Todo teu / 10 capítulo
Parte da série Todo teu / 1 Temporada
Cheguei a casa com a mesma telha com que tinha saído, cansado e ainda por cima esfolado. Não valia a pena, quando se está em má onda, não há
nada a fazer.
Espreitei o telemóvel. Tinha uma mensagem do Chico.
– Já?! – Exclamei em voz alta. –
Deves ter caído da cama!
«Estás melhor?»
«Sim. Mas não quero falar nisso.»
A minha resposta foi curta e grossa, não queria mesmo. Já tinham passado duas semanas desde o casamento e eu já estava a recuperar. No fim de semana anterior tinha conversado com o Chico, quando ainda estava completamente desorientado, ele tinhame ouvido, tinhame apoiado, tinhame mimado e chegava. Não sou muito de falar dos meus problemas, sempre me habituei a resolvêlos sozinho porque não podia contar com a ajuda de quem quer que fosse. Mas não me conseguia habituar à ideia de não ter ninguém. Não achava justo, não merecia ser abandonado, trocado. Senti lágrimas nos olhos mais uma vez, mas consegui contêlas, e uma nova mensagem do Chico acabou por me
distrair.
«A caminho do Vermelho. Queres vir tomar café?»
Dasss…
Que pancada que o gajo tinha com aquele café. Era o café mais rasca da
zona. Aliás, aquilo nem era um café, era uma taberna, cheia de velhotes e
saloios a falar de bola… de bola não, do Benfica… aliás, o nome diz
tudo, não é? Eu não tenho nada contra o Benfica, nem pensar nisso, é o
clube do meu avozinho, que é doente por futebol, mas haja pachorra. Tomar café a ouvir falar das novas contratações e do árbitro que tinha roubado um penalti, não é bem a minha onda. Eu só costumava lá ir
depois dos treinos de futebol, porque ficava ao pé da associação, era
onde acabava por ir a equipa toda, era onde encontrávamos os poucos adeptos do nosso clube e era das poucas vezes em que falavam de nós em vez de falarem do Benfica.
Seja como for, já tinha deixado de jogar há um ano e nunca mais lá tinha ido. Agora ainda eram mais chatos: que eu tinha sido um bom guarda redes, que a equipa era melhor quando eu lá estava, que não sei que
mais… tudo saudosismo imbecil, porque quando eu jogava e a equipa perdia, diziam que eu era um frangueiro, que tinha manteiga nas mãos, que deixava entrar tudo. Enfim, os comentários dos adeptos são iguais em todos os níveis de competição.
Mas resolvi aceitar porque, se ficasse em casa, iria acabar por recomeçar a matutar na treta que era a minha vida, precisava mesmo de me distrair. O Chico costumava ser um tipo alegre e
eu gostava de estar com ele e
com o Álvaro, de observar a cumplicidade entre os dois e a maneira como se picavam mutuamente… tinha até alguma inveja deles, mas isso
logo passaria. Com alguma sorte, estariam acompanhados por alguém interessante e… livre. Com um pouco mais de sorte, seria alguém que me
daria atenção e me faria sentir bem, pelo menos por algum tempo.
«Temos aqui um amigo que gostávamos que conhecesses.»
Aquilo fezme decidir de uma vez por todas. Eu confiava no bom gosto do meu Chico. Depois de horas e horas na praia a comentar cada tipo que passava, sabia que tínhamos preferências semelhantes e se ele achava que o tipo servia para mim, provavelmente servia. Peguei na bicicleta e
arranquei para o Vermelho. Mesmo que não acontecesse nada e que
passasse uma hora a ouvir falar do Benfica, naquele momento qualquer coisa seria melhor do que continuar obcecado com o Pedro. Até as novas contratações seriam um assunto mais interessante. Demorei um
bocadinho a chegar, mas não muito. Eu bem gostaria de ter uma mota, mas não sou propriamente rico. Além disso, os meus avós nunca me permitiriam tal coisa.
Contínua...