Capítulo 7 - Capturado

Conto de Sonhador Viajante como (Seguir)

Parte da série Camuflagem

A fria madrugada se estendia oca e devagar num ritmo torturante... Eu levantava da cama á cada cinco minutos para ir ao banheiro e depois voltava pra cama... Mexia no celular e o ciclo de repetia... De novo e de novo! Numa repetição assoladora e sem fim de esperar por algo que nunca vem quando mais queremos. Nada! Nenhum sinal dele até aquele momento... Não conseguia fechar os olhos e dormir... Eu sabia que era tarde demais pra voltar atrás, mas mesmo assim queria uma segunda chance... Meu cérebro só fazia projetar imagens que eu guardava dele... A boca... Os cabelos ruivos... O toque dominador... O olhar azulado de um céu sem nuvens e ao mesmo tempo ameaçador... A pele da cor de neve... Enfim, um sol brilhoso demais pra mim.

Tinha enviado uma mensagem para ele e já sentia o arrependimento me corroer. Parecia até uma maldição... Tudo que eu fazia me arrependia logo em seguida. Deixei-o no vácuo e agora o quero de volta... Bem típico mesmo da minha personalidade sem raízes. Será que ele me responderia? E se me respondesse... O que eu faria? Qual era o meu problema? Por que eu conseguia afastar as pessoas tão rapidamente sem nem tentar conhecê-las antes? Vai ver meu destino já tivesse sido sentenciado ao nada de vez. A resposta que eu ao mesmo tempo queria e não queria acabou se transformando no drama da madrugada e provavelmente seria do dia também.

Quase amanhecia quando eu finalmente consegui pegar no sono e me vi sonhando com ele...

“Olhei por cima do ombro e percebi-o bem atrás de mim me olhando com desejo. Caminhei e fingi ignorá-lo. Ele me seguia pelas ruas sem se preocupar se eu o estava vendo ou não... Aonde quer que eu fosse... Lá estava ele na minha cola. Eu gostava daquilo. Ansiava pela sua perseguição. Queria-o seguindo meus passos... As ruas pareciam vazias, como se apenas nós dois estivéssemos ali... Eu entrava em becos, corria por avenidas e á cada passo, ele parecia chegar mais perto de mim... Era excitante o ter tão próximo... Até que decidi parar de caminhar. E ao olhar para trás, ele estava parado á um metro de distância de mim. Fui até ele esperançoso por beija-lo e ao ficar na sua frente, sua imagem de repente engessou. Toquei-o e percebi que seu corpo era agora um manequim engessado. Duro e frio como uma pedra de gelo. Entristeci-me e o empurrei. Ele caiu no chão e se quebrou em diversos pedaços... Corri dali e o vi de novo, dessa vez em carne e osso... Mas toda vez que eu chegava perto, ele se transformava em gesso. E eu o quebrava. De novo e mais uma vez... O lindo sonho se transformou num pesadelo á medida que eu era perseguido por um “Ele” de gesso. Aquele não era ele... Onde estava o verdadeiro “eu” dele? Todos pareciam de mentira... E todos se despedaçavam...”.

Já devia passar das sete e meia da manhã quando meus olhos abriram assustados ao som de uma buzina no meu ouvido. Acenderam as luzes... Pronto! Fodeu! Deparei-me com minha mãe e meus dois irmãos, que tinham entrado no meu quarto sorrateiramente. O barulho de vuvuzela e a quantidade surreal de papeis de confete caindo ao meu redor, me fizeram entrar em depressão.

– Bom dia! Tá na hora de acordar raio de sol! – gritou minha irmã sarcasticamente puxando todas as cobertas de cima de mim, enquanto eu lutava com ela.

– Vocês tem noção de que horas são? Me deixa dormir em paz... Hoje é sábado! – reclamei tentando deixar os olhos fechados.

– Parabéns pra você! Nessa data querida... – o coro do meu irmãozinho entoou pelo meu quarto e puxou as cordas vocais da minha mãe e da chata da minha irmã. As palmas podiam acordar o bairro inteiro, eu tinha certeza que sim.

