Todo teu / 2 capítulo
Parte da série Todo teu / 1 Temporada
Saltei da cama e corri para a janela, desesperado por ar fresco.
O que é que eu vou fazer agora, sozinho?
Era sempre a mesma pergunta. E as emoções… a forma como ele
começou a interessarse mais por mim depois de me apanhar, dandome uma atenção e tratandome como nunca me tratara até então; como passou a querer estar mais comigo, quando até aí não tivera paciência e
se aborrecia quando eu o procurava; como começou a levarme com ele
para jogar à bola, para a praia, para andar de mota às escondidas da
minha avó.
Gostei muito da primeira vez em que ele me tocou a sério… foi o meu presente dos catorze anos. A partir de então foi um evoluir natural, lento, mas constante. E eu gostava de lhe dar prazer e esforçavame para que ele o tivesse, para o ouvir dizer que eu aprendia facilmente, para receber uma palmada amigável, para o deixar bem disposto e conseguir que me
levasse ao bar, à noite, para dançar. Odiava quando ele me deixava em
casa, sozinho com os meus avós, como castigo por não o tersatisfeito, mas era raro.
Agora acabara tudo, o Pedro casarase e não me queria mais, não daquela maneira. Agora tinha uma mulher, queria serlhe fiel, queria dedicarse a
ela, e eu estava a mais. Depois de quatro anos em que fez tudo o que quis e ficava furioso se eu lhe dissesse que não, em que não me deixava sair com ninguém e andava atrás de mim, a controlarme, em que ameaçava nunca mais tocarme se eu dissesse a alguém, em que me procurava para ter prazer… e para me dar… agora não me queria mais.
Ele sempre teve namoradas, podia fazer o que queria, eu é que não. A
certa altura comecei a sentir ciúmes, mas ele não cedeu; ele era o mais velho, era quem mandava, eu era o puto mais novo, fazia o que ele queria e pronto… sem discussão. Eu ficava a ferver de fúria, ou ficava triste, mas acabava sempre por lhe perdoar, feliz por ele ter voltado, por me
querer novamente.
As notícias na televisão falam muitas vezes de familiares ou amigos próximos que abusam de menores. A certa altura percebi que as pessoas poderiam considerar aqueles comportamentos incorretos, daí não se poder contar a ninguém, daí todo o stresse quando estávamos juntos e o
ter de fazer tudo a correr e às escondidas. Para mim não era incorreto, eu não me importava, para mim não era abuso; abuso era ele ter namoradas, isso sim, deixandome sozinho.
E ele era simpático, era protetor, preocupavase comigo, mantinhame debaixo de olho para que não me acontecesse nada. Diziame que eu era
especial, que gostava muito de mim e que tinha muito orgulho em mim. Mas por outro lado, era bruto quando eu tentava relacionarme com outras pessoas. Foi muito difícil quando entrei para a equipa defutebol e
comecei a jogar a sério. Ele ficava furioso com os abraços que os meus colegas me davam quando eu fazia uma boa defesa ou quando ganhávamos um jogo; e cronometrava o tempo que eu demorava no duche, desconfiado; e se me convidavam para sair? Era um inferno, ele
não gostava de me ver com ninguém, fossem rapazes ou raparigas.
E agora casarase e deixarame sozinho, quase sem amigos…
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