Capítulo 10

Conto de SyncMaster como (Seguir)

Parte da série Tribulações

Continuei deitado. Eu não estava a fim de aguentar papo furado da minha tia. Virei o rosto pro lado oposto a porta, assim talvez pensassem que eu estava dormindo.

Não funcionou! Senti uma mão batendo na minha cabeça. Fiquei bravo por um momento, mas não era minha tia, e sim o Nicolas, olhei pra trás e o vi em pé. Estava com uma camisa preta sem manga e bermuda numa cor que parecia cinza...

Nicolas: O que aconteceu com você, maluco?

Felipe: Nada...

Ele se sentou no chão, e encostou na cama, eu só via a parte de trás da sua cabeça.

Nicolas: Crise depressiva?

Não respondi.

Nicolas: Cara?

Felipe: Eu sou um idiota...

Nicolas: Para com isso. Você não é idiota!

Fiquei em silêncio de novo.

Nicolas: A Angélica ficou chateada!

Felipe: Ela não sabe o que aconteceu.

Nicolas: Não, ela só disse o que vocês conversaram no celular.

Felipe: Hum...

Nicolas: Você quer me contar?

Felipe: Você não vai gostar de saber...

Nicolas: Por que não tenta?

Por um momento achei que ia soltar tudo. Mas depois cai na real.

Felipe: Porque eu não quero aumentar os problemas...

Nicolas: Eu sou um problema?

Felipe: Claro que não! Só to dizendo que você não vai gostar de saber! Deixa passar...

Nicolas: A Angélica mencionou um encontro. Não deu certo? É isso?

Eu não sabia responder.

Felipe: É, mas não é só isso...

Nicolas: Tá, não vou insistir...

Ficamos um tempo em silêncio.

Felipe: As duas estão lá fora?

Nicolas: Não, elas foram pra casa. Nem sabem que vim pra cá!

Felipe: Por que veio aqui?

Ele respirou fundo.

Nicolas: Fiquei preocupado com meu amigo! Não achei que fosse normal pra ele gritar com uma amiga e ser grosso do jeito que foi.

Felipe: Ela ficou muito brava?

Nicolas: Ficou um pouco... mas vai te perdoar. Ela disse que te entende.

Felipe: Que bom.

Nicolas: Mas sabe, você tem o direito de ter raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel...

Felipe: Willian Shakespeare...

Nicolas: Na verdade esse poema não é dele... dizem que é de uma outra poeta, Shakespeare só modificou um pouco...

Felipe: Entendi... disso eu não sabia...

Ele riu.

Nicolas: Vamos dar uma volta?

Felipe: Não…

Ele ficou em silêncio um pouco.

Nicolas: Então você quer fazer o que? Ficar deitado aí pensando no que aconteceu não vai te ajudar em nada. E eu não vou te deixar sozinho!

A cena com o Túlio não saia da minha cabeça. Era persistente, era um pensamento forte que me deixava com medo.

Me sentei na cama e apoiei os cotovelos nos joelhos... E então o Nicolas percebeu algo que eu não tinha percebido, e que me assustou! Ele segurou meu pulso e puxou minha mão pra perto dele. E então me olhou com uma cara um pouco assustada...

Meus braços estavam com hematomas. Acho que por causa da força do Tulio ao me segurar.

Puxei meu braço e fiquei um pouco assustado. Respirei fundo algumas vezes, visualizei a cena dele me segurando, fiquei tão nervoso que não devo ter sentido o quão forte ele tinha me segurado.

Nicolas: Felipe? - Olhei pra ele, Minha cabeça encontrou um pouco de paz nos olhos azuis dele - Tá tudo bem mesmo?

Felipe: Tá... - Falei, apesar de não ter tanta certeza.

Ele se ajoelhou na minha frente...

Nicolas: O que aconteceu, me conta!? Por favor!

Felipe: Por favor, Nicolas, não!

Ele se levantou, por um minuto achei que ele ia me abandonar igual a Angélica quando desligou o celular.

Nicolas: Se é assim, então me deixa ajudar, vem!

Felipe: Aonde?

Nicolas: Andar por aí. Já falei que não vou te deixar sozinho, e não adianta ser grosso.

Acabei indo com ele, nós saímos na rua e fomos andando devagar. Eu estava envergonhado de mostrar meus braços cheios de hematomas.

Nicolas: A Angélica deu a sugestão de irmos ao cinema qualquer dia. O que você acha?

