Capítulo 5

Conto de SyncMaster como (Seguir)

Parte da série Tribulações

Tive vontade de conversar com o Nicolas antes de dormir. Ele era um garoto legal, o tipo de pessoa que te faz gostar de estar com ele. Mas eu não tinha o celular dele, e nem Facebook. Eu não tinha nenhum tipo de contato para conversar com ele, então apenas deitei e fiquei esperando o sono.

Tomei um banho rápido na manhã seguinte, tomei café, comi, enrolei um pouco na mesa com meu pai, e então, quando eu não tinha mais tempo para perder, peguei minhas coisas e fui embora. Me senti bem naquele dia como se fosse meu próprio aniversário.

Cheguei no ponto e a Bianca já estava lá.

Bianca: Achei que não vinha hoje! Chegou tarde.

Felipe: Ah, não posso faltar hoje.

Bianca: Por que?

Felipe: Porque já combinamos tudo, né? Eu não posso sumir e deixar todos vocês na mão...

Bianca: Hum, sei! É verdade. - ela disse num tom esquisito.

Felipe: Tudo bem você não almoçar na sua casa hoje?

Bianca: Eu conversei com a minha mãe, minha tia vai dar uma mãozinha extra hoje para que eu possa ficar com vocês. Não tem problema eu me ausentar.

Felipe: Que bom...

Enfim o ônibus chegou, e ela sentou comigo, como sempre. Não conversamos muito no caminho para a escola, o que era um pouco incomum, mais tarde a Angélica subiu no ônibus e acenou sorridente para nós.

Bianca: E o Túlio? - Ela perguntou de repente.

Felipe: O que tem ele?

Bianca: Se viram ontem?

Felipe: Não, ele não apareceu no parque...

Bianca: Hum, vai ver estava ocupado...

Felipe: É, provavelmente...

Bianca: Vocês vão se encontrar amanhã?

Felipe: Sim. Provavelmente!

Bianca: Legal. E acha que vai rolar algo legal?

Felipe: Não sei. – Respondi tímido.

Bianca: Se rolar, você vai me contar?

Felipe: Acho que sim... – dei risada.

Ela riu também, fazer a Bianca rir de manhã era um tanto difícil.

Chegamos na escola e encontramos o Nicolas lá fora, não sei o porquê de ele não estar mais indo de ônibus com a gente. Ele estava andando devagar em direção à porta de entrada, parecia que não queria que os outros o vissem andando ali. Fomos até ele, eu na frente, e nos aproximamos por trás, dei um tapa leve na sua cabeça, e ele olhou para mim, com um sorriso muito fofo na sua cara de sono mais fofa ainda.

Felipe: E aí, aniversariante...

No começo pensei num abraço, mas depois achei que seria forçado demais, então só estendi a mão e dei-lhe os parabéns, falei todas aquelas coisas bonitas que costumamos falar em aniversários, mas acabei não falando o que eu mais queria: “vamos passar o dia juntos hoje”. Quando parei de falar ele agradeceu e então eu dei espaço pra Angélica e pra Bianca. Eu estava me sentindo estranho, meio solto, livre, é difícil explicar.

Depois que a Angélica e a Bianca deram os parabéns, eu fui andando na frente com ele, e as duas foram logo atrás. Fomos falando sobre um trabalho que íamos fazer juntos, não era aquele assunto superinteressante para conversarmos na hora, eu sei. Pouco antes de chegar na sala, eu mudei de assunto rapidamente.

Felipe: Você avisou sua mãe que não vai almoçar em casa, né? E que vamos lá de noite...

Nicolas: Avisei! - Ele sorriu.

Felipe: Ela não achou ruim?

Nicolas: Não, ela gostou, na verdade. Meus pais sempre reclamaram que eu tenho poucos amigos, e nunca saio. Eles devem ter gostado bastante da ideia! – Ele disse se sentando.

Fiquei feliz por ouvir aquilo, de verdade. Eu me sentei e fiquei de lado para poder continuar conversando.

Felipe: Ah, nós também não saímos muito! Eu prefiro ficar em casa vendo um filme, algo bem tranquilo.

Nicolas: Não curte balada, essas coisas?

Felipe: Nem um pouco. Odeio lugares barulhentos e muito movimentados...

Nicolas: Nossa...

Felipe: O que?

Nicolas: Eu sou igual... – ele sorriu.

Bianca: Ótimo, mais um antissocial no grupo... - ela se intrometeu.

Nicolas: Não sou antissocial, gosto de sair, desde que seja pra um lugar calmo, com poucas pessoas. Um cinema, comer uma pizza ou algo assim, sei lá...