Acordar com disposição no dia do seu aniversário é um privilégio pra poucos. E nesse dia em especial nunca fui muito de ficar disposto. Ao completar vinte anos sempre me imaginei morando sozinho, formado no curso que eu queria, trabalhando ou fazendo algum estágio, ganhando uma boa grana, namorando e já firmando uma relação duradoura. E olha só como eu estava... Suando a semana inteira num cursinho pra tentar uma boa faculdade de medicina. Assistente em um supermercado. Solteiro. E sem nenhum tostão no bolso que desse pra uma viagem sequer. Que se dane! Eu era um projeto interrompido, sem dúvida. O fracasso era evidente. Desisti de tentar expulsá-los do meu quarto e sentei na cama com uma aparência que só minha família mesmo toleraria.

Cíntia trouxe um pequeno bolo de aniversário e todos me pediram para assoprar a vela. O que eu fiz... Tentando achar o mínimo bom humor que ainda me restava.

– Feliz aniversário meu filho! Muita saúde, muitas realizações e sorte na sua vida... – disse minha mãe me abraçando e me beijando a testa. – Seu presente é uma coisinha que eu achei que você fosse gostar... E espero que goste!

Minha mãe pegou uma caixa embrulhada e me entregou. O peso já dizia alguma coisa. Eu acho que não era o que eu estava pesando? Ou era... Abri rapidamente o embrulho e quase caí pra trás com a caixa do notebook novo bem na minha frente.

– Ih! Já vi que ele não está nada animado hoje... Acho que nem vai gostar! – ironizou Cíntia.

– Mãe... Meu deus! É mesmo verdade? Cara, eu não tô acreditando... Obrigado mãe! – falei e logo pulei no pescoço dela dando o abraço mais apertado possível.

– Vê se dessa vez tem mais cuidado... E juízo, Fred. Nada de se meter onde não deve! – advertiu-me ela.

Eu consegui sorrir finalmente e comecei a ficar mais feliz. Sabia muito bem o que ela queria dizer com aquilo. E nem precisava, pois eu já estava ciente e nunca mais faria aquela entrada no mundo virtual novamente.

Um dia depois de o meu notebook ter queimado, contei para minha mãe o que tinha acontecido e ela quase bateu em mim, de tanta preocupação. Ser hackeado tendo (Todos os seus arquivos roubados por sabe se lá quem) e ter seu HD queimado por um estranho não é nada normal. Foi sorte não ter dado em coisa pior... Pelo menos era o que eu achava. Sem falar na ligação estranha que recebi e preferi não contar pra ninguém. Já era horrível eles saberem que eu entrei em chats virtuais e tinha me dado mal, não precisavam saber também de todos os detalhes sórdidos das consequências disso. Convenci-me de que era algum idiota querendo tocar terror e deixei pra lá. Mesmo lembrando bem das palavras sussurradas no telefone “Eu precisava ouvir tua voz...”.

Olhei para o ursinho de olhos esquisito que tinham me mandado anonimamente e me perguntei se ele também teria relação com aquilo... Eram tantas perguntas e tantas respostas que eu preferi não me debater mais com isso. Devia ser o que seria. Ponto!

Liguei o meu novo notebook emocionado e ansioso para usá-lo. Cíntia me deu um embrulho pequeno e me deu um peteleco na cabeça.

– E esse é o meu! Nada caro como o da mamãe, mas muito charmoso. – disse ela.

Abri a pequenina caixa e me deparei com um lindo relógio de prata.

– Sua louca... Isso é demais! Sério! Obrigado maninha! É lindo! – abracei-a com muita força e a joguei na cama fazendo cócegas nela.

– Tá! Para! Mãe tira esse imbecil de cima de mim... – gritou ela me dando chutes e rindo.

– Dá pra parar vocês dois! O rafa também quer te dá um presente, Fred! E ele tá bem ansioso! – disse ela.

Parei por um instante e fui surpreendido pelo meu irmão de sete anos me dando um bonequinho feito de barro e uma pintura desejando feliz aniversário que ele próprio desenhou e pintou.

– Oh! Rafa! Cara que massa! Você que fez? – perguntei o puxando para meu colo.

– Sim... Eu e a professora que também me ajudou... E olha esse é você e esse sou eu... – falou ele mostrando os desenhos todo animado e satisfeito. – O boneco de barro é pra você colocar na sua estante de livros...

– Cara é perfeito! Obrigado mesmo Rafa! Cadê meu abraço? – falei.

Ele me deu um forte abraço e logo em seguida perguntou...

– Você vai cortar seu bolo agora? – perguntou-me.

