Floresta Negra

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Flↄresta Negrα

V.2

A chuva batia tão forte na janela do meu quarto que fiquei com medo que ela se quebrasse. Os relâmpagos que cortavam o céu clareavam o quarto que estava dominado pela escuridão da madrugada. A floresta que rodeava a casa gemia com os ventos fortes da tempestade. Ouvi barulhos de passos se aproximando da porta do meu quarto. Ela se abriu e meu irmão mais velho Jacke acendeu uma lanterna.

- Jacke? O que foi? – Perguntei me sentando na beirada da cama.

- A tempestade cortou a energia. Provavelmente só irá voltar pela manhã. – Ele respondeu. – Não estou conseguindo dormir...

- Quer conversar? – Perguntei. Eu sabia da situação que ele enfrentava.

Ele deitou ao meu lado. Voltei a deitar também e ficamos nos entreolhando. Todas as camas da casa eram de casal, então havia espaço suficiente para umas três pessoas ali.

- É irônico, não é? Nos mudamos para cá por que não estávamos acostumados com o frio da nossa antiga cidade. Dizem que aqui é um lugar quente, mas desde que chegamos só tem chovido – Ele murmurou desdobrando uma parte da minha coberta e jogando sobre o seu corpo. – O que você acha que vai acontecer amanhã?

- Eu não sei... Não consigo esperar muita coisa desse lugar. Com o número de habitantes que tem, o que poderíamos esperar?

- Com certeza não teremos que nos preocupar com segredos – Ele disse sorrindo. – E poderemos saber da vida de quem quisermos. De qualquer garota. Só precisamos perguntar para qualquer fofoqueiro que cruzar o nosso caminho.

Havíamos nos mudados para uma casa que ficava a menos de um quilômetro de uma pequena cidade no Canadá que não devia passar de 3.000 habitantes. Uma cidade pacata onde todos provavelmente sabiam completamente da vida dos outros. Realmente não tinha como haver segredos por ali.

- Mas você não quer conhecer outra garota – Afirmei. Era a verdade.

- Não. – Ele demorou quase um minuto para continuar. – Deixar Anne foi a coisa mais difícil que tive que fazer. Quando eu disse a ela que precisava terminar por que iriamos embora... aquele olhar me cortou o coração e não consigo parar de pensar nisso...

- Eu diria que sinto muito, mas não entendo em que isso ajudaria – Disse pegando em sua mão. Nem a escuridão pode esconder os seus olhos cheios de lágrimas. – Sabe que não deve culpar a mamãe por causa disso, não é?

Eu havia notado desde que chegamos na casa nova que Jacke olhava nossa mãe como se ela fosse uma desconhecida qualquer.

- Eu sei. É só uma fase difícil para mim. Para todos nós, mas vai passar – Ele respondeu. – Sabia que não nos mudamos apenas por causa do mal tempo... A mamãe estava com dificuldade para manter a casa desde que o papai se foi. Eu tentei arrumar um emprego para poder ajuda-la, mas ela não deixou. Acho que é por isso que estou tão magoado com ela. Se ela não tivesse recusado minha ajuda, eu ainda poderia ver a Anne.

- Tayler... Jacke? Estão aí? – Ouvimos um resmungo curioso abrir a porta e entrar. Era a nossa irmã caçula de oito anos, Sofie. Jacke lançou a luz da lanterna para iluminá-la. – Eu posso ficar com vocês também? Essa casa me assusta e os trovões não me deixam dormir...

- É claro – Eu disse. – Está frio. Vem logo para cá.

Ela se deitou entre nós dois.

Às vezes eu achava que nossa família não era normal. Não éramos como os outros irmãos que víamos nos filmes. Éramos unidos, e tínhamos orgulho de ter o mesmo sangue. Ali comigo estava os melhores irmãos que alguém poderia ter... E os melhores amigos. Sofie fez com que cessássemos a conversa, mas diante do conforto e segurança, ela logo adormeceu. Eu e Jacke também.

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- Tayler! Acorda Tay! – Ouvi a voz animada do Jacke me chamar do sono profundo. Ele balançava meu braço enquanto eu ainda me despertava aos poucos. – Olhe lá fora! Está perfeito! Vai se arrumar, vamos sair em menos de uma hora!

A luz invadia todo o quarto. As árvores estavam luminosas com o brilho do sol que batia nelas. O cheiro de terra molhada predominava no ar. O tempo ali devia ser maluco.

Eu e Jacke apostamos corrida até o banheiro para quem iria tomar banho primeiro, mas como sempre ele venceu.

- Bom dia querido, preparei uns bolinhos para vocês comerem antes de irem – Disse minha mãe. – Primeiro dia de aula na cidade nova, como se sente? Ansioso?

- Muito. – Disse sendo sarcástico. – Somos tecnicamente os intrusos no colégio mãe. Como acha que vai ser?! Vai ser um pesadelo!

- Ah querido deixa de neura! Vai ser legal! É uma vida nova, casa nova, cidade nova... no meu caso, emprego novo e vocês devem fazer amigos novos. – Ela continuou mantendo o sorriso. – É bom se acostumarem!

Jacke saiu do banheiro enrolado no seu roupão. Ele passou por nós com uma cara emburrada. Minha mãe o encarou até que desaparecesse completamente pelo corredor.

- Ah, deus, que horror... – Ela murmurou parecendo ofendida. – Não sei mais o que eu faço... ou digo.

- É temporário mãe. Ele só está chateado... vai passar – Disse entrando no banheiro para tomar um demorado banho.

Passei quase meia hora em frente ao espelho arrumando meu cabelo e mesmo assim estava me sentindo completamente ridículo. Antes de partir, comi alguns bolinhos da minha mãe enquanto ela se arrumava descentemente para nos levar para a escola.

- Está bonito – Disse Sofie a mim. – Aposto que está pensando em outra coisa além de apenas estudar...

- Exatamente! Para quem não gosta muito de chamar atenção, você realmente está ótimo – Disse Jacke rindo. – Mas vai por mim irmão, você tem que ignorar de cara as garotas que são mais populares... e as que te encararem também.

- E por que eu devo ignorar as que me encararem? Isso não é algo bom? – Perguntei curioso.

- Por que são apenas olhares de segundas intenções. São essas que vão te decepcionar. Procure por aquela que não te olhe muito quando estiver andado pelos corredores. Uma garota bonitinha, atrapalhada talvez... a conquiste e ela te fará feliz – Disse Jacke.

- Isso não faz nenhum sentido – Disse rindo. – Sério. É uma opinião completamente sem sentindo.

- Ainda não entendo por que as outras garotas da minha antiga escola queriam crescer logo – Disse Sofie devorando um bolinho. – Os adolescentes são complicados... e esquisitos.

- Vamos crianças – Disse minha mãe. – Já estamos atrasados.

- Mãe?! Eu tenho quase 16 anos e o Jacke tem 17. A única criança aqui é a Sofie, sem ofensas maninha.