Felipe: Vai ser divertido...

Nicolas: Vai mesmo! - ele sorriu.

Felipe: Elas ficaram lá a tarde toda?

Ele fez que sim com a cabeça e disse: "Elas saíram e foram pra casa, poucos minutos depois eu sai e vim pra cá...".

Felipe: Por que veio?

Felipe: Tá brincando, né? Por que me preocupo com você!

Fiquei quieto um minuto.

Felipe: Obrigado!

Ele sorriu, mas logo ficou sério de novo e disse: "Vou tomar a liberdade de perguntar o que você sente em relação a Angélica”.

Felipe: Ela é minha melhor amiga... Você sabe...

Nicolas: É, mas você também sabe que ela não sente só isso...

Felipe: Não acho isso...

Nicolas: É só parar e reparar no jeito que ela te olha, como ela se preocupa com você... Cara, perto de você ela é outra pessoa! Parece brilhar de felicidade...

Felipe: Você tá exagerando, somos amigos, e nada mais que isso...

Nicolas: O que te faz acreditar nisso tão cegamente? Nunca parou pra pensar em como ela se sente?

Fiquei um pouco chateado por ele estar tentando me fazer olhar pra Angélica com outros olhos. Mas eu entendi na hora que estava chateado porque isso jogava na minha cara que o Nicolas não era gay e não estava a fim de mim.

Felipe: Já, e você, já parou pra pensar em como eu me sinto?

Nicolas: Desculpa mas não parece nem um pouco que você está feliz... então eu que pergunto se você sabe o que tá sentindo?

Ele enrolou um pouco a língua pra falar, mas eu entendi o que ele estava tentando dizer.

Felipe: Eu achava que sabia... mas as coisas mudaram...

Olhei pra ele, que ficou em silêncio me olhando.

Nicolas: Vai fazer o que hoje a noite?

Felipe: Ficar em casa...

Nicolas: Hum.

Pensei por um momento e falei: E você?

Nicolas: Hoje é aniversário da minha prima... Mais tarde meus pais e eu vamos pra lá comemorar com ela!

Fiquei com medo, por um momento tive esperança de que o Nicolas ficaria comigo de noite.

Felipe: Ah tá... ela mora em outra cidade?

Ele fez que sim som a cabeça.

Felipe: Não to te atrasando não, né?

Nicolas: Não, tranquilo! Daqui a pouco vou pra lá...

Felipe: Então tá...

Mas o "daqui a pouco" dele chegou mais cedo do que eu imaginei que seria... demos apenas uma volta no quarteirão e quando paramos em frente ao portão de casa novamente, ele disse que já tinha que ir.

Felipe: Mas já?

Nicolas: Já... Amanhã a gente se vê...

Felipe: Tá bom, então...

Ele nem mesmo entrou em casa de novo, foi embora dali mesmo. Eu entrei e fui tomar outro banho, estava me sentindo mal! Passei o resto do dia no quarto, encolhido na cama, olhando toda hora se tinha alguma mensagem no celular. Mas a única coisa que recebi foi uma mensagem do Nicolas, por volta da meia noite e meia, dizia: "acabei de chegar em casa... Vou dormir agora, se quiser fazer algo amanhã, dá um toque! Boa noite".

Fiquei feliz ao ler aquela mensagem, foi legal ver que ele pensou em mim e mandou a mensagem antes de dormir.

Felipe: Ok, e você também! Boa noite!

No domingo eu não vi e nem conversei com nenhum deles. Eu pensei em procurar a Angélica, mas fiquei com medo de ela estar brava! Eu sabia que não adiantaria nada ficar na minha! Se ela realmente estava brava comigo, eu deveria ir conversar, mas mesmo sabendo disso, não fui!

Claro que eu tive que inventar uma desculpa para meus pais sobre meus braços roxos. Falei que tinha sido um jogo de futebol na aula de educação física, os garotos ficavam trombando e as vezes até batendo intencionalmente. Eles pareceram aceitar a desculpa, apesar de saberem que não gosto de futebol!

Passei o dia em casa, vendo TV, depois ouvindo música, depois atormentando minha mãe na cozinha, depois voltando pra TV. E assim meu dia passou! Não, não foi divertido, na verdade foi muito entediante... Mas nem por um minuto eu parei de pensar no Nicolas. Várias vezes pensei em pegar o celular e mandar um sms pra ele, mas e se ficasse "grudento" demais e ele acabasse suspeitando de algo sobre mim? Por pensar demais, acabei não fazendo nada.

