha alguma coisa a ver com a fraude”.
“Mas ele mencionou alguma coisa que soubesse ou tivesse descoberto”?
“Não me lembro. Sinto muito, não posso ajudar. Só lembro do Bruno falando que a viagem do Renato pra Cancun e Cayman Islands ia ser um alívio”.
“Cayman Islands? Eu não sabia disso! Como assim Cayman Islands”?
“Ah, não sei, agora não tenho certeza se escutei certo”...
“Putz, mais uma, tá vendo como conversar funciona? Vamos lá Igor, que mais”?
“Não sei, vai fazendo perguntas”...
“Outros nomes você lembra”?
“Lembro sim. Helena e Michelle ele falava que eram as protetoras dele. Eu sei. Quem mais? Uns amigos como Carol e um nome russo, Sergei”?
“Alexei. Quem mais”?
“Amália, pode ser”?
“Deve ser Amanda, minha secretária. O que tem ela”?
“Não lembro. Acho que ele gostava dela, só”.
“Quem mais”?
“Hmmm, não lembro. Não converso muito sobre trabalho, não entendo de empresa. Talvez tivesse um cara que foi demitido, e que era primo de uma outra ex-funcionária”.
“Quem foi demitido, vamos ver... recentemente Marcos e Alessio são os nomes”.
“Esse último. Alessio. Parece que foi demitido porque fez um erro que tinha a ver com os paus”.
“Sim, isso eu sei, mas não é o ponto. Ele era primo de quem? Será que era primo da tal da Giselle? Nossa, mais uma questão preciosa, preciso mesmo ir falar com essa tal de Giselle, que eu nem me lembro direito quem é, porque ela deve saber de alguma coisa”.
A conversa continuou por um bom tempo, mas Adriano não conseguiu achar mais nada. De qualquer forma já tinha dados que devia dividir com a polícia. Só precisava falar com a tal da Giselle antes. Como a encontraria? Melhor procurar nas anotações dele e do Bruno que pedir na empresa ou polícia. Pensou que faria isso no dia seguinte. Por esse motivo não quis sair para baladas e preferiu preservar-se para um dia seguinte mais produtivo.
Mesmo assim convidou Igor para jantar. Gostava muito do Igor, começava a perceber por que era tão amigo de Bruno. Era um cara cem por cento, muito amigo, fiel e boa gente. Fez um jantar bem gostoso para o Igor e disse que seria em retribuição à ajuda que lhe estava dando. Ali estava nascendo uma amizade sincera. Adriano achava bom, pois estava justamente sentindo que nos últimos tempos sua vida estava vazia de grupos sociais e amigos, desde bem antes de conhecer o Bruno. Ampla e farta ocasião para fazer novos círculos, ainda que fosse dentro de condições tão adversas.
CAPÍTULO 47
No começo da semana Adriano quis falar com Giselle. Não tinha pegado seu telefone nas anotações de Bruno, razão pela qual teria que ligar para Amanda e pedir que tentasse descobrir. Adriano confiava em Amanda, e ela nele, mas de qualquer forma quis confirmar.
“Amanda, não sei o que lhe passa pela cabeça, mas não sou responsável por nenhum dos crimes que imputam a mim”.
“Não tenho a menor dúvida, Dr. Adriano”.
“Ok, só para confirmar. Estou pedindo este telefone porque quero eu mesmo confirmar umas coisas, logo depois reportarei à polícia, mas creio que tenho coisas interessantes para contar ao Delegado Freitas, se é que ele já não sabe”.
“Só posso desejar-lhe boa sorte, Dr. Adriano. Tenho certeza que no final tudo se esclarecerá”.
“Obrigado Amanda”.
À tarde Amanda já tinha o telefone de Giselle. Ligou para Adriano e este logo depois para Giselle. Qual não foi a surpresa da moça ao receber telefonema de um Diretor com o qual mal tinha trocado algumas palavras enquanto trabalhava na Hedge! Mas Giselle se mostrou um pouco reticente. Estava com medo diante dos recentes acontecimentos. Percebia que todos os que sabiam demais eram perseguidos por alguma força nefasta que estava por detrás deste grande estelionato e preferia não se expor. Giselle não foi tão fácil de convencer. Mesmo com toda sua lábia Adriano teve trabalho para conseguir fazer a moça se abrir e aceitar encontrá-lo, coisa que os outros tinham feito de forma tão pronta e solícita.
Depois de muito insistir, prometer sigilo sobre suas intenções e sobre o papo que teriam, Giselle aceitou encontrá-lo para conversar. Assim mesmo Giselle quis garantir-se de todas as formas. Fez questão de que se encontrassem em local público e longe dos olhos de qualquer conhecido da empresa. Ela iria encontrar Adriano no Ráscal da Alameda Santos, entraria depois que ele estivesse lá, conversariam por pouco tempo e depois ela sairia sem que ele a acompanhasse.
Na verdade Giselle estava apavorada. Sabia que o Bruno tinha pago por saber demais e que o demais que ele sabia era, parcialmente, o que ela lhe tinha contado. Se nada lhe havia sucedido era porque não representava ameaça aos verdadeiros criminosos. Deveriam ter percebido que, se depois de tanto tempo ela nunca tinha posto areia no plano deles, não quereriam se sujar por mais uma pessoa. Bruno tinha sido mais temerário e menos cuidadoso e tinha pago por isso. Mas ela não pretendia chegar a este ponto.
Já Adriano estava mais determinado. Tinha mais a ganhar que a perder, pois era a cabeça dele que estava a prêmio, fora a vontade imensa de desvendar quem lhe tinha tirado Bruno.
Fez como combinado. Chegou antes e achou uma mesa. Esperou que Giselle o procurasse na mesa, o combinado era que Adriano lhe ofereceria um jantar. Adriano achou o esquema conveniente, pois ele não se lembrava muito bem da fisionomia de Giselle, era muito confortável para ele que fosse ela quem se aproximasse, pois ela com certeza se recordava muito bem dele.
Ela se aproximou e o cumprimentou. Serviram-se do buffet, pediram um prato cada e Adriano pediu que ela lhe contasse o que sabia. Para a surpresa de Adriano, o que ela tinha a revelar não era nada que ele não soubesse. Ela relatou que tinha escutado Renato uma vez ao telefone falando com Erica e que achou aquilo muito suspeito, principalmente porque havia tom de intimidade e cumplicidade. Ele já tinha esta informação, por intermédio de Igor. Giselle contou ainda que ambos deveriam estar desviando dinheiro da companhia, pois Renato referia-se muito a uma conta bancária e a transferências de dinheiro da Hedge para esta conta. Falou que Renato tinha mencionado fraudes de simulação e que nem Adriano nem Frankfurt sabiam disso. Ao final Adriano estava um pouco decepcionado. Já sabia do contato de Erica e Renato através de Igor. Depois que Igor tinha mencionado este detalhe, o fato nada acrescentava ao que Adriano já sabia, exceto pela existência de uma conta bancária e das transferências da Hedge para esta conta.
Ali estava a explicação do porquê Giselle não havia sido penalizada. Enfim, não era isso. Bruno deveria ter descoberto algo mais nevrálgico na trama que não se resumia a isso. No final Adriano perguntou:
“Ouvi dizer que o Alessio, um rapaz que trabalhava na Hedge também e foi demitido, é seu primo”.
“Sim, ele é meu primo”.
“Então o Renato deve ter descoberto e quis forjar uma situação para a Mônica demiti-lo. O Renato tem uma certa influência sobre a Mônica”.
“É o que me parece, Dr. Adriano, o Renato deve estar por detrás de tudo isso e tentou de todas as formas divergir a atenção de si próprio e atraí-la para outras pessoas, até que conseguiu moldar uma situação em que jogou toda a culpa em cima do Sr. para incriminá-lo e sair ileso”.
“Mas ainda é pouco, acho que o Bruno deve ter descoberto mais coisa, coisa grande, que o deixou numa situação muito perigosa”.
“Acho que sim Dr. Adriano. Pena para o garoto, eu bem que avisei para ele não se meter nessa seara”.
“Eu soube que vocês se conheceram pessoalmente. Então você o avisou sobre isso”?
“Sim, avisei, mas ele não parece ter aceitado minha sugestão”.
“É, foi uma pena realmente”.
Havia um tom de lástima muito forte e sincera na voz de Adriano. Continuaram conversando por um tempo, até acabarem de comer. Adriano avisou a Giselle que continuasse tomando cuidado e confessou a ela que já era hora de ele comparecer à polícia para dividir com o delegado as informações adicionais que tinha, talvez servissem para alguma coisa. Assim se livraria de ser o único detentor de informações preciosas. “Foi esse pecado que o Bruno cometeu”, pensou Adriano para si – “centralizou informações perigosas e foi vítima de uma queima de arquivo”.
Depois de saírem do restaurante cada um a seu tempo e para seus respectivos destinos, Adriano decidiu que iria falar com o Delegado Freitas o mais breve possível.
Já na segunda ligou para a delegacia e pediu uma entrevista com o Delegado Freitas. Marcaram. O Delegado Freitas o recebeu entre seus afazeres quotidianos, sem muitas expectativas. Adriano percebeu que não teria muito tempo e resolveu ser direto:
“Delegado, andei saindo com uns amigos do Bruno e consegui levantar algumas informações que achei conveniente dividir com o Senhor. Não sei se serão novidade, não sei se serão relevantes, mas gostaria de relatá-las”.
Começou logo expondo o que havia reunido. Tirou do bolso um papel com uma lista de itens digitados e elencou-os para o Delegado.
1. Bruno tinha conhecimento de coisas erradas que aconteciam na empresa. Tinha acompanhado os paus da informática, mas tinha ido além e descoberto um caso inicial de erro de simulação e contrato com a empresa Madeira Norte S/A. Depois eles dois começaram a averiguar cliente por cliente, dos que tinham tido problemas grandes, o que acontecia, e os erros se repetiam. Bruno tinha conferido ele mesmo todos os erros. Até aqui já era coisa conhecida de todos agora. Mas Bruno tinha sido avisado por uma ex-funcionária da empresa que havia coisas muito erradas ali, que nem a diretoria de Investimentos nem a matriz na Alemanha tinham conhecimento;
2. Bruno sabia que Renato conhecia Erica, o que foi surpresa para todos exceto Bruno e Giselle, a ex-funcionária;
3. Marcelo, ex-namorado de Bruno, tinha recebido um telefonema com ameaças por saber o que não devia. Mas neste momento não estavam mais namorando, Adriano não conseguia explicar o telefonema;
4. Bruno sabia que Renato tinha ido não só a Cancun, mas também a Cayman Islands em suas férias. As Cayman são sabidamente um paraíso fiscal e bancário;
5. Bruno sabia que Alessio, um funcionário demitido pela empresa, era primo de Giselle. Poderia ter sido demitido por influência de Renato, com medo de que viesse a saber de coisas que Giselle lhe contasse? Provavelmente o fato de Renato conhecer Erica?
6. Giselle mencionou que havia transferências da Hedge para uma conta bancária, este item só Bruno e Giselle sabiam. Seria uma conta nas Ilhas Cayman?
“Não sei se estas informações são novas para o Sr., Delegado, mas de qualquer forma achei melhor contar”.
“Vejo que fez muito bem sua lição de casa Dr. Adriano! Algumas coisas eu já sabia, outras não. Foi com os amigos do Bruno que conseguiu estas informações, não”?
“Foi, foi sim”.
“Muito bem, ajudou muito, mas aconselho que deixe o resto para nós, eu lhe garanto que estamos muito perto de descobrir as coisas. Acho melhor poupar-se de maiores aborrecimentos Você bem viu o que acontece a pessoas que sabem demais, não”?
“Por isso mesmo quis vir relatar o mais breve possível”.
“Entendo. Mas por ora acho que basta. Deixe para nós o trabalho sujo”!
“Ok, Delegado. Acho que meu trabalho está feito. Mas tenho uma pergunta a lhe fazer. Desconfia mesmo de mim ou está fingindo que mordeu a isca, deixando isto como disfarce para iludir o verdadeiro culpado, dar-lhe mais corda para se enforcar enquanto o Sr. investiga mais livremente”?
“Muito bem Dr. Adriano! Vejo que é um homem bem esperto. Não vou responder sua pergunta, deixo para sua imaginação”.
Ao dizer isto deu um sorriso sarcástico, que Adriano viu com muito bons olhos. De uma certa forma entendeu que era isso mesmo e que estaria logo livre das acusações que pesavam sobre ele.
Queria até mesmo celebrar, mas o que faria em uma segunda feira assim sozinho? Depois que abriu a torneira do sexo, Adriano não estava com vontade de parar.
Adriano voltou à empresa para acertar algumas coisas. Reviu toda uma série de papéis para situar-se bem quanto às novas posições da empresa, manteve-se abstraído por um longo período de tempo. Feito isso, começou a peregrinar pela empresa para dar uma olhada no que os funcionários de seu “novo” time estariam fazendo. Neste vai e vem de conversar com um aqui, averiguar outra coisa ali, percebeu a existência de Arthur. Nunca tinha reparado muito nele. Agora percebia por que as meninas o tinham como um dos gatos da empresa. Realmente, o Arthur era um tesão. Lindo de rosto, sem dúvida, mas acima de tudo um gostoso. Não era exatamente um cara de corpo malhadão. Tinha um porte bonito e era um pouco rechonchudo. Um rechonchudinho muito tesão, que parecia ter a consciência e segurança daqueles que sabem que agradam.
Por essa Adriano não esperava. Com todos os outros caras até agora tinha sido fácil, mas com Arthur não seria possível. Primeiro porque ele era totalmente heterossexual, não parecia interessar-se por homens de maneira nenhuma. Segundo porque Adriano como diretor da empresa não poderia expor-se a dar em cima de um cara lá dentro, paquerar descaradamente um cara de lá.
Voltou para sua sala, que agora estava ocupada por Otávio. Não conseguia conversar, não conseguia fazer nada, estava louco de tesão! O que fazer? Foi para o banheiro, tentando esquecer estas ideias que o excitavam, mas a imagem do Arthur era recorrente, ficava lembrando dele andando pelo corredor, seu corpo roliço e gostoso, uma leve barriguinha por debaixo da roupa social deixava a camisa apertada. Tinha umas coxas roliças que enchiam a calça e raspavam uma na outra quanto ele andava, terminando em um bundão muito gostoso também. O pau de Adriano estava em riste, nada o desviava daquele pensamento.
Lembrou do comentário de Igor sobre saunas gays, lembrou-se que havia alguns nomes que havia ouvido. Decidiu ir a uma delas. Afinal, com tantas aventuras sexuais rolando, qual o problema de explorar mais aquela?
Entrou na internet e procurou por “sauna gay”. Achou vários nomes e endereços, mas a que mais lhe pareceu decente e bem frequentada era uma tal de “Steam”, na Vila Mariana. Ainda mais que no site dizia que era especialmente bem frequentada às segundas. O sangue fervia-lhe nas veias. Uma sensação de temor misturada com proibido e tesão. Não vacilou. Pegou suas coisas, foi embora da empresa e rumou para o endereço apontado.
Lá chegando viu uma casa comum, sem nome nenhum, apenas um cheiro de madeira queimada, seria pinho? Típico das saunas. Passou pelo portão e rumou para uma cabine que parecia uma recepção, meio desajeitado e sem saber o que fazer. O recepcionista facilitou-lhe a vida indicando-lhe todos os passos. Logo a seguir viu-se nu, de toalha na cintura e havaianas, suas coisas dentro de um locker trancado com cadeado.
Começou a explorar o local. Havia vários ambientes, alguns com saunas e chuveiros, outros bem escuros com pessoas olhando torto, um ambiente central com piscina, uma sala de vídeo e até um bar.
As pessoas circulavam com suas toalhas na cintura, paquerando de uma forma bem mais incisiva que em bares ou boates. Alguns eram mais velhos, poucas pessoas interessantes, mas o apelo sexual era forte.
Não tinha visto nada de interessante até que avistou um rapazinho magro mas muito bem talhado de corpo. Aquele tipo extremamente bem esculpido de academia, exceto pelo fato de que não era nada inchado, era magro. Porém, o que mais chamava a atenção no rapaz é que ele era bem peludo, mas bem peludo mesmo, e não fazia questão de raspar os pelos. Deixava-os ao natural. Aliás, foi aí que começou a perceber que naquele lugar a frequência de peludos era bem superior à Myst, por exemplo. Isto começou a deixá-lo excitado. Adriano gostava de uns pelos. No peito, nas pernas e na barriga, óbvio, não nas costas. Mas era exatamente como era este rapazinho. O cara lembrava muito um ator israelense chamado Dror Cohen.
Adriano olhava para o rapaz com uma forte tensão sexual. Seu pau começou a subir e, naquele local, isto era indisfarçável, pois as pessoas estavam de toalha. Ficou um pouco encabulado com isso mas logo deu-se conta de que esta era a vibe do local.
Adriano quase que perseguia o rapaz. Mantinha-o na mira para saber onde estava, para onde estava indo, ao mesmo tempo em que sentia uma forte atração pelo cara. Quando o cara ia tomar banho em um chuveiro, lá ia Adriano atrás e ligava o outro chuveiro ao lado e dava umas olhadas indiscretas. Quando se secavam, quando saíam para passear, Adriano estava sempre na cola do carinha. O cara obviamente percebeu. Adriano pensou que poderia estar prestes a levar um fora, mas não, logo se estabeleceu um olhar recíproco e os dois continuaram suas caminhadas e banhos trocando olhares maliciosos. Adriano sentia um frio de excitação na espinha, seu coração a mil. Uma aventura sexual nota dez! Percebeu também que naquele local não haveria grandes discursos de apresentação nem preliminares, a coisa seria mais direta e reta. Logo os dois se encurralaram num beco escuro e começaram a se tocar sem palavra nenhuma. Começaram por beijar-se e logo já estavam correndo as mãos um pelo corpo do outro, Adriano aproveitava para explorar bem o peito peludinho do rapaz, tocando-o de cima a baixo. O rapaz retribuía os toques e já se aproximava de pegar no pau de Adriano, que consentia com muito prazer. Retribuíam-se os afagos fartamente, beijando-se, explorando-se, tocando e masturbando os paus um do outro, e assim foi. O ritmo foi incrementando, a sensação de prazer aumentando, minutos depois o rapaz falou: “Vou gozar”, ao que Adriano respondeu “Eu também” e deixaram-se levar pelo orgasmo.
Acabado isto, o rapaz disse alguma coisa como “Obrigado, foi ótimo” e retirou-se sem mais. Adriano achou isto espetacular. Só entre dois homens poderia haver uma interação sexual tão descompromissada a este ponto, que se resumisse em uma atração quase que fetiche, exclusivamente visual e nada mais, sem qualquer interação pessoal nem intenção de conhecimento posterior. Não teria o telefone do rapaz e provavelmente nunca o veria de novo, mas a sensação de aventura e a imagem e prazer daquele corpo perfeito e gostoso permaneceriam por muito tempo em sua memória.
Voltou para casa feliz. Satisfeito com sua trepada na sauna e esperançoso de que logo a polícia se pronunciaria.
CAPÍTULO 48
Na sexta Adriano sentiu vontade de dar um break em suas sondagens particulares. Estava um pouco mais confiante que a polícia tinha uma linha consistente de investigações e o Delegado Freitas, sem dizer com todas as palavras que não pretendia culpá-lo, o tinha deixado mais aliviado. Parecia que o delegado não desconfiava mesmo dele, aliás parecia que o delegado tinha certeza de que Adriano era inocente. Se quisesse imputar os crimes a Adriano já o teria feito. Não, não era a intenção da polícia. Estavam usando este fato para ganhar tempo do verdadeiro estelionatário e assassino.
Por outro lado, o que ele podia fazer já estava feito. Teria que confiar que a polícia desvendaria esta trama. Ele já não tinha muitos recursos para tecer a teia da trama sozinho. Por este dia resolveu relaxar e divertir-se um pouco. Pensou: “Aonde eu poderia ir hoje? Não estou com vontade de chamar nenhum dos amigos do Bruno. Quero sair sozinho para espairecer e dançar na minha. Acho que vou voltar ao Allure que eu gostei, é mais light, lá eu posso descontrair, tentar conhecer gente nova”.
Optou pelo Allure porque era um lugar que favorecia mais o contato. Tinha espaços abertos onde seria possível abordar pessoas, não era uma danceteria fechada.
Apareceu lá por volta da meia noite. Sem dar muita bola para o show, já foi direto para o bar e pediu uma cerveja. Saiu para beber no espaço externo e sentou-se na mureta. Estava ainda pensando se iria falar com alguém, estava olhando para os caras que estavam lá e não passou muito tempo até que um dele se aproximasse e dissesse:
“Oi Adriano, como vai”?
Adriano olhou um pouco surpreso para a pessoa que o abordava. Não esperava ser abordado tão rápida e inadvertidamente. Olhou e hesitou por alguns segundos, pois não sabia quem era, mas não lhe parecia tão desconhecido...
“Oi, tudo bem?” Respondeu.
“Tudo, e você?” Disse o cara com um sorriso nos lábios. Era um cara mais velho que os amigos jovens de Bruno, uns quarenta anos.
“Desculpe, acho que a gente se conhece, mas não estou lembrando muito bem”...
“Sem problemas. Sou o Caio, nos conhecemos numa festa em que você foi com o Bruno”.
“Nossa, mundo pequeno!”
“Pois é. Você está sozinho?”
“É, vim espairecer um pouco”.
“Sim, você deve estar precisando. Eu soube que você andou saindo com alguns amigos do Bruno, imagino que tenha passado por um mau pedaço, espero que as coisas estejam melhores agora”.
“Poxa Caio, desculpe, não estou conseguindo lembrar mesmo. Você não quer me refrescar a memória, estou um pouco constrangido”.
“Refresco sim, não tem problema. Na verdade a gente conversou pouco aquele dia, mas você me passou uma coisa muito boa e eu já tinha uma impressão muito boa do Bruno. Aquele dia fui querer saber quem era o cara por quem o Bruno tinha trocado o Marcelo. Na verdade eu também fiquei um pouco decepcionado com a atitude do Marcelo, mas fiquei surpreso com a boa atitude do Bruno”.
Adriano fez cara de interrogação. Ok, era uma traição, mas traições acontecem. E onde este Caio entrava nisso tudo e o que tinha a ver com ele, Adriano?
“Você não está entendendo não é”? – disse Caio e deu uma risada – “Eu vou explicar. Naquela época eu estava namorando um carinha chamado Daniel”.
Nesta hora Adriano deu uma vacilada e ficou um pouco vermelho de vergonha. Foi aí que a ficha caiu. Também nesta hora entendeu o olhar de reprovação de Rodrigo e Rodolfo quando ele ficou com Daniel.
“É, eu era namorado do Daniel, por quem eu fiz tanta coisa, não merecia este golpe baixo. E o Marcelo estava com o Bruno. O Marcelo e o Daniel estavam traindo nós dois, Bruno e eu, tinha um tempo. O Bruno descobriu e deve ter ficado muito decepcionado por tudo, por ele mesmo e por mim. Terminou imediatamente com o Marcelo, mas foi tão decente que não quis me contar. Um dia eu liguei, porque eu já desconfiava, e ele me contou. Eu fiquei muito chateado, gostava muito do Daniel, acho que ainda gosto. Mas assim não dava pra continuar, não é mesmo? Também terminei meu namoro imediatamente. Por outro lado fiquei com uma impressão muito boa do Bruno, pelo bom caráter e fidelidade. Na festa, eu me aproximei de você sutilmente, tão sutilmente que você não se lembra, porque queria conhecer quem era o novo namorado do Bruno, porque achei que ele mereceria alguém mais sério, mais sólido. Enfim, fiquei muito satisfeito com o que vi. Foi isso”.
Adriano ainda estava muito sem jeito. Será que este Caio suspeitava que a pessoa com quem ele estava falando neste momento tinha tido tórridas noites de sexo com o Daniel? Será que estava vindo sondar ou tirar satisfações de forma sutil? Adriano estava verdadeiramente embaraçado. Caio percebeu. Deu um sorriso.
“Não precisa ficar sem jeito, você também não sabia, nem me conhecia direito. Mas eu já respondo a pergunta que você ainda não fez. Eu sei que você ficou com o Daniel algumas vezes. Eu não me importo”.
“Olha, não era minha intenção colocar chifre em ninguém”.
“Eu sei Adriano. Você me passou ser um cara sério”.
Adriano relaxou um pouco.
“Acho que nem sou tão sério assim, apenas não conheço muito bem o mundo gay – ou não conhecia, estou começando a conhecer melhor”. E deu uma risada sem graça.
“Bom, espero que esteja se divertindo. Não se preocupe, tenho uma boa impressão de você e você não está me colocando chifre porque eu também não estou mais com o Daniel”.
“Ops, pera lá, eu tive algumas transinhas com o Daniel, numa fase de, hmm, digamos, expansão, ou sei lá, uma fase que eu precisava também me entreter. Mas não pretendo ficar mais com ele. Agora então, nem vou mais procurar ele”.
“Pode procurar à vontade Adriano, não tenho mais nada com ele. Só quis vir te conhecer melhor”.
“Ah, ok então”. Disse Adriano mais relaxado. “E outra coisa, eu não matei ninguém nem roubei empresa nenhuma, isto foi uma grande armação”.
“Eu sei disso também Adriano. O Rodrigo e o Rodolfo me contaram. Eu já entendi o jogo. Alguém estava pintando e bordando na sua empresa, o Bruno descobriu, esse alguém matou o Bruno e jogou a culpa do crime de você. Mais óbvio que a clara luz do dia. Só não entendo como este criminoso não está sacando isso”.
“Espero que peguem ele logo, só isso, para eu poder voltar à minha vida, ou melhor, não vai ser nunca mais a mesma vida, já estou sentindo, mas pelo menos acaba oficialmente esta suspeita sobre mim”.
