Capítulo 2

Conto de SyncMaster como (Seguir)

Parte da série Tribulações

A minha casa era a mais próxima ao parque, então a Angélica se despediu de mim e continuou andando sozinha. Era essa hora do dia que eu me sentia incomodado de verdade! Quando eu ficava sozinho.

Mesmo que meus pais estivessem lá dentro me esperando, não era a mesma coisa que estar com a Angélica ou com a Bianca... Eu não podia falar sobre tudo com meus pais, eles não entenderiam, e provavelmente não aceitariam, me mandariam pra um psicólogo e me tratariam como um doente.

Entrei, falei um pouco com eles na cozinha... Meu pai, o Edson, estava lendo um jornal... Mas parou e sorriu pra mim quando entrei, minha mãe, Laura, fez o mesmo, mas ela estava começando a preparar o jantar... Em poucos minutos deixei os dois na cozinha e fui tomar um banho. Enrolei um pouco lá, era o momento sagrado pra relaxar e pensar na vida...

Edson: E como foi o dia, filhão? - ele perguntou quando me sentei na mesa de novo.

Felipe: Ah, bem...

Laura: Não almoçou, filho? Não tinha louça suja.

Felipe: Almocei na casa da Angélica... Ela me chamou e eu acabei indo...

Meu pai deu uma risadinha.

Felipe: Que foi? - fiquei sem jeito.

Edson: Nada, é só que vocês dois tem andado muito próximos, né?

Felipe: É, um pouco... Mas não tá rolando nada, pai...

Edson: Não mesmo? É normal se estiver, filho... Não precisa ter vergonha!

Felipe: Mas não tá... Ela é minha melhor amiga, não tem como rolar algo mais… - continuei sem graça.

Edson: Eu entendo... - ele sorriu - Ela é uma boa menina... Muito simpática.

Felipe: É sim, eu sei o quanto... - falei viajando, mas meu pai não insistiu nesse assunto. Não foi a primeira vez que ele insinuou que havia algo além de amizade entre a Angélica e eu, e todas as vezes eu ficava sem saber como responder.

Meu pai falou bastante sobre o serviço durante o jantar, parece que o dia havia sido muito bom pra ele! Naquele dia a minha mãe e eu apenas escutamos e comentamos as coisas que ele falava! Era difícil meu pai falar tanto, então deixamos que ele falasse.

Quando terminamos, tiramos a mesa juntos, era hora de lavar a louça do jantar! Meu pai me disse para ir descansar, pois ele ajudaria minha mãe com a louça. Normalmente nós revezávamos a louça do jantar, mas meu pai sempre acabava ajudando mais que eu, ele sempre me dizia pra ir descansar. Normalmente eu não reclamava disso. Dei boa noite aos dois e fui pro quarto.

Entrei no meu quarto e fechei a porta, peguei meu celular e vi que tinha uma mensagem da Angélica. Abri e não nada muito especial, ela só estava desejando boa noite. Respondi um “Boa noite”, tirei a camisa e me deitei na cama. Logo ela me mandou outra mensagem perguntando: "o que tá fazendo?".

Felipe: acabei de deitar... E você?

Angélica: Tava ajudando minha mãe com a louça, vou escovar os dentes agora e depois deitar!

Felipe: Ah tá...

Angélica: Tá tudo bem contigo, né?

Felipe: Tá sim...

Angélica: Então tá... Boa noite! E descansa viu?

Felipe: Você também, boa noite!

A manhã seguinte começou exatamente igual. Cheguei no ponto e encontrei a Bianca, não estava com uma cara de sono tão “feia” como no dia anterior, mas ainda dava pra perceber que não tinha dormido o bastante.

Bianca: E aí, como foi ontem?

Felipe: Legal...

Bianca: Como sempre você fala como se tivesse que pagar cada palavra… - ela riu.

Felipe: Foi legal, eu passei a tarde na casa da Angélica e depois fomos pro parque caminhar...

Bianca: Melhorou um pouco... - ela riu.