Sofie revirou os olhos.

- É só um modo carinhoso de dizer querido – Ela protestou. – Não vou discutir isso. É desnecessário. Então, como não queremos nos atrasar mais, é melhor irmos crianças.

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A cidade era completamente diferente de como havíamos pensado. As casas não eram velhas e assustadoras, os comércios não pareciam ser limitados e o colégio não era antigo e mal estruturado.

- Que porra de escola é essa?!... – Murmurou Jacke impressionado ao ver o enorme edifício.

O prédio tinha três andares, onde os dois de cima tinham as paredes completamente tomado por janelas de vidro e aço. Um arco de metal enfeitado com um símbolo no centro cruzava o portão de entrada. Havia vários carros luxuosos no estacionamento onde os grupinhos de adolescentes maconheiros faziam a festa em volta deles. Minha mãe estacionou o carro próximo da entrada.

- Agora preciso confirmar a matricula de vocês dois e depois correr para levar sua irmã no outro colégio – Disse minha mãe enquanto saíamos do carro. Sofie reclamou por não poder estudar ali.

O sino bateu enquanto estávamos na secretaria ouvindo intermináveis burocracias de regras do coordenador. Minha atenção foi atraída por uma garota que estava na sala ao lado. As divisórias eram feitas de vidro, o que facilitava a identificação dela.

- Estamos combinados senhor Tayler? – Perguntou o coordenador. Me assustei.

- Que? Claro... está tudo perfeito – Resmunguei. Jacke pareceu querer debochar.

- Certo, vou pedir para a secretária informá-los de suas salas de aula. Espero que gostem da cidade e da nossa escola. É sempre um prazer receber alunos novos de fora – Ele disse pedindo para que sua secretária nos levasse para nossas salas. Depois se despediu da minha mãe com um aperto de mão gentil.

Minha mãe entregou alguns trocados para mim e Jacke, caso precisássemos. Me despedi dela e acompanhei a mulher que levou primeiramente Jacke a sua sala. Depois seguimos para o andar de cima, onde me levou até a porta da minha sala. O professor me recebeu na porta. Achei que ele iria me pedir para ficar em frente a turma enquanto fazia um questionário sobre mim, mas tudo o que ele perguntou foi o meu nome.

- Certo classe, esse é o Tayler. Ele irá nos acompanhar durante o resto do ano letivo. Espero que o tratem bem – Ele disse.

Eu não estava acostumado com tantos olhares... eram tantos que apenas um aluno da classe não me encarava. Ele era o único que se sentava sozinho, e talvez por uma coincidência, o único lugar que ainda estava vago era ao seu lado.

– Sente-se ali, com o nosso colega Luke.

Ouvi risinhos e murmúrios se espalharem pela sala. Aquilo não importava, apenas me sentei ao lado dele, que continuou de cabeça baixa. O professor prosseguiu com a aula. Luke era branco, tinha a aparência de um garoto que gostava de rock pesado. Seu cabelo negro era arrepiado e uma parte dele caía ao lado direito do rosto. Ele usava um bracelete de couro e um anel escuro no dedo, ambos eram completamente descentes.

- Oi. Então, parece que vamos estudar juntos até o fim do ano... – Tentei puxar assunto.

- E isso é legal? – Ele me interrompeu com uma pergunta.

- Bem... eu não sei. Se você quiser podemos ser... – Mas percebi que ele não estava afim de conversar então desisti. Parecia que meu primeiro dia de aula estava melhor do que havia imaginado.

Fiquei o resto da aula em silêncio. De vez em quando escutava uma fofoca da dupla atrás de mim. Eles não falavam de mim, e sim do arrogante garoto ao meu lado. O professor se aproximou.

- Taylor, como estamos na metade do bimestre e você perdeu trabalhos e atividades importantes, vou passar um único trabalho para que você possa recuperar a nota na minha disciplina – Ele disse. – Vai ser um tema grande e complicado, mas talvez o Luke possa te ajudar, afinal ele tem nota mais do que suficiente comigo. Vou deixar que me entregue na próxima semana.

- Obrigado senhor – Agradeci pegando a folha com as instruções do trabalho da mão dele. O sino bateu logo em seguida. Embora as outras duplas não paravam de conversar entre si, eu e Luke permanecemos em silêncio pelos próximos dois tempos, até que chegou o momento do intervalo.

Uma aluna da minha própria classe se ofereceu para me apresentar ao colégio. Depois que ela terminou, agradeci e peguei meu lanche na cantina. Procurei Jacke nas mesas do refeitório, mas ele estava rodeado pelos seus novos amigos, então não quis atrapalhar. Todas as mesas já estavam quase ocupadas, embora algumas ainda havia espaço, eu não queria me juntar a quem não conhecia. Olhei para a única mesa vazia no fundo do refeitório. Quase vazia. Luke era o único que estava nela. Acho que eu não teria escolha.

- Posso me sentar? – Perguntei. Talvez fosse uma pergunta idiota por que nem resposta obtive. Me sentei mesmo assim.

- Licença... – Disse uma voz feminina. Me virei para ela que me lançou um sorriso gentil. – Me chamo Neyce. Como você é novo por aqui e provavelmente não conhece muita coisa, eu e os meus colegas gostaríamos que se sentasse conosco.

Ela mostrou a mesa em que estavam. Um grupinho de adolescentes me encarava.

- Eu acho que...

- Por favor, podemos não ser os melhores da classe, mas nos importamos com os novatos... não queremos ver eles indo para o mal caminho... – Ela disse de uma forma estranha, como se fosse uma forma de debochar do Luke. – Talvez possamos até lhe ajudar em algo que precisar.

- Então Neyce, eu estou muito bem aqui. Talvez uma outra hora – Disse. – Mas agradeço pelo convite.

Ela se retirou desapontada. Luke sorriu.

- O que? – Perguntei.

- Recusar um convite para se juntar ao grupo de Neyce Witch... vão pensar que você é louco. – Ele disse.

- O que você vai pensar?

- Que é um dos poucos alunos da escola que tem um pouco de inteligência na cabeça – Ele respondeu. – Aquele grupo não passa de patricinhas e jogadores valentões.

- Parece que você é meio rejeitado por aqui. Por que? – Perguntei curioso. Afinal ele não era tão estranho quanto parecia e era muito mais bonito e atraente do que eu e muitos garotos por ali.

- Isso não importa.

- Por que não gosta de conversar? – Insisti nas perguntas.

- Porque não.

- É satanista? Tipo aqueles roqueiros loucos...

- Isso é sério?! Claro que não!

- Então por que é rejeitado e não gosta de conversar?

- Porque não gosto de conversar e porque não quero.

- Por que não tem amigos?

- Essa palavra não existe – Ele respondeu. – É apenas uma ilusão que as pessoas criaram. O termo correto seria colegas.

- Olá meninos – Disse outra voz feminina se aproximando. A reconheci imediatamente. Era a garota que me chamou atenção quando estava na sala do coordenador. – Que bom que conheceu um amigo novo Luke, estava precisando. Talvez assim pare de ser tão rabugento.