Fui tomar banho por volta das seis da tarde... Coloquei meu celular no silencioso e deixei-o embaixo do meu travesseiro, como sempre fazia!

Tranquei a porta do banheiro e comecei a tirar a roupa, sempre que eu via a mancha no meu pulso eu me lembrava do que tinha acontecido entre o Túlio e eu no dia anterior... Eu já não me sentia tão "incomodado" quando me lembrava, mas eu ainda me sentia mal. As vezes eu me perguntava se tinha feito a coisa certa, e depois de olhar bem pro meu pulso, e lembrar do Nicolas, eu voltava a ter certeza de que tinha feito o certo.

Claro que não estava algo escandaloso no meu pulso. Mas se você olhasse com um pouco de atenção, dava pra ver claramente! Enfim tirei a cueca e entrei debaixo do chuveiro. A água estava fria, me arrepiei no começo, mas logo me acostumei com a temperatura mais baixa.

Não pensei em nada durante o banho, sabe aquele momento em que você parece sair do seu corpo, não ver nada. Ficar "no automático"... não sei nem quanto tempo demorei dentro do banho. Mas quando saí eu me vesti e fui reto ao meu quarto, nem me lembrei de pegar meu celular. Saí dali e fui pra cozinha.

Edson: Olha ele aí... - Disse ele quando entrei na cozinha, parecia muito sério - Senta...

Minha mãe já estava sentada, com um olhar cético. Meu pai puxou uma cadeira ao lado dela e se sentou, eu fiz o mesmo, mas fiquei de frente pros dois. Meu coração batia tão forte que meu peito parecia que ia explodir. As expressões em seus rostos não eram boas...

E de repente meu pai pegou seu próprio celular e colocou na minha frente.

Edson: Explica.

Olhei pra tela do celular e vi a mensagem que o Túlio tinha me enviado duas noites atrás, quando eu ainda estava na casa do Nicolas (véspera do nosso "encontro"), nela estava escrito: "já to pensando em amanhã! Tenho imaginado tanto o seu corpinho, sua boquinha... Dorme bem, meu gostoso! Túlio". Eu travei.

Edson: Fala! - Ele disse bravo - Espero que Túlio não seja a assinatura de quem escreveu essa merda!

Continuei sem falar nada, eu simplesmente tinha travado!

Edson: Tem alguma desculpa pra isso? Vai falar que esse tal Túlio errou o número quando enviou pra você? Onde você foi ontem de tarde?

Criei coragem e falei, não adiantava mentir: "Me encontrar com ele".

Ele respirou fundo.

Edson: Então é isso? Meu filho pensa que é gay?

A resposta me veio na ponta da língua, mas eu não tive coragem de abrir a boca pra falar.

Edson: Fala, moleque, você se considera um gay?

Permaneci em silêncio, encarando o celular, tive medo, não de olhar meu pai, mas de ver sua expressão de rejeição. Apesar de não falar nada, acho que minha expressão dizia tudo.

Edson: Você não tem noção de onde tá entrando! Você não conhece essa gente! Pelo amor de Deus, filho, não mata seu pai!

Comecei a ficar muito revoltado com aquelas frases absurdas dele! Encarei minha mãe, mas ela desviou o olhar. Aquilo acabou comigo, me senti realmente abandonado.

Edson: Não vou nem perguntar sobre ontem, porque não quero saber, tenho medo da resposta! Se é que vou ter uma! - Ele disse bravo - O que tá escrito aqui já me dá uma pista. E esse seu pulso, então, nem se fala! - Ele disse mais alto - Olha, moleque, se eu souber que foi esse cara que fez isso no seu pulso, eu arrebento você! E se eu souber que você se encontrou com ele ou com qualquer outro "viado" por aí, eu arrebento você e esse outro! - Ele disse alto.

Continuei em silêncio, eu sabia que não falar nada só ia estressar ainda mais o meu pai. Só que eu simplesmente tinha travado, não conseguia falar!

Laura: Olha, tá todo mundo nervoso! Melhor acalmar antes de conversar. Felipe, vai pro seu quarto!

Comentários

Há 1 comentários.

Por Elizalva.c.s em 2017-02-24 23:24:26
Muito bom...amando cada vez mais.😘😘😘😘