Não contei a ela sobre o Túlio, eu tinha certeza que ela colocaria um monte de defeito e acabaria com qualquer esperança que eu ainda tinha sobre o cara. Conversamos pouco na viagem pra escola, a Angélica subiu no ponto de sempre e acenou pra nós. Ela se sentou no mesmo lugar do dia anterior, mas nesse dia havia um garoto na janela. Não dei muita atenção a ele, não queria mais saber de garotos da escola.

Ele desceu junto conosco quando o ônibus parou, e eu percebi que nos acompanhou até dentro da escola. Mas ainda assim não reparei nele.

Angélica: E aí, deprê... Dormiu bem?

Felipe: Na medida do possível...

Angélica: Nossa hein...

Felipe: Brincadeira! Dormi bem... - dei risada - E você?

Angélica: Também… Mas eu sonhei com meu pai…

Felipe: Sério? E como foi o sonho?

Angélica: Sonhei que ele estava jantando com a gente…

Fiquei sem saber o que falar, procurei por alguma palavra que fosse útil naquele momento, eu não sabia se devia consolá-la ou agir normalmente...

Bianca: Gente, eu to aqui viu?

Percebi que estávamos quase deixando ele pra trás.

Felipe: Aah, tadinha! Desculpa.

Olhei pra trás pela primeira vez, aquele garoto do ônibus ainda estava andando atrás de nós... Comecei a ficar incomodado com ele. Mas logo que entramos na escola, ele tocou o ombro da Angélica, que estava do meu lado esquerdo, e falou meio tímido: Ah, desculpa... Mas onde é a sala 17?

Felipe: Você tá no 2º B?

Ele fez que sim com a cabeça.

Angélica: É nossa sala, vem com a gente.

Ele agradeceu e continuou andando ao nosso lado.

Angélica: Qual seu nome?

Ele: Nicolas... E o de vocês?

Angélica: Eu sou a Angélica, ele é o Felipe e ela é a Bianca!

Nicolas: Ah, prazer! - ele sorriu.

Angélica: Prazer é nosso - ela deu uma risadinha - Por que não veio ontem?

Nicolas: Aah, eu sou novo aqui na cidade, acabei perdendo o ônibus...

Angélica: Perdeu hora?

Nicolas: Aham… - ele pareceu sem graça.

Olhei pra ele com atenção pela primeira vez. Seu cabelo era maravilhosamente loiro! Liso, meio bagunçado na frente. Tinha uma pele clara e olhos azuis! Tipo físico mais ou menos como o meu... Da minha altura... Ele era muito bonito, especialmente aquele cabelinho loiro e olhos azuis que hipnotizavam. Desviei o olhar quando me dei conta que ele estava olhando pra mim também.

Nicolas: Vocês são namorados? - ele disse se referindo a Angélica e a mim.

Angélica: Não. - nós já estávamos um pouco cansados dessa pergunta.

Felipe: Só amigos... - interrompi.

Nicolas: Ah, desculpa... É que vocês parecem tão próximos.

Angélica: Somos amigos há muito tempo... - a resposta era sempre essa.

Nicolas: Entendi...

Entramos na sala, ele disse um “Oi” para alguns alunos que ficaram encarando-o, percebi que ele ficou meio em dúvida de qual lugar escolher.

Felipe: Senta aqui com a gente... - falei sem pensar.

Nicolas: Obrigado, Felipe... - ele disse se sentando atrás de mim.

Felipe: Não por isso...

Na primeira aula, a professora (que não podia ser outra, a não se a de sociologia) pediu ao Nicolas pra ele se apresentar.

Nicolas: Não sei o que falar… - ele ficou sem jeito.

E então a professora ajudou: “diga seu nome, idade, o que gosta e o que não gosta”.

Ele ficou em pé e falou: "Meu nome é Nicolas, faço 16 anos na próxima sexta! Morava em São Carlos, fica um pouco longe daqui... Gosto de ler, escrever, ouvir música... Não gosto de discriminação e falta de respeito com os outros...".

Quando ele parou de falar, a professora começou a bater palmas, acho que foi só uma tentativa de fazê-lo sentir-se bem, mas isso puxou o resto da sala a bater palmas também, mesmo que só tenham aplaudido por obrigação.

- Muito bom! - a professora disse - Pode se sentar, Nicolas! Obrigado!