- Não somos amigos, nem colegas. E com certeza não quero falar com você hoje – Ele disse. Não consegui saber ao certo se era uma brincadeira ou se era sério.

- Arg!! Não tem jeito mesmo. Guri chato! – Ela se afastou zangada.

- Você parece se dar muito bem com as garotas...

- Foda-se as garotas, foda-se todo mundo.

- Acho que estou condenado só por estar aqui falando contigo – Disse reparando que os outros alunos olhavam e fofocavam entre si.

- Não pedi que se sentasse aqui. Você que se ofereceu. É só sair – Ele respondeu sério.

- Sabe de uma coisa, nem ligo se os outro estão falando mal – Ignorei suas palavras. – Preciso da sua ajuda para fazer o trabalho do professor.

- Sem chance.

- O professor que sugeriu você – Disse.

- Sugerir não é uma ordem.

- Então que tal você me ajudar por livre espontânea vontade?

- Que tal você se afastar de mim enquanto ainda pode? Minha sugestão é muito melhor – Ele disse.

- Preciso de ajuda para fazer o trabalho, e o professor deixou claro que você é bom com essa matéria – Insisti. – Que tal hoje as duas da tarde na minha casa? Minha mãe gosta de visitas e ela faz uns bolinhos muito bons.

- Não gosto de bolinhos.

O sino bateu e eu nem havia conseguido comer o meu lanche. Ele se levantou e me deixou sozinho para trás. Não consegui intender qual era o problema dele. Havia rabugice duplicada. Joguei meu lanche no lixo e fui ao banheiro o mais rápido que pude. Esbarrei com Jacke no caminho.

- Irmão você é doido de ficar perto daquele garoto – Ele disse rapidamente. – O pessoal fala que a família dele está envolvida em crimes terríveis.

- Que crimes? – Perguntei curioso.

- Não sei ao certo. Uns dizem uma coisa e outros dizem outras. Falaram que o pai dele estuprou uma criança de dez anos e a mãe já foi suspeita em um assassinato.

- Isso é apenas o que dizem Jacke. As pessoas não sabem o que falam – Disse. – Você que deve tomar cuidado com quem vai começar a andar. Não quero que te convençam a usar maconha e...

- Sabe que eu não faria isso – Ele protestou.

- Você pode não querer fazer, mas podem te convencer ou te forçar.

- Relaxa Tay, não vamos falar disso novamente. Agora preciso ir – Ele disse se afastando. – Nos vemos na saída, me espere no portão.

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Os dias estavam se passando rapidamente. Comecei a conhecer melhor os alunos da minha sala e estava me dando bem com todos. Conversar com Luke estava ficando mais fácil, pois a cada dia ele se abria aos poucos, respondia algumas das minhas perguntas sem protestar. Mas as fofocas não paravam. Todos me alertavam do quão doido eu era por ficar perto dele, e sinceramente não conseguia compreender. Inventaram tantas histórias sobre a família dele que eu não sabia qual poderia ser verdadeira, então decidi ignorar tudo o que falavam e o convenci a ir à minha casa para finalizar o trabalho que eu deveria entregar no dia seguinte.

- Qual é a dele? – Luke perguntou ao perceber que Jacke passava em frente a porta do meu quarto a cada dez minutos.

- Não é nada. Ignore – Eu disse fechando a porta do quarto.

Era incrível como ele dominava tão bem a matéria e também como ele conseguia explicar cada detalhe como se tivesse vivenciado. Concluímos o trabalho antes do esperado e depois de um lanche da tarde que eu mesmo preparei, saímos caminhando por dentro da floresta que se estendia no fundo do quintal da minha casa. Era de fácil acesso, pois não havia alto matagal, apenas a grama curta e as gigantes árvores, onde a maioria eram pinheiros.

- Por que todos falam coisas absurdas sobre você? – Perguntei.

- Talvez elas não tenham algo melhor para fazer.

- Qual das histórias é verdadeira? – Arrisquei em perguntar.

- Acredita em alguma delas?

- Não sei se deveria.

Houve um momento de silêncio no ar.

- Por que insiste em conversar comigo? – Ele perguntou. Não havia um tom grosso em sua voz, como era de costume.

- Eu sento ao seu lado em todas as aulas, não tenho escolha, então achei melhor tentar ser seu amigo do que ter que fingir em todas as aulas que não te conheço – Respondi. – Mas tentar ser seu amigo é mais difícil do que pensei. Não sei por que você dificulta tanto.

- Achei que você iria dar ouvidos ao que dizem sobre mim e iria se tornar igual a todos os outros que debocham e falam pelas minhas costas – Ele disse. – Mas eu estava enganado... quando estou perto de você eu começo a sentir algo que faz tempo que não sinto.

- Como assim? – Perguntei estranhando.

Ele demorou um pouco para responder. Talvez estivesse em dúvida se realmente falava ou não.

- Estou gostando de você.

Parei de caminhar e o encarei. Não consegui segurar e comecei a rir, mas parei ao perceber que ele falava sério.

- Não pode estar falando sério... – Eu disse ainda tentando acreditar que ele havia dito aquilo.

- Sim, estou falando sério! Eu gosto de você – Ele insistiu.

- Luke, você não pode estar gostando de mim...

- Eu sei o que sinto. Sei que estou gostando de você...

- Para! Não sabe o que está dizendo! – Exclamei.

- Não diga isso...

- Mas você nem me conhece! – Exclamei. – E eu nem te conheço! Tudo o que sei de você é o que os outros dizem!

- Esse é o problema! Nem eu me conheço! Eu não faço a menor ideia de quem eu sou! – Ele disse. Havia magoa em sua voz. – As pessoas falam tantas coisas ruins de mim que estou começando a acreditar nelas!

- Eu sinto muito Luke, mas estou tentando ser seu amigo, apenas isso... – O alertei. – Não sou contra esse tipo de sentimento...

Ele se aproximou devagar. Tentei me afastar, mas ele foi mais rápido e me beijou. Meu corpo ficou paralisado e completamente arrepiado. Eu não podia acreditar que ele estava fazendo aquilo. O empurrei com força para trás e ele se chocou com o tronco de uma das árvores.

- Você é louco! Não acredito que teve coragem de fazer isso!

- Tay...

- Sai! – Exclamei.

- Por favor não...

- Saí daqui! – Dessa vez gritei.

Ele não hesitou. Virou as costas e voltou rapidamente pelo mesmo caminho que viemos. Me sentei apoiando minhas costas no tronco da árvore próxima. Eu havia sido dominado pela sensação horrível de ter cometido algo proibido, embora tivesse sido a força, eu me sentia um ser humano desagradável... mas eu tinha que admitir que nunca havia ganhado um beijo tão bom como aquele, mesmo sendo tão rápido e confuso... talvez eu devesse ter nojo de mim mesmo por admitir aquilo. Passei quase uma hora perdido em pensamentos perturbadores e depois voltei para a casa.