“Ah, mais dia menos dia isso se resolve, não se preocupe. Se a polícia quisesse fazer alguma coisa com você já tinha feito”.
“Obrigado pela força. Mas mudando de assunto, você gostava do Daniel é”?
“Gostava muito. Ainda não aceitei direito. Mas parece que só eu não queria ver. Muitos amigos me contaram outras aprontadas dele depois. Meus amigos me pouparam durante muito tempo. Ainda não sei dizer se isso é bom ou é ruim. Nem sei o que eu faria numa situação dessas. Você contaria ou não contaria”?
“Depende. Se fosse muito escracho sim, não ia querer ver um amigo meu passar por muita humilhação e pagar de corno por muito tempo”.
“Pois é, às vezes eu acho isso, às vezes não sei dizer direito. Não saberia como contar a um amigo. Também não ia querer ser o leva e traz”...
“É, situação difícil”!
“Mas que o Daniel não vale nada, ah, isso não vale”.
“Agora to percebendo”.
“Mas não tem nada não, já passou. Agora to a fim de partir pra outra e esquecer”.
“O que você faz da vida”?
“Sou médico. Cardiologista”.
“Ah, quando você diz que ajudou o Daniel, deve ter sido na parte profissional, eu acho”.
“É, foi por aí”.
“Bom, acho que eu não preciso te contar o que eu faço da vida, né? Sou economista, Diretor de uma grande empresa de gestão de patrimônio entre outras coisas, e estelionatário e assassino nas horas vagas”. E deu uma grande risada.
A partir daí a conversa começou a descontrair e Adriano começou a conhecer um grande cara. Ficaram conversando um tempo enorme no Allure, depois trocaram seus telefones e combinaram de se rever. Não rolou nada. Caio tinha outra pegada. Não era tão atirado como os amigos mais jovens de Bruno, era mais centrado. E por mais que dissesse que não, ainda estava vivendo a ressaca de uma traição e de um grande amor. Adriano achou até que, por este motivo, teriam algo em comum, uma situação semelhante, em parte, de mágoa recente.
CAPÍTULO 49
Como o Caio era mais tranquilo, Adriano percebeu que o ritmo de aproximação com ele teria que ser diferente do ritmo que vinha desenvolvendo com os outros amigos de Bruno. Pensou que para ele isto não seria problema, muito mais adequado para Caio e terreno muito mais conhecido para si mesmo chamá-lo para um jantar e conversarem tranquilamente. Aliás, era uma abordagem melhor. O que estava sendo aquela época? Ele tinha ficado com vários caras, transado como um adolescente, feito coisas que não seriam cabíveis para uma situação de stress. Bem, deveria ser exatamente por este motivo que vinha se comportando desta maneira. Sem trabalho, uma imensa perda e mágoa recente, era suspeito de dois crimes, só isto já é stress suficiente. Ainda por cima a ociosidade, an idle mind is a devil’s toy...
Mas, recobrando um pouco da serenidade, sentia vontade de dividir seus momentos com um cara mais equilibrado e centrado. Este cara poderia ser Caio.
Caio era um cara bem atraente também. Um cara moreno de estatura média, robusto como todos os da turminha, bem malhado e bonito de rosto. E tinha um charme todo especial. Aliás, não conseguia ver como Daniel o tinha traído com Marcelo, nem o que Bruno teria visto em Marcelo. Mas provavelmente Adriano já tinha uma implicância com Marcelo a este ponto.
No dia seguinte, em meio a tais pensamentos, Adriano decidiu-se, por fim, pegar o telefone e falar com Caio. Ligou e chamou-o para um jantar.
“O que você gosta de comer, Caio”?
“Ah, o que você preferir, Adriano. Não sou tão picky”.
“O que acha de um medalhão ao molho madeira, acompanhado de um bom Chiraz”.
“Nossa, que perfeito! Eu gostaria muito sim”.
“Então podemos combinar. Amanhã pode ser”?
“Ok, está combinado”.
Caio veio ao apartamento de Adriano e este o recebeu para um jantar daqueles que não fazia havia tempo. Este era o seu ambiente mais conhecido. Sentia-se bem à vontade em fazer um jantar calmamente e conversar sem grandes atropelos. Caio parecia estar na mesma sintonia, pois trouxe uma caixa de chocolate, como manda a melhor educação. Adriano percebeu que o cara tinha uma postura diferenciada mesmo.
Começaram a conversar e bebericar o vinho, de forma tranquila e a princípio evitando assuntos relativos aos acontecimentos desgastantes para Adriano. Muito educado da parte de Caio.
Conversaram longamente a respeito de o que faziam, como era a vida de cada um, como passavam seu tempo. Caio confessou que estava se sentido um pouco sem companhia recentemente. Depois de ter terminado com Daniel, estava no vácuo. Adriano também explicou que os últimos acontecimentos o tinham abalado consideravelmente. Sentia falta de alguém mais maduro para conversar.
O jantar aconteceu de forma tranquila e encaminhou-se para uma situação já esperada e conhecida de Adriano. Apesar de não haver uma atração carnal em ebulição ali, ambos encontraram conforto em uma aproximação física. Começaram a trocar carinhos e suavemente a situação foi caminhando para um evento mais sexualizado. Porém com outra pegada. Acabaram por ficar juntos. Desta vez porém, sem a penetração. Isto também era novo para Adriano. Conhecer um cara mais maduro que leva as coisas num outro ritmo. Teria sido isto o que Bruno tinha experimentado ao ficar com Adriano? Adriano estava vivendo todas as situações possíveis, sob todos os ângulos. Agora sim poderia dizer que conhecia o que era estar com um homem.
Dormiram juntos de forma bem light e passaram o dia seguinte juntos. Foram ao cinema assistir um drama, conversaram muito, passearam juntos.
Na verdade Caio parecia ser uma ótima companhia, seria talvez de todos o melhor amigo, a melhor companhia de todas. Adriano aventurou-se a trilhar caminho perigoso:
“Caio, você tem um olhar um pouco circunspecto, só não vou dizer que é triste porque não te conheço faz muito tempo. Não temos nenhuma intimidade, mas será que eu posso te perguntar uma coisa”?
“Vai em frente”!
“Será que o seu relacionamento com o Daniel te deixou um pouco, hmm, vamos dizer,...mal? Será que você está um pouco triste ainda com ele e não superou”?
“É, é uma pergunta um pouco chata de responder. Só respondo porque é você e não um rapazinho inconsequente como muitos da turminha. É verdade Adriano, eu não consigo esquecer o Daniel, por mais irresponsável que ele tenha sido e por mais que eu saiba que ele não goste realmente de mim. Às vezes tenho raiva, penso em jogar umas coisas na cara dele, depois vejo que não vale a pena, deixa ele ser a criança. Mas acho que vai demorar para eu sentir alguma coisa por alguém”.
“É, deu para perceber. Então acho que estamos na mesma barca, porque eu fiquei com o Bruno, foi o primeiro cara que eu fiquei na vida, foi muito forte, você nem imagina, e agora estou sozinho e não vejo a possibilidade de ninguém substituí-lo”.
“Mas então agora deixa eu ser o chato que faz uma pergunta embaraçosa. Se ele foi tão especial para você, por que motivo você tem ficado com tantos caras, me desculpe a indiscrição, mas é que as pessoas falam”...
“Não, sem problemas, pode perguntar! De novo, para você eu falo porque acho que você tem maturidade e condição de me entender. Estou ficando com muita gente sim, meio que a esmo e descontroladamente. Um pouco disto é por conta de um desequilíbrio que resultou desta situação, ou situações, malucas que estou vivenciando. E um pouco também porque acho que nunca tive uma adolescência com caras. Acho que isso ficou faltando, sabe? Com estes trancos que acabei levando da vida acho que fui levado a viver de forma tardia o que não tinha vivido antes. Mas isso não repõe o que eu sentia pelo Bruno, é como se fosse um filminho ao contrário. Estou vivendo agora o que deveria ter vivido antes, mas continuo não me conformando em perder o Bruno e continuo achando que nunca vou esquecê-lo. Estas aventuras não estão deixando nada além de uma experiência juvenil. Não encontraria substituto para o Bruno em nenhuma delas”.
“Então de uma forma ou de outra estamos passando por momentos semelhantes, de maneiras diferentes. Acho que a gente pode se dar muita força neste momento, sabia”.
“Pode crer, meu novo amigo! Conte comigo”!
CAPÍTULO 50
Logo no início da semana Adriano recebeu um telefonema da delegacia pedindo que comparecesse à Hedge na quarta feira às 14:00h. Segundo a escrevente que o contatava, o Delegado queria reunir o staff da Hedge mais algumas pessoas para esclarecer itens importantes sobre os ocorridos na empresa, em presença de todos. Adriano ficou muito animado, pois intuía que o delegado já tinha a solução.
Todos que lá chegavam eram encaminhados à grande sala de reuniões do setor de Investimentos. Estavam presentes todas as pessoas que trabalhavam no setor, incluindo Adriano e Renato, e algumas pessoas de fora, que eram Erica, Giselle, Marcelo e Igor.
Muitos estavam bastante tensos, mas Adriano tinha um bom pressentimento quanto ao encontro.
Por volta de 14:30h o Delegado começou:
“Prezados, chamei-os todos aqui para esclarecer algumas de nossas conclusões quanto ao inquérito de estelionado e homicídio que corre junto à 96ª. Delegacia desta comarca.
Como é de conhecimento de todos, houve aqui nesta empresa um crime de estelionato, que foi feito através de programa malicioso de informática e que desviou substanciosas quantias de dinheiro da empresa para lugar desconhecido, através de simulação dupla de curvas de investimentos. Também houve crime de homicídio do Sr. Bruno Trevori, ocorrido em 29/05/2012. Ambos os crimes foram inicialmente imputados ao Sr. Adriano Sulzbach. Passemos então ao esclarecimento de o que a polícia averiguou quanto a estes dois crimes.
Em 22/03/2011 foi adquirido pela matriz da empresa Hedge, em Frankfurt, Alemanha, o programa Troika. Este programa veio para substituir o programa Advantage, anterior, na simulação de aplicações a longo prazo para os clientes, como elucidaram nossos peritos em conjunto com o departamento de TI daqui.
Testamos o programa em várias simulações em laboratórios de informática, em colaboração com a Delegacia de Crimes Cibernéticos no Carandiru, e averiguamos que este programa contém linguagem maliciosa. Funciona de duas maneiras: em aplicações inferiores a US$ 10 milhões ele funciona normalmente, simulando o comportamento dos fundos para o tempo requerido e fornecendo um resultado que serve tanto para celebrar o contrato com o cliente, que passa ao departamento de clientes, como uma cópia que fica no registro da Hedge e gera a cobrança dos honorários desta, o controle administrativo e os emails de comunicação com o cliente, feitos de forma semanal, mensal etc. dependendo do que foi celebrado no contrato.
A partir de US$ 10 milhões o programa gera simulação em duplicidade. Das duas simulações, uma simulação vai para o Departamento de Clientes e depois é repassada ao cliente, com 1% a menos de ganhos. A cópia dela, o “duplo falso”, é gerada contendo o 1% de ganhos para a Hedge. O contrato com o cliente é feito com base na simulação a menor. A simulação a maior serviria para a Hedge.
Ocorre que a diferença de 1% não fica aqui. Este 1% é fragmentado e lançado como inúmeros itens, a saber: taxa de sucesso, impostos não pertinentes, remuneração distorcida de lucros, honorários de advogados, taxa de atendimento a cliente, taxas e impostos vários, taxa sobre operação bancária ou financeira e alguns outros itens que chegam por vezes a totalizar mais de vinte, o que dificulta a visualização da operação como um todo e a rastreabilidade por parte da contabilidade.
Estes valores obtidos com o 1% não chegam à contabilidade da Hedge nunca. Mais ou menos uma vez por mês o programa simula um pau, emite estes valores para uma conta bancária externa à Hedge e apaga todos os traços desta operação. Como a emissão dos valores era feita em separado, o valor individual é menor e não chamou a atenção de nenhum sistema fiscal ou de segurança bancário. Além disso, a cada pau ocorrido, era necessário dar um reset nas máquinas e todas as operações realizadas eram apagadas. Esta era a origem das confusões de informações em duplicidade dentro da empresa ou entre empresa e cliente.
Achamos no mesmo pen-drive encontrado com o Sr. Bruno um programa que fazia valores desta conta externa serem transferidos a cada vinte e quatro horas para uma outra conta bancária, os traços da operação eram apagados assim como a conta original debitada. Ainda não sabemos qual o montante do valor subtraído à empresa e aos clientes em por volta de um ano e meio de operação do Troika nem o paradeiro da soma de dinheiro, nem localizamos qualquer das contas fantasma debitadas ou creditadas envolvidas nestas operações. Nossos colegas da Delegacia de Crimes Cibernéticos continuam suas buscas.
Outra informação que temos de nossos colegas da perícia técnica é que o programa Troika em si não contém informação para agir sozinho, ele só pode ser acionado por um sinal externo. Identificamos três ocasiões onde traços deste sinal foram deixados. Não é possível ainda precisar exatamente qual a natureza deste sinal ou de onde exatamente provém, mas nossas buscas estão adiantadas. Podemos apenas garantir que não envolvem o Sr. Adriano Sulzbach.
Para nós aqui importa apenas que os paus que eram verificados na empresa se davam por conta disso. Os técnicos de TI do Departamento de Investimentos já têm mandado judicial para inutilizarem este programa e instalarem outro, seja o antigo, seja outro que adquiram da matriz, a critério da administração da empresa.
Quanto ao Sr. Bruno Trevori, além de ter acompanhado de perto todo o desenrolar das descobertas relativas ao programa malicioso, supomos também que tenha entrado em contato com informações importantes acerca desta operação de seus perpetradores. No dia em que foi ameaçado, tomado de assalto e agredido por três indivíduos, provavelmente a mando de alguém, tinha ido conversar com a Srta. Giselle Facchini, ex-funcionária da empresa, que lhe forneceu dados importantes sobre o caso. O que a Srta. Giselle informou, porém, não era em si dado suficiente. O Sr. Bruno deve ter entrado em contato com dados mais relevantes, talvez reunindo em si todo o panorama do estelionato, o que justificou que fosse vítima de homicídio, como queima de arquivo.
Graças à contribuição do Sr. Adriano Sulzbach, que em muito nos ajudou com sua investigação particular apesar da nossa desaprovação de que o fizesse, tivemos acesso a outras informações relevantes.
A Srta. Giselle Facchini testemunhou que o Sr. Renato Saad mantinha relacionamento amistoso com a a Srta. Erica Bernardes, ex-namorada do Sr. Adriano, às escondidas de todos. O Sr. Igor Monteiro informou também que o Sr. Bruno lhe havia referido o fato de que o Sr. Renato possuía conta nas Ilhas Cayman. De acordo com nossas averiguações, A Srta. Erica e o Sr. Renato possuíam conta conjunta nesta localidade, tendo acumulado a quantia de US$ 35 milhões no último ano e meio. O Sr. Renato relatou à empresa que sairia de férias para Cancún com a família, mas esta informação não procede, pois encontra-se divorciado há um ano. Foi às Cayman junto com a Srta. Erica, sacou o dinheiro e voltaram ao Brasil.
Temos também evidências de que o Sr. Renato estava tentando mudar de trabalho. Sua intenção seria usar o dinheiro que havia guardado nas Cayman e apagar todos os rastros que o ligavam à Hedge, forjando provas que incriminassem o Sr. Adriano. A presença do Sr. Bruno e suas descobertas tinham o poder de arruinar os planos do Sr. Renato e da Srta. Erica, o que justificou que ambos contratassem assaltantes para ameaçar e depois matar o Sr. Bruno. Para completar, foi nesta época que a Srta. Erica veio a saber do relacionamento amoroso que havia entre o Sr. Bruno e o Sr. Adriano, o que ameaçava mais ainda os planos dela e do Sr. Renato, pois isto fazia de Bruno um eixo central de informações e poder.
De outro lado, no dia em que o Sr. Bruno foi sequestrado e morto, há registros de que tenha ligado para o Sr. Adriano e o Sr. Marcelo Arruda. O Sr. Marcelo escutou as ameaças que os sequestradores estavam fazendo ao Sr. Bruno e interpretou como sendo ameaças a ele mesmo. Como já tinha apagado o telefone do Sr. Bruno da sua agenda no celular, não compreendeu que era o Sr. Bruno que estava ligando para registrar a ocorrência.
Todas estas informações devemos à contribuição do Sr. Adriano, Sr. Igor, Srta. Giselle e Sr. Marcelo, aos quais quero agradecer.
Em face destes dados e de outros que ainda não posso revelar, não só não conseguimos estabelecer uma relação clara entre o Sr. Adriano e os crimes, como muito mais claro temos que há uma nítida relação causal entre os crimes e o Sr. Renato Saad e a Srta. Erica Bernardes. Há claras evidências que apontam para eles como cúmplices e responsáveis pelos dois crimes e falta de evidências ou qualquer motivo que vincule o Sr. Adriano Sulzbach aos crimes.
Desta forma, alivio o Sr. Adriano Sulzbach de todas as acusações a ele imputadas e detenho a Srta. Erica Bernardes e o Sr. Renato Saad, sob suspeita de estelionato e homicídio. Estarão reclusos por enquanto, a partir de hoje até que tramite o processo. Serão indiciados pelos crimes mencionados.
O 96º. Distrito Policial encerra aqui seus trabalhos e passa à Delegacia de Crimes Cibernéticos e ao Poder Judiciário a condução do caso. A empresa poderá voltar a operar normalmente. Muito obrigado por sua atenção”.
Adriano estava extasiado. Emocionado. Livre! Finalmente era oficial. E o melhor de tudo: os fatos haviam sido expostos pelo Delegado em presença de todos, o que dava uma certa autoridade a eles. O fato de ter sido feito desta forma daria a Adriano a possibilidade de recuperar o respeito da empresa, o que era muito saudável.
Foi agradecer muito ao Delegado por ter procedido desta forma, cumprimentou-o acaloradamente por sua competência e colocou-se à disposição para qualquer outra coisa que viesse a necessitar. De tão emocionado que estava chegou a oferecer um jantar para o delegado e quem mais quisesse levar da equipe, como agradecimento.
Da mesma forma muitos dos funcionários da empresa, se por um lado ficaram chocados ao ver Renato ser levado pela policia de forma um pouco truculenta, foram felicitar-se com Adriano por ter sido aliviado das queixas. Adriano recebeu vários abraços calorosos de Amanda, Helena, Michelle, Otávio, Thiago, Carolina, Alexei, Rafael, entre muitos outros, aos quais retribuiu fartamente. Mais curioso mesmo era que ali estava outro Adriano. Cumprimentava a todos com emoção, com os olhos cheios de lágrimas, agradecendo a cada um de seus funcionários por acreditarem nele. Olhava-os nos olhos e dizia sempre “Muito obrigado”. Realmente, haveria outro Adriano a partir dali.
Finalizada toda esta história, Adriano voltou para casa satisfeito. Tinha conseguido o que queria. Retomaria seu trabalho na Hedge assim que possível, embora agora as coisas fossem um pouco diferentes. Estava mesmo pensando em como as pessoas reagiriam a um novo Adriano. Como seria ser este novo Diretor, mais próximo, mais humano? Além do que, pormenores de sua vida já eram conhecidos do time, o que envergonhava um pouco Adriano. Estava imerso nestes pensamentos quando seu celular apitou com uma mensagem de torpedo. A mensagem dizia:
“Adriano, sai na varanda e olha na esquina, na mureta debaixo da luz. Vou acenar para você. Pode vir me encontrar? Não posso aparecer aí. Bruno”.
Adriano quase caiu de costas. Saiu voando para a varanda, meio que se esgueirando com medo de ser um outro bandido mirando nele, olhou e viu Bruno acenando da esquina. Era ele mesmo! Bruno!
PARTE I
CAPÍTULO 51
Adriano desembestou prédio abaixo como um louco. Chegou a passar-lhe pela cabeça que poderia ser um truque de algum outro bandido envolvido nos crimes para atraí-lo e fazer alguma coisa, mas o que havia visto era real. Bruno estava mesmo vivo. Impossível não ser ele. Tinha conferido bem, era o Bruno mesmo.
Tomado de emoção atravessou a portaria e correu até a esquina, onde Bruno o esperava com ar meio preocupado e querendo evitar chamar muita atenção.
Adriano primeiro olhou, viu e constatou. Era Bruno mesmo. Perfeito, vivo, recuperado, nem estava machucado. Primeiro tentou balbuciar alguma coisa, palavras de espanto, mas as palavras nem saíam, enrolavam na garganta, sua expressão era de incredulidade. A figura de Adriano compunha um quadro patético de perplexidade, parecia estar vivendo o inconcebível, o inverossímil.
Já Bruno aparentava desconfiança, receio, temor.
Adriano abraçou Bruno com força, perguntava se era ele mesmo? Como poderia ser? Como? Um fantasma? Um milagre?
“Adriano, calma, eu não morri, foi tudo um acidente. Vou explicar, mas corro perigo. Precisamos conversar com calma. Aqui não pode ser. Estou refugiado em um lugar, você pode vir comigo? Se não puder hoje a gente vai outro dia, mas aqui não posso ficar. Só quis vir te ver. Fiquei sabendo que você foi liberado hoje das acusações e que o delegado está na pista certa. Então achei uma hora boa pra te procurar. Agora você vai entender. Mas não pode ser aqui”.
Adriano ainda não acreditava:
“Bruninho meu lindo que milagre é esse”?
Adriano começou a abraçar Bruno e começou a chorar. Abraçava Bruno com tanta força que quase o esmagava. Chorava fundo, como se tivesse sido aliviado de uma pena de morte. Abraçava e passava os braços pelas costas de Bruno de cima abaixo, como querendo engoli-lo com os braços. E chorava copiosamente. Em um só dia todo o pesadelo se desfez – as acusações foram relaxadas e o seu amor voltou. Era um milagre?
Bruno insistiu: “Adriano, temos que sair daqui. Você vem comigo para o meu esconderijo ou prefere que seja outro dia”?
“Vou já meu lindo, nem acredito, vou já. Como você quer fazer”?
Na fala de Adriano havia algo de descontrolado, falava ainda totalmente fora de si, perplexo, embaralhado. Bruno percebeu e imaginou que teria que tomar rédea da situação, por hoje, para o bem dos dois.
“Adriano, vem comigo, vou te explicar”. Disse energicamente. “Você pode vir e ficar? Tem que trabalhar amanhã”? Bruno falava firme, mas estava com olhar desconfiado, sempre sondando os lados, alerta como um gato no escuro. Falava baixo, nervoso, querendo ir embora, estava com medo de ser vigiado ou flagrado.
“Eu teria que ir sim, mas claro que não vou. Para quem ficou quase dois meses sem ir, o que é um dia? Amanhã eu ligo e dou uma desculpa”. A fala de Adriano era descontrolada, enfática, emocionada. “Quero te ver, saber o que aconteceu com você, que alegria que você tá vivo meu lindo, nem acredito! To muito feliz, ainda nem acreditei, acho que devo estar sonhando”.
“Ok, então você quer ir como? Acho melhor irmos de táxi, não com seu carro, depois explico o porquê. Pega suas coisas, não vou subir com você. Ou melhor, vamos direto, não pega nada, você volta amanhã. A gente vai daqui, te conto, depois você dorme e amanhã você volta de táxi também. Tem dinheiro aí com você? É longe, vai sair caro”.
“Tenho”.
“Então vamos achar um táxi”.
Tomaram o táxi e no caminho, à medida que Adriano ia perdendo a perplexidade e recobrando a razão, perguntava de Bruno o que havia acontecido e onde ele estava. Bruno, ainda resistente, dizia que preferia chegar a seu destino para explicar tudo. Adriano acariciava e abraçava Bruno dentro do táxi mesmo, pedindo desculpas ao motorista e já se explicando que era um irmão que ele não via há muito tempo. Depois, com a própria fala, algo lhe passou pela cabeça e perguntou baixinho para Bruno se teria um irmão gêmeo, ao que Bruno respondeu dizendo que não, com uma virada de olhos com o sentido de dar a entender que a pergunta era absurda.
A corrida foi longa, mais de uma hora e meia. Bruno estava hospedado na casa de uma amiga que morava na Riviera de Guarapiranga, dentro do parque Estadual de Guarapiranga, à beira da represa do mesmo nome. Uma região longínqua dentro do município de São Paulo e também muito inóspita. Um lugar realmente perfeito para quem quer esconder-se do mundo. Depois de fazerem seu caminho por toda a marginal Pinheiros, viravam na Avenida Guarapiranga até o final desta, tomando a estrada da Riviera até chegar ao condomínio. Passada a entrada do condomínio não havia alma viva. Logo após a entrada havia as luzes acesas de uma casa de saúde de umas tais Irmãs Hospitaleiras, para pacientes com problemas mentais, bem adequado. Em seguida já não se via nada, sequer uma luz acesa. A desolação do local era total. Chegavam à noite já. As ruas eram de terra, muito esburacadas, não havia iluminação, poucas casas, pouca gente, mal daria para acreditar que era São Paulo. Parecia um lugar ermo e desabitado. A impressão é que se alguém se perdesse ali dentro jamais voltaria à civilização. Foram chegando perto da casa da amiga de Bruno, já próximo ao final do condomínio e às beiras da represa.
Tocaram a campainha em uma casa deserta no meio daquele local deserto, no final de um caminho deserto. Não havia nem luz, era um breu desgraçado. Alguns cachorros vieram averiguar com latidos e a dona da casa saiu solícita, vindo receber seu hóspede e seu convidado. Prendeu os cachorros e fez Adriano e Bruno entrarem. A menina se chamava Tatiana.
“Então você é o Adriano? Muito prazer em conhecê-lo”!