Todos caíram na gargalhada e minha mãe nos levou pra cozinha. Sabe quando o dia tem tudo pra ser uma verdadeira desgraça e surgem pequenos momentos que mudam todo o tom que teria? Pois é! Foi isso que aconteceu... Não precisaria fingir estar feliz com eles... Eu conseguia ser feliz. Eles eram tudo pra mim e tudo que eu tinha. Amava-os e se os deixava mais feliz me ver de bem com a vida naquele dia... Que seja. Eu podia aguentar aquele dia e os outros que viriam. A depressão pós nada podia ser adiada por hoje!

....

Após um belo café da manhã digno de aniversariante do dia, subi para o meu quarto e caí na cama. Exausto e sonolento depois de perder a noite pensando nele. Guardei todos os meus presentes e fechei os olhos deixando o sono chegar. Só que mais por instinto do que por vício, assim sem querer (Como quem não quer ver nada) peguei o celular pra conferir a hora. Mentira! Era mesmo pra vê se tinha mensagem dele. E tomei o maior choque ao ver meu whatsapp. Ele tinha me respondido há cerca de uma hora atrás. Gelei e tremi ao ler a pequena mensagem de retorno. Como puder não ter visto antes?

“Olá, Fred. Então você resolveu dar sinal de vida? Sabia que eu deveria te ignorar do mesmo jeito que você fez comigo? Quando você se tocou que tudo que eu te falei era verdade? Porra! É difícil te entender e complicado te ignorar sabia?... Finalmente você se tocou que eu sou diferente? Tarde demais! Estou chateado demais pra te encontrar... Mas... Eu não estava mesmo nem um pouco a fim de desistir de você... Aliás, eu me toquei que queria te conhecer desde que a gente se falou pela primeira vez no supermercado... Lembra? Algo me diz que eu devo mesmo insistir em você e é isso que eu vou fazer. Quer saber a real? Quanto mais você me afastar mais eu vou ficar no teu pé. Rsrs! Brincadeira, só se você quiser! E sim, eu aceito te dá uma chance... Me encontra nesse endereço[...] Hoje ás duas da tarde estarei lá te esperando! Tenho muita coisa pra te falar... Beijo no pescoço!”

Soltei o ar e o prendi de novo quando li a última linha...

“Se você me der perdido de novo... Não vou ser misericordioso com você!”.

Fiquei chocado. Sem reação! Emocionado demais pra ser bem sincero. Aquele já era considerado o melhor presente de aniversário que eu tinha recebido... Não que os da minha família não fossem, mas eu realmente tinha amado aquele em especial. Uma mensagem que mudou totalmente meu dia e o que seria da minha tarde depressiva. Encontraria com ele e sim, eu lhe daria uma chance. Acho que até mais que isso. Eu me entregaria e tentaria de uma vez por todas viver de verdade um romance. Se for preciso me arriscar, nem que for a primeira e última vez, estou disposto a me arriscar. Já estava na hora de mudar atitudes antigas e deixar as coisas correrem conforme o destino predestinava. Eu o queria e ele me queria. Fato! Então pra quê complicar? Esse medo de que as coisas dessem erradas deveria ser exterminada. “Dá logo o sinal verde e deixa as coisas fluírem”. A paranoia ainda me invadia, mas eu definitivamente tentaria. Se eu não der o primeiro passo agora, sinto que estarei condenado a viver a mesma vidinha para o resto da vida. Chega de viver em zona de conforto.

De repente uma disposição surgida do nada me fez limpar o quarto e tomar um bom banho. Precisava estar relaxado e bonito nessa tarde. Não trabalharia naquele sábado e nem tinha nenhum compromisso. Dormiria a manhã inteira e me prepararia para o encontro da tarde. Algo me dizia que algo mudaria de hoje por diante... Seria inesquecível. Indescritível. E único! Finalmente relaxei e dormi com o pensamento nele.

....

Despertei com minha mãe me chamando pra almoçar. Já era meio dia e meia... Pulei da cama e vi que o momento se aproximava muito mais rápido do que eu imaginava... A tensão foi tomando conta de mim e eu me vi querendo desistir. De novo.

“Não! Eu vou!” Por que tenho o breve pressentimento de que estou pisando em falso? E se eu cair? Foda-se! Vamos lá! Tem que ser agora! “Já era pra ser”. Foi o que minha Tia Lena (A vidente) tinha me dito. Por mais bizarro que tenha sido a previsão, acredito que nessa parte ela tinha razão... Era pra ser mesmo. Uma dor de barriga se apossou de mim, consequência da ansiedade perturbadora e eletrizante. Aí meu deus! Tudo menos isso...