- O que foi querido? – Perguntou minha mãe enquanto estávamos jantando ao redor da mesa de vidro. – Parece preocupado. É algum problema no colégio?

- Não. Eu estou bem! Está tudo bem... – Respondi evitando encará-la pois minha mãe era muito boa em descobrir mentiras. Mas percebi que Jacke já havia descoberto.

Após o jantar, ajudei minha mãe com a louça e depois subi para o meu quarto. Jacke me seguiu e fechou a porta logo depois de entrar.

- Fala! – Ele disse.

- Falar o que? – Perguntei.

- Sou seu irmão! Conheço você mais do que a mamãe! Sei quando está acontecendo algo, está na sua cara! Você sempre foi péssimo para esconder as coisas – Ele disse. – Desembucha e fala logo o que aconteceu!

- Não aconteceu nada! – Disse.

- O que ele fez?

- Qualé Jacke. Você tem que parar com esse seu lado de se importar de mais com as coisas...

- Eu sou o seu irmão! – Ele exclamou. – Sei o que dizem sobre aquele garoto! Além do mais, eu o vi saindo da floresta e indo embora, enquanto você só voltou de lá uma hora depois! Ele te ameaçou?

- Ele não fez isso!

- Sabe que não vou desistir até você dizer a verdade né?

Infelizmente eu sabia muito bem como era a insistência irritante do Jacke. Não havia muitas alternativas. Ou eu dizia a verdade ou inventava uma.

- Ele disse que gosta de mim...

- O que! Ele é gay? E disse que gostava de você?

- E me beijou.

- Não pode estar falando sério! Você deixou ele te beijar? Tayler você ficou maluco? Por que você não socou a cara dele? Não posso acreditar nisso! – Jacke parecia mais incomodado do que eu deveria estar.

- Não deixei ele me beijar... pelo menos não muito. O empurrei... foi muito rápido...

- Eu vou arrebentar a cara dele!

- Jacke você não vai fazer isso!

- Está defendendo ele?! É isso o que estou ouvindo Tayler?! – Havia raiva em sua voz. – Você tem ideia do que ele fez?! Tem ideia do que vão falar de você se eçe decidir espalhar?!

- Só não quero que complique mais a situação... nem que arrume confusão por minha causa. Esse problema é meu e quero que você não se intrometa.

Ele me lançou um olhar esquisito. Jacke era um garoto bom, gentil e alegre, mas sabia ser violento. Ele disse boa noite e se retirou do meu quarto batendo a porta com força. Me joguei na cama com medo do que poderia acontecer no dia seguinte. Como eu olharia para Luke durante o resto do ano agora? Devia me sentir envergonhado? Furioso? Talvez eu devesse pedir para mudar de sala. Não! Acho que eu não estava sendo sincero comigo mesmo, pois eu havia realmente gostado. Era algo diferente, que eu nunca havia experimentado, e que era simplesmente bom. Por que eu me sentia tão ruim em relação a algo que havia sido bom? Apenas por que as pessoas diziam que era proibido e nojento? Desde quando as pessoas eram perfeitas para sair julgando as outras por elas fazerem algo que a sociedade abominava? Talvez eu não devesse ignorar ou se zangar com Luke, mas sim pedir desculpas a ele por eu ter sido tão rude na floresta.

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Não sei dizer se foi um alivio quando entrei na sala de aula e o seu lugar estava vago. O professor disse alguma lição de moral por eu ter chegado atrasado, mas nem dei atenção. Luke não havia ido em nenhuma das aulas daquele dia, e eu queria falar com ele, queria satisfações... queria tirar uma dúvida que me incomodava.

No intervalo, encontrei a única garota que ainda falava com o Luke. A mesma que despertou o meu interesse no primeiro dia de aula naquele colégio.

- Por que você quer saber onde ele mora? – Ela perguntou.

- Preciso falar com ele urgente – Disse.

- Tudo bem, mas não diga que foi eu que te passei – Ela disse escrevendo o endereço em um pequeno pedaço de papel e me entregando logo em seguida.

Na hora da saída, pedi que Jacke fosse embora, pois não iria com ele. Menti sobre o que eu iria fazer. Ele me encarou desconfiado, mas não disse nada, apenas foi embora. Através das informações que a garota havia colocado no papel e da ajuda do GPS do meu celular, logo consegui encontrar o local indicado. Não era uma casa comum, era uma pequena mansão luxuosa. Me aproximei da porta com receio e toquei a campainha. Não demorou muito e a porta se abriu.

- Boa tarde querido, em que posso ajudá-lo? – Disse uma mulher que devia ter idade suficiente para ser a mãe dele. Ela estava bem vestida e parecia ser uma pessoa gentil.

- Desculpe incomodar, mas é que eu precisava falar com o Luke... ele está?

- Luke? – Ela perguntou surpresa. – Você é amigo dele?

- Bem... O Luke não gosta muito de ter amigos, mas eu tento ser.

Ela sorriu.

- Por favor entre, talvez esteja com fome ou queira tomar algo – Ela disse fazendo um gesto para que eu entrasse.

- Não quero incomodar a senhora.

- Oh querido, não está incomodando. Não recebemos muitas visitas... principalmente o Luke. Entre por favor – Ela insistiu gentilmente. Aceitei o convite e entrei, afinal, ela parecia muito feliz com a minha presença. – Se quiser pode esperar aqui na sala de estar, eu vou chamá-lo. Ele deve estar no quarto.

Ela desapareceu pelo corredor da casa enquanto eu olhava alguns quadros e umas fotos de parede do passado da família. Parecia uma família normal e feliz.

- Eu acho que ele deve ter saído... – Ela disse voltando. – Agorinha ele estava aqui, mas acho que saiu.

- Sabe onde ele poderia ter ido?

- Luke não saí muito de casa, mas as poucas vezes que saí, ele geralmente vai em um riacho não muito longe daqui. Fica a um quilômetro fora dos limites da cidade, através da rodovia 26 – Ela disse.

- Qual o nome da senhora?

- Pode me chamar de senhora Heston – Ela respondeu sorridente. – Mas também pode me chamar como você preferir, eu não me importo muito como me chamam.

- Senhora Heston, posso fazer uma pergunta? Talvez uma pergunta estupida...

- Claro querido. Se eu puder responder, assim farei.

- A cidade inteira espalha histórias horríveis sobre a sua família. Não consigo entender o motivo... afinal, nenhuma delas parece ser verdadeira – Disse. Eu via o obvio ali. Aquela era uma família tão feliz quanto qualquer outra, e a senhora Heston não parecia uma assassina nem uma traficante. – Por que inventaram tantas histórias?

Ela pareceu triste com a pergunta, mas pediu que eu me sentasse em uma das poltronas luxuosas e confortáveis da sala de estar. Ela se sentou em outra que ficava ao lado.