“O prazer é meu”! Disse Adriano amistosamente. “Agradeço desde já por você ter recebido e acolhido o meu queridão aqui por este tempo”.
“Ah, imagine! Adorei fazer isto. Gosto muito do Bruninho e sinto um prazer imenso em ajudar ele a resolver esta trama e escapar desta ileso. Fiquei sabendo que você foi inocentado hoje, fico muito feliz por estar fora desta loucura”.
“Ainda nem sei direito do que se trata”.
“Vamos explicar tudo, não se preocupe. Vou preparar o jantar enquanto o Bruno vai conversando com você, já me junto a vocês ok”?
“Ah, fica à vontade”!
Tatiana mostrou a casa: era imensa, tinha uma cozinha, por onde entraram, um corredor que dava para uma sala muito grande e para os quartos. Bruno e Adriano ficaram na sala, que abria para uma varanda muito agradável com vista direta para a represa. A sala estava decorada de forma moderna e ao mesmo tempo rústica. Tinha uma lareira, já providencialmente acesa, pois fazia muito frio ali, e a varanda acompanhava toda a extensão da sala, o que era possível de ver porque tinha janelas amplas de vidro. A varanda era de tábuas de madeira e tinha cadeiras de vime e mesas redondas de tampo de vidro e pés de vime.
Primeiro Bruno levou Adriano para dar uma olhada no local pela varanda. Realmente era um local lindo, a varanda terminava em um terreno íngreme que já dava quase direto para a represa. Eles ficaram um pouquinho lá e logo voltaram para a sala, pois fazia muito frio. Adriano estava louco para ouvir a explicação.
“Bom Adriano, em primeiro lugar você deve querer saber sobre o sequestro relâmpago, né? Foi muito simples. Eu ainda tava meio dopado dos remédios mas acabei acordando com tanta adrenalina. Eram três carinhas, um deles rendeu o Marcelo e ficou segurando ele, depois jogou ele longe enquanto os dois outros me empurraram para dentro do carro. Um dos caras dirigia, eu fiquei sentado no banco do passageiro enquanto o cara com a arma estava no banco de trás, apontando a arma para mim por através do banco. O cara que estava com a arma me pediu o relógio e eu dei, ele colocou no pulso dele.
Nós andamos por muito tempo, por lugares que eu não conheço. Enquanto andávamos eles me ameaçavam e diziam que iam me matar, que a coisa pro meu lado não tava boa. Eles tavam muito esquisitos e nervosos. Só que eles também tavam dopados e não era de tranquilizantes nem anestésicos. Acho que devia ser cocaína. E tinha uma coisa balançando no banco de trás e batendo, parecia o som de um recipiente que depois eu averiguei que era um galão com gasolina. Acho que eles queriam me queimar.
A coisa começou a ficar preta, porque a gente foi chegando em uns subúrbios de dar medo, cada vez mais desertos. Uma hora o cara do banco de trás, o da arma, deu um tilt. Ele começou a tremer e balbuciar, acho que começou a ter uma convulsão. Ele caiu ali no banco de trás mesmo. O outro tava dirigindo, não podia fazer muita coisa. Deu um tempo mínimo, o tempo de ele conseguir parar o carro nessa rua bem deserta que a gente tava andando naquele momento, mas eu já tinha achado a arma, que tinha caído no chão logo atrás do banco que eu tava sentado. Eu comecei a apontar a arma para ele, ele ficou nervoso, veio pra cima de mim tentar arrancar a arma e eu disparei. Não pegou nele, mas ele ficou mais nervoso ainda, só que eu tava livre, saí do carro. Ele ia sair do carro pelo outro lado, acho que queria arrancar a arma de mim, eu atirei de novo e o tiro pegou no galão de gasolina, que começou a vazar, porque dava pra sentir o cheiro da gasolina. Na hora ele começou a se afastar do carro e jogou um isqueiro aceso pra dentro, só que eu já estava a uma distância segura e comecei a fugir. Ele deve ter fugido também, não sei pra onde ele foi.
Ainda quando eu tava correndo eu escutei uma explosão pequena, olhei pra trás e o carro estava pegando fogo. Pelo que soube queimou quase inteiro. O cara que tinha desmaiado lá dentro pelo jeito foi carbonizado. E eu fugi para bem longe, muito assustado, não sabia para onde ir, tinha medo de contatar qualquer pessoa, pensei na Tatiana e liguei pra ela. Sabia que ela morava aqui, que é um lugar bem protegido, onde seria impossível de me encontrarem. Desde esse dia estou aqui, escondido me recuperando”.
“Hmm, isso explica como você está aqui, o carro queimado e o corpo com o relógio, mas tenho duas perguntas: porque o Marcelo identificou o corpo como sendo você e o que eram aquelas provas que estavam lá, pen drive, CD etc. na mochila”?
“Não tenho resposta para essas coisas Adriano. O Marcelo errou, isso é certo. Acho que ele se baseou muito no relógio. Eu vi no depoimento dele”...
“Como assim eu vi no depoimento dele? Como você sabe essas coisas”?
“Eu to acompanhando de longe. No começo a Tatiana me ajudava, mas faz duas semanas resolvi ligar para a Carol, depois para o Alexei. Depois apareci para você. Vou explicar tudo. Mas, voltando, acho que o Marcelo se baseou pelo relógio, e também o corpo, além de carbonizado, estava já com dois ou três dias de decomposição, devia estar começando a inchar, por isso ele achou mais parecido comigo que com os assaltantes, que eram muito franzinos e eu sou mais forte. Quanto ao pen drive e CD, deviam estar no porta malas, pois eu não vi nada disso. Acho que eles iriam plantar essas provas pra te incriminar. Como estavam no porta malas dentro da mochila e o carro não queimou inteiro, esses materiais não queimaram – é tudo o que eu posso pensar”.
“E você tava acompanhando o caso de perto”!
“No começo não, estava muito assustado, só queria sumir, queria sumir do mundo, não queria saber de nada, fiquei hibernando aqui com a Tatiana. Ela me ajudou muito, agradeço muito a ela, eu não queria saber de nada, estava chocado. Depois fui retomando, soube que estavam te acusando de estelionato e homicídio e resolvi agir. A Carol me contou sobre o Delegado ter te liberado, incriminado o Renato e a Erica, então achei boa hora para te procurar”.
“Era tão fácil, você poderia ter me ligado, eu achava as peças que estavam faltando para prender o Renato e a Erica e pronto. Você sabe que tudo acabou, não sabe”?
“Adriano, você não entende, não é só isso. Isso é uma parcela ínfima do crime de estelionato. Você não faz ideia né? Eu estou te procurando agora porque as luzes estão sobre o Renato e a Erica. Ok, eles são culpados sim, eles receberam uma “gorjetinha” para deixar o programa agir. Mas não é nem de longe o grosso da coisa. Quando a polícia fizer as contas de quanto dá esse um por cento e cair em si vai se espantar, é muito mais que os US$ 35 milhões que tinha na conta das Cayman. Chega a bilhões de dólares. Onde está o resto”?
“Hãm”??
“É Adriano! Você não fez as contas? E por que motivo você acha que eu quase fui morto? Ainda acha que é por aquelas coisas miúdas que o delegado expôs hoje”?
“Ué, não foi por isso? Entendi que era o Renato quem estava te ameaçando... O que a Giselle te contou aquele dia”?
“O Renato até pode ter sido quem mandou me ameaçar com a surra. Mas acho que não foi ele quem mandou me matar. A Giselle contou coisas banais, tudo o que você sabe, coisas sem importância, por isso ela está viva. Ela não sabe nada. Aquele dia, depois que eu voltei do almoço com a Giselle, por uma coincidência fui parar o carro numa ruazinha, porque não estava encontrando estacionamento em lugar nenhum, e escutei uma voz conhecida. A voz era conhecida, mas a língua não. Fui bem quieto ver de perto quem era. Fiquei parado escondido atrás de uma pilastra e vi o Luiz falando no telefone com alguém. Ele tava falando em russo. Eu conheço o som da língua russa, identifiquei na hora. Não entendi o que ele estava dizendo em russo, mas depois ele desligou e ligou para outra pessoa, falando em português. Falou que outro disparo tinha sido dado e deu a data e outros dados de conta bancária, depois disse que tinha falado com a Rússia e pedido para darem um tempo, porque a polícia estava investigando e a coisa ia ficar perigosa para ele. Eu investiguei isso depois junto com o Alexei, que fala russo também, Adriano. O Luiz não é Luiz, ele é Ilya Nemov, um imigrante russo-brasileiro, é ele o responsável por permitir o sinal de emissão. O grosso do dinheiro vai para a máfia russa. Depois explico. O Renato é só um cúmplice baixo-clero que recebe para ajudar a apagar o rastro. A Erica tirava informações de você. Eles iam fugir. O Troika não é o programa que emite o dinheiro, existe um outro programa ou pessoa que emite o dinheiro, mas não sabemos quem é. O Luiz falou em “A Entidade”, eu não entendi se é um programa ou uma pessoa.
Quando o Luiz, melhor, Ilya, desligou, ele olhou e deu de cara comigo. Disfarçou, mas aquele lá é bandido mesmo. Contratou alguém para me apagar na hora. Primeiro ameaçar, se foi ele, depois matar mesmo. Eu já estava sendo inconveniente por me aproximar de você. Quando ele viu que eu tinha escutado queria me ver morto logo. Entendeu”?
“Cara, to bobo. Então é isso”!
“É. Tenho pedido a ajuda do Alexei, ele eu e a Tatiana estamos fazendo uma pesquisa com os programas. Precisaria de um laboratório de informática, mas já deu pra descobrir que este programa deve estar distribuído pelo mundo. Em países com forte aporte de capitais, como tem sido os BRICs, a regulamentação é mais frouxa e o capitais abundantes, mercados hiperaquecidos, o programa está levantando altíssimas somas de dinheiro para a máfia russa. Só não conseguimos descobrir quem emite o sinal, e para onde o dinheiro vai. Ou seja, temos o meio do caminho, mas não temos o início nem o fim”.
“Estou me sentindo no meio de um filme de espionagem”.
“Pois é. Entendeu agora o tamanho e o perigo da coisa e por que eu não retornei, depois que descobri? Não é só um estelionatozinho do Renato e da Erica”!
Neste momento entrou a Tatiana e falou:
“Bom gente, agora que já conversaram bastante, vamos comer e depois a gente continua”.
Tatiana tinha preparado um jantarzinho simples porém gostoso. Adriano estava com fome depois deste longo périplo por lugares distantes do Sul do município de São Paulo e depois desta história surreal. Apesar da situação meio absurda, ele estava muito feliz e confortável. Feliz por Bruno estar vivo e confortável porque o lugar era muito gostoso mesmo. O friozinho que estava fazendo ajudava ainda mais na sensação de conforto e aconchego. Eles começaram então a comer e conversar os três.
Comeram o frango com batatas que Tatiana tinha preparado, depois foram conversar no friozinho da varanda. Bruno emprestou um agasalho a Adriano, pois estava muito frio mesmo e ele tinha vindo despreparado. Sentados os três ao redor de uma mesinha, bebendo chá de camomila e conversando, a atmosfera estava muito agradável. A vista por sobre a represa acrescentava um item de extrema beleza natural à cena.
“Muito lindo o lugar Tatiana, mas não é muito longe”? Perguntou Adriano.
“É longe mas compensa por esta vista que você está gostando tanto. Eu gosto muito da natureza, é uma maneira de viver em uma metrópole e ainda assim estar em contato com a natureza. Como não utilizo horários de pico, não pego tanto trânsito. E de quebra sirvo de refúgio para amigos em perigo”. E deu uma risadinha.
Desta forma Tatiana começou a contar sua parte na história, como ela tinha acolhido Bruno por todo este tempo e como tinha sido acompanhar de longe uma situação assim difícil. Ela tinha se mostrado uma verdadeira amiga. Adriano suspeitou que ela tinha também uma paixãozinha enrustida por Bruno. Bem verdade era que havia contribuído muito para a solução dos dilemas. Tinha muitos conhecimentos de ciência da computação. Trabalhava na central de segurança de um grande banco, conhecia mais que ninguém a linguagem dos vírus, senhas, programas de transferência de dinheiro, fraudes, transações ilícitas e tudo o que a isto se refere. Sabia tudo o que um bom hacker sabe, mas estava do outro lado. Foi uma coincidência feliz, pois assim tinha podido ajudar Bruno, que não era tão versado.
Tatiana contou que no começo Bruno estava muito deprimido, ainda um pouco machucado, não saía muito de casa. Precisou até ser examinado e tratado por um médico amigo dos dois. Com o tempo foi se recuperando e, apesar de sempre mencionar que sentia muita saudade de Adriano e muito pesar em vê-lo responsabilizado por crimes que não tinha cometido, Bruno começou a ter mais vontade de fazer coisas. A motivação vinha também da vontade de ajudar a elucidar o funcionamento do vírus.
Para este fim contaram com a colaboração silenciosa de Alexei. Bruno tinha ligado para Alexei um dia à noite para pedir sua ajuda. Alexei tinha ficado muito desconfiado e assustado, mas Bruno pediu segredo e pediu para encontrá-lo em uma padaria ali perto – na verdade não tão perto – ficava na Estrada da Riviera, bem antes da entrada do condomínio. Bruno foi ao encontro de Alexei, acompanhado de Tatiana, e explicou a Alexei tudo o que tinha acabado de explicar a Adriano sobre o dia em que tinha sido sequestrado. Em seguida pediu a Alexei que os ajudasse a desvendar a natureza do vírus e das operações, pois precisavam da ajuda de alguém lá dentro. Alexei concordou em ajudar e em não dizer nada a ninguém. Tatiana conseguiu até usar algumas instalações do banco como laboratório de informática. Desta forma eles acabaram descobrindo tudo sobre o Troika e tudo o que não era parte do Troika.
Nesta hora Bruno pediu desculpas a Adriano por não ter avisado antes, mas a participação deste quebraria o segredo justo com a pessoa central do crime naquele momento e poderia estragar a investigação sobre a informática da coisa, inclusive colocando Adriano em risco. O fato de a polícia ter responsabilizado Adriano estava enganando Luiz, que não agiria. Além do que, eles tinham certeza de que não demoraria muito. Adriano acrescentou que tinha sido difícil, mas ele também tinha contribuído durante este tempo, agindo por conta própria.
Depois desta noite bem agradável, Tatiana, que já tinha convidado Adriano para ficar e dormir lá, insistiu no convite:
“Você não vai querer voltar sozinho de táxi a esta hora, não é? Dorme aqui, tem lugar para os dois, você aproveita para matar as saudades do Bruno e volta amanhã, eu te levo, o que você acha”?
“Bom, acho que vou aceitar sim Tatiana, não dá mais para ir embora, eu nunca ia achar o caminho. Vou ficar por aqui e amanhã voltamos para a civilização”. E deu uma risada.
CAPÍTULO 52
No dia seguinte acordaram os três, Tatiana foi para o trabalho e Adriano, contrariando o que havia dito na véspera, não a acompanhou, mas ficou com Bruno. Saíram para um passeio no condomínio. Havia poucas casas nesta parte do condomínio onde Tatiana morava. As ruas eram de terra. Ainda havia um resto de resto de névoa matinal e orvalho sobre as folhas das plantas. O clima lembrava o ar da montanha, parecia Campos do Jordão. Realmente, um certo paraíso dentro de São Paulo, não era um sacrifício estar ali refugiado.
Adriano e Bruno passeavam e combinavam o que iriam fazer. Antes de Bruno aparecer para a polícia teriam que provar alguma coisa sobre Luiz, ou melhor Ilya, pois a proteção policial já tinha se mostrado falha antes. Era melhor que estivessem mais seguros antes que se soubesse que Bruno estava vivo. Adriano propôs que viria visitar Bruno com bastante frequência, com cuidado para não ser seguido, até que resolvessem algo mais substancioso sobre Luiz, contra quem não tinham prova nenhuma. Depois disso Bruno voltaria a sua vida normal. Enquanto isso Adriano seguiria tentando arrumar a própria vida e recuperar sua imagem dentro da empresa.
Adriano acabou chegando tarde à cidade. Almoçou e foi à empresa depois. Lá chegando, pediu para reunir as pessoas e quis conversar com todos ao mesmo tempo, só que desta vez de uma maneira muito menos formal. Não seria uma apresentação e sim uma conversa. Chamou-os ao auditório de apresentações, o mesmo no qual tinha apresentado os novos contratados tempos atrás, e falou com todos em tom amistoso. Começou brincando que agora era ele quem queria se apresentar como novo funcionário da empresa. Agradeceu pela compreensão, agradeceu por terem acreditado nele e duvidado que tivesse sido ele o autor dos dois crimes, lamentou que houvesse um criminoso ali o tempo todo debaixo de seus olhos e propôs que começassem uma nova era. Disse que esta tinha sido uma boa lição e o velho Adriano, arrogante e distante não mais existia. Agora seria um Diretor presente, comunicativo, não falava mais só com a gerência, quem quisesse poderia acessá-lo a qualquer momento. Suas portas estavam abertas.
Logo após este papo, cada um voltou a seus afazeres e Adriano tentava se readaptar à empresa. Três coisas o incomodavam.
Uma: sua vida pessoal tinha sido exposta. Por melhor que tivesse sido a acolhida, isto era bastante desconfortável para ele. Uma oportunidade para ser uma pessoa mais próxima dos outros, sem dúvida, mas ainda assim desconfortável.
Duas: não conseguia encarar Carol, Alexei e Luiz. Carol e Alexei porque eram amigos de Bruno e ele já sabia o que eles também sabiam – que Bruno na verdade estava vivo. Luiz pelo motivo óbvio: agora sabia quem ele era. O mero pensar dava-lhe arrepios na espinha. Um espião, um criminoso, quem seria este estranho no ninho? Além do mais Luiz era muito esquisito e tinha realmente um olhar maligno. Não sabia dizer se era um olhar de assassino, de criminoso...
Três: tinha a nítida impressão que sua vida na Hedge AG estava com os dias contados. Assim que fosse elucidada a trama, ou melhor, o que faltava dela, e desmascarado Luiz, ele não quereria permanecer ali. Queria mudar de vida. Este terceiro item não tinha nada de concreto, era só um desejo. Depois de uma virada tão brusca na vida, já não estava mais se enquadrando naquele papel. Queria fazer outra coisa, ser outra pessoa. O velho Adriano já não mais existia.
Foi em meio a estes pensamentos que Adriano rearranjou sua sala com pouca vontade, encerrou seu dia e rumou para casa para descansar. Pensava o quanto os últimos tempos tinham sido tumultuados e o quanto isso cansa. Pensava quanta coisa absolutamente nova tinha vivido nos últimos meses, que não pensaria para o espaço de uma vida inteira. Pensava que ainda faltava o principal para ser resolvido e, finalmente, depois de resolvido, o que faria ele? Estava perdido, aos quarenta e dois anos. Sua vida recente passava por diante de seus olhos como um filminho: a vida tola que levava com Erica, seus amigos e as aventuras adolescentes com mulheres, depois a paixão fulminante com Bruno, incluindo o primeiro passo de negação e constrangimento, depois o impacto de dois crimes de forma violenta, depois um interlúdio em meio às chamas – que tinha sido o tempo em que saía com os amigos do Bruno e vivia uma vida adolescente de descoberta de sexualidade alternativa, e agora o ressurgimento de Bruno vivo – era muita coisa para um período de tempo tão breve.
Esta noite Adriano demorou muito para cair no sono. Muitos pensamentos rodavam em espiral sobre sua cabeça, atormentando-o. Não conseguia parar de pensar, mas tampouco chegava a qualquer lugar. Só sabia que até agora nada tinha sido planejado, então o melhor mesmo seria não planejar e deixar-se levar pela maré forte da vida, já que ele tinha sido tão impotente para governar este barco durante tanto tempo, mas ainda estava vivo e bem.
No dia seguinte também não quis ir de manhã à empresa. Passou na delegacia para procurar o Delegado. Queria saber se o dinheiro roubado por Renato havia sido achado. Usaria isto como pretexto para saber se o Delegado já tinha alguma pista sobre a verdadeira extensão do desfalque e sobre a verdadeira natureza do crime de estelionato. Se teria ideia de que Bruno estava vivo, se teria ideia de que se tratava de um crime internacional... Eram tantas coisas que o Delegado não havia registrado na reunião do dia anterior, Adriano se questionava se o Delegado tinha noção disso tudo e mantinha em segredo por condições melhores de investigação, ou se na verdade não tinha grandes pistas. Na verdade eram dois crimes diferentes, pensou para si mesmo. Era como se o crime elucidado pelo Delegado não fosse o crime acontecido.
Quando lá chegou, o Delegado o recebeu com a frieza usual, perguntou se já não estava satisfeito com o fato de estar inocentado dos crimes e que interesse adicional teria no caso. Adriano teve que disfarçar tudo o que sabia e tudo o que sentia, pois era óbvio que tinha interesse no caso, desejaria que fosse só com relação a Renato, pois então estaria livre de questões que dissessem respeito à empresa e à sua pessoa. Mas além disso havia o problema de Luiz e do estelionato ter uma proporção maior e internacional, isto, porém, não poderia mencionar. Saiu decepcionado. O Delegado nada esclareceu, só explicou que o crime agora estava sob responsabilidade da Delegacia de Crimes Eletrônicos, no Carandiru.
Bem, se o caso realmente estivesse sendo investigado só por uma delegacia regional e não pela Polícia Federal, já se poderia inferir que não havia a noção da gravidade do caso. Mas seria isto verdade ou só mais uma das simulações do Delegado? Esta investigação poderia estar correndo de forma sigilosa. Enfim, Adriano saiu frustrado.
Almoçou e foi para a Hedge. Lá passou a tarde procurando reaproximar-se dos antigos afazeres, recolocar a empresa em ordem, inteirar-se de novos clientes e averiguar o que tinha sido feito dos antigos, principalmente aqueles que tinha deixado em estado suspenso em virtude das dificuldades que havia começado a levantar com Bruno antes de todos os incidentes. Tentava passar para a empresa que teriam que recobrar a confiança, deixar claro a gestores de fundos, investidores e os demais que haviam sido vítimas de um golpe cibernético mas que agora a empresa estava reestruturada, havia contratado uma equipe especializada em segurança para transações eletrônicas (isto havia sido feito durante a breve gestão de Otávio) e tocar a barca. A empresa não deixava de se surpreender com um Adriano ativo, próximo, presente. Sob os olhos assombrados de todos, Adriano vinha às baias de Leda, Marina, Christiano, Guilherme e tantos outros de Fundos, perguntar a cada um deles, com um sorriso amistoso no rosto, como estavam as prospecções e como estava cada fundo. Perguntava, pedia para ver os gráficos, aquele Adriano que antes vivia em um pedestal agora frequentava realmente o ambiente de trabalho de todos.
A mesma coisa para Clientes, um Adriano mais cordial conversava com Vanessa, Arthur, Erik, Paula sobre os clientes, inquiria um a um sobre os antigos clientes problema, contava coisas que sabia sobre eles de antes dos crimes.
Da mesma forma participava do ambiente de trabalho do TI, conversando com Rafael, Priscila, Giovanna, Anderson, Diogo, Ricardo, e com os novos contratados para a segurança, Fernando e Ângelo. Neste departamento prestava especial atenção e frisava que não quereriam que acontecesse de novo a mesma coisa. Dizia isto sem olhar para Luiz, pois temia represálias se ele desconfiasse que ele já sabia de tudo.
Também evitava um contato muito maior com Carolina ou Alexei.
Este novo Adriano estava começando a transformar o ambiente da empresa como um todo. Parecia que sob uma chefia mais presente, as picuinhas de pequenos grupos desfaziam-se, criando uma real atmosfera de time, que agora passaria a não estar mais só nos discursos ou no papel.
Mas tudo isso parecia muito superficial agora para ele. Ao sair da empresa foi para a academia para espairecer e sentia não poder estar acompanhado de Bruno. Voltou para casa querendo falar com Bruno e pensando em que fim dariam àquela situação.
Assim que chegou em casa ligou para a casa de Tatiana, para evitar ligações para celulares. Falou com Bruno e combinaram de ver-se logo mais, no fim de semana, Adriano passaria o fim de semana lá na Riviera com Bruno, a convite de Tatiana. Tinha em mente discutir com Bruno um plano para acabar com este desconforto.
CAPÍTULO 53
Bruno sentia-se seguro, a estas alturas, no condomínio com Tatiana. Já havia se acostumado à sua vidinha quotidiana, tinha uma rotina vazia porém constante. Levantava, passeava, depois preparava o almoço tentando aprender a cozinhar alguma coisa, já que a culinária nunca tinha sido uma de suas habilidades. Depois tentava contribuir de alguma forma para tentar traçar o caminho do dinheiro. Comparava padrões, pesquisava caminhos nos sistemas, sondava linguagens e algoritmos tentando estabelecer algum vínculo entre contas e pessoas, para achar neste quebra-cabeças alguma peça que os levasse ao paradeiro do montante total do dinheiro ou aos articuladores do total do desfalque, que deveriam ser os mandantes de Ilya Nemov. Depois de sua lição de casa diária, que Tatiana e Alexei corrigiam à noite, ele ia a uma academia do bairro. Logo depois de recuperar-se fisicamente, o amigo médico o havia liberado para a prática esportiva, o que ele achou bom nos dois sentidos. Para manter-se ocupado, falar com outras pessoas (adotando um nome falso) e também para manter-se em forma. Aliás, com tanto tempo livre e uma vida mansa, Bruno estava forte como jamais havia estado, para felicidade e prazer de Adriano.
Também parte de sua rotina usual era dar uma passadinha na padaria perto da academia e do condomínio para comprar mantimentos, assim como no emporiozinho ou no supermercado que havia por ali. Era uma forma de retribuir a Tatiana a hospitalidade oferecida. Fazia isso sem se preocupar muito, pois achava que os provincianos habitantes do longínquo bairro não o reconheceriam nem dariam nota de seu paradeiro a ninguém.