....

Saí de casa trinta minutos antes e peguei a primeira condução que me levaria até ele. Não queria chegar atrasado e provocar uma reação de desistência nele. Minha mãe e Cíntia tinham ficado curiosas. Deixei no ar.

– Nem o nome você vai dizer? – perguntou Cíntia.

– Não! A gente começou a se conhecer agora... Nada sólido... Mas prometo contar tudo quando eu chegar. – falei.

Era melhor não dá nada concreto pra elas. Só por precaução. Não queria criar expectativas nos outros que nem eu conseguia acreditar.

– O primeiro encontro no dia do seu aniversário?... Que presentão hein! Espero que ele seja o que você deseja meu filho! Quero conhecê-lo logo! – disse minha mãe.

– Obrigada mãe! Só me desejem sorte, por favor! – pedi com certo medo de sair da minha toca.

Elas me abraçaram e cruzaram os dedos. Foi o bastante para me dá forças. Sei lá! Vai ver minha inexperiência estava me deixando com atitudes e sentimentos de um garoto com quinze ou dezesseis e não com vinte anos. Que seja! O amadurecimento nessas horas era de difícil acesso. Eu tinha que admitir.

Arrumei-me apropriadamente. Perfumei-me no grau e coloquei a máscara de confiança que eu acreditava ter dentro de mim. Meu primeiro encontro deveria ser natural sem ser forçado. Jurei pra mim que não seria um covarde e me convenci daquilo o caminho inteiro até lá.

....

O parque estava ensolarado mais muito úmido. As pessoas pareciam se divertir e extravasar perto de mim, que mais parecia um poste com lâmpada queimada. Alguns namorando e brincando ao ar livre, outras conversando e botando o papo em dia. Muitas outras comendo e bebendo. Parecia que todo mundo estava acompanhado, menos eu. Como sempre! Os grupos de pessoas distintas ao meu redor nem notavam a minha presença solitária no meio deles. Eu estava completamente sozinho. Olhava para o relógio, via ás horas e depois conferia o celular. Aquilo já estava virando um tique nervoso de tanto que eu fazia. Até que horas eu esperaria? Será que ele viria?

Eu esperei...

E esperei...

Durante longas horas até às três da tarde...

Já tinha até me convencido de que ele não viria mais e tinha me dado um bolo bonito naquela tarde. Era melhor ir embora... Mas eu sempre prometia esperar só mais um minuto... Só mais um segundo... E sempre ficava esperando...

Sentado na grama desconsolado e perdido, decidi ligar pra ele... Quando um vulto passou pelas minhas costas e se sentou bem do meu lado. Dimi sorriu pra mim e tudo parou de funcionar. De boné preto, vestindo calça preta e blusa cinza. Aquele era o modelo ruivo gótico mais lindo do mundo. Meu coração... Simplesmente bugou.

– Oi! – disse ele e me beijou o rosto.

Ok! Aquilo não era informal demais, depois de ele ter se atrasado e me deixado esperando por ele até àquela hora? Uma raiva de repente me fez ter uma atitude nada conformista.

– Nossa! Você veio então... Valeu por me deixar esperando por horas... Três e meia da tarde? Serio? Eu devia ter noção de que você queria mesmo me fazer de palhaço né? Quer saber? Eu já tava mesmo de saída. Aproveite à tarde! Tchau! – digo me levantando com arrogância.

Ele me puxa pelo braço e me segura com força.

– Ei! Ei! Qual é? Eu sei que eu me atrasei, mas não foi proposital ok! – admitiu-me ele com cara de despreocupado.

– Ah não? Conta outra... Você quis me dar o troco por eu ter te ignorado aquelas mensagens, isso sim! – falo.

– Claro que não! Quando eu te respondi aquela sua mensagem me pedindo desculpas, eu tava falando sério. O que é agora? Você vai inventar uma nova desculpa pra me dispensar de novo? Qual vai ser dessa vez? Atraso? Que motivo mais bacana hein... – respondeu ele com uma fúria nos olhos que deixou suas bochechas vermelhas.

– Me solta! Você é um grosso! Eu nunca devia ter te retornado! Como eu me arrependo disso agora!