- Já faz quatro anos que meu marido matou o nosso vizinho Phil. O vizinho era uma pessoa que fazia de tudo para arranjar confusões com as outras pessoas, principalmente com o meu marido. Um dia Phil bebeu demais e tentou brigar com meu esposo que por si acabou revidando. Phil estava armado e tentou atirar nele, mas ele foi mais rápido e conseguiu tirar a arma da mão do Phil... meu marido atirou logo em seguida – Ela disse. – Por mais que meu esposo estivesse zangado naquele momento, não cabia a ele tirar a vida do Phil, mas assim ele fez. Meu marido foi condenado a prisão, e a família de Phil, para se vingar, espalhou um monte de histórias mentirosas. Agora tudo o que as pessoas sabem sobre a família Heston é o que você já deve ter ouvido.

- Eu sinto muito senhora Heston. Sei que seu marido é um homem bom e não quis tirar uma vida de propósito – Disse. – Mas pelo menos agora sei a verdade. Saiba que desde o começo, não acreditei em nenhuma dessas histórias.

- Obrigado querido. Meu marido era um homem bom sim – Agora percebi que ela estava aflita. – Ele teve uma parada cardíaca na cadeia o ano passado... não conseguiu resistir...

Fiquei sem palavras. Aquele clima foi quebrado quando Luke entrou na sala de estar pela porta da frente. Ele se assustou ao me ver.

- Aí está o meu garoto lindo – Disse a senhora Heston. – Querido, seu amigo quer falar com você.

- Não somos amigos! – Disse Luke mudando sua expressão. Percebi que ele estava zangado. – Mas já que está aqui, talvez queira conhecer o meu quarto...

A senhora Heston se retirou sorridente. Segui Luke até o seu quarto. O ambiente era aconchegante, e extremamente limpo. As paredes eram tão brancas quanto as nuvens e o chão era revestido por cerâmicas brancas e pretas, criando um enorme tabuleiro de xadrez. Havia um cheiro de perfume masculino no ar. A cama estava arrumada de um modo tão perfeito que me recusei a encostar um dedo no lençol. Havia algumas prateleiras de mogno branco embutido em uma das paredes, e nela estava organizado alguns livros da literatura americana.

- Pode começar explicando o que está fazendo na minha casa – Ele disse se sentando na beirada da cama e tirando o tênis.

- Eu meio que quero falar com você...

- Quer falar comigo?! Mas você foi bem claro sobre tudo ontem – Ele disse zangado.

- Preciso pedir desculpas por ter sido um idiota... acho que fiquei muito nervoso diante da situação...

- Essas palavras não significam nada para mim – Ele disse tirando a camiseta e colocando uma outra. – Eu não estou a fim de ver ninguém hoje. Você já conheceu minha mãe, já conheceu minha casa e o meu quarto, agora pode ir embora!

- Me beija! – Pedi.

Ele me lançou um olhar surpreso. Percebi que ele mexeu os lábios em uma forma de deboche. Me aproximei mais.

- Vai. Eu quero que faça mais uma vez...

- Não! Você quase me bateu ontem e então vem até a minha casa como se nada tivesse acontecido e me pede para beijar você novamente? Isso é ridículo! – Ele disse. – Por favor vá embora! Você nem devia estar aqui...

O encarei por alguns segundos. Eu não sabia ao certo se me sentia decepcionado ou magoado. A culpa era completamente dele por eu estar ali. Foi ele que ativou aquela dúvida em mim, aquele desejo de experimentar o sabor dos seus lábios novamente.

Não me despedi, apenas virei as costas e me dirigi para fora da casa.

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No dia seguinte, fingi que não o vi ao entrar na sala de aula. Sentei ao seu lado como se ele não estivesse ali. Percebi que ele me olhou de lado várias vezes durante a aula, mas fingi que estava prestando atenção na explicação da professora de Biologia. No intervalo, me sentei na mesa da Neyce e dos seus colegas apenas para provocá-lo. Assim que terminei meu lanche, me dirigi ao banheiro para fazer as coisas básicas como tentar arrumar meu penteado rebelde. Gelei quando o vi entrar atrás de mim logo em seguida.

- Virou um dos brinquedos da Neyce agora? – Ele perguntou se aproximando.

- Talvez isso não seja da sua conta!

- Se quer me aborrecer vai ter que ser bem melhor do que isso.

Ele começou a tocar levemente minha cintura e depois senti o calor do seu corpo ao encostar no meu. Me arrepiei com o ar ofegante da sua respiração batendo no meu pescoço.

- Para! – Me afastei sendo grosso. – Não posso... aqui não. Na verdade, acho melhor não fazermos isso nunca mais. É o certo. Com sorte isso ficará perdido no tempo e não me lembrarei de mais nada.

- Mas você queria que...

- Isso foi ontem! E você disse não e ainda me expulsou!

- Foi você que Zombou quando eu disse que gostava de você! Foi você que me empurrou quando te beijei! Naquele momento me senti o pior ser humano que poderia existir, me senti um nada...

- Queria que eu agisse como?! Você chega em mim de uma hora para a outra e diz que gosta de mim e depois me beija sem a devida permissão... como acha que eu fiquei naquele momento? Era algo novo, algo que eu nunca havia experimentado... – Disse aumentando o tom da minha voz. - Eu odiei você por ter feito aquilo... e agora me encontro com esse desejo dentro de mim que implora loucamente para que eu tente experimentar um beijo seu novamente...

- Então por que não me deixa te tocar agora? Não lute contra esse desejo, se quer experimentar, eu estou aqui. Não é tão difícil Tayler, você já quis isso ontem.

- E você disse não! Estou confuso! Eu não faço a menor ideia do que está acontecendo comigo! Em um certo momento eu me arrependo por não ter deixado você me beijar e fico com vontade de experimentar novamente. Mas em outros momentos, paro para pensar no quanto isso é errado e que se eu ceder para o desejo, vou decepcionar toda a minha família...

- Não vai decepcionar. É a sua família! Eles te amam e devem te apoiar em suas escolhas, devem ficar ao seu lado.

Alguns garotos entraram no banheiro fazendo barulho e brincadeiras um com o outro. Luke me lançou um último olhar e depois se retirou. Terminei de arrumar meu penteado e me retirei logo em seguida. Depois de uns dez minutos, o sino bateu e voltei imediatamente para a sala, mas Luke não estava mais lá. Seus pertences haviam desaparecido misteriosamente.

Meu celular vibrou no bolso.

“Ei. Estou indo embora. Não me espere na saída”. – Li a mensagem do Jacke.

Passei as próximas três aulas seguintes sozinho, sem saber ao certo o que havia acontecido com Luke. Talvez tivesse passado mal ou pediu para ir embora mais cedo. Talvez ele estivesse tentando se afastar porque sabia que aquilo estava sendo difícil para mim. Mas eu não estava me conformando com pensamentos. Resolvi passar na casa dele para saber se estava realmente tudo bem.