Esse discurso dele me chamou a atenção, mas não só o que ele disse... Seu jeito de falar, seu tom de voz... Ele parecia ser o tipo que respeita a todos, que não "pisa" em ninguém, mas também não se submete ao que não concorda. Fiquei curioso a seu respeito.

No intervalo ele ficou com a gente também.

Angélica: Então sexta é seu aniversário?

Nicolas: É... - ele deu um sorriso.

Angélica: Vai nos chamar pra festa? - ela brincou.

Nicolas: Se tivesse festa eu chamaria...

Angélica: Ah, obrigada! Fico honrada!

Ele só sorriu de volta, e então ela virou pro meu lado.

Angélica: Deprê, vamos correr hoje?

Felipe: Claro... - falei um pouco empolgado.

Nicolas: Por que te chamam de deprê?

Angélica: Por que ele é muito depressivo! - ela tomou a frente.

Nicolas: hum, mas é verdade ou só tão exagerando?

Bianca: É verdade! - foi a primeira vez que a Bianca falou com ele - Ele vive cabisbaixo por aí... Triste e se menosprezando!

Nicolas: Acha? Por que, cara?

Felipe: Podemos não falar nisso?

Nicolas: Ah, ok! Desculpa!

Talvez eu tenha sido meio grosso, porque até mesmo a Bianca e a Angélica desistiram do assunto.

Felipe: Não, tudo bem... Eu que peço desculpas.

Nicolas: Onde vocês correm? - ele mudou de assunto.

Felipe: Numa área de lazer que tem perto de casa... Não é tão perto, mas a gente vai assim mesmo.

Angélica: É, se quiser ir com a gente, vai ser bem vindo! - ela sorriu.

Nicolas: Ah, por enquanto eu tenho que ficar ajudando a organizar as coisas em casa... Mudança não é simples! Mas quando eu estiver tranquilo, pode ter certeza que eu vou.

Angélica: Faz pouco tempo que chegaram?

Nicolas: Sábado... - ele riu.

Angélica: Nossa... Bem em cima!

Nicolas: Muito recente! Meu pai arrumou um emprego melhor aqui… Foi meio às pressas.

Angélica: Nossa!

Nicolas: Pois é...

Angélica: Você tem irmãos?

Nicolas: Não, sou filho único.

Angélica: Aah tá...

Voltamos pra sala ao final do intervalo e não conversamos muito depois, na hora da saída falamos pouco e nos separamos no ônibus. Então não pudemos conversar muito. Ele se sentou com a Angélica e vi eles conversando o tempo todo no caminho... Comecei a ficar com ciúmes dela.

A Angélica foi a primeira a descer, depois eu e a Bianca descemos juntos e o Nicolas ainda ficou no ônibus. Me despedi dele antes de descer, e a Bianca falou lá fora: "Ele é legal!".

Felipe: Ah é? Achei que não tinha gostado dele... Mal conversaram.

Bianca: Aah, é meu jeito...

Felipe: Sei...

Bianca: Vai, não enche... Até mais tarde! Hoje vou correr com vocês, hein?

Felipe: Tá ok... - respondi, e nos separamos.

Fiz um almoço básico naquele dia, mas comi bem e depois lavei toda a louça, assim meus pais teriam menos coisas pra levar de noite, e poderiam ir descansar mais cedo. Coloquei uma música pra tocar enquanto eu lavava a louça, e ouvi a campainha tocando pouco tempo depois de ter começado.

Sequei as mãos e fui abrir o portão, era a Angélica.

Felipe: Não consegue ficar longe de mim, hein?

Ela riu e entrou.

Angélica: Aah, minha mãe saiu trabalhar, eu lavei a louça e não quis ficar lá sozinha. O que você tá fazendo?

Felipe: Lavando a louça... - dei risada.

Angélica: Vamos lá... Te dou uma mão...

Entramos, ela pegou meu celular na hora e parou a música, pegou o dela e pois suas próprias músicas pra tocar.

Felipe: Pra que isso?

Angélica: Se começar a tocar Skank e Jota Quest eu vou pirar...

Felipe: Aah, eu gosto, não posso? - dei risada pegando meu celular.