Era sexta e estava precisamente em frente ao supermercado, esperando Adriano às sete como haviam combinado.
Adriano chegou para pegá-lo e rumaram então para a casa de Tatiana. Bruno esperava boas notícias, mas ficou frustrado ao saber que o Delegado havia informado a Adriano que não sabia nem sequer onde estava o dinheiro subtraído por Renato. Segundo o delegado, tinha sido feita busca na casa onde Renato morava e não havia sido achado nada. Tinha-se notícia de que a soma total acumulada em por volta de um ano e meio na conta nas Cayman havia sido retirada na volta de Renato ao Brasil, porém não se tinha notícia de para onde teria ido e não era encontrada em nenhum lugar. Provavelmente Renato havia entrado com uma mala de dinheiro no Brasil, mas daí para frente não conseguiam saber.
Bem, só não estavam na estaca zero porque sabiam exatamente quem era o responsável por todo o erro dentro da empresa, e não era Renato. As verdadeiras forças envolvidas no total do caso, porém, permaneciam ocultas. Um total de por volta de US$ 600 bilhões havia escoado como que para um buraco negro, sem deixar rastro. E o que Adriano e Bruno conseguiam ver a estas alturas era apenas a ponta de um iceberg.
Depois de Adriano chegar, os dois foram para dentro do condomínio, para a casa de Tatiana. Repetiram a dose da vez anterior, fizeram seu jantarzinho, conversaram juntos os três por muito tempo e depois foram dormir. Adriano estava muito feliz por ter reencontrado Bruno, na verdade sua vida estava confortável de novo, mas sentia muito por Bruno, cuja vida ele achava não estar muito confortável. Bruno não se queixava, muito pelo contrário, parecia ter-se adaptado muito bem a sua nova rotina, mas Adriano, prático que era, não se conformava em ver esta situação mal resolvida. Por quanto tempo duraria uma pendência como esta? Ainda mais que envolvia risco para Bruno e, agora, para Adriano também. Não, isto tinha que ter um fim.
No dia seguinte estavam eles caminhando pelo condomínio quando Adriano parou um pouco, pensativo. Bruno logo perguntou:
“O que está pensando Adriano”?
“O que você pretende fazer Bruno? Vai passar o resto da vida escondido”?
“Claro que não, mas tenho que esperar esse assunto andar. Ou a gente descobre alguma coisa ou a polícia. Se eu simplesmente voltar, se eu aparecer, vão me matar. Eu não vou escapar uma segunda vez”.
“Mas assim esperar não vai dar. Estava pensando em outra coisa”.
“O que foi”?
“Bruno, acho que acabo de ter uma ideia”.
“E qual é”?
“Bom, a polícia daqui não está nos ajudando muito, não é”?
“Não. Ou não querem dividir”.
“Pois é. Mas o Troika foi comprado pela matriz em Frankfurt. Eles devem saber de tudo o que ocorreu no Brasil. Óbvio que não adianta eu perguntar a eles de quem eles compraram o programa, nem saber informações sobre isso. Mas e se a gente tentasse saber por outras vias algumas informações da Alemanha, não aqui do Brasil”?
“Tipo entrar nos sistemas de lá”?
“Exatamente. Entrar, buscar documentos, buscar informações lá, e se for o caso contatar alguém de lá”.
“Não fizemos esse caminho pelo simples motivo de que nenhum de nós fala alemão. Mas se você agora faz parte do time de buscas pode nos ajudar”...
“Isso. Vamos tentar”?
“Claro. Vamos incluir o Alexei nesta – e daí teremos que dizer a ele que você já está por dentro de tudo”.
“É, isto é que não me agrada Bruno, porque as coisas ventilam. Se esta informação escapar do controle, minha cabeça volta a estar a prêmio e te garanto que eu não gostei da sensação da primeira vez, mas que fazer? O Alexei é muito discreto não é”?
“É sim, pode confiar. Ele não abre a boca e não deixa escapar. Durante algum tempo ele soube que eu tava vivo e ninguém mais soube, não foi”?
“Está certo. Daí a gente forma de novo um time, ele fala russo e eu falo alemão. Não vai demorar e a gente vai ter que falar com o BND, o Bundesnachrichten Dienst, a polícia secreta alemã. Sabe? Como a CIA nos Estados Unidos? Então. Quem sabe a gente não descobre alguma coisa”.
“Perfeito Adriano, combinado. Vou falar com ele e a gente se reúne assim que possível, longe da empresa”.
No dia seguinte Bruno já ligou para Alexei e combinou uma reunião na pizzaria do bairro. Lá combinariam tudo.
Domingo à noite, na pizzaria, os quatro conversavam e discutiam como fariam os contatos. Podiam conversar à vontade nesta pizzaria, ou na padaria, no supermercado, na academia do bairro, pois o bairro era tão afastado e a população tão provinciana, que jamais sequer entenderiam do que se tratava.
Alexei obviamente topou o jogo, apesar de reclamar, em tom de brincadeira, que a vida dele tinha se transformado em filme de ficção científica nos últimos tempos. Referiu também que tinha um pouco de medo do Luiz. Agora entendia porque ele era tão esquisito, e quase não conseguia mais disfarçar sua desconfiança quanto a ele. Sorte que o Adriano tinha voltado e estava presente para dar uma força lá, porque estava meio difícil aguentar a barra sozinho de dividir a sala com um espião, ou criminoso. Adriano tranquilizou Alexei dizendo que através da Alemanha desmantelariam as conexões criminosas.
Ficou tudo combinado para a semana que começava. Um novo trabalho paralelo começava também para Alexei, Adriano, Bruno e Tatiana. Só que desta vez o cabeça da operação seria Adriano, pela primeira vez.
CAPÍTULO 54
Adriano começou a semana encarando seus dois novos desafios. O primeiro era fácil: continuar a retomada de seu papel como diretor da Hedge. O segundo já mais espinhoso: bancar o detetive, coisa com a qual ele até já tinha uma certa vivência recente, mas não desta forma perigosa. Pela primeira vez estava com medo real. Se Ilya e seu bando o descobrissem, estaria morto ele também. Agora não se tratava de uma acusação infundada de crimes que não tinha cometido. Agora estava tentando cercar criminosos perigosos que não sabia nem quem eram. Não sabia quem eram, quantos eram, onde estavam, o que queriam. Estava cercado de escorpiões e aranhas invisíveis. E quanto a Ilya, não conseguia nem olhar para ele, nem conseguia associar o nome dele a Luiz. Tentava prestar bastante atenção para não dizer Ilya, se tivesse que falar com ele ou sobre ele. Até mesmo seu jeito parecia diferente. Agora que já sabia sobre ele, não entendia se estava sugestionado ou não, mas seu jeito, a maneira de falar, de caminhar, de gesticular parecia estrangeira. De longe parecia ter sotaque. Bobagem, pois o indivíduo era brasileiro, não era russo. Deveria ser filho de imigrantes russos. Mas era brasileiro.
Tirando Ilya, o resto Adriano tirava de letra. Logo na segunda de manhã tinha percebido uma cara estranha em Helena. Chamou-a em sua sala para conversar e ela não estava querendo dizer nada, estava reticente. Com muita habilidade Adriano conseguiu tirar dela.
“É a Vanessa Dr. Adriano. Acho que ela nunca conseguiu aceitar que eu fosse promovida e não ela. Fica me boicotando e tentando me desautorizar, é um inferno trabalhar com ela”.
“Bom Helena, para começar vamos tirar esse Dr. Agora sou só Adriano, ok? Mas vamos chamá-la para conversar”.
“Não Adriano, não quero que soe como fofoca”.
“Então é melhor chamarmos ela agora, se eu fizer algo que não for na sua presença vai parecer proteção ou conchavo. Vamos esclarecer a três”!
Adriano chamou Vanessa e começou a conversar. Pediu que atentassem mais para o trabalho em equipe que para promoções, que a vez dela chegaria e que clima de boicote só atrapalharia uma futura promoção dela. Ele prezava a competição, sim, mas boicotes e panelas não. Candidatos mais fortes à promoção são aqueles que trabalham bem em grupo, que agregam o grupo, não que o dispersam. Com este discurso Adriano queria cortar o mal pela raiz, pois mudando a atitude de Vanessa, que tinha uma forte influência sobre a panelinha contrária, estaria contribuindo para uma maior integração no time como um todo. Amanda já o tinha informado sobre a existência destas duas panelinhas contrárias na empresa, coisa sobre a qual Adriano nunca havia se interessado antes. Amanda até havia ficado surpresa com este novo interesse pelas pessoas que Adriano vinha demonstrando. Aliás, quanto mais união no time, menos sujeito a rupturas, mais difícil ficaria o terreno para coisas como as que tinham acontecido. O estelionato tinha encontrado terreno fértil para brotar num ambiente de pouca comunicação e de inimizade. Mais difícil seria se os membros fossem mais unidos. Em um terreno unido e sem rachaduras, elementos como Ilya teriam menor chance de vingar!
“Quero lembrar-lhe, Vanessa, que com a saída do Renato o time está desfalcado de novo. Tínhamos três gerentes de Clientes e voltamos a ter dois. Logo logo vou precisar de mais alguém, mas não posso promovê-la se continuar a apresentar este tipo de comportamento de dificuldade de relacionamento. Melhore isto e só terá vantagens”.
Bem, parecia um ótimo começo. Tão bom que nos próximos dias outras inimizades foram aparecendo. Começavam a aparecer para seus respectivos gerentes, mas Adriano se encarregava, logo que tomava conhecimento através deles ou de Amanda.
Soube que Márcio, Cecília e Astrid eram pessoas difíceis e que quase todos os outros no departamento de Fundos reclamavam deles. Lembrou-se de Bruno falar deles. Não esperou muito para ter uma conversa com eles junto com Mônica. Adriano estava desarticulando os nós da empresa, finalmente agindo como um verdadeiro líder. Sentia-se muito bem neste novo papel. A empresa crescia em qualidade com uma gestão mais humana. Pena que esta situação tão positiva não fosse suficiente para amainar o medo que estava sentindo do perigo que pairava no ar. Parecia que tinha sido necessária uma ameaça extrema para que outras coisas de menor porte se resolvessem.
CAPÍTULO 55
Ao chegar em casa foi surpreendido com um telefonema inesperado de Igor. Tinha esquecido completamente dos eventos que tinham povoado seu universo mental nos dois meses anteriores.
“Oi Igor, que surpresa”!
“Já esqueceu dos novos amigos Adriano”?
“Desculpe, Igor, sei que está parecendo isso né? Que depois de ser liberado das acusações eu sumi. Juro que não é isso. É que de novo os fatos continuam me atropelando. Mas ia te ligar logo. Quer combinar de jantar um dia desses durante a semana”?
Adriano sentia muito não poder contar a Igor, e não só a Igor mas a todos, que Bruno estava vivo. Mas era para o bem de Bruno.
“Vamos sim, que dia é bom pra você”?
“Pode ser quinta”?
Adriano achou bastante conveniente, pois não interferiria com seu fim de semana com Bruno.
“Ah, pra mim tá ótimo, vamos nos encontrar direto no Sidon”?
“Pode ser. Nove da noite”?
“Ótimo, às nove vou estar lá”!
“Até lá então”.
Em seguida ligou para Bruno para avisar que não telefonasse nessa hora, pois não poderia atendê-lo na frente de Igor.
No dia seguinte, durante o dia, Adriano ficou satisfeito ao perceber o quanto ele se sentia diferente na empresa com esta nova forma de agir. Conversava abertamente com todos, perguntava sobre o que estavam fazendo, as pessoas sorriam para ele ao cumprimentá-lo, não havia mais aquele olhar reverencial. Quem sabe, se tivesse sido assim desde o começo, a aproximação de Bruno não teria sido tão dificultosa? Tampouco teria havido lugar para cobras como Renato. Bem, mas isso em nada mudava os fatos.
Em um dado momento, porém, precisou fazer uma chamada muito especial. Pediu a Amanda que ninguém interrompesse e fechou sua sala. Pesquisou em suas anotações e achou o telefone de Ulrich Münster, um colega de Frankfurt com quem tinha um ótimo relacionamento. Conhecia várias pessoas na Alemanha, mas o Uli era especial. Mais que um colega de trabalho formal, eles tinham se tornado amigos pessoais, até onde se consegue ser amigo pessoal em uma empresa e até onde se consegue ser amigo de uma pessoa em outro continente. Todas as vezes em que precisava de alguma coisa na Alemanha Adriano ligava para Uli e vice versa. Na verdade Uli devia um favor a Adriano, pois tinha estado no Brasil para realizar uns ajustes e relatórios e Adriano o tinha ajudado muito. Quando tinha estado aqui, Adriano tinha saído muito com Uli para mostrar a cidade, tinha-o acompanhado ao Rio em um feriado, enfim, esperava contar com uma boa vontade da parte do Uli e, de quebra, um sigilo germânico, vindo de uma pessoa de alto cargo lá na matriz. Por Ulrich ter influência lá em Frankfurt, Adriano acreditava que ele conseguiria algumas informações. Telefonou para Ulrich, expôs o problema sem chegar a pormenores e pediu de Ulrich se poderia sondar coisas a respeito do programa Troika, quem tinha comprado, quando, onde, de quem, se estava sendo utilizado em outras filiais, etc. Ulrich se prontificou a averiguar discretamente sem levantar muitas suspeitas. Disse que tinha bom relacionamento com alguém na central de TI.
Isto feito, restava esperar.
Na quinta saiu com Igor. Foram ao Sidon e conversaram bastante. Passada a fase de problemas com Adriano, agora era a vez de Igor expor seus dilemas. Começou a queixar-se de que estava se sentindo muito sozinho, que queria encontrar alguém, porém ninguém queria nada sério, procurava encontrar um namorado mas só encontrava transas esporádicas. Adriano começou por dizer que talvez os lugares onde ele estivesse procurando um namoro não fossem adequados, pois as pessoas estão indo lá para divertir-se, não para entabular relações sérias. Comentou bastante sobre a forma como havia conhecido Bruno, que um relacionamento lastreado sobre uma introdução mais sólida tende a ter mais conteúdo, e por aí foi a conversa. Adriano queria ajudar a Igor também, mas não tinha círculo de amigos gays. Aliás, os únicos amigos gays dele eram justamente os que sobraram do círculo social do Bruno. Deu uma força a Igor, a quem percebeu um pouco chateado naquele momento, desabafando, e prometeu que faria alguma coisa. Já cogitava levar o caso ao Bruno quando o visse no dia seguinte e lastimou não poder dizer ao Igor que Bruno estava vivo, que poderiam ir juntos.
Quando saíram do Sidon, Adriano ficou com a nítida impressão se que Igor estava passando realmente por uma fase muito ruim. Apiedou-se dele. Deveria estar deprimido, precisando de companhia. Achou muito egoísmo não tentar ajudá-lo. Chegando em casa ligou para a casa de Tatiana e falou com Bruno.
“Bruno, o quanto você acha que o Igor é discreto”?
“Ah, Adriano, o que você quer dizer”?
“Será que a gente não podia contar pra ele? Ele está meio pra baixo, precisando de companhia. Eu podia levar ele aí amanhã ou no sábado”.
“Não sei não Adriano. O Igor é meio língua solta. Não por querer, mas ele deixa escapar. Vamos pensar. Mas o que ele tem”?
“Ele disse que tá sozinho, parece meio deprê, quer algum relacionamento mas não encontra nada sério”.
“Adriano, desde que eu conheço o Igor ele é assim, fala isso mas não sai da Myst ou de outras baladas. Isso não é novidade. Daí ele arruma um namoro que dura um tanto, curte um pouco, mas logo volta a essa vida. Ok, se quiser trazer ele aqui pode, mas faça com cuidado. Acho melhor a gente discutir isso pessoalmente aqui amanhã e se for o caso a gente chama ele pra vir pra pizzaria e eu apareço. Ou melhor, você chama, né”?
“Tá bom, fica combinado assim”.
Adriano começou a pensar que teria que encontrar um meio de contar ao Bruno sobre sua vida recente com os amigos dele. Ainda não tinha tocado no assunto, mas Bruno certamente viria a saber, então era melhor que viesse a saber por ele. Queria ter a oportunidade de explicar que todas as aventuras que tinha tido eram fruto de uma época emocionalmente desestruturada e desequilibrada. Não que não tivessem significado nada, muito pelo contrário, significaram a adolescência tardia de uma sexualidade que Adriano nunca tinha tido – a adolescência de relações de mesmo sexo. Ele achava até bom que isto tivesse acontecido da forma como foi, assim, se optassem por continuar juntos, Adriano não teria desejos de experimentar coisas que ainda não conhecia. Mas o que tinha conhecido tinha sido farto, intenso e suficiente, estava satisfeito.
Na sexta Adriano foi para a Riviera, jantou com Bruno e Tatiana e contou que tinha telefonado para Ulrich Münster na Alemanha, para que ele começasse a sondar por lá. Quem sabe com a colaboração de todos, Ulrich na matriz e os outros aqui, não conseguiriam desbaratar esta quadrilha, ou seja lá o que fosse, de estelionatários internacionais, livrando a todos das ameaças? Bruno estava tão calejado que já nem se entusiasmava mais, mas não era a mesma coisa com Adriano. Adriano tinha descoberto que grande valia havia em empenhar-se de verdade em ir atrás das coisas. Não se pode fazer tudo, pois a polícia tem os meios, mas pode-se contribuir muito, e isto deixa quem contribui em posição de vantagem e em posição menos passiva de somente esperar o resultado. Queria ir atrás de mais essa.
Conversando melhor com Bruno, ficam convencidos de que seria realmente inconveniente convidar Igor para a Riviera. Adriano ligou para Igor no sábado e propôs que saiam no domingo, combinaram de ir à Shadow no domingo e ao Escapade na quarta.
Quem sugeriu esta combinação foi o próprio Bruno:
“Adriano, assim vocês vão passar em revista todos os nichos sociais da vida gay de São Paulo, haha. A Shadow é bem divertida mas é uma balada bem popular. Tem todo tipo de gente lá. Desde pessoas bem, digamos, periféricas, até pessoas que frequentam os melhores lugares mas gostam de dar uma caída de nível no domingo. A matiné, aos domingos, é famosa e ótima pelas músicas e pelo show. Já o Escapade é famoso por ser conhecidamente requintado, exclusivo, caro e bem frequentado. Mas é só desfile também, porque ninguém fica com ninguém, ninguém fala com ninguém, aquela coisa blasé. Bom vocês irem, acredito que vão se divertir, pena que eu não posso ir. Comporte-se hein? Tudo o que você fizer eu vou saber, o Igor me conta, haha”.
Adriano já tinha contado sobre suas aventuras. Achou por bem contar logo antes que Bruno viesse a saber de terceiros.
No domingo Adriano quis honrar sua palavra. Passou o dia com Bruno na Riviera mas à noite passou para pegar Igor e ir à Shadow. Aproveitou para convidar Caio também, para que mantivessem contato.
A Shadow mostrou-se ser um lugar bem diferente de todos os que Adriano havia conhecido até então. Um antigo cinema reformado, no Bom Retiro. O público era muito misturado, havia gente de todos os tipos lá. A princípio um show pouco interessante para Adriano tomou boa parte do tempo, mas depois a pista ficava liberada para música eletrônica de primeira, ao som da qual ele pôde dançar e divertir-se à vontade, com a vantagem de que era uma matinée e acabava cedo suficiente para dar tempo de se ter uma boa noite de sono antes de um dia de trabalho na segunda feira.
Foi nesta ocasião que Adriano pôde perceber que a atitude de Igor era muito efusiva e divertida, mas daquela forma realmente não conheceria ninguém disposto a um relacionamento do qual ele reclamava sentir falta.
Isto se confirmaria também na quarta feira, quando foram ao Escapade, balada muito mais elaborada e bem frequentada, aliás frequentada por gente tão esnobe e ensimesmada que jamais daria brecha a se conhecer e começar um relacionamento.
Adriano começou a formar um diagnóstico e conversar com Igor a este respeito, pois pensava sinceramente em ajudar ao rapaz.
CAPÍTULO 56
Apesar da ligeira ressaca da balada no dia anterior, Adriano tentava concentrar-se no trabalho na quinta feira. Às voltas com seus afazeres usuais, já mais tranquilo no que concernia a suas fantasias de pânico com o que a vida lhe reservava, chegou a cogitar que, ironicamente, nem poderia imaginar que, poucos meses atrás, quando identificava um certo vazio ou tédio em sua vida, esta sensação seria logo substituída por um trem de vida cheio de aventuras e percalços. Não saberia dizer, a este ponto, qual dos dois preferia. Talvez nenhum dos dois, os extremos são vícios. Quereria buscar um ponto de equilíbrio agora. E o equilíbrio estaria, a seu ver, na resolução do caso que ainda pendia sem solução.
Eis que toca o telefone direto. Era Ulrich. Ele estava ligando para dar novos dados. Adriano atendeu e logo respondeu com animação, perguntando o que tinha descoberto. Sabia que Ulrich só ligaria tão prontamente se tivesse algo a dizer. Coisas da eficiência germânica.
Realmente, Ulrich havia sondado superficialmente ainda, disse que seriam as preliminares de uma indagação mais profunda, mas já poderia adiantar que este programa estava preocupando muito o TI em Frankfurt e que já tinham ordem para substituí-lo em breve. O programa tinha sido comprado de alguma empresa russa que não sabia qual era e, além do Brasil, o programa havia sido disponibilizado para as filiais no México, Argentina, Colômbia, África do Sul, Egito, Turquia, Polônia, Índia, Indonésia, Rússia e China. Até o momento, tinha apresentado problemas no Brasil, México e Indonésia e alguns deslizes menores em outros países. O Brasil tinha sido um dos primeiros países a testar o novo programa, por ser país emergente com sistema bancário desenvolvido, próprio para se testar este tipo de nova tecnologia. Adriano imaginou que nos outros países deveria, sim, estar operando, mas as pessoas ainda não haviam se dado conta da magnitude do desfalque. Ulrich prometeu que tentaria saber se havia alguma investigação já em andamento na Alemanha, mas não poderia inferir nada nos outros países. Adriano agradeceu muito a colaboração.
Logo ao chegar em casa Adriano comunicou a Bruno o que havia descoberto de seu amigo na Alemanha e enfatizou que estava esperançoso de que descobririam algo. Quando tudo viesse à tona, Bruno seria liberado de seu cativeiro inusitado. Pediu também a Bruno que contasse a Tatiana e a Alexei imediatamente e sábado conversariam mais longamente sobre tudo.
O fim de semana chegou rápido. Adriano, Bruno, Tatiana e Alexei reuniram-se no sábado para tentar definir uma estratégia de como agir neste caso. Não sabiam se Adriano, que estava mais incólume e protegido, poderia pedir a ajuda da Polícia Federal, se tentaria informar-se sobre o estado de investigações junto à Delegacia de Crimes Eletrônicos no Carandiru, se continuariam falando em separado com a Alemanha e tentando descobrir por si sós ou se ele, Adriano, entraria em contato com a administração alemã e relataria o caso oficialmente. Eles provavelmente já sabiam e estavam tentando apagar o fogo em silêncio para evitar a má publicidade. Qual seria a atitude a se tomar estava ainda incerta. Decidiram esperar mais um pouco para ver se Ulrich descobriria mais alguma novidade em Frankfurt. Senão teriam que agir de outra forma. Ainda assim, as coisas não estavam tão desconfortáveis para Adriano e Bruno, só incertas.
No sábado, como fazia parte agora de sua nova rotina, Adriano ficou para dormir na Riviera com Bruno. O inverno fazia deste programa uma coisa muito romântica. Faziam seu jantar e o comiam junto à lareira, a casa possuía iluminação baixa, vista bonita, tudo em ambiente perfeito para viver uma grande paixão. Ironia do destino, um incidente aleatório, ocorrido à revelia dos dois e que a princípio seria um inconveniente, tinha-os levado a uma situação de conforto! Era o grande romance que ainda não tinham tido ocasião de vivenciar. Pena que durou pouco. Alguém da comunidade local tinha descoberto quem Bruno era e deu parte à polícia.
No domingo, ao estarem conversando na pizzaria na hora do almoço, subitamente surgiu a figura do Delegado Freitas ao lado da mesa dos dois e disse peremptoriamente:
“Então, Sr. Bruno e Sr. Adriano, vejo que estão os dois muito tranquilos aqui conversando em uma mesa de pizzaria, despreocupadamente. De que se trata essa palhaçada? Espero que tenham uma explicação muito boa para dar à polícia. Aguardo-os na delegacia à primeira hora da manhã de amanhã. Até breve”.
Adriano e Bruno ficaram muito atordoados com isso. Não esperavam por essa. Agora estavam em cheque. Como isso teria acontecido? Depois viriam a saber que o caso tinha adquirido certa publicidade e alguém da comunidade local, tendo tomado conhecimento do caso, começou a desconfiar da figura de Bruno que, novo no local, tinha começado a aparecer infrequentemente e de forma sutil no supermercado, na academia, na pizzaria local. Tinha sido visto várias vezes na região e um dia alguém juntou os pedaços.
Mas de qualquer forma já tinha acontecido. Na segunda feira compareceram ao distrito policial. O delegado os atendeu com um leve tom de irritação:
“Em nenhum momento lhes ocorreu que necessitariam informar à polícia o que está ocorrendo? Sr. Bruno, o Sr. é tido como morto e sepultado pela polícia e sociedade. Sr. Adriano, o Sr. foi liberado de acusações sobre o homicídio de uma pessoa que está viva à sua frente e sequer lhe ocorreu informar este fato às autoridades”?
“Sr. Delegado – começou Adriano – O Bruno se encontra em situação de extremo perigo por conta de um crime que ainda não está solucionado. Precisávamos escondê-lo por enquanto. Eu também vim a saber disto recentemente”.