Me assustei quando a porta da sua casa se abriu. Fiquei mudo e paralisado. Seu olho esquerdo estava completamente roxo e havia várias manchas avermelhadas espalhadas pelo seu rosto. Ele me encarou com receio.

- O que aconteceu?! – Perguntei assustado.

- Nada.

- Fala! – Exclamei. Eu sabia exatamente quem havia feito aquilo, mas tive esperança de que eu estivesse errado. – Foi o meu irmão?! Foi o Jacke que fez isso?!

- Olha eu estou bem...

- Luke!

Ele respirou fundo antes de começar a falar.

- Depois que saí do banheiro, seu irmão me seguiu e dois colegas dele me seguraram enquanto ele me encheu de socos. Ele foi bem especifico do porquê estava fazendo aquilo comigo... você contou a ele o que aconteceu...

Virei as costas para ele e fui indo embora no mesmo instante. Eu estava com muita raiva e ódio do Jacke. Ele não tinha o direito de ter feito aquilo. Ele não tinha o direito de se intrometer nos meus problemas!

- Tayler! – Luke me chamou enquanto me seguia. – Deixa isso quieto! Ele levou suspensão e eu estou bem. Afinal a culpa é minha mesmo...

- Foi eu que contei ao Jacke sobre o beijo. A culpa é toda minha! – Exclamei ignorando o apelo dele. – Juro que ele vai pagar por isso!

Luke não me impediu, afinal devia ter ficado com medo do modo furioso que eu me encontrava. A caminhada foi longa até a minha casa e assim que cheguei, entrei e fui direto procurar o Jacke. O achei na cozinha preparando um sanduiche.

- Tay... – Ele tentou falar, mas acertei a cara dele com um soco antes que pudesse terminar de dizer qualquer coisa. Ele cambaleou para trás. – MAS O QUE! POR QUE FEZ ISSO?!

- Isso foi por ter batido no Luke! – Eu disse me aproximando e dando outro soco. – E isso foi por ter se intrometido! DEIXEI CLARO PARA VOCÊ NÃO SE INTROMETER!

Ele me empurrou forte para trás, o que apenas me deixou mais nervoso. Corri e joguei meu corpo sobre o dele e caímos sobre a mesa de vidro da cozinha. A mesa se quebrou completamente e eu caí deitado sobre o seu corpo. Jacke me empurrou para o lado para se livrar do peso do meu corpo de cima dele. Continuamos deitados no chão. Ele se recuperando da dor e eu o fôlego.

- Droga – Resmunguei. – Você está bem?

- Acho que essa foi a primeira vez que brigamos de verdade – Ele disse rindo.

- A mamãe vai ficar uma fera. Ela adorava essa mesa...

- Acho que cortei minhas costas – Ele reclamou. De fato, percebi que ele tinha vários arranhões simples pelo corpo e um pedaço enorme de vidro encravado no braço direito.

O ajudei a se levantar. Ele colocou seu braço por trás do meu pescoço e o ajudei a chegar até o sofá da sala de estar. Peguei uma toalha limpa e uma garrafa de álcool que nunca havia sido aberta.

- Eu vou tirar isso do seu braço – Disse. – Fique quieto. Se ficar se mexendo vou acabar machucando mais.

- Tira logo! Está doendo!

Fui puxando devagar enquanto Jacke gemia de dor. Assim que consegui remover o vidro, joguei o álcool sobre o ferimento e limpei com a toalha. Até que ele conseguiu suportar a dor sem gritar muito.

- Por que me bateu por ter defendido você?! – Ele perguntou. – O garoto merecia, afinal, o que ele fez foi algo muito sério... não sei porque está zangado comigo...

- Porque pedi para que não se intrometesse... – Respondi. – E porque eu acho que estou gostando dele também...

- Não pode estar falando sério...

- Eu estou muito confuso ainda quanto a isso, mas sei que gosto dele, sei que gosto de ficar perto dele... e preciso muito de você agora. Preciso muito que seja meu irmão e me apoie...

Ele ficou mudo, como se não soubesse o que dizer, mas logo quebrou o silêncio.

- Eu nunca vou deixar de te apoiar um único dia. Você sempre me apoiou e esteve comigo. Somos irmãos. Devemos ficar juntos, aconteça o que acontecer... até mesmo na surra que vamos levar quando a mamãe chegar em casa.

Eu ri e tentei abraça-lo, mas ele reclamou dos machucados que doía.