– Agora eu entendo porque você é tão sozinho... E sabe qual é o seu problema? É que você não tenta, não dá sequer uma chance das outras pessoas te conhecerem! É por isso... Você sempre consegue afastar as pessoas num piscar de olhos por medo de se arriscar! Você é sozinho por escolha própria e não por falta de opção! – despejou ele com amargura.

– Cala essa sua boca! Você não sabe nada sobre mim... Quem é você afinal? Acha que sabe alguma coisa de mim, mas não sabe nada. Nada! – gritei entre dentes.

– É aí que você se engana... Eu sei exatamente como você é! O momento que mais te entrega é quando você está com raiva... Você se fecha como uma concha... Mas a raiva e o medo te abrem.

– Ah tá! Disse o sabe tudo...

Ele me soltou e pegou meu rosto entre suas as mãos macias e grandes. Não resisti àquele toque.

– Fred, você nunca vai se abrir com ninguém? Vai mesmo ficar no seu casulo achando ser o certo a se fazer? Quanto tempo mais você vai esperar? – disse ele acariciando meu rosto e fixando meus olhos nos dele.

Amoleci e me senti a pior pessoa do mundo. Ele conseguia me atingir e acertar o alvo certeiro em questão de segundos. A gente quase se beijou quando eu interrompi... Agora calmo e ainda mais encantado pela sua beleza.

– Tá vendo como eu sou?... Eu não sirvo pra isso cara! É complicado pra mim se relacionar, se envolver de verdade sabe? Acabei de crer que não devo ter nascido mesmo pra essa coisa. Quanto tempo até VOCÊ desistir de mim hein? Não vai demorar muito até você perceber que eu sou uma perda de tempo... Desiste! Eu mesmo já desisti de mim. – falei.

– Tá louco? Agora é que eu não desisto mesmo! Me dá uma chance vai? Eu te quero demais cara e eu sei que você também me quer... – disse ele a centímetros dos meus lábios.

Eu sentia seu hálito quente e convidativo na minha boca, que ansiava pela dele. Fechei os olhos e lutei contra o desejo.

– Não... Eu não quero... Quer dizer... Eu quero... Só que... – digo quase gemendo.

– Me dá um motivo pra não te beijar agora...

– Só me beija! – ordeno.

Ele invadiu minha boca e eu apenas deixei que sua ferocidade me fundisse. A forma pesada e sedenta com que ele me beijava era tão excitante que tive que me controlar para não cair. Eu não conseguia respirar, ele não deixava! Minhas mãos soltas foram surpreendidas pelas deles que a envolveram na sua cintura e no seu corpo esbelto. O sabor do beijo dele era de sorvete de flocos. Eu me deliciava com cada pedacinho de chocolate que o beijo transmitia. Cara eu me acabaria ali. A mistura do calor de nossos corpos me sentir uma necessidade insuportável de querer transar com ele. O aconchego e o encaixe me deliravam como uma droga que precisava ser viciada.

....

A tarde passava rapidamente e a gente se beijava e conversava naturalmente como dois namorados. Era incrível como eu tinha relaxado junto dele. Falávamos sobre meus medos, anseios e sonhos. Ele era tão paciente e insistia em falar apenas de mim, ouvindo cada palavra que eu dizia. Querendo saber mais e mais. Estávamos sentados e abraçados ao pé de uma grande árvore, longe das pessoas curiosas. Ele me beijava o pescoço, surrava no meu ouvido e acariciava meu rosto com uma ternura e proteção que eu sempre desejei encontrar nos braços de uma pessoa. Não importava se éramos um casal gay, pois tinha muitos outros no parque. Também não me importei se estávamos só ficando. Só aquele momento com ele já poderia ser considerado a melhor coisa que tinha acontecido na minha vida. Compromissos sérios podiam esperar. Ficar com alguém era tão bom. Descobria-me a cada momento com ele.

– Vamo pra um lugar mais confortável? – propôs ele.

– E onde seria esse lugar? – perguntei ainda com um pé atrás.

– Minha casa... Quer conhecer? Não vou insistir... Nem vou tentar nada que você não queira! Mas... Privacidade nesse parque é bem impossível não acha? Eu queria muito ficar num lugar com só nós dois... Só a gente. Sem ninguém olhando estranho... Tá afim?

– Eu não sei... A gente nem se conhece direito... É melhor deixar para uma próxima ou talvez um dia... – admiti.