Felipe: Exatamente... - sorri.

O professor chegou na sala logo depois de nós, o que acabou nos fazendo parar de falar tanto um com o outro. Mas de vez em quando o Nicolas me cutucava e falava alguma coisa, nem que fosse só um comentário. Ninguém mais na sala lembrou que era aniversário dele, ou então ninguém se preocupou em dar parabéns. E eu já tinha percebido que ele não queria chamar a atenção para isso, então fiquei quieto.

Quando saímos da escola, a Angélica segurou o Nicolas pelo braço e disse: "Agora você é nosso!". Ele riu e respondeu brincando: "Ai que medo". Achei engraçado o jeito dele falar, mas não ri e nem comentei a cena, fiquei mais com vontade de entrar ali no meio e separar os dois.

Ele voltou no nosso ônibus naquele dia, sentou-se comigo e nos primeiros minutos de viagem fiquei procurando desesperadamente por algo para conversar.

Felipe: Por que você parou de usar esse ônibus?

Nicolas: Ah, é que eu descobri que tem um outro que passa mais perto da minha casa.

Felipe: Está explicado. – Falei meio sério.

Depois ficamos sem assunto de novo, me incomodei e comecei a procurar algum assunto que rendesse papo. Mas foi ele quem acabou puxando um assunto.

Nicolas: Vocês sempre fazem isso nos aniversários uns dos outros?

Felipe: Quase sempre! No último aniversário da Angélica não fizemos nada porque ela estava um pouco mal...

Nicolas: Doente?

Felipe: Não, coração partido... - Falei com uma risadinha.

Nicolas: Ah, acho que é até pior do que doença...

Felipe: Você acha?

Ele fez que sim com a cabeça...

Nicolas: Na minha opinião, é! Porque você não acha um remédio pra coração partido na farmácia. E nem tem cirurgia ou tratamento que resolva! O único remédio é o tempo, e ainda assim é um péssimo remédio.

Fiquei encarando-o, ele era tão fofo e parecia ser muito mais do que um rosto bonito com olhos azuis.

Felipe: Isso é experiência própria?

Novamente ele fez que sim com a cabeça, mas não falou nada dessa vez.

Felipe: É recente?

Nicolas: Depende...

Felipe: De que?

Nicolas: Com "recente" você quer saber se ainda dói, ou se faz muito tempo que aconteceu?

Felipe: As duas coisas. Mas se não quiser falar a respeito, eu vou entender.

Nicolas: É meio recente sim... mas acho que já tá parando de doer agora. – Disse parecendo um pouco tímido. Mas o que me chamou a atenção é, ao falar isso, ele me olhou direto nos olhos pela primeira vez.

Felipe: Entendi... – Falei olhando aqueles olhos azuis.

Nicolas: Você deve me achar um idiota por falar assim.

Felipe: Não, não acho!

Nicolas: Não mesmo?

Felipe: Claro que não! Eu acho que deveria existir mais pessoas como você. – Falei sem pensar.

Nicolas: Que bom saber... - Ele disse rindo. Fiquei um pouco envergonhado quando me dei conta do que falei – Então sou item de luxo?

Felipe: Você não é um item... – Falei num tom de “óbvio” - É que ninguém mais fala dessas coisas assim. Parece que ninguém mais tem sentimentos. É só ficar por ficar, por prazer ou por beleza... ou ainda só pra dizer que ficou.

Nicolas: Eu te entendo. Acho que pensamos igual sobre isso. Acho que falta sentimento nesse mundo.

Felipe: Que coisa, não? - Falei num tom meio bobo.

Nicolas: Você é engraçado... - ele sorriu.

Felipe: Isso é bom?

Nicolas: Uhum... - ele fez que sim com a cabeça - Me faz rir. – Disse me olhando nos olhos de novo. Eu ficava maravilhado quando ele fazia isso, pois o dia estava ensolarado, e toda a claridade deixava seu olho mais lindo ainda.

E então o ônibus parou no nosso ponto, eu me assustei com a forma como o tempo pareceu passar tão rápido. Segurei minha mochila e o Nicolas perguntou: “É nosso ponto?”.

Felipe: É sim, vem!

Descemos os quatro e fomos andando devagar.

Angélica: Agora seria uma ótima hora pra quebrar uns ovos em alguém, hein?

Felipe: Verdade, né?

Nós três olhamos para ele ao mesmo tempo, e ele pareceu preocupado.

Nicolas: Ovos?