- Vai tomar um banho. Eu vou dar um jeito de limpar a cozinha – Disse indo procurar qualquer coisa que me desse segurança ao catar os cacos de vidro.

~~~ϿϾ~~~

Eu levei duas broncas. Uma por ser o responsável de quebrar a mesa e outra por quase deixar o Jacke paralítico. Em minha defesa, esse argumento é um dos muitos “exagerados” que minha mãe usa quando está irada. Jacke estava bem, mais ainda reclamava de dor. Desisti do jantar, pois queria evitar o olhar “maligno” da minha mãe.

“Como você está?”. – Enviei uma mensagem para o Luke através do WhatsApp.

“Meu olho ainda está roxo, mas já está melhor”. – Ele respondeu.

“Sinto muito por isso. Não vai acontecer novamente ”.

“O que você fez?”.

“Consegui quebrar a mesa da cozinha usando o Jacke *-*”.

“○.o Acho que sei o que me aguarda seu eu te irritar alguma vez... ♥☺”.

“Nada vê. Não faria nada contigo. ☻♥♥”.

“Obrigado por me defender...” – Ele agradeceu.

“Era o certo. Peço que desculpe meu irmão pelo ocorrido. Ele achou que era o certo a se fazer para me defender. Já conversei com ele a respeito de mim e você. Isso não irá acontecer novamente” – Informei.

“Tudo bem. Te amo ♥”. – Ele mandou. Dessa vez demorei alguns segundos para saber o que mandaria de volta.

“Eu também...”.

Não obtive mais mensagens. Coloquei o celular ao meu lado e abracei o travesseiro. Eu tinha o hábito de abraçar forte o travesseiro quando estava gostando de uma pessoa e ela não estava presente.

A floresta era sombria. O sol havia se escondido no céu nublado. Começou a chover e a trovejar. Luke segurava minha mão enquanto corríamos pela trilha tentando achar qualquer abrigo para nos refugiar, mas não encontramos nenhum, então desistimos.

Ele me puxou e jogou a nós dois no chão lamacento.

- Nãoo! Por que fez isso?! Olha como estou! – Exclamei.

- Está lindo – Ele disse sorrindo e me dando um selinho rápido. Logo em seguida, o empurrei de leve e joguei uma bola de lama nele.

Senti o chão a minha volta tremer e a rachar. Em menos de alguns segundos, fui sugado para uma imensidão escura, como se estivesse caindo em um poço sem fim.

Acordei num pulo. Eu nem lembrava de como havia adormecido na noite anterior. Era sexta-feira, o dia da semana que todos odiavam, pois só havia aulas chatas e sono acumulado. Jacke estava suspenso, então aquele dia era perfeito para matar aula com o Luke, ele só não sabia disso ainda. Me arrumei e tomei um café leve antes de ir.

No colégio, encontrei Luke sentado em um dos bancos do pátio. Me aproximei devagar. Ele sorriu ao me ver.

- Quer fazer uma coisa doida hoje? – Perguntei.

- Que tipo de coisa doida?

- Matar aula. Só nós dois... – Disse.

- Isso parece errado – Ele disse sorrindo. – E é legal fazer coisas erradas de vez em quando. E como é com você, eu topo.

Sorri. Saímos rapidamente para fora do colégio. Tentamos não chamar muita atenção, mas as pessoas são curiosas. Elas têm olhos de águia, principalmente os linguarudos e fofoqueiros.

- Sabe que vão falar neh? – Ele me alertou.

- Eu não me importo com o que as pessoas falam. Nunca me importei.

Peguei em sua mão e o arrastei para uma padaria próxima, famosa por seus bolinhos recheados com nutella. Conversamos e rimos muito enquanto lanchávamos. Depois ele me mostrou um pouco da cidade, os lugares em que as pessoas mais gostavam de frequentar, as praças e os monumentos. Paramos em um monumento especifico.

- Você namoraria comigo? – Ele perguntou.

Demorei para arranjar coragem e dizer uma resposta sincera.

- Estou aprendendo aos poucos a gostar de você... é esquisito as vezes, mas eu sinto algo. Para ser sincero, me sinto muito melhor quanto estou perto de você.

- Isso é bom – Ele disse um pouco faceiro.

- Sim – Disse. – Alguma coisa mudou em mim, algo que surgiu logo após aquele beijo. Não paro de pensar no modo como aconteceu, a sensação... na forma em que eu queria que se repetisse...

- Quer que eu te beije agora? – Ele perguntou. – Bem, se quiser podemos ir até minha casa. Minha mãe saiu e por isso podemos ficar mais à vontade lá.

- Eu adoraria.

Senti um certo desconforto quando ele me levou para o seu quarto. Talvez não fosse desconforto, mas vergonha. Ele segurou minha cintura e me puxou de encontro com seu corpo quentinho. Senti ele acariciando minhas costas carinhosamente.

- Não precisa ficar nervoso... se quiser que eu pare...

O empurrei levemente contra a parede.

- Me beija! – Pedi.

Ele me beijou delicadamente enquanto acariciava minha nuca. Foi um beijo demorado e muito bom. Pude sentir cada detalhe, o sabor, a sensação... não podia negar que havia sido a melhor de todas. Naquele momento, esqueci todos os meus problemas, todas minhas dúvidas e o fato de ele ser um garoto e o impacto que isso causaria em minha vida. Deixei meus desejos e a tesão se elevaram. Comecei a dar vários selinhos e mordiscadas em seu peito. Tiramos a camisa um do outro e ficamos na carícia e no beijo por um bom tempo. Depois fomos para a cama decentemente. Deitei sobre o seu peito e ele começou a me fazer cafuné, um dos meus pontos fracos. Amava cafuné.

- Eu amo você Tayler... – Ele disse.

- Sabe aquela pergunta? Se eu aceitaria namorar você... bem, a resposta é sim. Eu ficaria feliz se pudesse namorar você – Disse a ele.

Ele sorriu. Ficamos um bom tempo deitado e conversando. De vez em quando ele me beijava rapidinho e dizia coisas românticas. Quando estava quase cochilando sobre o peito dele, me lembrei que precisava voltar para casa.

- Eu preciso ir Luke – Me levantei e coloquei minha camiseta novamente.

- Mas eu queria tanto que ficasse mais... – Ele disse fazendo biquinho para tentar me convencer a ficar.

Eu ri.

- Mas eu quero, queria ficar o dia todo aqui, mas realmente preciso ir. Ninguém em casa pode suspeitar que eu matei aula. Se minha mãe souber ela vai jogar um monte de sermões sobre as minhas costas. Espero que entenda... mas amanhã podemos nos ver. Ou podemos sair hoje à tarde, ir em um lugar legal e comer alguma coisa.

- Tudo bem meu amor – Ele disse colocando sua camisa e me levando até a porta. Antes que eu pudesse sair, ele me deu um beijo de despedida. – Eu te amo.

- É tão estranho ouvir isso pessoalmente – Eu disse sorrindo. – Mas eu também amo você. A gente se vê.

Enquanto voltava para casa, eu não parava de pensar em tudo o que tinha acontecido, o quanto havia sido bom aquele momento que tive com ele. Mas meus pensamentos felizes cessaram quando entrei em casa. Muitas das nossas coisas haviam sido encaixotadas novamente. Jacke me encarou muito animado.

- O que está acontecendo? – Perguntei estranhado toda aquela situação.

- Querido? – Disse minha mãe surpresa ao me encontrar na sala. – Que bom que veio mais cedo, assim pode nos ajudar.

- Ajudar? O que está acontecendo? – Perguntei.

- Vamos voltar para nossa casa novamente – Disse Jacke contente.

- Espera! Por que? Não! Não podemos voltar! – Protestei.

- Querido, hoje recebi uma ligação do meu ex-chefe e ele me ofereceu outra proposta de emprego. Não é na mesma empresa em que eu trabalhava, mas é em uma conhecida – Explicou minha mãe. - É irrecusável. O salário é muito melhor e vai nos ajudar bastante.

- Não podemos ir! – Exclamei. Jacke me olhou como se soubesse do que se tratava minha negação. Meu coração estava apertado... eu tinha que tentar impedir aquela mudança.

- Tayler! Não vou recusar a proposta... – Disse minha mãe com um tom arrogante em sua voz. – Precisamos melhorar a nossa vida...

- Mas foi você que disse que isso era uma nova vida e...

- UMA NOVA VIDA QUE NINGUÉM QUERIA! – Ela exclamou tão alto que me assustei. – Acham que não percebi o quanto vocês me culparam por ter nos trazido para cá na primeira semana que chegamos?! ODIEI TER QUE NOS MUDAR PARA CÁ! MAS FIZ O QUE ACHEI CERTO PARA TODOS NÓS! ERA ISSO OU ESTAVAMOS ENCRENCADOS!

Fiquei em silêncio. Eu não sabia o que era pior. Ficar ou ir embora. Só me restava ficar magoado.

- Arrume suas coisas... – Disse minha mãe. Ela parecia chateada por me ver daquele jeito. – Não temos tempo a perder. Vou buscar Sofie no colégio e depois volto para terminar de encaixotar nossas coisas.

Assim que minha mãe saiu, encarei o Jacke que parecia preocupado comigo.

- Eu sinto muito...

- Não! – Exclamei zangado. – Acha que não sei que era exatamente isso que você queria?! Voltar para a sua garota e se livrar de ter um irmão gay!

- Não é nada disso Tay! – Ele exclamou chateado. – É claro que eu quero voltar, mas eu entendo o que está sentindo. Sei que é uma coisa horrível.

- Eu preciso me despedir dele. Será que pode arrumar minhas coisas por mim?! – Pedi.

- Tudo bem – Ele concordou com a cabeça.

Saí e comecei a correr o mais rápido que pude em direção a cidade.

Dizem que o bom dura muito pouco. É em nossos momentos felizes que a vida dá uma rasteira e nos joga de cara na lama. A vida é assim, repleta de altos e baixos. Sempre nos surpreendendo e nos decepcionando.

Luke sorriu ao abrir a porta, mas escondeu o sorriso quando percebeu o quanto eu estava péssimo. Me aproximei rapidamente dele e o abracei. Um abraço forte e quente. O apertei contra mim com todas as minhas forças.

- O que foi amor? – Ele perguntou enquanto me levava para dentro da sua casa. – Por favor me fala o que está acontecendo...

- Essa é a última vez que vamos nos ver... – Respondi. – Eu só queria passar mais alguns minutos com você.

- Espera?! Por que?!

- Vamos voltar para a nossa casa anterior – Respondi. – Minha mãe recebeu uma proposta de emprego melhor e ela não vai recusar.

Ele ficou em silêncio. Percebi o quanto aquilo o havia magoado. O abracei novamente e não o larguei.

- Você não pode me deixar sozinho aqui. Todos me odeiam nesse lugar. Você é o único em toda minha vida que conseguiu despertar algo em mim... – Ele resmungou triste. – Não posso perder a única pessoa por quem me apaixonei...

- Eu não tenho escolha...

- Fica aqui comigo! Você pode ficar aqui em casa... minha mãe não vai se incomodar... ela...

- Luke, você não faz ideia do quanto eu queria poder ficar. Queria muito que as coisas fossem simples, mas tenho uma família que eu a amo tanto quanto gosto de você – Disse. – Eu não vou poder ter a chance de poder conhecer você melhor, mas quero que saiba que isso era tudo o que queria agora. Me perdoe.

Ele permaneceu em silêncio por um momento.

- Quero que deixe o endereço da sua outra casa – Ele pediu. – Talvez eu possa ir te visitar um dia ou mandar algum presente...

Assenti positivamente com a cabeça. Encarei seus lábios, mas a iniciativa de beijar foi completamente dele. Um beijo calmo e delicado que me permitiu sentir o ar quente da sua respiração. Aquele foi o último beijo, um último abraço e uma despedida completamente dolorosa.