“Seja como for a polícia precisaria saber. Vou pedir para que lhes tomem o depoimento e assim recomeçarão as investigações, pois isso muda o perfil do crime”.
Depois de realizadas as formalidades, Adriano e Bruno deixaram a delegacia. Não foi possível pedir ao delegado que mantivesse sigilo sobre a vida de Bruno, pois não poderiam mencionar a existência de Ilya Nemov. Como perceberam que a polícia não deveria ter a menor noção do que estava acontecendo, deram-se conta de que estavam em perigo de novo. Agora os dois. Adriano não titubeou:
“Bruno, vamos para a Alemanha hoje mesmo. Vamos comprar nossas passagens e sumir daqui enquanto é tempo. Para que nos arriscar? O Alexei e a Tatiana continuarão nos ajudando daqui, eles não correm perigo. Nós vamos para a Alemanha e passamos a sondar de lá o que aconteceu. O Ulrich pode nos receber e ajudar lá. Se for o caso pedimos a ajuda do BND, que é mais confiável e menos corrupto. A polícia alemã é muito mais confiável que a brasileira. Vamos para lá imediatamente!
Não perderam tempo. Perdido por perdido, Bruno não tinha por que esconder-se mais. Sendo os dois muito discretos, passaram juntos na casa de cada um, fizeram suas malas e rumaram para Cumbica para tomar o primeiro voo disponível para Frankfurt, que partia na própria segunda feira à noite.
PARTE J
CAPÍTULO 57
Bruno e Adriano chegaram bem cansados de um voo extenuante de onze horas, apesar de direto São Paulo-Frankfurt. O aeroporto era impressionantemente grande, parecia uma cidade inteira, todo moderno. Chegaram no final da manhã ao aeroporto, que ainda não é na cidade de Frankfurt, tiveram que tomar a S-Bahn para chegar ao centro e procurar um hotel. Assim que fizeram o check-in no hotel tiveram que tomar um banho e dormir um pouco. Na verdade muito, pois não haviam conseguido dormir no voo. Dormiram boa parte da tarde e acordaram já eram mais de seis horas.
Adriano resolveu chamar Bruno para conhecer um pouco da cidade. Não iriam ligar para Ulrich a esta hora, sendo que sequer haviam tido tempo de ligar do Brasil para avisar que estariam indo. Adriano sugeriu que fossem então a Sachsenhausen, um antigo bairro de Frankfurt cheio de barzinhos e bem típico. Adriano se virava bem na Alemanha, isto dava segurança a Bruno. Desde o primeiro momento demonstrou que conhecia bem os locais, sabia onde estava e falava um alemão fluente. Bruno não entendia nada mas achava interessante. Na verdade bem diferente. Nunca tinha estado fora do Brasil e o primeiro país em que pisava já era um país culturalmente tão diferente. Bruno estava sentindo um ligeiro choque cultural. Via as pessoas na rua, depois em Sachsenhausen, eram muito diferentes dos brasileiros. A língua era diferente, o jeito era mais fechado, parecia mais agressivo e menos sorridente que o jeito brasileiro em geral. Não exatamente mal educados ou grosseiros, não era isso. Até pelo contrário mais civilizados que no Brasil. Mas tinham uma certa rispidez no tom de voz, sorriam pouco e não eram exatamente receptivos ou acolhedores. E seu tipo físico era muito diferente também. Eram em média de estatura mais alta que os brasileiros, coisa que chamou a atenção de Bruno imediatamente. Vestiam-se de forma muito diferente também. Até o ar parecia diferente, a luminosidade era diferente, o sol era diferente. Um pouco amedrontador, a sorte é que Adriano estava ali para fazer a ponte cultural.
A rua em que estavam era repleta de bares. Uma coisa que também chamava muito a atenção é que não havia só bares com mesas e cadeiras como há no Brasil, mas também algumas mesinhas redondas altas, para se comer de pé. Ali os alemães não só bebem sua cerveja como pedem também porções, geralmente alguma das inúmeras variedades de salsichas, acompanhadas de batatas. A isto Adriano explicou que os alemães chamam de Imbiss.
Fizeram então seu lanche acompanhado de uma cerveja muito saborosa e começaram a rodar pelo local, apreciando a paisagem, observando as pessoas. Bruno estava extasiado com o que via, algo muito diferente mesmo. Além de ser uma localidade e um povo europeu, não eram nada parecidos com os latinos. Isto ao mesmo tempo lhe causava estranheza e admiração. Sorte que tinha um guia turístico e emocional de primeira ali, não passaria aperto.
Findo o lanche e o passeio resolveram voltar ao hotel, pois no dia seguinte teriam o começo de outra tarefa árdua. O lanche e a cerveja os fizeram adormecer como dois bebês.
No dia seguinte logo ao acordar ligaram para Ulrich. Adriano falou ao telefone, depois contou a Bruno que Ulrich tinha ficado bastante surpreso com a chegada inadvertida de Adriano. Adriano tinha falado a Ulrich também que tinha uma história um pouco mais longa da que tinha contado a ele do Brasil e pedia se poderia dispor de mais ou menos uma hora para poderem encontrar-se e Adriano poder relatar a história inteira. Ulrich tinha dito que estaria livre esta noite mesmo. Esta “noite” seria o horário adequado para um alemão, logo após o expediente, por volta das seis, não passariam das sete e meia. Costumes de um outro país, na Alemanha não se fica em um bar além desta hora num dia de semana. Ulrich sugeriu o Jasper’s, em Affentorplatz. Seria um bom lugar para conversarem e jantarem. Mas até lá faltava muito tempo. Adriano sugeriu a Bruno que fossem conhecer outra parte da cidade, o Geschäftsgebiet, centro financeiro de Frankfurt.
Bruno não deixava de maravilhar-se. Em primeiro lugar viram a vista de longe, era uma parte muito nova da cidade. O que chamava a atenção também em Frankfurt era como construções mais antigas estavam lado a lado com prédios novos, coisa que tampouco se via no Brasil. Adriano explicou que esta parte havia sido completamente destruída pelos britânicos durante a segunda guerra mundial. Por este motivo era uma parte reconstruída, não tinha tantas casas e prédios mais antigos como Sachsenhausen. Os prédios eram novíssimos, brilhantes, todos stood contra um céu limpo e bem visíveis, pois não havia poluição e o dia estava bem claro. A visão dava a impressão de um país próspero e poderoso. Era impressionante ver a riqueza da Alemanha, as ruas ricas, os prédios ricos e, o mais impressionante, não havia o contraste social que há no Brasil. No Brasil também há prédios lindos e ricos, lugares impressionantes, mas sempre contrastando com uma vizinhança pobre ou miserável. Ali não, não se via este contraste.
Passearam pelo distrito financeiro, viram o banco central europeu com o símbolo tão conhecido, Bruno não acreditava que estava vendo aquilo. Passaram diante da bolsa de valores, caminharam um bom tempo pelo lugar. O dia claro e limpo de verão contribuía para que o passeio fosse mais agradável ainda. No final ainda foram para a Mainkai, a rua que margeia o rio Main. Esta era uma visão paradisíaca mesmo. O rio lá é lindo, limpo, não uma porqueira como conhecemos os rios no Brasil, que mais parecem esgotos a céu aberto. Da rua podia-se descer até a margem do rio, onde há banquinhos para as pessoas sentarem e ficarem. Bruno ficava contemplando esta visão e comentava com Adriano, para quem aquilo já não era tanta novidade.
Depois do passeio foram os dois almoçar. Continuaram o passeio durante a tarde por outros locais de Frankfurt, mas já preocupados com o que diriam a Ulrich e como resolveriam o caso.
A hora finalmente chegou e Bruno e Adriano foram ao Jasper’s encontrar Ulrich. Bruno sentia-se um pouco deslocado, pois não teria nenhum sentido pedir a Adriano que falasse inglês e em alemão ele boiava completamente na conversa. Mas no final das contas Adriano, que era completamente fluente em alemão, ia traduzindo tudo para ambos, fazendo a ponte entre os dois.
Ulrich era um alemão típico, alto, loirão, corpo sem trato nenhum, meio curvado, bem desarrumado e com cabelo bem mal cortado, parecia que cortava o cabelo em casa e o descabelava antes de sair. Aliás típico dos europeus. A vaidade certamente não nasceu na Europa.
Se por um lado Ulrich não era um exemplo de beleza, por outro retratava bem a personalidade alemã. A princípio meio frio e arisco, com o tempo foi relaxando e mostrou-se extremamente solícito, amigo, confiável. Bruno chegou a pensar se isso não seria o que lhe tinha causado a estranheza ao chegar na Alemanha. Os alemães não são receptivos de imediato, mas as relações que se constroem são mais sólidas. Com o pouco que entendia e pescava da conversa e pelo que se poderia depreender do tom de voz e das expressões faciais, Bruno percebeu que Ulrich os iria auxiliar em tudo o que pudesse.
Conversaram por mais ou menos uma hora e meia, tudo em alemão. Nesta hora Bruno jurou que, depois que saísse dessa, iria estudar alemão duas horas por dia. Já achava a língua interessante, mas achou muito chato não poder acompanhar este assunto tão importante. Adriano fazia alguns apartes tentando explicar o que estava acontecendo e pedindo a opinião de Bruno, mas mesmo assim foi necessário narrar tudo depois, pormenorizadamente.
A conversa acabou, os dois despediram-se de Ulrich e no próprio caminho de volta para o hotel, que fizeram a pé, Adriano ia explicando tudo o que havia discutido com Uli. Disse a Bruno que tinha narrado toda a história a Uli, do começo ao fim, por isso a demora na conversa. Desde o começo com os paus da internet até os crimes, incluindo a surra em Bruno, a tentativa de homicídio, o “exílio” em Guarapiranga (com o que Uli ficou encantado, disse que tinha ficado tão curioso a respeito do local que prometeu fazer uma visita a Guarapiranga da próxima vez que fosse a São Paulo), a responsabilidade indireta de Renato e Erica e a existência e papel de Ilya Nemov. Era justamente sobre este último ponto que ficavam parados: qual seria o papel de Ilya, de que organização ele fazia parte e como ocorriam estes crimes, que já se sabia que eram parte de alguma trama internacional. Uli tinha ficado de averiguar junto a pessoas influentes da empresa do que se tratava e como o caso havia sido encaminhado, e se já sabiam de todos os detalhes sobre o caso no Brasil. Ofereceu-se também para marcar uma reunião com executivos da Hedge AG ali na matriz, para que Adriano expusesse o caso e pedisse ajuda diretamente. Bruno achou tudo isso muito reconfortante, mas sentia não poder colaborar muito por causa da barreira da língua.
Durante os dois próximos dias Uli manteve contato com Adriano por telefone, sempre atualizando-o sobre o que estava fazendo. Adriano explicava a Bruno que Uli estava tentando marcar uma reunião entre Adriano e o presidente da Hedge AG, Herr Ingo Holz. Somente depois de dois dias teve sucesso, Herr Holz concordou em receber Adriano, que foi sozinho. Foram jantar em outro local enquanto Bruno ficou no hotel vendo televisão. Ao voltar Adriano tinha algumas novidades.
Ingo ouviu Adriano com atenção, lastimou que tivessem sido vítima, ele e Bruno, de uma armação tão pérfida e afirmou que iria colaborar dentro do que estivesse a seu alcance. Não poderia revelar detalhes do que estava sendo, neste momento, um grande problema para a empresa, mas disse que o encaminharia pessoalmente a um oficial do BND em Berlin que estava tratando do caso. Revelou ainda que o programa Troika estava, sim, causando vasto desconforto para a Hedge AG e que, por instrução da polícia alemã, eles deveriam manter o programa em operação por algum período curto para que dessem chance à polícia de localizar os componentes da quadrilha internacional que estava por detrás daquele grande golpe. Mais informações teriam que pedir pessoalmente junto ao BND em Berlin. Ingo e Adriano já haviam marcado um encontro com Herr Friedrich von Braun para dali a três dias. Adriano sugeriu que fossem de trem a Berlin para apreciar a paisagem, que é muito bonita, principalmente no verão, já que teriam tempo de sobra.
No dia seguinte Adriano e Bruno fizeram de novo suas malas e partiram para Berlin.
CAPÍTULO 58
A viagem de trem foi, como previsto, muito bonita. A paisagem era impressionante. O terreno é muito plano nesta região centro-norte da Alemanha, o que significava que se podia ver grande extensão de terra para ambos os lados do trem. De vez em quando avistavam uma cidadezinha ao longe, ou mais próxima, de vez em quando passavam por uma cidade. O tempo de viagem foi de aproximadamente quatro horas. Almoçaram no vagão restaurante do trem mesmo e, chegando a Berlin, tiveram a oportunidade de ver uma imensa e belíssima estação ferroviária. Uma estrutura impressionante em forma semi-cilíndrica, feita de aço e vidro, suntuosa. Própria da capital de um grande e importante país. Além disso a Deutsche Bahn era realmente muito eficiente com qualidade e horários. Era muito impressionante e imponente ver os trens, todos de última geração, novos em folha e extremamente modernos, entrarem e saírem do pátio e das plataformas.
Depois de saírem da estação foram procurar um hotel no centro, para poderem passear pelos locais históricos da cidade. Saíram para jantar perto do hotel mesmo, pois o que queriam fazer só poderiam fazer no dia seguinte. Apesar de não percorrerem grandes distâncias foi possível perceber que Berlin era uma cidade grande, porém muito organizada. Chamava a atenção como uma cidade daquele porte pudesse ser tão arborizada, cheia de parques. Adriano já conhecia, mas para Bruno foi outra grande surpresa. Ele observou que, apesar de ser uma metrópole, com grande densidade populacional, era organizada e silenciosa, o povo dali não tinha por costume falar alto e não havia aquele burburinho e agitação típicos de uma grande cidade. Bruno perguntava-se por que a gente se acostuma a viver em lugares tão barulhentos e poluídos quando é possível organizar-se para viver com melhor qualidade. Berlin era um bom exemplo disso. A capital do país líder da Europa, a nação mais poderosa do continente, era quase um paraíso de urbanização. Adriano explicou que isso vinha em parte do fato de que a cidade tinha sido quase inteiramente destruída após a segunda guerra. Mais ainda porque tinha vivido separada em dois setores por quarenta e cinco anos. Depois da unificação da Alemanha em 1989, houve um grande esforço do governo e da sociedade para reconstruir e urbanizar uma nova cidade, por este motivo tinha ficado tão exuberante. Era quase tudo novo. Novo e rico, pensava Bruno.
Depois deste breve passeio e jantar voltaram ao hotel para descansar e dormir. No dia seguinte acordaram, tomaram seu café e foram passear um pouco, pois era muito cedo para ligar para o Brasil. Havia uma diferença de cinco horas. Pensaram em primeiro passear, depois almoçar e só depois fariam os telefonemas para o Brasil que precisavam fazer. Afinal, eles tinham sumido de cena sem avisar a ninguém, precisavam entrar em contato com algumas pessoas e informar onde estavam.
Por hora o que podiam fazer era passear. Começaram pela Alexanderplatz. Esta é uma praça onde fica a Fernsehturm, a grande torre de transmissão televisiva que serve de um dos cartões postais de Berlin. Ficava no que tinha sido o setor oriental da cidade. A praça era bastante ampla e tinha construções bastante novas. Depois de verem este pedaço, começaram a descer pela rua Unter den Linden, uma rua muito bonita, cercada de árvores nos dois lados, que terminava no Brandenburger Tor, o Portão de Brandemburgo, outro cartão postal da cidade. Aquilo deixou Bruno boquiaberto. Era uma espécie de arco do triunfo à germânica, com cavalos esculpidos no alto. Seguiram mais um pouco pela Straße des 17. Juni, que continuava por um parque. Havia muitos turistas no percurso, admirando o que era uma cidade muito bela. Bruno não esperaria ver este tipo de coisa em um país que ainda hoje infelizmente tinha uma certa má reputação mundial por causa da guerra. Era como se passear por Berlin fosse testemunhar a redenção do povo alemão. Não tinha esperado este tipo de paisagem em Berlin. Continuaram à direita por mais um pouco até chegarem ao Bundestag, o parlamento alemão, no alto do qual estão escritos os dizeres “Dem Deutschen Volke” que significa “Ao Povo Alemão”. Este parlamento também foi reconstruído depois da guerra, mas continuava testemunhando o que dava a impressão de ter sido o grande poder germânico. Tudo ali era grandioso. Seguiram mais um pouco e chegaram às margens do rio que corta a cidade, o rio Spree, outro rio limpo e muito bonito.
A estas alturas já tinha transcorrido a manhã quase toda, eles resolveram decidir-se por um lugar para almoçar e depois retornar ao hotel para fazer suas ligações.
Protegidos na tranquilidade do quarto do hotel, Adriano ligou para a Hedge em São Paulo e falou primeiro com Amanda depois com Otávio. Explicou que estava tirando umas férias forçadas mas que logo retornaria à empresa. Deu uma desculpa qualquer sobre um parente que tinha precisado visitar. Não quis entrar em detalhes. Logo depois Bruno ligou para Tatiana, com quem já tinha falado por telefone do aeroporto ainda no Brasil. Ligava apenas para dizer que estava tudo bem e que prosseguiriam com a busca por mais evidências, já que do Brasil não teriam acesso a certos conteúdos. Disse a ela que manteria o contato para que pudessem ajudar-se no que viessem a descobrir. Ela e Alexei poderiam dar-lhes o suporte do Brasil mesmo, enquanto eles dois faziam esta investigação de campo. Pediu que entrasse em contato à noite com Alexei explicando tudo e pedindo a ele que se mantivesse alerta ao email pessoal, mas não dentro da empresa. Talvez logo fossem precisar deles. Finalmente explicou que não tinha tido outra alternativa, que desde que o delegado havia descoberto que ele estava vivo, seria um alvo eterno e certeiro de Ilya e seus mandatários, não se sentia seguro para permanecer no Brasil. Tatiana escutou atentamente e pediu a Bruno e Adriano que tomassem muito cuidado.
Bruno sentia muito que seus parentes ainda não soubessem que ainda estava vivo. Não queria ligar de tão longe, queria dar a notícia pessoalmente, mas ainda não podia fazer isso e esperava que não viessem a saber por terceiros. No final das contas não resistiu e resolveu ligar para sua mãe em Ribeirão. A mãe de Bruno ficou muito emocionada com a notícia, chorava compulsivamente ao telefone, perguntava quando Bruno voltaria, pedia a Bruno que voltasse, pois queria vê-lo. Bruno explicava que não era possível, pois corria perigo no Brasil, mas que assim que fosse resolvida a situação, e ele esperava isso para breve, iria a Ribeirão passar um tempo com eles. Desligando, seus olhos encheram-se de lágrimas. Adriano reconfortou-o por uns momentos, garantindo a ele que iriam os dois para Ribeirão quando tudo tivesse acabado. Que tudo seria resolvido. Bruno lembrou que até mesmo Adriano já conhecia a família.
Ligaram os dois, finalmente, para Igor, explicando as mesmas coisas e garantindo que estavam bem e que retornariam assim que possível. O mesmo fizeram com Caio.
A ninguém disseram seu verdadeiro paradeiro, apenas diziam que não estavam no Brasil.
Deram sua tarefa cumprida pelo dia e foram ocupar-se de outras coisas, assistiram um pouco de televisão e foram dormir cedo, aguardando a entrevista que teriam com Herr Friedrich von Braun no dia seguinte.
No dia seguinte Adriano decidiu abrir seu email pessoal e a primeira coisa que viu foi um email de Alexei contando que estava seguindo mais pistas que tinha achado via internet. A pessoa com quem trabalhavam na Hedge e sempre tinham conhecido por Mônica tampouco se chamava Mônica. Era uma brasileira descendente de russos, de origem paranaense, cujo nome real era Irina Andropova. Mais não sabia dizer. Adriano mostrou a Bruno e os dois entenderam qual a relação que ela tinha com Luiz/Ilya. Deveriam estar juntos na trama. Mais uma peça para o quebra-cabeças.
Tomaram seu café e rumaram para as proximidades do Jardim Botânico, perto do qual ficava o BND. A entrevista seria às dez da manhã, eles resolveram ir de S-Bahn.
Friedrich recebeu os dois de forma muito amistosa. Ao contrário de Ingo, tinha feito questão de ver a ambos, pois esse era o trabalho dele. Para Ingo interessava só a empresa, mas para von Braun interessava o crime, por isso queria ouvir Bruno também. Era o responsável pelas investigações de crimes cibernéticos em âmbito federal na Alemanha, não somente um presidente de empresa. Tinha o maior interesse em desvendar o evento, não só por questões corporativas mas por questões de segurança nacional.
Escutou a narrativa de Adriano, a mesma que Adriano tinha feito a Ingo, Bruno já até sabia em que ponto Adriano estava, sem nem mesmo compreender o idioma. Bem verdade que a cada momento Friedrich interpelava a Bruno para saber mais detalhes, sempre contando com a tradução de Adriano. A conversa foi muito longa. Eles ficaram até sabendo que este caso estava começando a se avultar em todo o mundo, mas não tinha a informação de que no Brasil já tinha adquirido proporções tão alarmantes. O Brasil seria provavelmente o país no qual o caso estava se evidenciando mais precocemente, em função da grande quantidade de capital que entrava no país nos últimos dois anos e em função de ser um dos mercados mais superaquecidos do mundo e um dos menos controlados, tornando-o terreno fértil para este tipo de operação fraudulenta.
Bruno não tinha entendido a totalidade da conversa, mas sabia que Adriano lhe explicaria tudo ao saírem. No final Friedrich foi muito cordial e parecia estar dando recomendações a Adriano em tom protetor.
Saindo de lá Adriano achou por bem não comentar nada com Bruno dentro da S-Bahn, mesmo que fosse em português. Pediu que aguardasse até que chegassem ao hotel. Lá chegando narrou o que Friedrich tinha dito.
Adriano contou que Friedrich tinha dito que já conhecia a operação criminosa, estava em plena investigação pelo BND e pelas polícias federais e sistemas de inteligência de vários países, inclusive a Scotland Yard e a CIA, além da Interpol, é claro.
Tratava-se de um grande desfalque global, que não acontecia somente na Hedge AG mas em muitas outras empresas, bancos, seguradoras, operadoras de câmbio, gestoras de patrimônio, instituições ligadas a bolsas de valores, entre outras. Estimava-se que o montante total do desfalque já se aproximaria dos US$ 12 trilhões. O grupo central que fazia funcionar esta operação estava baseado na Rússia, em Moscou, e era desconhecido. Sabia-se apenas que os vírus e programas que operavam eram denominados de Troika, e a pessoa ou vírus que acionava a emissão dos valores era chamada de Entity por falta de um nome mais específico. O BND e as outras polícias já tinham uma boa ideia do que se tratava e como funcionava, mas não poderiam abrir este dado a eles. Podiam apenas afirmar que se tratava de um grupo realmente grande e perigoso e que já tinham notícia de que algumas pessoas já tinham sido mortas ao tentar investigar a ação do grupo, pelo que ele desaconselhava fortemente Adriano e Bruno a tentarem perseguir investigação por conta própria no assunto, dado que não possuíam recursos para lidar com coisa dessa magnitude e natureza. Friedrich disse ainda que nem toda a polícia reunida, apesar de ter já boa noção do montante de dinheiro movimentado e de algumas situações concretas averiguadas, não tinha conseguido reunir informações suficientes para saber com precisão a finalidade exata da operação nem seu tamanho total. Aconselhava que ambos se mantivessem a salvo de possíveis agressões, pedindo proteção policial e que ele, pessoalmente, poderia entrar em contato com a polícia brasileira parta requisitar tal providência, mas mais não poderia fazer. Como já tinha sido descoberto, havia um comando geral que fazia os desfalques fracionados e regionais serem emitidos para contas terceiras. Depois estes valores se reagrupariam e seriam retransmitidos para uma conta geral em Moscou. Todos os rastros eram apagados. Quem ou o que dava este comando não era ainda do conhecimento de ninguém, mas já se haviam identificado muitas figuras internacionalmente conhecidas envolvidas neste jogo, como espiões, criminosos, agentes duplos, hackers e terroristas, enfim, gente muito perigosa. As operações de investigação já estavam adiantadas, logo haveria alguma coisa de concreto para que fossem tomadas as devidas ações e o grupo fosse desbaratado em todo o mundo, mas por ora nada restaria a fazer para Bruno e Adriano a não ser esperar. Mexer com grupos tão perigosos em ação de tal dimensão seria loucura, o conselho que Friedrich dava era claro, que se mantivessem fora disso. Enfim, ele tinha agradecido muito pela cooperação, tinha dito que os dados por eles fornecidos seriam preciosos e ajudariam a compor mais pedaços faltantes no buraco negro que era este crime internacional. Tinha anotado tudo, todos os nomes, investigaria Ilya Nemov, Irina Andropova e a Hedge do Brasil para achar mais fios da teia que conduzissem à aranha mor.
O resto Bruno tinha visto. Friedrich tinha se despedido cordialmente e pedido que se mantivessem em contato. Mas, para ele, Bruno e Adriano eram apenas mais duas peças pequenas num grande jogo.
Era justamente esse o ponto. Depois de relatar toda a conversa a Bruno, Adriano voltou-se para ele e disse:
“Bruno, que fazemos agora? Não temos muita escolha. Por mais que o Friedrich tenha dito que a gente não deve se envolver, não podemos voltar a São Paulo e simplesmente aguardar. O Ilya vem atrás da gente com certeza. Estamos com uma sentença de morte na cabeça. Acho que não temos outra escolha. Temos que avançar e continuar, é menos perigoso prosseguir que recuar agora, estou pensando. A gente não vai desbaratar quadrilha nenhuma nem resolver para o BND e a CIA, claro que não, mas vai conhecer a fundo do que se trata e saber de quem se precaver”.