Angélica: Mas eu não...

Ficamos um pouco em silêncio, e eu falei logo o que queria.

Felipe: O que você achou do Nicolas?

Angélica: Ele é legal... Tem uma boa postura, é educado... Diferente daqueles outros meninos da nossa sala...

Felipe: Hum, gostou dele?

Angélica: Tá com ciúmes, Felipe?

Felipe: Claro que não...

Angélica: Parece que tá... - ela riu.

Felipe: Não to não...

Angélica: Relaxa, ninguém vai tomar seu lugar! - ela sorriu.

Felipe: Tá se achando muito! - falei passando espuma no seu nariz.

Angélica: Ai, seu chato!!! - ela riu jogando água em mim.

Felipe: Mas eu também achei ele legal... Ele é diferente, sei lá...

Angélica: Diferente como, hein?

Felipe: É como você disse... Ele é educado, sei lá...

Angélica: Sim, ele é... - ela riu - E o tal Túlio?

Felipe: O que tem ele?

Angélica: Será que ele aparece hoje?

Felipe: Quem sabe né?

Bom, ele apareceu! Vimos ele sentado em um banco logo que chegamos... Ele ficou nos olhando, parecia que estava apenas nos esperando! Eu não lembrava que ele era tão lindo daquele jeito. Fomos até ele, que sorriu quando chegamos.

Túlio: Oi pra vocês.

A Angélica e eu respondemos juntos, e então ele repetiu: "Oi, Felipe".

Felipe: Oi, Túlio... - falei sorrindo.

Ele se levantou e começamos a caminhar.

Túlio: Por que vocês vem aqui?

Angélica: Ah, pra passar o tempo... Fazer algo mais saudável do que ficar em casa comendo e vendo TV...

Túlio: Entendi... - ele riu.

A Bianca não conhecia ele direito... Até contamos a história no caminho do parque, mas ela pareceu não prestar muita atenção.

Túlio: Você não estava ontem, né?

Bianca: Não, não estava...

Túlio: Huum.

Fiquei com vergonha alheia, a Bianca sabia ser antipática quando queria, e alguma coisa no Túlio a tornava muito antipática.

Continuamos caminhando e conversando sobre coisas aleatórias. E um bom tempo depois a Angélica interrompeu as conversas e disse: "Melhor irmos, pessoal".

Túlio: Ah, eu vou ficar mais um pouco... Não quer ficar, Felipe?

Fiquei meio sem jeito... Olhei pra Angélica, que pareceu tão surpresa quanto eu.

Felipe: Eu vou dar mais uma volta, podem ir sem mim.

Angélica: Então tá... Até amanhã! Tchau Túlio!

Túlio: Tchau!

Felipe: Até amanhã...

Por alguns segundos ficamos num silêncio irritante, mas então ele suspirou e falou: "Sua amiga parece afim de você".

Felipe: Ah, besteira, é só muita amizade mesmo.

Túlio: Tem certeza?

Felipe: Tenho...

Túlio: Como pode ter certeza?

Fiquei pensativo.

Felipe: Não sei, só tenho... - falei rindo.

Túlio: Você tá com outra pessoa?

Felipe: Não... To solteiro.

Túlio: Sério?

Felipe: Sério, e você?

Túlio: Também...

Felipe: Huum...

Túlio: Se fosse pra namorar, com que tipo de pessoa seria?

Felipe: Aah, seria com alguém legal, simpático, que goste de mim de verdade... Essas coisas...

Ele riu, eu não entendi o motivo na hora, mas completei: E você?

Túlio: Acho que o mesmo. - ele deu mais uma risadinha.

Me perguntei o que eu tinha dito de errado, revisei a conversa mentalmente várias vezes procurando algo que pudesse ter feito ele rir daquele jeito. Mas não perguntei nada a ele.

Completamos mais uma volta no parque e ele mesmo pediu pra pararmos, disse que precisava ir embora. Ele saiu do parque pela mesma direção que eu, andou dois quarteirões e parou em uma esquina.

Túlio: Minha casa é aqui... Nos vemos amanhã?

Felipe: Claro... - falei apertando sua mão. E então dei as costas e fui pra minha casa.

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