~~~ϿϾ~~~

As árvores passavam rapidamente diante dos meus olhos enquanto minha mãe dirigia para fora dos limites da cidade através da rodovia 26. Vi rapidamente ficar para trás, o riacho em que Luke costumava ir. Eu sentiria muita falta daquele lugar. Jacke segurou a minha mão. Ele estava preocupado comigo, como sempre...

A nossa vida voltou como era antes, Jacke estava feliz, minha mãe estava feliz, Sofie estava feliz, menos eu. Ali não era mais o meu lar. Eu estava me afastando dos meus antigos amigos e das garotas que gostavam de mim. Comecei a passar mais tempo sozinho em meu quarto, perdido em pensamentos e evitando ao máximo mandar uma única mensagem para Luke. Conversas virtuais apenas machucaria ambos. Eu precisava esquecê-lo... mesmo que isso fosse completamente difícil.

1 MÊS DEPOIS

14 DE NOVEMBRO, SÁBADO

08:13h

Aquele era um dos dias raros em que os moradores acordavam e o sol dominava a cidade. Não consegui dormir até mais tarde. A cama não estava agradável. Eu me virava de um lado para o outro e mesmo assim parecia que estava deitado sobre uma rocha. Então levantei e me arrumei para ir à conveniência mais próxima. As ruas estavam praticamente desertas, o que me preocupava, já que os moradores reclamavam de um suposto assaltante que rondava aquela área. Continuei mesmo assim.

- Tayler?! – Ouvi uma voz conhecida me chamar. Era um tom alegre, um timbre maravilhoso.

Me arrepiei ao se virar. Ele sorriu aliviado. Corri desesperadamente até ele e me joguei em seus braços com sorrisos de alegria.

- Ah meu deus! Eu nem acredito que está aqui – Disse alisando seu rosto enquanto ele gargalhava de felicidade. Aquela havia sido a única vez que pude vê-lo sorrir daquela forma. – Como você está?

- Estou maravilhosamente feliz por estar aqui. Eu ia tocar a campainha da sua casa, mas então vi você saindo...

- O que faz aqui? – Perguntei.

Mas então pude ver em seu rosto que ele não estava ali apenas de passagem ou apenas para me ver. Havia acontecido alguma coisa.

- Por que está aqui Luke...? – Perguntei novamente.

- Ué eu quis vir. Precisava te ver e... bem, pensei que iria gostar... você me deu o seu endereço e eu não tinha nada a perder... – Ele parecia incomodado com a minha pergunta, pois gaguejava em algumas palavras.

- Acredite, eu amei te ver. Não sabe o quanto estou feliz... – Eu disse. – Mas não é apenas isso. Ou é?

- Na verdade não. Bem, minha mãe faleceu semana passada... não foi uma morte dolorosa. Foi silenciosa. Aconteceu enquanto ela dormia...

Fiquei paralisado com aquela notícia.

- Eu sinto muito... – senti um aperto no peito, não apenas pela sua perda, mas também pelo fato dele estar sozinho agora.

- Não sinta. Ela está em um lugar melhor. Longe de tudo que a machucava... e está com meu pai – Ele disse. – Depois disso, eu parei para pensar e cheguei a uma conclusão de que não havia mais nada para mim naquela cidade. Um lugar repleto de lembranças tristes e de pessoas que me viam como um monstro. Então vendi a casa e comprei um apartamento aqui perto. Cheguei com a mudança ontem. Eu queria ter vindo atrás de você antes, mas já estava tarde e eu estava cansado...

- Nossa... isso é bem legal – Eu disse.

- Pelo menos vamos poder nos conhecer melhor, se ainda quiser – Ele disse.

- É claro que eu quero – Respondi. – Seria muito bom.

- Eu só não faço a menor ideia do que vai acontecer comigo daqui para frente. Vou terminar os estudos e arrumar um emprego. Podemos ir ao cinema todos os fins de semana. – Ele sugeriu sorrindo.

- Parece ótimo – Eu disse animado. – Mas só aceito se depois eu ganhar um beijo depois de cada filme.

- Bem, quanto a isso, acho que posso adiantar – Ele disse passando o dedo levemente nos meus lábios.

E então me beijou.

~~~Ͽ FIM Ͼ~~~

A maior paixão da Wont Power Contos é escrever histórias para um público diferente que ainda sofre muito preconceito nos dias atuais. Através dos nossos contos, tentamos mostrar ao público em geral que o amor verdadeiro pode existir em qualquer forma. Nossos contos tendem a manter um roteiro romântico e sem abusos sexuais. Para conhecer mais sobre nosso blog e nossos contos, nos visite:

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