“Pois é Adriano, também penso assim, mas o que vamos fazer? Aqui na Alemanha estamos em um país mais seguro e você fala alemão. O que está sugerindo? Que a gente vá a Moscou”?
“Acho que não temos alternativa Bruno. Ou refugiarmo-nos para sempre na casa da Tatiana, agora nós dois”...
“Pois é. Bem, se for para ser assim, vamos ver o que conseguimos em Moscou. Se formos bancar os dois turistas brasileiros em Moscou não atrairemos desconfianças. Pelo menos a gente tira a pulga de trás da orelha. Mas a gente vai ter que pedir a ajuda do Alexei e da Tatiana. Principalmente o Alexei que fala russo”.
Pensaram ainda por alguns instantes olhando vagamente pela janela meio perdidos e:
“Bem, decidido então, vamos tratar de ir a Moscou. Vamos falar com o Alexei e pedir a ajuda dele. Só com a ajuda dele online poderemos dar conta de nos comunicar e descobrir algo por lá”.
“Mas Adriano, como vamos fazer? Não conhecemos ninguém na Rússia, não temos um link, uma pista, nada! Aqui na Alemanha era diferente, viemos falar com um contato seu da empresa em que trabalhamos, que te encaminhou para o presidente da empresa, que nos encaminhou para o serviço secreto alemão e por aí foi. Além do mais você fala alemão. Na Rússia não temos por onde começar”!
“Eu sei. Vamos falar com o Alexei antes de ir para Moscou, ver se ele tem uma ideia. A que horas ele pode estar na casa dele”?
“Acredito que depois das sete”.
“Sete lá é meia noite aqui. Ligamos à meia noite daqui então, vamos ver se ele nos dá uma luz. Vamos falar também com a Tatiana, quem sabe ela, que está por dentro de ações de hackers em bancos, não nos orienta ou tem uma ideia de onde e como pesquisar? Tenho a impressão que teremos que manter contato frequente com o Alexei agora”.
“Além disso acho besteira a gente ir pra Moscou sem saber o que procurar. Vamos descobrir daqui primeiro, on safe ground, depois vamos com o bolo pronto”.
“É Bruno, acho que você está certo”.
Resolveram ligar primeiro para Tatiana, às onze, pois ela já estaria em casa às seis no Brasil. Adriano explicou tudo o que tinha acontecido e perguntou se ela poderia ajudar e como. Ela sugeriu que poderia tentar entrar no sistema do BND e achar alguma conta ou email de Friedrich von Braun. Ela tentaria explorar a princípio com algoritmos conhecidos de armazenamento de dados sigilosos, achava possível encontrar alguma porta no sistema, mas precisaria da ajuda de Adriano com o alemão. Adriano falou que era óbvio que sim, poderiam trocar emails se fosse necessário. Tatiana disse que teriam que usar um programa para encriptar os emails. O Bruno sabia usar os programas para encriptar mensagens. Tatiana pediu os emails, nomes e tudo o que se referisse a Ingo e Friedrich. Disse que daria trabalho e tomaria tempo, eles teriam que esperar um pouco. Os dois concordaram e perceberam que seu tempo em Berlin ainda não havia terminado.
Depois desta conversa ligaram para Alexei explicando de novo tudo o que haviam conversado com as pessoas na Alemanha e pedindo a ajuda dele. Relataram seu plano de ir a Moscou e Alexei mencionou que tinha um amigo muito próximo e muito confiável lá, Maksim Dvornikov, que poderia ajudá-los com a língua e ao mesmo tempo servir de cicerone. Disse que iria ligar para Maksim para saber se poderia fazer isto e teria uma resposta provavelmente para o dia seguinte.
Adriano e Bruno experimentavam uma ansiedade que traduzia um misto de medo e espírito de aventura. Sua vida no Brasil, como era antes, já não seria mais possível. Estavam soltos no mundo em busca de uma solução para construir uma nova vida quando voltassem.
CAPÍTULO 59
Enquanto a situação não se resolvia, Adriano e Bruno estavam de férias em Berlin. A sorte era que Adriano, como Diretor da Hedge por anos, tinha ganhado muito bem e guardado este dinheiro. Podia bancar todo este tempo sem trabalhar e ainda por cima pagar uma viagem forçada. Ainda teriam que permanecer algum tempo em Berlin antes que se aventurassem a ir para Moscou, pois de lá a comunicação e os recursos não seriam tão fáceis. Teriam que chegar com o bolo pronto.
Durante o dia passeavam por todos os lugares interessantes de Berlin, chegaram mesmo a visitar lugares próximos fora da cidade, só à noite falavam com o Brasil, sempre com Tatiana e Alexei, para saberem de novidades.
Os passeios que fizeram incluíram a Museumsinsel, o Deutsches Historisches Museum, a Gedächtniskirche, igreja preservada em ruínas como forma de se lembrar do pesadelo da segunda guerra, viram nitidamente as diferenças que ainda restavam entre o antigo setor oriental e o ocidental, o interior moderno do Bundestag, partes remanescentes do antigo muro que dividiu a cidade por 45 anos, o Checkpoint Charlie com as inscrições “Você está deixando o setor americano” em três línguas, o famoso zoológico, imenso, também foram a concertos da filarmônica de Berlin, foram ao palácio de Charlottenburg, dos tempos da monarquia prussiana, enfim, muitas coisas. Faziam isso durante o dia e à noite conversavam com o Brasil.
Depois de quatro dias de trabalho dedicado, Tatiana conseguiu rastrear uma troca de informações entre Ingo e Karl, o que lhe deu acesso à conta de internet de Friedrich e, por conseguinte, a informações que só ele e poucos outros tinham acesso. Achou arquivos de internet que provavelmente estariam ligados a muitas questões de segurança alemã, mas precisava da ajuda de Adriano para nortear-se onde procurar. Dizia que os tradutores online não davam traduções muito precisas, não estavam ajudando muito. Só conseguia achar títulos suspeitos que ensejavam maior busca. Pediu a Adriano que identificasse um deles e dissesse quais arquivos ou pastas teriam maior chance de conter dados sobre o caso. As palavras que tinha achado em locais suspeitos eram:
Äußere Sicherheit, Innere Sicherheit, Militär, Außenpolitik, Kriegsführung, Waffen, Taktik, Logistiktruppe, Truppenteil, Organisierte Kriminalität, Geheimagenten, Geheimhaltungsstufe, Nachrichtendienst, Internazionale Beziehungen, Spionage, entre muitas outras, cada qual referindo-se a um conjunto muito grande de registros, teriam que direcionar-se.
Adriano apostava em Geheimhaltungsstufe (Classified Information), Organisierte Kriminalität (Organized Crime), Nachrichtendienst (Intelligence Agency) e Geheimagenten (Secret Agents).
A partir destas dicas, Tatiana lançou-se à tarefa de passar mais tempo pesquisando. Depois de mais dois dias conseguiu informações interessantes: cruzando dados do programa Troika, dados de linguagem e operação financeira em empresas investigadas na Organisierte Kriminalität e dados bancários relatados como fraudulentos, chegou a uma empresa russa sediada em Moscou chamada Der Blaue Siegel, O Selo Azul, em russo Синяя Печать (Sínyaya Petchát’).
Este arquivo estava dentro de uma pasta chamada Operation Webe der unsichtbaren Spinne, que Adriano traduziu como sendo Operação Teia da Aranha Invisível. O nome vinha bem a calhar, tratava-se de um conjunto de estelionatos em rede cuja origem não se conseguia enxergar, muito apropriada a denominação dada pelo serviço secreto alemão.
Dentro da pasta havia também outros inúmeros dados, Tatiana e Adriano foram vasculhando juntos, enquanto ela vasculhava falava com ele por telefone e este a orientava. Acharam mais três que pareciam relevantes.
Havia um portfólio que apresentava a empresa aos clientes mundiais como The Blue Seal, uma empresa de informática, desenvolvimento e programação. Do portfólio constavam endereço, fotos da empresa e produtos, inclusive o Troika. O endereço listado no documento era o seguinte: Donskaya Ulitsa 2.560 Korpus D Komnata 12, Moskva.
Entre arquivos relacionados com este também achou uma inscrição que dizia:
“Emission Signal wurde von The Entity etwa einmal im Monat von IP-Adresse: 187.375.2.1" gesendet. IP-Adresse als gleiche wie Silver Coin Co. Adresse identifiziert”.
Adriano traduziu para: “Sinal de emissão disparado pela Entidade aproximadamente uma vez por mês a partir deste endereço de IP: 187.375.2.1. Endereço de IP identificado como sendo o mesmo de Silver Coin Co.”
Além disso, havia uma mensagem qualificada com de máxima importância, que dizia:
“Kargo 5/10 Lieferung aus Kasachstan soll am 23. September in Omsk eintreffen. Beladung 13:00 Uhr Wagen 17”
Adriano traduziu, não sem grande surpresa, para:
“Carregamento 5/10 do Cazaquistão previsto para 23 de setembro em Omsk, embarque 13 horas vagão 17”.
Ou seja, haveria o embarque de algo relacionado a esta trama, no dia 23 de setembro, na cidade de Omsk, situada na Sibéria, logo acima do Cazaquistão, a 2.236 km de Moscou. Eles estavam em 15 de setembro, o que significava que ainda teriam tempo de conferir a empresa em Moscou, no endereço apontado e, se fosse o caso, pegariam a Транссибирская магистраль, Ferrovia Transiberiana, e seguiriam até Omsk para averiguar do que se tratava o embarque citado.
Tinham tempo mas não muito tempo, teriam que começar a mover-se. Até situarem-se em Moscou, resolverem os pormenores que dali poderiam surgir, comprar bilhete para a Transiberiana e chegarem a Omsk perderiam seguramente mais que uma semana. Já era hora de agirem.
Adriano sugeriu a Bruno e Tatiana que teriam que deslocar-se para Moscou desde já e que Tatiana e Alexei continuariam dando seu apoio do Brasil, mas eles não poderiam esperar mais em Berlin. Seguiriam para Moscou de avião, pois a viagem de trem entre Berlin e Moscou é demasiado longa e não muito segura.
Adriano ligou para Alexei e perguntou se seu amigo Maksim estaria disponível para recebê-los no dia 16 em Moscou. Alexei fez o contato e retornou dizendo que sim. No dia seguinte, portanto, Adriano e Bruno foram ao aeroporto em Berlin à primeira hora da manhã e embarcaram para Moscou.
CAPÍTULO 60
Quando chegaram ao aeroporto de Sheremetyevo, localizado bem ao norte de Moscou, Maksim já os esperava lá. Era meio da manhã e fazia muito frio, mas o tempo estava muito bonito, com céu claro. Era uma sensação indescritível para Bruno. Um frio tão intenso com um céu tão azul. Maksim perguntou se teriam urgência em fazer alguma coisa, pois seria uma ótima ocasião para conhecerem a Praça Vermelha em um dia de sol. Eles concordaram imediatamente.
Maksim parecia prestativo e educado. Um pouco fechado, não sorria nunca (como iriam descobrir a respeito de todos os russos logo logo), mas parecia ser uma pessoa agradável e confiável. Era loiríssimo quase transparente, feições diferentes das conhecidas, feições eslavas. Aliás um rapaz muito atraente, faria um sucesso devastador no coração dos brasileiros, pensou Bruno ao vê-lo.
Maksim os acompanhou de trem do aeroporto até as proximidades da Praça Vermelha, onde saíram e foram o resto a pé. Moscou também era impressionante. Não tão organizada como Berlin, não tão certinha, mas até mais imponente. A Praça Vermelha deixou ambos, Adriano e Bruno, de boca aberta. Aquilo sim parecia um grande império. Grandioso. Por todos os lados da praça estavam rodeados de monumentos. Viam em uma extremidade a Catedral de São Basílio, cartão postal de Moscou, lado a lado com o Kremlin, depois o Museu Histórico Nacional e o GUM faziam os 360 graus da praça, mas ainda havia outros grandes edifícios entre eles. Ficaram ali parados admirando a grandiosidade da capital russa.
A emoção de Bruno e Adriano ao estarem na capital russa era indescritível. Estavam extasiados, aquilo era um sonho em meio a um pesadelo. Maksim percebeu o deslumbramento dos dois e deu um sorriso discreto, ao que os dois retribuíram e elogiaram muito o país de Maksim.
Em seguida Maksim, que falava um inglês desajeitado, propôs que fossem almoçar. Adriano e Bruno estavam à mercê dele, não conheciam nada, não falavam russo, não podiam opinar. Resolveram deixar Maksim cantar as bolas.
Maksim os levou para comer em um local não muito perto dali. Tomaram o metrô, impressionante também, havia até lustre de cristal em uma estação e muitas obras de arte! Saindo do metrô atravessaram uma grande avenida que tinha um trânsito pior que o de São Paulo. A capital russa parecia maior que Berlin. Adriano disse a Bruno que era a maior cidade que ele estava vendo entre todas as que conhecia na Europa, maior que Londres, Paris, Roma ou Madrid. Perguntaram a Maksim e este confirmou, Moscou era realmente maior, com 17 milhões de pessoas. As pessoas andavam apressadas nas ruas, totalmente encapotadas, com sobretudos pesados, às vezes luvas e aquele gorro típico russo na cabeça. Havia grupos de turistas também, mas a população local é tão numerosa e tão empenhada em seus afazeres que dilui o contingente de turistas, como já haviam percebido na Praça Vermelha. Outra coisa que saltava aos olhos dos dois era como os russos eram compenetrados e pouco acessíveis. Quando interpelados respondem com educação mas não muito amistosamente. Nunca sorriem. A população circula compenetrada e séria. Um povo sério. Não parecia um povo muito feliz.
Entraram em um restaurante e comeram uma comida típica, que Maksim havia proposto a eles. O prato estava bastante bom. Borsh como entrada, uma espécie de sopa de beterraba com legumes. Depois veio uma salada, Pirozhki, que era uma espécie de esfiha de escarola e Pelmeni, um pastelzinho cozido de carne moída coberto com massa fina. Era muito saborosa e interessante. Além disso estavam com fome e foi bem vinda.
À tarde já pediram a Maksim se poderia levá-los ao endereço apontado pelas buscas dos amigos no Brasil, pois estavam com o tempo contado. Maksim conhecia a rua, era ainda próxima ao centro, estava localizada num setor já direcionado ao sudoeste da cidade. Acharam melhor ir de ônibus pela Leninskiy Prospekt e descer na altura do número desejado. Como Adriano e Bruno não conheciam nada, deixaram que Maksim providenciasse tudo.
Desceram no ponto que Maksim apontou e rumaram para Donskaya Ulitsa, procurando pelo número 2.560. Lá chegando, viram que se tratava de um edifício normal. Não parecia nada comercial. Maksim advertiu que muitas das empresas na Rússia têm instalações precárias ou domésticas. Fosse como fosse, não correspondia ao que as fotos mostravam. Maksim deu um sorriso irônico, como que dizendo que eles não conheciam a Rússia. Para ele seria natural que não fosse verdade.
Chegaram ao Korpus (bloco) D e procuraram pela campainha da Komnata (apartamento) 12. Ninguém atendia. Curioso, tanto se fosse uma empresa como se fosse uma casa. Insistiram por um bom tempo, até que Maksim sugeriu chamar o zelador do prédio. Este respondeu prontamente.
Maksim e o zelador começaram a conversar enquanto Adriano e Bruno olhavam sem entender nada. Algumas vezes escutaram Maksim repetir Brazilii, o zelador olhava para eles e voltava a dizer algo que parecia ser uma negativa.
No final o zelador entrou e Maksim voltou a falar inglês com os dois. Disse que o zelador tinha relatado que o apartamento estava vazio havia algumas semanas e que ninguém entrava lá. Que ele, Maksim, tinha insistido se poderiam entrar, afinal os dois colegas tinham vindo do Brasil para falar com um conhecido, não poderiam perder uma viagem tão longa. O zelador havia concordado após ter ficado muito relutante e iria atrás de uma chave reserva.
Voltou logo em seguida dizendo que não havia nenhuma chave reserva e que não havia mais nada a ser feito. Foi quando Maksim abriu o jogo e disse a Adriano e Bruno: uns cem dólares resolvem a parada. Aqui é assim. A ficha de Adriano caiu subitamente, ele acordou e retirou prontamente cem dólares do bolso e estendeu ao zelador. Este abriu passagem e avisou que teriam uma hora. E sumiu.
Os três subiram ao local e verificaram que se tratava de um apartamento comum, sem qualquer característica de empresa. Na verdade a empresa não existia, comentaram, aquele era o local listado nos arquivos da BND como sendo o local que abrigava o IP de onde surgiam os disparos para o Troika.
Teriam que entrar. Foi aí que a aventura começou, junto com o medo. Não estavam emocionalmente preparados para arriscarem-se tanto assim em um país tão estrangeiro, tão desconhecido e ameaçador. Mas era encarar ou arregar. Bruno percebeu que o edifício era velho e a porta estava frouxa. Não seria muito difícil arrombá-la. Os três juntos forçaram até que viesse abaixo.
Quando entraram a surpresa foi total. Uma residência bem simples, sem quase nenhum móvel, apenas dois sofás velhos, uma estante jogada no chão com os livros caídos e um móvel com os restos de um computador destruído. Papéis e estilhaços de móveis e partes de computador espalhados por todo o local, o apartamento estava totalmente revirado, não era possível saber se tinha sido revistado ou se tinha havido uma briga ali. Os três começaram a sentir medo. Não era coisa pouca, quem tivesse estado ali não tinha deixado traços. Procuraram para ver se havia algum documento que pudessem aproveitar, ou mais alguma pista, mas não acharam nada, o lugar tinha sido desnudado. Resolveram sair rápido dali. O que quer que tivesse sido, uma empresa fantasma ou o apartamento de um hacker, sede das operações, não estava mais lá. Talvez até por ser uma empresa fraudulenta teria de ser nômade, para esconder-se. Saíram correndo, decepcionados e com medo.
Até este momento não haviam esclarecido bem a Maksim do que se tratava sua ida a Moscou. Depois deste incidente, Maksim ficou um pouco amedrontado e pediu a eles que explicassem do que se tratava.
Tiveram que sair para um refrigerante em um barzinho, nas imediações do centro, ao voltarem para o hotel. Adriano e Bruno contaram-lhe de forma superficial sua história. Maksim ficou impressionado, achou tudo eletrizante ao mesmo tempo que achava perigoso. Disse que ajudaria mas sem se expor tanto. Ofereceu-se para acompanhá-los a Omsk, mas não queria nada perigoso, não queria problemas, ao que Adriano e Bruno responderam que tampouco eles queriam coisas perigosas e fariam tudo para evitá-las, a questão do apartamento havia sido um imprevisto, estavam na verdade procurando uma empresa.
Maksim aproveitou o momento para também desabafar. Disse que a vida na Rússia tinha se modificado muito, para alguns. Alguns haviam se beneficiado dos novos tempos, uma parcela pequena da população, composta de empresários novos ricos. Mas o povo não havia progredido muito. Havia muita desigualdade social e isto era patente para Adriano e Bruno. Só alguns se beneficiavam do desenvolvimento, mas a riqueza não era bem distribuída. Havia os grandes empresários, a máfia, e o resto do povo que estava como sempre havia estado – pobre e explorado. Logo em seguida Maksim disse que estava desempregado, por este motivo tinha tido tanta facilidade em dispor de tempo para ajudá-los, mas que sua situação não tinha boas perspectivas.
Também ao mesmo tempo confessou ser gay – provavelmente tinha percebido que Adriano e Bruno eram um par, ou Alexei já havia dito e ele se sentiu à vontade para falar. Disse também que a Rússia era extremamente homofóbica e a vida lá, no que tangia a este tópico, era muito difícil. Bruno e Adriano ficaram com sincera pena de Maksim, começaram a pensar o que poderiam fazer por ele. Estavam cogitando convidá-lo para vir ao Brasil, que não é nenhum paraíso mas pelo menos teria condições melhores para uma pessoa qualificada e não ofereceria graves problemas quanto a orientação sexual, pelo menos em São Paulo. Provavelmente Maksim já tinha vislumbrado esta possibilidade e estava esperando uma hora adequada para perguntar ou pedir. Mas isto viria a seu tempo – pensou Adriano.
No final da conversa concluíram que a última possibilidade da investigação era mesmo tentar ver o que se passaria em Omsk no dia 23. Maksim esclareceu que o embarque certamente se referia a um carregamento pela Transiberiana, e que para estarem em Omsk indo de Moscou a melhor maneira também seria também ir pela Transiberiana. Ofereceu para acompanhá-los se pudessem bancar sua parte, ao que Adriano acedeu imediatamente. Maksim esclareceu então que teriam que comprar os bilhetes o quanto antes, pois as vagas esgotam-se muito rápido. Foram à rodoviária imediatamente e compraram três passagens para o dia 18, assim estariam em Omsk dia 21, com tempo suficiente para averiguar algo com antecedência e, no dia 23, veriam qual trem estaria lá às 13:00h e embarcariam no mesmo trem para Vladivostok, com o intuito de entrar no vagão 17.
Depois de um dia extremamente exaustivo, Adriano e Bruno acharam um hotel razoável com a ajuda de Maksim, jantaram no hotel mesmo e foram dormir logo.
No dia seguinte acordaram descansados e bem dispostos. Ainda tinham quase dois dias em Moscou e tinham decidido que aproveitariam para passear muito pela capital russa, sempre ao lado de seu disposto cicerone Maksim, que com o tempo ia se mostrando um cara amistoso e afável, ao contrário da primeira impressão que havia causado. Chegava a ser divertido. Saíram juntos, riram, beberam um pouco mas não como os russos fazem e transcorreram bons momentos os três. Aproveitaram para conversar muito sobre como eram as coisas no Brasil e na Rússia, e assim iam-se formando laços de uma amizade incipiente ali entre eles. Adriano comentou com Bruno que via uma certa fragilidade em Maksim e que gostaria de fazer algo por ele, afinal ele estava se mostrando ser uma pessoa muito disposta a ajudar quando necessitaram dele. Na verdade tanto Adriano quanto Bruno achavam Maksim uma gracinha, um loirinho russinho digno de se pôr no colo e embalar. Foi logo depois de comentarem sobre isto que perguntaram a Maksim se não teria vontade de conhecer o Brasil e, se gostasse, ficar por um tempo. Teria alguma oportunidade de dar-se bem, pois Maksim era matemático e poderia até mesmo começar trabalhando na Hedge AG. Maksim mostrou-se muito interessado na oferta.
Em seus passeios por Moscou, guiados por Maksim, Adriano e Bruno puderam observar que a princípio Moscou mostrava-se uma cidade muito grande, quase opressiva como São Paulo. Agitada, cheia de meandros, um pouco caótica. Uma verdadeira metrópole non-stop, o que era inacreditável para uma cidade tão fria. Ainda estavam no verão e a temperatura que experimentavam era uma temperatura semelhante à de São Paulo no inverno ou outono. Mas, segundo Maksim, nem mesmo o alto inverno inibia os impávidos moscovitas, que aventuravam-se até mesmo a baladas noturnas e passeios invernais, com neve ou fosse o que fosse. Aproveitaram bem estes dois dias que tinham em Moscou.
No dia 18 à noite foram à estação ferroviária para embarcar para Omsk. A estação era uma construção antiga, reformada, extremamente grande e bonita. Não era moderna como as da Alemanha. Parecia um teatro. O chão era todo revestido de mármore, degraus, corrimões de luxo, janelas com vitrais, enfim, muito luxo. Deveria ser resquício de alguma coisa imperial do tempo dos Tzares que havia sido preservada.
Subiram os três no trem e foram à sua cabine, que tinha quatro lugares. Por sorte o trem não estava lotado e o quarto lugar estava vago. Poderiam estar à vontade os três.
Os dois dias de viagem que se seguiram fora bem pacatos e quase enfadonhos. A paisagem era interessante num primeiro momento, mas para quase dois dias de viagem a jornada tornou-se repetitiva. A cada 3 ou 4 horas o trem parava para que alguns pudessem descer, para que pudessem usar a cozinha que havia em alguns vagões e comer o que tinham levado – muito comum entre os russos. Quando a parada era em alguma cidadezinha havia tempo para sair e fazer uma volta rápida.
Os viajantes russos que usavam o serviço e os nativos das localidades por onde passavam pareciam gente muito pobre e sofrida. Muitos não tinham todos os dentes, Adriano e Bruno começaram a entender o que Maksim havia dito sobre a má distribuição de renda na Rússia. Tampouco eram um povo acolhedor. Muitos eram somente simples, mas outros pareciam meio mal encarados. Adriano e Bruno comentaram entre si que não seria um lugar que eles gostariam de ficar.
Tentaram entreter-se em meio à observação que faziam do lugar e às conversas que tinham com Maksim sobre como eram as coisas por ali. Maksim explicava tudo com vontade. No dia 21 chegam a Omsk. De novo, uma estação muito bonita, menor que a de Moscou mas igualmente suntuosa, piso com tacos de madeira encerada e construção em pedra amarelada, tudo muito iluminado. Por fora era azul.
Ao saírem descobriram uma cidade não tão grande, aliás bem menor do que Moscou, mas bonitinha e muito acolhedora. Mostrava sinais do progresso que era trazido ao centro da Ásia. O enriquecimento nos últimos anos via-se nas construções e avenidas.
Tinha uma avenida chamada Lyubinsy que era muito bonita, por onde passearam por um longo tempo. Viram também os dois teatros e uma catedral chamada Doemition. Omsk é a segunda cidade da Sibéria, depois de Novosibirsk. Não tinham nada para fazer lá a não ser passear, comer e aguardar a data e hora do carregamento. Mas estavam no coração da Ásia e isto dava uma sensação diferente à espera.
CAPÍTULO 61
O dia 23 chegou. Adriano, Bruno e Maksim rumaram à rodoviária antes das 11:00h, para poderem ter tempo hábil de sondarem o que queriam.