– Confia em mim... Eu quero muito ficar contigo... Se você não quiser eu vou entender... Mas eu vou te compensar muito se você tentar pelo menos me dá uma chance. Uma única vez... Fred, eu tô gostando mesmo de você. Acredita em mim! Vêm comigo? – disse ele me convencendo com seus olhos de céu.

– Será que você só não quer transar comigo e depois nem olhar mais na minha cara? Por que se for isso é melhor mesmo a gente parar por aqui... – falei.

– Quando você vai entender que eu tô mesmo gostando de você hein? Como a gente vai se conhecer assim? Eu me abro pra você... É isso que você quer? Eu posso te apresentar a toda minha família se é isso que você quer... – sugeriu-me.

Comecei a rir. Ele era imprevisível.

– Você é insano...

– Você não tem ideia... Fred, eu quero mesmo algo serio contigo... Topa pelo menos uma volta? Eu te levo pra conhecer meu apartamento e te levo em casa... Rápido como nunca! – insistiu ele.

– Tudo bem! Eu aceito!

– Tem hora para chegar em casa? Se tiver pode ficar tranquilo, eu vou te levar no horário. – prometeu-me.

– Eu fiz vinte anos hoje e posso muito bem regular meus horários. Então não, não tenho horário! – falei.

– Nossa! Parabéns! Eu não imaginava que você fosse tão velho... – exclamou ele.

– Ah! Obrigado pelo elogio! – digo sorrindo.

Ele sorriu também e eu me perguntei como eu podia ter tanta sorte de tê-lo comigo...

– Com todo respeito, nem parece que você tem vinte anos... Pra mim tem rostinho de dezessete... Você me enganaria direitinho se quisesse sabia? Tá aí! Isso merece uma comemoração especial! É seu aniversário, Fred! Vamos lá! Temos uma noite e tanto pela frente e eu não quero perder nem mais um minuto aqui! – disse ele se levantando e me levando com ele.

Beijamo-nos e caminhamos já no final da tarde em direção ao carro dele que nos esperava.

.....

A noite fria e congelante foram dissolvidas, quando entramos no prédio onde ele estava instalado. Ele não soltava minha mão um só minuto. Aconchego e carinho eram poucos pra tamanha afeição que ele sentia por mim. Como se tivesse medo á todo momento de me perder. Olhei para ele e um olhar estranho perpassou nos seus olhos.

– O que foi? – perguntou.

– Você é real mesmo? Ás vezes eu acho que isso é um grande estado de coma onde eu estou sonhando... – respondi.

– Se for um sonho... Espero que não acabe nunca então... Pois o melhor ainda está por vim! – disse Dimi, beijando rapidamente meus lábios.

O elevador nos levou ao andar dele e eu gelei. Não sei se por frio ou por medo. Era muito errado ir para casa de um desconhecido no primeiro encontro? E se fosse... Que seja! Eu confiava no Dimi.

Ele abriu a porta do flat dele e tudo estava escuro. Entrei sobre passos lentos tentando me acomodar naquele ambiente aparentemente vazio. Eu não conseguia vê nada.

– Seja bem vindo! – disse ele acendendo as luzes.

Olhei ao redor e fiquei chocado ao ver que não existia nada na sala e muito menos na pequena cozinha. Vazio! O apartamento estava vazio. Ele soltou minhas mãos e eu andei até o meio da sala com certa cautela.

– Acho que você deve ter errado de apartamento... Aqui não tem nada! – supus pra ele.

– É... Eu ainda tô me instalando... Sabe como é processo de mudança né? Meu quarto fica no final do corredor... Por que você não me espera lá? – disse ele num tom estranho e distante. – Volto logo! Acho que deixei meu celular dentro do carro... Eu volto logo! Meu quarto tem tudo... TV... Cama... E muitas roupas espalhadas... Não ligue pra isso... Vai até lá... Eu te encontro em seguida! – ordenou-me.

– Eu te espero aqui então...

– Você não vai querer ficar nessa sala vai? Quer que eu te leve no braço? Por que não? – disse ele me levantando e me pondo no braço.

– Até que não é uma má ideia... – digo sorrindo.

Ele abre a porta e entra no quarto que também está escuro, desço dos seus braços e ele acende a luz. Vejo logo a grande cama... Várias roupas espalhadas com uma mala aberta no chão e uma TV de plasma na parede. Relaxo um pouco.

– Já volto! – disse ele saindo.