Felipe: Pega os ovos, Bianca! Aniversário tem que ter ovos quebrados!

Ele parou de andar e pareceu se preparar para correr a qualquer momento.

Felipe: É brincadeira, calma! Pode vir... – Falei rindo. E por impulso peguei sua mão para puxá-lo.

No mesmo instante soltei a mão dele, a Bianca não percebeu, mas acho que a Angélica sim! Fiquei sem graça, ele pareceu envergonhado também. Pensei em pedir desculpa, mas ele não pareceu incomodado com o ocorrido, apenas tímido. Além disso, se eu pedisse desculpas, chamaria a atenção da Bianca, e eu não queria isso, então só fiquei quieto e continuamos andando.

Entramos em casa e logo eu falei "Fica à vontade, Nicolas". Na hora a Bianca riu e falou: "Obrigado, vou ficar à vontade também".

Felipe: Você vai ficar à vontade mesmo que eu não diga pra ficar.

Ela riu, assim como o Nicolas! A Angélica pareceu não ouvir a conversa.

Felipe: Só um minuto, pessoal...

Fui ao meu quarto e troquei de camisa, tirei o tênis e depois voltei pra sala.

Felipe: Se alguém quiser se trocar pode usar meu quarto!

Nicolas: Eu posso? Onde é?

Felipe: Aqui, vem comigo.

Levei ele até a porta do meu quarto, estava arrumado, com exceção da cama, que eu não mexi depois que levantei, fechei a porta e deixei ele se trocando enquanto voltei à sala. Troquei um olhar com a Angélica assim que voltei, ela estava com uma expressão estranha me olhando. Mas não falei nada, não perguntei o que era e nem fiz gestos.

Logo ele apareceu na cozinha de novo, com uma bermuda (antes estava de calça jeans) e uma camiseta comum.

Angélica: Aposto que você nunca teve um banquete desses num aniversário! – Ela disse rindo.

Ele fez uma cara de quem não entendeu, e ela continuou: "gosta de macarrão?".

A Bianca começou a rir.

Bianca: Sério? Macarrão, Angélica?

Nicolas: É perfeito, obrigado... - ele disse educadamente. Percebi as duas se entreolhando, ele piscou pra mim e eu entendi que ele só disse aquilo para tirar a graça da Bianca.

Angélica: Você deveria aprender a ser educada como o Nicolas é, Bianca...

Bianca: Não enche. Sou chata mesmo!

O Nicolas e eu acabamos não tendo muito o que fazer. As duas tomaram conta da cozinha e sempre entravam na nossa frente quando tentávamos ajudar. Acabamos ficando quietos num canto a maior parte do tempo.

Elas fizeram macarrão com queijo, a mãe da Angélica fazia sempre. E se a Angélica cozinhasse tão bem quanto sua mãe, aquele macarrão estaria perfeito. No entanto, aquela seria a primeira vez que eu comeria algo que a Angélica cozinhou sem ajuda da mãe, por isso tive um pouco de dúvida se ficaria tão bom quanto...

Angélica: Nicolas?

Nicolas: Oi?

Angélica: Tem algum presente de aniversário que você sempre quis ganhar?

Nicolas: Nossa... – Ele ficou pensativo por alguns segundos, e então continuou – Ah, tem! Eu sempre quis ganhar um banquete desses!

A Angélica sorriu e ele deu risada, eu acabei rindo também. Não vou negar, eu achei que a Angélica tinha planos melhores para o almoço.

Angélica: Olha só, acho que eu acertei em cheio!

Ele continuou rindo e fiquei olhando-o enquanto ria com a Angélica. Ele era tão diferente, mas ao mesmo tempo tão familiar! Ria de coisas simples, bobas, dava valor para coisas que outros garotos talvez nem soubessem o que é. Quando ele parou de rir eu olhei para a Bianca, que estava quieta demais. Ela estava me olhando com um sorriso estranho no rosto, parecido com a expressão da Angélica na sala pouco antes.

Angélica: Está pronto! Fe, pega os pratos, algo pra servir o macarrão...

Felipe: É pra já, chefe!

Angélica: Besta...

Finalmente sentamos para comer! O Nicolas sentou-se ao meu lado, e a Angélica sentou-se do outro lado da mesa com a Bianca, que começou a comer e quase não falou até terminar.

Angélica: E aí, aniversariante. Por que sua família veio pra cá?

Nicolas: Meu pai recebeu uma oferta de trabalho melhor aqui, aí ele decidiu aceitar e vir pra cá.

Angélica: Entendi...

Angélica: E você deixou alguém pra trás?