O único trem constante da tabela de chegadas e partidas era uma composição mista de passageiros e carga prevista para chegar ali às 12:00h, vinda de Moscou, com destino a Vladivostok e partida de Omsk prevista para 13:00h.
Por volta das 12:00h chegou realmente uma composição de Moscou. O problema é que esta composição acabava no vagão 16. Curioso! Era uma composição mista de passageiros e carga. Os três não entenderam como não haveria um vagão 17... Talvez houvesse um erro na mensagem do BND, ou eles mesmos tivessem compreendido errado o conteúdo, talvez ao planos tivessem sido mudados, tudo passava pela cabeça ansiosa dos três.
Ocorreu então a Adriano, Bruno e Maksim que esta fosse a composição a que se referia a mensagem que tinham, se fosse possível adicionar vagões ao trem. Logo avistaram um pátio de manobras, pois a estação de Omsk não é tão grande assim. Resolveram perguntar a algum oficial ferroviário se haveria algum tipo de adição de vagões a este trem. Obviamente foi Maksim que teria a função de fazer esta pesquisa e descobrir quem estaria disponível para responder, sondando sutilmente sem levantar suspeitas nem atrair a atenção. O detetive agora era ele.
Como ainda tinham certo tempo disponível, entraram no pátio de manobras e começaram a observar as locomotivas manobrando pequenos conjuntos de dois ou três vagões, ou mesmo um vagão solitário, formando conjuntos maiores. Maksim achou um ferroviário e começou a conversar com ele. A julgar pelo tom da conversa, Adriano e Bruno interpretaram que estivesse perguntando como funcionava aquele local, como se formavam os comboios. Depois de alguns minutos de papo, Maksim voltou sorridente com uma resposta. Chamou os outros dois de lado e explicou que Omsk era uma espécie de entroncamento de vias ferroviárias do centro da Ásia, para Omsk convergiam carregamentos que vinham de outros lugares mais ao sul, como o Cazaquistão, o Uzbequistão, o Turkmenistão e o Paquistão, por exemplo, e que estes carregamentos eram rearranjados e juntados a outros trens, conforme seu destino fosse Oriente ou Ocidente. Muitos do carregamentos também chegavam por via não ferroviária, eram descarregados dos caminhões em pátios onde focavam armazenados, para depois serem embarcado em vagões que seriam acrescentados às composições ferroviárias. No caso deste trem das 13:00h em específico haveria mais vagões que estavam sendo preparados e seriam adicionados ao comboio que partiria para Vladivostok às 13:00h.
Desta forma, não restava dúvida, teriam que tomar este trem. Não tinham como saber qual seria o vagão 17 da composição se não embarcassem, nem haveria tempo suficiente para inspecionarem. Conformaram-se que seu destino agora seria Vladivostok, em uma outra longa jornada de mais 3 dias. Em Omsk não havia necessidade de comprar bilhetes com antecedência, mormente por se tratar de um trem pouco voltado a turismo ou mesmo passageiros. Havia lugar suficiente.
No final das contas, lá estavam eles de volta à Transiberiana, em outro comboio, rumo a Vladivostok. Teriam ainda pouco mais de três dias para entrar no misterioso vagão 17 e descobrir o que havia lá dentro.
Primeiro instalaram-se em sua nova cabine, arrumaram suas coisas e foram comer. Em seguida, resolveram dar uma passadinha pelo vagão 17 para ver como ele era. Deveriam ter suspeitado. O acesso não era permitido a partir do vagão 16. Dali em diante era proibido transitar e havia dois guardas mal-educados que deixavam isso bem claro, nem teria sido necessária a tradução de Maksim explicando que запрещено (zapresheno) significava proibido. Desistiram de seu intento por ora e voltaram à cabine.
Bruno comentou: “Se ao menos tivéssemos éter, poderíamos fazê-los desmaiar e ficar fora de si por alguns instantes”.
Com este comentário algo ocorreu a Maksim. Ele sugeriu aos dois que embebedassem os vigias. Para que entorpecê-los se eles próprios poderiam se entorpecer? E, melhor ainda, sem colocar a culpa em ninguém nem chamar a atenção de ninguém. Muitos russos bebem muito, é até um problema na Rússia.
Os três concordaram então em comprar algumas garrafas de vodka na próxima cidade em que o trem parasse. Comprariam seis garrafas, para garantir embriaguez total. Tiveram que esperar o dia seguinte para realizar seu intento.
No dia seguinte o trem parou por alguns momentos em Irkutsk. Uma cidade congelada. A temperatura era de 20 graus negativos, não houve muita chance de fazer mais que comprar as garrafas de vodka e retornar ao trem.
Feito isso, na noite seguinte simularam que estavam brincando de beber justo próximo ao final do vagão 16 e deixaram que os vigias os vissem. Chegaram a erguer a garrafa, da qual bebiam diretamente do gargalo, brindando em sinal de cortesia. Não tardou muito a que um deles, mais animado, viesse entabular conversação e já desse um gole. Os três preservavam-se de beber, deixando que o vigias bebessem. Logo deram ao vigia mais afoito duas garrafas de presente para que levasse para beber junto com seu colega. Depois apareceram com as últimas três e deixaram-nos ali bebendo. Depois de duas horas mais ou menos os vigias já estavam bem embriagados, em mais algum tempo deitaram-se caíram no sono.
Os três necessitariam apenas entrar no vagão, pois uma vez lá dentro poderiam inspecionar com mais cuidado o que lá havia, longe da vista dos vigias, e em seguida sair pelo outro lado.
Infelizmente não lhes tinha ocorrido o óbvio: a porta de acesso ao vagão 17 estava trancada. Bruno, o mais temerário dos três, ofereceu-se para ir sondar no bolso dos vigias se haveria uma chave. Foi até o canto onde os vigias jaziam prostrados bêbados e começou a fuçar nos bolsos de seus sobretudos. Não só não encontrou nada no primeiro como este quase acordou, fazendo esboços de movimentos. Bruno afastou-se e começou a procurar no bolso do outro. Este outro estava mais adormecido, Bruno pôde sondar mais eficientemente e encontrou um molho de chaves. Retirou-o do bolso do vigia e veio todo sorridente juntar-se a Adriano e Maksim com olhar de vitória.
Adriano tomou o molho de chaves das mãos de Bruno e começou a testá-las nas três fechaduras que havia na porta. Estava um pouco apreensivo, suas mãos tremiam ao tentar abrir as fechaduras. Após algumas tentativas frustradas, conseguiram abrir a porta. Entraram no vagão e procuraram uma luz. Não havia. Resolveram que mesmo assim precisariam fechar a porta e ficar para o lado de dentro. Usariam a luz de seus celulares para orientar-se.
Além de ser noite o vagão estava fechado. Tudo estava um breu. O máximo que conseguiam identificar é que o vagão continha caixas muito grandes. Várias delas. Aproximaram-se de uma delas e viram que era uma caixa dentro de um engradado de madeira. Não era possível saber do que se tratava. O engradado de madeira estava seguro por pregos. Não tinham nenhuma ferramenta consigo, decidiram forçar as taipas de madeira em direções opostas para ver se conseguiam desencaixá-las. Depois de muito esforço conseguiram remover parcialmente uma só das tábuas, apenas o suficiente para permitir que a luz do celular penetrasse lá dentro e deixasse ver uma caixa de metal completamente lacrada, com a seguinte inscrição: плутоний, e o símbolo internacional para material radioativo. Maksim traduziu a inscrição para “plutônio”. A adrenalina dos três foi a mil.
Dirigiram-se a mais um engradado, mesma operação, e lá dentro havia a inscrição: уран, com o mesmo símbolo radioativo. Maksim traduziu por “urânio”.
Ainda não satisfeitos, aproximaram-se de três caixas bem maiores no centro do vagão e tentaram deslocar a madeira. Desta vez estava impossível! Por mais força que fizessem não conseguiam deslocar quase nada da madeira e já estavam começando a sentir suas mãos machucarem-se. A fresta que haviam deslocado da madeira só permitia que se lesse um inscrito indecifrável para Maksim: ... ные час... Adriano teve uma ideia: segurar o celular por dentro da madeira e tirar uma foto de lá de dentro. Eles estavam a mil. A vontade de descobrir era grande, só proporcional à ansiedade e medo. Adriano esgueirou sua mão por dentro da caixa e foi tentar bater a foto. Tremia tanto e tinha tanta dificuldade em segurar o celular lá dentro que acabou por deixar o celular cair! E agora, o que fariam? Não poderia deixar esta marca de presente para quem fosse abrir a caixa depois. Os três começaram a entrar em pânico.
Depois de alguns instantes de pânico, Maksim pediu o celular de Bruno e quis voltar para a porção anterior do vagão. Pediu para iluminar a parte próxima à porta e logo viram um pé de cabra. Pegaram-no imediatamente e foram tentar recuperar o celular de Adriano. Puxavam-no para cima, para fazê-lo cair para fora. Após algumas tentativas conseguiram seu intento, o celular de Adriano saiu. Neste momento Maksim sugeriu segurar ele mesmo o celular para tentar fotografar alguma coisa lá dentro, pois tinha mão mais delgada. Nova tentativa, desta vez com sucesso. Foram ler o que estava registrado e novo susto. O que tinham lido parcialmente era: ракетные части (raketnye tchasti), que Maksim traduziu por “Missile Parts”.
Ainda não contentes com o que já sabiam, foram ver duas embalagens maiores que todas as outras, já no fim do vagão. Como as outras caixas, estava lacrada, mas esta parecia ter uma coisa diferente. Era arredondada com uma parte superior em forma de cilindro. Ali foi mais fácil afastar uma tábua inteira a partir do topo irregular, e nova surpresa: боеголовка (boegolovka), traduzido por Maksim como Ogiva Nuclear. Estavam diante de uma coleção de material nuclear bélico. Os corações dos três batiam desenfreados, estavam animados por decifrar o que haviam vindo procurar e ao mesmo tempo bestificados e muito alarmados com a gravidade da coisa com a qual estavam se metendo.
Maksim manifestou desejo de ir embora, Bruno também, mas Adriano pediu que ficassem mais uns instantes para verificar apenas algumas caixas menores que havia no canto do vagão, que pareciam ter madeiramento mais frágil, seriam mais fáceis de abrir.
Foram então para perto destas caixas menores e abriram-nas com maior facilidade. Encontraram peças de computador e o que parecia ser todo um conjunto de hardware relacionado com as partes dos mísseis e das ogivas. Junto com eles um papel que Maksim leu e traduziu prontamente. Tratava-se de um carregamento, o quinto de uma série de dez, de material bélico endereçado a Vladivostok, que depois seguiria para Pyongyang, capital da Coreia do Norte.
O dinheiro roubado no mundo inteiro financiava uma grande operação, provavelmente coordenada pela máfia russa, de contrabando de armamento nuclear para a Coreia do Norte!
O coração dos três batia em disparada. Aquilo era o ovo da serpente de uma possível guerra na Ásia. A máfia russa provavelmente havia sido contratada para operacionalizar o projeto, mas quem o teria concebido permanecia incógnito. Estava decifrado o grande desfalque! Adriano e Bruno fotografaram fartamente com seus celulares, com a ajuda dos flashes, o que tinham presenciado e aberto.
Parecia que tinham se passado horas, mas ao todo o tempo não tinha sido de mais que quarenta e cinco minutos. O que fariam agora? Teriam que documentar o trem também, mas os vigias os reconheceriam quando acordassem!
Foi então que Maksim sugeriu que voltassem pelo mesmo lugar que haviam entrado, seguissem de volta para suas cabinas e aguardassem o dia seguinte, pois o trem teria ainda alguma parada antes de chegar a Vladivostok, provavelmente Tchita ou Khabarovsk. Poderiam descer e trocar de trem por segurança. Esperariam um próximo e acabariam o percurso até Vladivostok, que estava bem mais próximo agora, para sair da Rússia por ali.
Os três entreabriram a porta bem de leve, com o coração na mão, para averiguar se os vigias ainda estavam adormecidos. Ao verem que sim, saíram do vagão, trancaram cuidadosa e silenciosamente a porta, devolveram as chaves ao bolso do vigia adormecido, na esperança de que este não se recordasse do que havia acontecido, e voltaram a sua cabine.
No dia seguinte, para azar dos três, foi comunicado a Maksim que o trem não faria mais paradas em virtude do mau tempo, seguiria direto a Vladivostok. Logo em seguida, porém, os dois vigias do vagão 17 passaram por eles no corredor e os cumprimentaram. Que alívio! Não se lembravam do ocorrido! O que não faz a amnésia alcoólica! Agora restava esperar até que o trem chegasse a seu destino para que pudessem sair ilesos.
No dia seguinte pela manhã o trem chegou a Vladivostok. Bruno, Adriano e Maksim desceram rapidamente do trem, bastante apreensivos. Mesmo assim não perderam a oportunidade de fotografar discretamente o vagão 17 por fora, o trem como um todo e a estação.
Vladivostok não era uma cidade de todo feia, mas era um tanto esquisita. Uma cidade com centro feio e um misto de porto com balneário. Tinha um aspecto intermediário entre cidade oriental e cidade russa. Não haveria, porém, oportunidade para explorá-la com mais vagar.
Não perderam tempo, foram direto ao aeroporto para descobrir como seria a forma mais rápida de voltar a São Paulo. Convidaram Maksim para vir junto, convidaram-no a conhecer o Brasil, como já haviam proposto, insistindo que seria ao mesmo tempo uma oportunidade e uma forma de escapar de problemas, já que não seria conveniente que ele voltasse a Moscou, muito menos pela Transiberiana. Maksim aceitou prontamente, felicitando-se por ter consigo seu passaporte.
O primeiro voo disponível seria para Seoul, de onde tomariam a conexão para Los Angeles e de lá para São Paulo. Foi o que fizeram.
PARTE K
CAPÍTULO 62
Chegaram a São Paulo os três, no aeroporto de Cumbica, depois de um longo e extenuante percurso de mais de 24 horas. Adriano virou-se para Bruno e disse:
“Bruno, demos a volta ao mundo”!
Ao que Bruno respondeu com uma risada nervosa.
Era já noite aqui em São Paulo. Após passarem por todos os trâmites de desembarque, inclusive ajudando Maksim na imigração, conseguiram pegar um táxi e ver-se livres do aeroporto. Estavam exaustos. E o pior é que teriam problemas pela frente. Adriano sugeriu que dormissem em um hotel pela primeira noite pelo menos, para não se exporem a ficar na casa de nenhum dos dois, dado que Ilya poderia estar alerta sobre as descobertas dos dois e poderia surpreendê-los com mais uma de suas brincadeiras fatais.
Bruno lembrou-se do Mercure da Padre João Manuel, um bom hotel, não luxuoso mas suficiente, com bom custo benefício, inclusive pela localização, pois seria uma oportunidade para Maksim conhecer a zona da Paulista.
Duas coisas deixavam Bruno e Adriano muito satisfeitos: terem elucidado a trama e terem trazido seu novo amigo russo ao Brasil. Maksim havia caído nas graças dos dois, que pretendiam fazer de tudo para que tivesse uma vida melhor.
Informaram ao taxista seu destino e vieram conversando. Maksim observava a cidade, às margens do rio Tietê. À noite a pobreza não aparecia e a imagem de São Paulo para um estrangeiro, que vinha desde Guarulhos, era de uma capital infindável. Bem, para um moscovita não seria tanto assombro, apenas ele não esperaria isto de uma cidade da América do Sul.
O taxista veio pelo centro, passando primeiramente pela Avenida Tiradentes e pelo Anhangabaú. Para os paulistanos aquilo era uma visão normal ou mesmo sem sentido, mas à noite, com tudo iluminado e sem a mancha da miséria, deixava um estrangeiro boquiaberto. Maksim impressionou-se ao ver construções como a Estação da Luz, o Edifício Banespa, o Anhangabaú com o Municipal ao lado e etc.
Neste primeiro momento de paz em dias de sobrassalto, ou em meses, Adriano e Bruno puderam ter a tranquilidade para contar um pouco a Maksim sobre a história da cidade, que não se comparava à antiguidade de Moscou mas também tinha seu charme. Contaram que a cidade tinha sido uma antiga vila jesuíta no século XVI que se expandiu modestamente até o século XIX e só a partir dali começou a crescer a largos passos e desordenadamente, até virar a megalópole que é hoje. Contaram um pouco sobre São Paulo ter sido um entreposto comercial entre o interior agrícola e o porto de Santos, que havia tomado impulso no começo do sáculo XX com a industrialização e hoje era o nervo financeiro do país. Tudo isto ia compondo uma imagem na cabeça de Maksim, inclusive esclarecendo por que São Paulo tinha sido alvo de um golpe financeiro daquele porte. A este ponto os dois já tinham contado a Maksim toda a história do grande golpe.
Adriano e Bruno também explicaram a Maksim que, se pretendesse realmente ficar no Brasil, teria que aprender português, pois os habitantes daqui, em sua maioria, não falam inglês. Maksim, porém, continuava mais animado que amedrontado. Parecia estar realmente disposto a tentar uma nova vida.
Ao chegarem ao hotel fizeram seu check in e rumaram para seus quartos. Mais uma vez abrir as malas para fechá-las logo em seguida, este movimento já estava cansando a Bruno e Adriano. Eles precisavam de um pouco de paz. Infelizmente não a teriam até que resolvessem o que faltava.
Encontraram forças para ir jantar no Sidon, que fica perto dali, e logo em seguida voltaram ao hotel e dormiram profundamente. Já seria uma pequena introdução à vida noturna gay de São Paulo para Maksim, que não deixava de encantar-se com o jeito mais acessível dos brasileiros. Bruno e Adriano já planejavam levá-lo a lugares gays paulistanos para que ele conhecesse um pouco mais da vida noturna gay de São Paulo.
No dia seguinte começaram sua longa empreitada para ajustar as coisas e resolver suas vidas. Logo a princípio foram com Maksim à delegacia falar com o Delegado Freitas e contar tudo o que sabiam e tudo o que tinham presenciado. O Delegado Freitas custava a acreditar no que ouvia, parecia-lhe uma obra de ficção. Só não lhe sobreveio como uma mentira completa porque já tinha sido informado sobre o caso pela Polícia Federal e pela Delegacia de Crimes Cibernéticos, pois o BND e a Interpol já tinham pedido providências a estes órgãos quanto ao caso. Adriano e Bruno sentiram-se muito aliviados quando souberam, pelo Delegado, que Ilya Nemov havia sido preso, junto com Mônica/Irina Andropova por estelionato e formação de quadrilha, em resposta às requisições dos órgãos internacionais e da Polícia Federal.
“Mas não seria possível que outros integrantes do grupo ainda estivessem agindo e viessem atrás de nós”? Perguntou Adriano.
“Não é impossível, porém se isto for verdade estas pessoas vão agora pensar duas vezes antes de ameaçar ou tentar matar alguém, pois o grupo está sendo mundialmente desmascarado. Mesmo assim temos ordem de oferecer-lhes proteção policial ininterrupta até que tudo esteja absolutamente sob controle”. Retrucou o Delegado.
Isto deixava Adriano e Bruno mais tranquilos. Quanto a Maksim, ele nada precisaria temer, pois não se sabia quem ele era nem o quanto sabia ou o quanto tinha colaborado na “missão” na Rússia.
Ocorreu também a Adriano perguntar ao Delegado se haviam achado o dinheiro subtraído por Renato e Erica:
“Sr. Delegado, porventura vocês conseguiram rastrear a quantia desviada pelo Renato e pela Erica”?
“Não conseguimos Sr. Adriano. Vasculhamos a casa dele por completo, vasculhamos todas as contas bancárias, inclusive a de Cayman Islands, depois que pedimos quebra de sigilo bancário, nada foi encontrado. O dinheiro continua extraviado por enquanto. Só podemos ter certeza de que não está com os dois, pois eles se encontram detidos até o julgamento”.
“Ok, só por curiosidade, obrigado”.
Adriano e Bruno resolveram também ceder ao Delegado e enviar por email à Polícia Federal e ao BND todas as fotos que tinham tirado no vagão 17, para terem certeza que haviam dado sua contribuição ao desvendamento de um crime internacional. Obviamente haviam feito isto de forma anônima.
Sendo assim Adriano e Bruno resolveram retornar à empresa, tomar pé de como andavam as coisas por lá e tentar retomar suas vidas. Porém algo lhes dizia que nunca mais viveriam em paz, sabendo que “alguém mais, muito poderoso” os conhecia e sabia de seu papel, ainda que modesto, na elucidação do caso no Brasil.
No caminho também foram mostrando a Maksim a Avenida Engenheiro Luiz Carlos Berrini, centro financeiro e empresarial de São Paulo. Estavam retribuindo a função de cicerone que Maksim tinha prestado a eles na Rússia.
Ao entrarem na empresa foram recebidos de forma efusiva, o time deu as boas vindas a Bruno, todos muito emocionados pelo “herói” da história estar vivo e bem. Já tinham sido informados sobre a grande trama, sobre os verdadeiros responsáveis serem na verdade Ilya Nemov e Irina Andropova, que por tanto tempo os haviam enganado, mais até que Renato e Erica. Embora não soubessem nada sobre a grande jornada que Adriano e Bruno tinham feito pela Alemanha e Rússia para elucidar o que realmente estava por detrás da trama, compreendiam que Adriano e Bruno tinham estado algum tempo distantes até que Ilya e Irina fossem imobilizados.
Maksim foi falar com Alexei, cumprimentaram-se efusivamente, pois fazia muito tempo que não se reviam. Conversaram muito tempo em russo, Maksim contou a Alexei sobre seus planos de permanecer no Brasil, ao que Alexei deu muita força, pois sabia que seria uma alternativa de vida muito melhor para Maksim. Feitas as devidas traduções, Adriano propôs a Maksim que integrasse o time da Hedge, pois Maksim era matemático, poderia contribuir muito com aquele tipo de métier. Maksim aceitou prontamente, dizendo que nunca tinha arrumado um emprego tão rapidamente. Mal chegava em um país e uma empresa e já estava empregado. E a área de TI estava de novo desfalcada com a saída de Ilya. Adriano prometeu que cuidaria pessoalmente dos detalhes de visto de trabalho e admissão na empresa. E obviamente Maksim teria de voltar à Rússia posteriormente para pegar suas coisas e arranjar sua situação lá, deixando tudo em ordem.
CAPÍTULO 63
No final das contas, Adriano e Bruno sentiam-se mais seguros com relação a possíveis retaliações ou ameaças por parte de Ilya e Irina. Sabiam que estes dois também estavam fora de combate por algum tempo. Resolveram que poderiam voltar ao apartamento de Adriano para ficar lá por algum tempo. Este tempo não seria infinito, pois a magnitude do crime em que haviam sido envolvidos ensejava a que fossem punidos ou perseguidos uma hora ou outra. É sabido que das máfias ninguém escapa. Mas por hora parecia possível que ficassem lá por algum tempo.
Decidiram que poderiam dormir lá, estar por lá por algum tempo, afinal Adriano precisaria reorganizar sua vida até saber o que faria dela, assim como Bruno. Neste primeiro momento eles foram até o Morumbi, aproveitando para também mostrar a Maksim o que era aquele bairro. Contaram que se tratava de uma antiga fazenda, pouco habitado e quase rural até meados do século XX, que aos poucos tinha se urbanizado e virado aquela grande concentração populacional. Aos poucos Maksim ia conhecendo os bairros de São Paulo superficialmente. Adriano passou pelas colunas da antiga casa da Fazenda, depois pala própria Casa da Fazenda, hoje um museu e casa de cultura, mostrou as casas imensas dos milionários, as ruas arborizadas, limpas e pouco povoadas, cena pouco comum em são Paulo, depois foram conhecer a região da Avenida Giovanni Gronchi, com seus prédios novos e sua alta densidade populacional e finalmente param no Outback para um jantar. Comeram bem e foram dormir os três no apartamento de Adriano.
No dia seguinte Adriano e Bruno queriam rever Tatiana para agradecer-lhe imensamente por todo o trabalho árduo e ajuda que esta lhes tinha prestado. Depois de mais um dia na Hedge, foram os três ver a valiosa amiga. Levaram-lhe flores e chocolates, mas Adriano tinha algo maior em mente que não quis falar a Bruno neste momento. Primeiro haviam ligado a Tatiana para saber se poderia recebê-los. Ela se prontificou imediatamente, dizendo que estava com muita saudade do Bruno e que ficava feliz por terem tido êxito no seu intento, que prepararia o usual jantar e que tinha algumas novidades.
Chegando lá já fizeram as apresentações, Tatiana estava bem feliz e disse entusiasmada:
“Nós somos um timão juntos hein? Um timão russo-brasileiro anti-crime organizado! Conosco ninguém brinca, haha”!
“Mas no Brasil e na Rússia acho que é crime desorganizado”, brincou Bruno.
Adriano ofereceu-se para terminar o jantar enquanto Tatiana e Bruno iam mostrar a Maksim a casa e a represa. Maksim ficou bastante impressionado ao ver uma zona quase rural e uma represa dentro do perímetro urbano de uma metrópole.
Durante o jantar os três contaram a Tatiana os detalhes das aventuras e desventuras ocorridas na Alemanha e Rússia, principalmente o incidente do vagão 17.
“Nossa, acho que eu caía dura junto com os oficiais bêbados, haha”!
“Mas que graça! E de vasculhar as vidas das pessoas na internet você não tem medo”? Perguntou Adriano.
“Ah, mas isso eu to aqui na minha casa, protegida. Aliás, era sobre isso que eu queria falar com vocês. A polícia não tem ideia de onde tenham ido parar os 35 milhões de dólares que o Renato e a Erica levaram de “gorjeta” para ajudar o programa russo a operar, mas eu andei fazendo uma pequena pesquisa”. E deu uma risadinha.
“O que você quer dizer”? Perguntou Bruno com um espanto.