Nicolas: Alguns amigos, quase ninguém.

Angélica: Namorada?

Ele fez que não com a cabeça...

Nicolas: Nunca namorei...

Angélica: Sério? Por que?

Nicolas: Bom, eu nunca encontrei alguém que parecesse interessante.

Angélica: Nossa... - ela deu uma risadinha - Entendi...

Nicolas: Ou que me quisesse... - ele completou meio sério.

Bianca: Que alone... - a Bianca riu, mas ninguém riu junto.

Nicolas: É, nunca fui muito popular e nem rodeado de amigos...

Bianca: Parece alguém que eu conheço... - ela disse me olhando.

Mostrei a língua para ela, que deu uma risadinha.

Angélica: Bom, andando com a gente você vai continuar sem ser popular. – Ela riu – Mas somos bons amigos, inseparáveis.

Nicolas: Nem quero ser popular. Não gosto de chamar a atenção, prefiro ficar na minha, com amizades verdadeiras.

Ele sorriu, e depois me olhou brevemente. Percebi que ele não dava muita atenção pra Bianca. Eu não o culpava por isso, entendia bem como ele se sentia, as vezes eu mesmo queria cavar um buraco e entrar nele, só pra fugir da chatice dela.

E então, por um momento eu pensei na nossa conversa no ônibus, e já que estávamos entre amigos, senti liberdade pra perguntar.

Felipe: E aquela história que você falou no ônibus, Nicolas?

Ele ficou meio sem jeito, olhou pros lados e então começou a falar.

Nicolas: Bom, eu comecei a gostar dessa pessoa cedo demais... e sei lá... acabei quebrando a cara...

Angélica: Amor?

Fiz que sim com a cabeça quando percebi que o Nicolas não ia responder direito.

Angélica: Eu sei como é!

Nicolas: Gostar tanto de alguém que você faz de tudo só pra ela notar que você existe? Começar a deixar escapar "pistas" e indiretas pra ver se ela percebe. Só que ela nunca nem mesmo se toca, ela nem te olha direito, parece que te odeia...

Angélica: Acredite, eu sei como é! Chegar num ponto em que você acorda de manhã e não sabe se fica feliz ou triste porque sabe que vai ver aquela pessoa...

Ele ficou em silêncio.

Bianca: BAD NÃO! – Ela gritou de um jeito engraçado e bateu na mesa.

Eu comecei a rir alto, não consegui controlar. Ela gritou com uma voz um pouco trêmula, parecendo um guerreiro daqueles filmes da idade média.

Raras vezes eu concordava com todas as palavras que a Bianca usava em uma mesma frase, essa era uma dessas vezes (embora ela tenha dito apenas duas palavras). Troquei um olhar com a Angélica quando consegui parar de rir. Eu não sabia a história do Nicolas, mas eu sabia a dela, e sinceramente? Eu sempre achei exagero dela, só que eu também já tinha me decepcionado, e eu sei que ninguém te entende de verdade nessas horas, então eu sempre tentei conforta-la ao invés de ficar falando que era exagero, afinal, já tínhamos a Bianca para falar isso.

Angélica: Fe, coloca uma música aí no seu celular mesmo... Melhor a gente começar a arrumar essa bagunça.

Felipe: Tá. - falei pegando meu celular e correndo minha lista de músicas, procurando uma legal.

Nicolas: Adoro essa! - Ele disse num certo momento. Me assustei quando percebi que ele estava olhando as músicas junto comigo.

Felipe: Qual? - Perguntei voltando a lista devagar.

Nicolas: Best day of my life...

A Angélica deu uma risadinha, eu tentei ignorar mas o Nicolas percebeu.

Nicolas: O que? Vocês não gostam?

Angélica: Não é isso. Deixa pra lá... põe ela aí, Fe! E vamos arrumar isso!

Deixei o celular tocando em cima da mesa enquanto todos se levantaram e começaram a recolher as coisas da mesa e colocar na pia. Depois eu mesmo encostei na pia e o Nicolas quase imediatamente encostou do meu lado! Ele estava sorrindo, e disse: “Eu vou secando, pode ser? ”.

Felipe: Claro! – Falei surpreso.

A Bianca e a Angélica já sabiam bem onde minha mãe gostava que guardasse as coisas, então elas se encarregaram de guardar a louça, enquanto o Nicolas secava e eu lavava. Eu não era tão rápido lavando louça, apesar de fazer isso com frequência, e o Nicolas pareceu ser lento para secar, então as duas ficavam um certo tempo esperando ter alguma louça para guardar.

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