“Quero dizer que consegui entrar nas correspondências, emails, contas e tudo o mais do Renato, ora essa. Vocês ainda duvidam das minhas habilidades de hacker nas horas vagas”?
“O quê”? Exclamou Adriano.
“É isso aí Adriano. Peguei uns emails de comunicação entre o Renato e a Erica dizendo que ele estava com um pouco de receio de como as coisas estavam se encaminhando. A princípio a ideia deles era ir só para Cancún mesmo, para tirar férias. Na volta Renato mudaria de emprego e manteria o dinheiro a salvo na conta nas Cayman. Mas como eles perceberam que logo ia começar uma investigação sobre tudo o que estava acontecendo, resolveram dar uma esticadinha até as Cayman e sacar toda a grana, trazer em cash para o Brasil e escondê-la. O Renato não escreveu nada explícito em nenhum email, mas mencionou que tinha um porão na casa dele com piso de tábuas de madeira. Em outra pasta no computador dele descobri que ele pagou um pedreiro e um marceneiro para um serviço. Acho que ele deve ter cavado um tipo de cofre subterrâneo na casa dele”.
“Mas a polícia revirou a casa dele inteira e não achou nada, a casa está até lacrada com aquelas faixas amarelas de Polícia Federal, pelo que entendi”. Disse Bruno.
“Pois é, mas mesmo assim eles não devem ter cavado as fundações da casa, não é mesmo? Por que fariam isso”?
Por um momento fez-se um silêncio e ninguém disse nada. Mas Bruno logo se manifestou:
“Adriano, você está fazendo uma cara diabólica, que eu já conheço a sua cara diabólica”!
Adriano só retribuiu continuando seu sorriso diabólico.
“Não acredito que você está realmente pensando nisso”! Reforçou Bruno.
“Depois conversamos sobre isso”.
Desta forma terminou o assunto, eles acabaram seu jantar e foram embora.
CAPÍTULO 64
Adriano queria ajudar Bruno a rever sua família em Ribeirão. Só que teriam que ir só os dois, sem Maksim. Por isso estava planejando ver se Maksim se entrosaria com Igor e Caio.
“Bruno, você acha que o Maksim pode se dar bem com o Igor e o Caio”?
“Não vejo por que não Adriano. Aliás, ele precisa começar a fazer um círculo de amigos independente de nós, se ele quer realmente ficar aqui no Brasil, não é”?
“Que tal então a gente combinar de sair hoje à noite com eles, ver como a coisa flui e de repente a gente vai pra Ribeirão rever a sua família e o Maksim fica aqui sob os cuidados do Igor e do Caio”?
“Acho uma ótima ideia”.
Combinaram então de ir ao Thompson Café da Antônio Carlos. Maksim já achou bem interessante o lugar. Já tinha tido oportunidade de ver aquela parte da cidade no dia em que chegaram, mas agora com mais calma via todo aquele movimento gay de São Paulo, ficou bem interessado, dizia que na Rússia este tipo de bar e bairro, tão à vontade para gays, não existia.
Igor e Caio acharam Maksim uma preciosidade. O típico loirinho eslavo raríssimo aqui no Brasil, Igor ficou especialmente encantado. Achou Maksim gato demais. Já se entrosaram de partida. Maksim então estava se sentindo o máximo, o centro das atenções. Todos o paqueravam, as atenções convergiam para ele, levava olhadas e paqueras evidentes. Como previsto, faria um sucesso louco aqui no Brasil.
Nem precisou muita força para Adriano sugerir que eles fossem à Myst no Sábado, ideia que veio a calhar, pois liberaria Adriano e Bruno no fim de semana para irem a Ribeirão. E foi isto mesmo que aconteceu.
Adriano e Bruno foram de avião para Ribeirão. Foram recebidos por uma família totalmente emocionada de ver seu ente querido vivo e bem. A mãe de Bruno abraçava-o e beijava-o como se fosse uma visão. Chorava copiosamente. Assim também fizeram o pai e os irmãos de Bruno. Agradeceram muito a Adriano por tudo o que tinha feito ao ir atrás de Bruno e salvá-lo de uma situação perigosa. Pensavam que não fossem mais vê-lo. E, por mais trágico que fosse, parecia também cômico. Teriam que retirar um cadáver desconhecido da tumba da família, pois não era Bruno! Passaram o fim de semana em Ribeirão e, quando foram embora, prometeram que iriam ver-se mais frequentemente.
Enquanto isso acontecia em Ribeirão, Maksim conhecia São Paulo com mais profundidade. Igor e Caio tinham-no levado para conhecer o centro velho, a história da cidade, o Pátio do Colégio, a Catedral da Sé, o Viaduto do Chá, a Rua Augusta e outros pontos centrais. Passearam também muito pelos Jardins e pela zona da Paulista, mostrando a Maksim como a vida gay é aberta e à vontade em São Paulo, pelo menos mais que em Moscou. No sábado à noite foram à Myst, como combinado. Nem é preciso dizer o quanto Maksim se divertiu, presenciando uma cena que jamais teria oportunidade de ver em Moscou. Uma multidão de caras tão à vontade como ficam lá na Myst. Aproveitou para se soltar, beijar muitos caras, ficou bebinho e aprontou muito. Já até combinaram de ir para o Rio de Janeiro no feriado de 2 de novembro que se aproximava.
Depois deste fim de semana com jeito de conclusão, Adriano, Bruno e Maksim retornaram ao trabalho na Hedge e começavam a vislumbrar uma nova vida. Adriano exercitava sua nova postura como diretor, mais participativo, mais humano. Bruno reintegrava-se à equipe, agora sem perseguições e na qualidade de assessor direto da diretoria. Maksim começava a trilhar seu novo caminho em uma função ainda desconhecida, mas que ele teria totais condições de executar. Seu intérprete direto era Alexei, com quem podia falar russo, enquanto com os outros falava inglês. Já estava tomando aulas de português, financiadas pela empresa, e já ensaiava suas primeiras frases desajeitadas. Afinal, tudo transcorria bem.
CAPÍTULO 65
Durante as próximas duas semanas as coisas foram retomando seu ritmo, com novidades. Maksim resolveu sua situação indo morar junto com Igor. Para ele era conveniente morar com um brasileiro, tanto do ponto de vista prático como financeiro, ainda mais tendo descoberto que tinham um bom entrosamento. Adriano e Bruno continuavam morando juntos no Morumbi, já com todas as coisas arrumadas e em seus devidos lugares. Bruno tinha arrumado seu apartamento para alugar, pois estavam pensando em morar juntos definitivamente no apartamento de Adriano.
Em uma certa quinta feira, porém, o inesperado aconteceu. Ao chegarem em casa, Adriano e Bruno abriram uma correspondência com uma frase única:
“Se pensam que seu pesadelo acabou, Adriano e Bruno, enganam-se”.
Ao lerem isto, os dois ficaram apavorados.
“O que vamos fazer, Adriano? Agora não tem mais Renato, nem Ilya, nem ninguém. Não sabemos de quem vem a ameaça”!
Adriano estava indócil. Caminhava preocupado de um lado para o outro. “A Teia da Aranha Invisível”! Repetia para si mesmo. “Nunca vamos descobrir”! E respondeu a Bruno:
“É exatamente este o problema Bruno. Será que um dia isto vai terminar? Provocamos a ira de cachorros grandes! A polícia não pode nos ajudar mais. O pior de tudo é justamente o que você disse. Não sabemos mais de onde está vindo. Nas outras vezes sempre tínhamos uma pista. Agora começo a perder as esperanças. Não temos pista e esse jogo não tá com cara de acabar”.
“A gente pode se esconder na casa dos meus pais em Ribeirão”.
“Até quando Bruno? E até quando eu vou poder sustentar isso? Vamos ter que viver de alguma coisa não é? E sempre com esta espada na cabeça”?
“Mas o que você quer fazer? Qual a alternativa”?
“Primeiro, não temos tempo a perder. Segundo, não podemos ficar aqui. Acho que tenho uma solução meio drástica, mas é o que consigo pensar para o momento”.
“O pior é que eu acho que sei o que está passando pela sua cabeça”.
“Não é pra sempre Bruno, é só até a poeira baixar. Vamos TER que fazer”.
Saíram os dois furtivamente, não tinham nenhum tempo a perder. Bruno conhecia um chaveiro de sua máxima confiança que fazia este tipo de serviço. Telefonaram e passaram para pegá-lo. Foram em seguida para a casa de Renato no Brooklin.
Era uma casa velha, em uma daquelas ruas antigas do Brooklin que ainda têm paralelepípedos ao invés de asfalto. De fora parecia até uma casa meio modesta. Estava cercada por faixas amarelas com inscrições da Polícia Federal, indicando que estava interditada. Não havia nenhum policial à vista. Deveria estar lacrada havia tempo, pois a investigação já corria fazia bom tempo e Renato estava preso.
Os três conduziram o chaveiro furtivamente para a porta de entrada. Este perguntou se era certeza que não haveria alarme. Adriano e Bruno tinham certeza que não.
O chaveiro fez seu trabalho. Abriu a porta da frente sem arrombar. Verificaram se haveria mais alguma porta a ser aberta lá dentro. Não, nada. Adriano e Bruno levaram o chaveiro de volta à Avenida Santo Amaro para que pudesse voltar e deram-lhe dinheiro para o táxi. Em seguida voltaram à casa de Renato e trancaram-se por dentro. Era uma casa grande para uma pessoa só. Logo recordaram-se que ali havia sido a casa de uma família, Renato havia sido casado, tinha dois filhos. Nos últimos tempos, após o divórcio, deveria estar vivendo sozinho.
A casa estava bem descuidada, móveis velhos e sujos, pintura descascando, tudo em desordem. Este estado fazia supor que não se tratava só de abandono pós-prisão de Renato. Ele deveria ter-se abandonado já depois do divórcio, deveria ser uma pessoa infeliz.
Havia sinais de que a casa tinha sido totalmente vasculhada pela polícia. Gavetas e armários revirados, sofás afastados, móveis mexidos. Até os colchões tinham sido removidos, alguns colchões, almofadas e travesseiros rasgados e abertos para expor o conteúdo. Os quadros e um espelho tampouco estavam mais nas paredes, provavelmente a polícia havia procurado por um cofre, mas não havia nenhum. Fogão e geladeira abertos, enfim, a imagem da desolação. Seria inútil procurar por ali, mas Adriano e Bruno já sabiam onde deveriam procurar.
Adriano tinha levado providencialmente um pé de cabra e um martelo que tinha em casa, nunca os tinha usado, agora teriam seu primeiro uso.
Foram buscar o subsolo. Não havia nenhum subsolo! Não havia entrada, escada, nada. Nenhuma porta ou fosse o que fosse. De repente Bruno percebeu uma coisa: os tapetes estavam removidos também.
“Adriano, quem sabe a entrada estivesse debaixo de um tapete”?
Começaram a bater os pés por todo o piso térreo da casa, para ver se escutavam algum som oco, mas em vão. Foi quando Bruno se deu conta de que no centro da sala de estar havia uma mesa de centro que não havia sido removida, e sob ela estava um tapete. Eles removeram a mesa com dificuldade e depois o tapete. Lá estava! Uma espécie de alçapão fechado com cadeado. Que marcada da polícia! Não terem percebido isso! Bem, realmente, não pareceria haver nada debaixo daquela mesa de centro, tão óbvia, na cara da entrada! Adriano apressou-se a pegar seu martelo e com a ajuda de uma faca quebrou o cadeado. Abriram o alçapão e... Que surpresa! Havia uma escada ali. Desceram imediatamente, afobados, como se estivessem no tal vagão 17 com vigias quase acordando. Parecia que teriam que agir rápido.
Ao descerem pela escada procuravam algum interruptor para acenderem alguma luz, pois estava muito escuro. Bruno retirou um isqueiro do bolso e acendeu-o. Logo avistaram um interruptor. Acenderam-no e uma lâmpada precária, pendente de um fio elétrico no teto, acendeu-se e iluminou parcialmente o ambiente.
Após darem uma olhada geral no cômodo e perceberem que se tratava de um quartinho bem pequeno com piso de madeira, nem disseram palavra, já foram logo pisoteando o chão para verem se havia um som oco. Depois de alguns instantes Bruno chamou Adriano silenciosamente, como se alguém os estivesse ouvindo. Tinha escutado um som diferente num dos cantos do cômodo. Pisaram os dois novamente sobre esta parte e confirmaram o achado com um sinal de cabeça. Adriano tomou seu pé de cabra e começou a tentar achar uma fresta na madeira por onde pudessem levantar uma tábua. Logo conseguiram seu intento, mas foi preciso muita força até que rompessem um buraco na madeira, pedaço por pedaço. Finda esta tarefa, avistaram uma maleta. Retiraram a maleta do espaço pequeno que havia sido cavado para alojá-la (Renato deveria ter feito isso às pressas, pois estava muito mal feito) e abriram-na avidamente. Sim, lá estava. A maleta estava repleta de dinheiro. Dólares. Deveriam ser os tais 35 milhões, mas eles não se detiveram a contar. Queriam sair dali. Foi então que Bruno disse:
“Sair para onde Adriano? A esta hora da noite, sem nada na mão? Vamos dormir aqui e esperar um pouco, pensar no que a gente vai fazer”!
“Tem razão. Não temos para onde ir”.
“Vamos viajar. Com este dinheiro, podemos ir para onde quisermos e passar um bom tempo. Vamos pensar com calma onde. A gente tá muito nervoso agora”.
“Ok, vamos ficar aqui um pouco e conversar”.
Pegaram a maleta e subiram de novo para a parte superior da casa. Logo na passagem perceberam que havia uma arma sobre a mesa. Viram que estava carregada e resolveram removê-la dali e desarmá-la. Colocaram-na dentro de um vaso, no quarto de Renato mesmo, com o cuidado de não deixarem impressões. Deitaram-se na que tinha sido a cama de Renato e relaxaram um pouco. Estavam ali, no covil da serpente. O melhor lugar para se proteger de uma serpente é em sua própria casa, quando se sabe que ela não retornará. Relaxaram bastante, pois em meio a tanta tensão, acabaram por cochilar os dois, cansados que estavam. E dormiram a noite inteira. Já com o sol raiado Adriano despertou e acordou Bruno:
“Bruno, já amanheceu”!
“Nossa, eu dormi”?
“Nós dormimos. Vamos, temos que tomar alguma atitude, cada minuto é perigo”.
“Eu já sei o que fazer Adriano. Vamos viajar. Na viagem decidimos. Depositamos o dinheiro em uma conta em algum banco internacional, em uma conta conjunta para nossa garantia, viajamos e, chegando ao nosso destino, retiramos o dinheiro e transferimos para outra conta, depois retransferimos para outra conta, depois outra, outra, e depois a gente liga para a Tatiana para ela apagar os rastros”.
“Hmmm, você andou aprendendo com a máfia russa hein? Hahah! Está certo”.
“Só temos que passar correndo em casa para pegar um mínimo de roupas e passaportes, depois ir ao banco”.
“Só uma coisa Bruno”.
“O que foi?”
“Nós dois sabíamos que tinha uma arma ali, carregada”.
“Hmmm, não entendi”.
“Que bom que não entendeu. Quero dizer que qualquer um de nós poderia ter matado o outro e fugido com o dinheiro, mas preferimos os dois repartir e continuar juntos, o que prova nosso sentimento um pelo outro”.
“Adriano! Claro cara! Estamos juntos nessa”!
“Eu também acho lindão. Por isso fico satisfeito. Não sei o que será da minha vida agora, só não suportaria passar o que será dela longe de você, que me acompanhou por toda esta loucura. Já te perdi uma vez não vou perder a segunda”!
“Então vamos”!
Saíram furtivamente da casa de Renato, foram ao banco e à casa de Adriano como haviam planejado e rumaram para o aeroporto de táxi, sem destino, sem saber para onde iriam.
No caminho Bruno comentou:
“Que ironia do destino. Quem acabou ficando com a farta gorjeta do Renato e da Erica fomos nós dois, que éramos justo os dois candidatos a serem mortos para sermos tirados do caminho do dinheiro”.
“Curioso mesmo”.
Chegando ao aeroporto Adriano e Bruno pareciam duas baratas tontas. Olhavam as pessoas passarem, olhavam um para o outro e nem ousavam pronunciar a fatídica questão: “Para onde vamos então”?
Foi então que Bruno falou:
“Adriano, Frankfurt é um lugar onde você se vira bem. É um lugar seguro para nós. É o entroncamento aeroviário da Europa. Por que não vamos para lá e nos damos uns dias lá para pensar, mais a salvo que aqui”?
“Ok Bruno, concordo. É melhor pensar a salvo e com calma do que aqui. Vamos. Vamos ver qual o primeiro voo. Frankfurt tem voo todo dia”.
Por sorte um voo para Frankfurt decolaria em poucas horas e tinha vagas. Não pensaram duas vezes.
CAPÍTULO 66
Frankfurt já era terreno conhecido para os dois. Até Bruno sentia-se em casa ali. E a salvo. Passaram alguns dias por lá, pensando no que fariam de sua vida. Foram passear às margens do Main, foram comer e beber várias vezes em Sachsenhausen, apesar de que o tempo já estava um pouco mais frio, afinal, era outono agora na Europa. Estavam “quase” tranquilos. Encontraram-se com Uli e contaram-lhe sua história inacreditável, que tinha justo acabado de acontecer logo após eles terem deixado Frankfurt. Este tempo foi importante para os dois. Certa hora Bruno falou. Tinha-lhe ocorrido uma ideia:
“Adriano, vamos para a Itália? É um país ameno, de cultura parecida com a nossa, poderíamos dar um tempo lá. Você gosta de cozinhar, poderíamos abrir um restaurante com o dinheiro que temos agora”.
“Vou pensar na sua ideia. Nada do que fizermos será para sempre, pretendo voltar ao Brasil um dia, mas sinto que precisaremos dar um tempo longe de lá. Não sabemos nem se quem nos persegue por lá é um subgrupo brasileiro, ramo local do “grande grupo”, ou se é a máfia russa diretamente. Eu topo. Ainda mais, a Alemanha é a sede da Hedge AG, seria mais sábio não ficarmos por aqui. A Itália é uma boa ideia, sempre quis conhecer melhor a Itália. Vou pensar com carinho”.
Nem precisou tanto tempo. Em dois dias Adriano já chegou com o bolo pronto:
“Eu tenho uma boa impressão de Veneza, o que você acha”?
“Fechado”!
Tomaram um trem e foram. Chegaram à estação ferroviária de Santa Lucia. Outra maravilha europeia de arquitetura e arte. Adriano e Bruno ficaram contemplando a beleza da estação antes de saírem para a rua. Ao saírem, outra surpresa. Estavam preparados para atravessar a rua para o outro lado quando... não era uma rua e sim um canal! Não havia ruas em Veneza, só canais. Não havia carros! Foi de cair o queixo. E desta vez era surpresa para ambos. Uma paisagem maravilhosa! Um sol límpido apesar do frio que fazia. Passearam muito pela Piazza di San Marco, pelas paisagens outonais estonteantes dos caminhos e “fondamenta” de Veneza.
Três meses depois a vida dos dois estava quase que estabilizada em Veneza. Adriano e Bruno tinham aberto um restaurante de comida brasileira próximo à Riva Del Vin, Adriano estava tendo chance de ser um chef, dando vazão a uma habilidade que nunca havia explorado desta forma e em um lugar onde jamais teria imaginado. Tinha aulas de italiano e já ensaiava falar alguma coisa.
Bruno já falava italiano fluente, tinha feito na Italia o mesmo papel de cicerone que Adriano tinha feito na Alemanha. De qualquer forma, não queria perder esta oportunidade, estava aprendendo alemão para a próxima vez que fossem para a Alemanha. E ambos estavam aprendendo russo, por via das dúvidas, para evitar apertos futuros.
Quanto à questão financeira, não tinham com o que se preocupar. O patrimônio de que dispunham era suficiente para uma vida, mesmo que um dia pretendessem voltar ao Brasil, quando as coisas tivessem se acalmado. De qualquer forma, tinham feito o que tinham combinado acerca das contas bancárias e pediram a Tatiana que apagasse os registros, mantendo segredo sobre tudo. Tatiana e Maksim eram as únicas pessoas de fora da trama que certamente não estavam na mira do grupo negro. Pouquíssimas pessoas no Brasil sabiam do paradeiro dos dois, entre os quais os pais de Bruno, para os quais Adriano tinha cumprido sua promessa de ajudar. Tinha doado seu apartamento e carro a eles. Eles viriam visitar os dois em Veneza assim que possível.
Da mesma forma Igor e Maksim, que agora eram um par. O descontentamento de Igor por não achar ninguém e estar sempre sozinho tinha encontrado um fim. Já haviam prometido que também viriam visitá-los em Veneza.
Adriano e Bruno também tinham feito questão de separar um quarto de seu patrimônio e ceder a Tatiana, Alexei e Maksim, pela preciosa e arriscada ajuda dos três no desenlace da história.
Neste momento, os únicas pessoas que sabiam do paradeiro dos dois eram os parentes de Bruno, Tatiana, Alexei, Igor, Maksim e Caio.
E quanto aos disparos que controlavam o programa Troika, também conhecidos por “Entity”, ou “Aranha Invisível” ou outro nome que alguma instituição tenha dado no decorrer da história, ninguém nunca veio a saber se se tratava de uma pessoa, um programa de computador, um grupo de pessoas, um grupo político, um grupo mafioso, uma organização para-militar, uma organização terrorista...
EPÍLOGO
O ano era 2012. Época difícil. Depois da crise de crédito dos Estados Unidos em 2008, nada mais havia sido o mesmo. Havia sempre a especulação de que os mercados se recuperassem em tal período de tempo, que a expectativa de comportamento do câmbio, da inflação, das economias e demais fatores relacionados se refariam em um tempo previsto, como de tantos meses ou ano, mas, verdade seja dita, das ciências (ciência?) economia figura entre as mais inexatas e o único fato cada vez mais óbvio era que os norte americanos haviam perdido a liderança econômico-financeira do mundo para sempre.
De certa forma, isso trazia um alento para países como nós, o Brasil, que sempre tínhamos nos sentido humilhados pela arrogância americana e que sempre nos havíamos comportado como seres inferiorizados em relação aos europeus, que a qualquer momento tinham algo a ensinar-nos com olhar de superioridade. Se em 2011 o Brasil ultrapassara o Reino Unido em PIB, passando de sétimo para sexto PIB do mundo, isso nos dava uma folga moral. Só o fato de podermos sentir menos inferioridade e mais respeito em relação a norte americanos e europeus já era bastante reconfortante. Era mesmo um sentimento de povo humilhado que recupera a autoestima, afinal, os BRICS tinham sido responsáveis por 57% do movimento/crescimento/impulso econômico no ano de 2011, enquanto as economias tradicionalmente ricas apenas por 8%.
Bem, para piorar as coisas, em 2010 a comunidade europeia completou o quadro de perigo econômico quando veio à tona que a Grécia era um país quebrado. Logo após descobriu-se que havia outros tantos, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália. Ou seja, a crise de crédito, de uma forma modificada, adquiria seu estilo primavera-verão Londres – Milão – Paris.
O Japão já vinha apresentando dificuldades desde a década de 90.
Enfim, todo este cenário fazia de nós, BRICS, a bola da vez. Difícil de acreditar, por vezes, pois o Brasil, com toda sua corrupção, desigualdade social, falta de estrutura, deficiência nos setores de educação e saúde e tudo o que é conhecido sobre o país – como faríamos frente à concorrência com países muito melhor estruturados como os tradicionalmente ricos? Isso era visível no preço que pagávamos pelas mercadorias, roupas, comida, visível nos supermercados, na assustadora desproporção entre produtos e custo de vida contra salários oferecidos/aferidos e assim por diante. Qualquer estrangeiro por aqui dizia que em Londres ou Miami pagariam 10 vezes menos, no mínimo, por mercadoria de melhor qualidade. É o tal do preço Brasil, o preço da porcentagem que neste país vai para o bolso da corrupção...
Seja como fosse, era visível um aquecimento de mercado. As pessoas compravam, passeavam, vestiam-se, consumiam, o desemprego era um dos menores da história recente, o sorriso de progresso desfilava estampado nos semblantes dos que pelas ruas passeavam, contrastando com os habitantes de rua que mendigavam alguns trocados ou com as notícias quotidianas de crimes hediondos, chacinas, com a presença das favelas, as desgraças que os miseráveis passavam com inundações, o tráfico e consumo de drogas e aí por diante, coisas que para nós que vivemos no Brasil tornaram-se numb, pois havíamos aprendido a conviver com este cenário ao longo de uma história de 500 anos. Não era possível dizer o que chocava mais aos agora abundantes estrangeiros que por aqui se aventuravam: se eram as desgraças em si ou nossa indiferença a elas. Enquanto eles se indignavam (corretos eles), a passividade de 500 anos do povo brasileiro expressava-se como de costume.
Neste cenário de forte hiperaquecimento de mercado, choviam torrentes de investimento estrangeiro, os famosos tsunamis cambiais, para dentro do país, e as empresas, bancos e governo tinham que virar-se para contorná-las.
Do ponto de vista do mercado financeiro, empresas de investimento e consultoria eram procuradas para se saber quais as melhores opções para lidar com a hipervaloração do capital, contornar a inflação, quais os melhores fundos, precaver-se contra possíveis imprevistos e loucas reviravoltas de mercado (baseadas em eventos futuros imprevistos), enfim toda a sorte de pensamento que ocorre a um investidor.
É neste cenário de país emergente sofrendo hiperaquecimento econômico e ainda sob domínio de vasta cultura de corrupção, clientelismo, oligocracia que se encontra terra fértil para os maiores golpes especulativos, incluindo sua versão mais criminosa que seriam as fraudes, estelionatos, desfalques e toda a sorte de crimes financeiros.