Concordei com a cabeça e ele logo bateu á porta e saiu. Completamente sozinho, eu sentei na cama e esperei. Ele parecia ter o dom de me fazer sempre esperar por ele. Era incrível. Observei suas roupas e comecei a junta-las para dentro da mala. Parecia até que tinham sido jogadas de propósito no chão.

Os minutos começaram a passar e no momento em que fui até a janela, vê a luminosa cidade de São Paulo de cima, à luz se apagou. A escuridão foi assustadora. Um arrepio me ocorreu e eu paralisei. Droga! O que tinha acontecido com a luz daquele lugar? Vai ver a lâmpada tivesse queimado.

Tateei até a maçaneta e abri á porta. O corredor era um breu total que eu não conseguia vê nada. Onde diabos o Dimi tinha ido? Por que tanta demora?... Aquela casa parecia grande demais para um solteirão como o Dimi.

No escuro do apartamento fui andando devagar e lentamente até encontrar a sala. As grandes janelas produziam ás únicas luzes do ambiente, graças á lua da noite. Um cheiro estranho começou a assolar meu nariz. O que era aquilo? Tremi ao ver uma figura parada, de frente para a janela olhando a cidade lá fora. Lá no canto, parado como uma estátua estava um ser com casaco de capuz cobrindo a cabeça, de costas pra mim. Comecei a respirar com dificuldade e tentei falar alguma coisa.

– Dimi...? É VOCÊ? Não tem a mínima graça isso sabia? O que aconteceu? A luz acabou? – perguntei e não recebi nenhuma resposta.

Fui andando bem devagar até a figura de costas e meu coração parecia que ia sair pela boca.

– Dimi... Olha pra mim... O que tá acontecendo? Ei! Fala comigo... – pedi.

Já estava bem perto dele...

Ele respirou fundo e eu vi seus ombros se retraírem...

Parei e prendi a respiração...

Ele foi se virando bem devagar na minha direção e ficamos cara á cara. Tudo pareceu desabar por cima de mim e eu engoli em seco com o que vi... Uma máscara horrorosa pendia da face dele. Parecia até um demônio daqueles filmes de terror. Grandes olhos negros sem pupila intimidavam-me, dando a sensação de ter sido capturado por um monstro sombrio e cruel. Não! Era pior que isso. Um lado derretido e escorrido como cera e outra parte enrugada e couraçada me fizeram gritar de tanto horror.

– Quem é você? Que brincadeira é essa? Você tá me assustando cara... – exclamei horrorizado.

– Esse é o meu verdadeiro eu, Fred. Você não queria tanto conhecer... Aqui estou... Ele também queria te conhecer... Há muito tempo! Vamos começar á brincar? – convidou ele.

– Seu louco! Maníaco! Você me enganou... Eu não quero mais te conhecer... NÃO QUERO! – gritei em choque.

Perdido com tanto medo, comecei a olhar ao redor procurando uma saída. O desespero me paralisava completamente.

– Gosto de sentir seu medo sabia? Vai... Corre! Mas corre muito... Quero você suando... Assustado! Fingi que eu vou te matar agora... Mostre-me seu desespero... Grite... – ordena ele ameaçando me matar com uma arma grande e perigosa.

– Seu doente! Você é louco... – gritei.

Corri até a porta da frente e me deparei com ela fechada. Bati várias vezes pedindo ajuda e percebi que ele vinha na minha direção. Desviei-me dele. Ele estava atrás de mim com aquela máscara macabra e aquela pistola nas mãos. A escuridão era sufocante. Eu não sabia para onde correr... Fui até o balcão da cozinha e caí no chão me escondendo... Sabia que seria em vão... Ele ria... Ria... E ria. Meu medo alimentava suas forças doentias.

– Socorro... Alguém por favor... Socorro! – minha voz falhava e ficava rouca com tanto esforço.

Minha corrente sanguínea disparava meus nervos. Eu suava. Ofegava... Aonde eu tinha me metido?

– Não entendo por que tanto medo... A gente já se conhecia muito antes de hoje... Você não se lembra?

– Eu não sei do que você tá falando... Cara me deixa ir embora... – implorei.

– Aqueles chats são tão pragmáticos não é mesmo?... Quando que eu ia imaginar que encontraria meu novo brinquedinho naquela noite... Você parecia tão triste... Solitário! Sabe o que eu mais desejei quando te vi?... Teu lindo rostinho de porcelana na minha coleção... E é ele que eu quero... Agora! – disse ele num tom frio e assustador.

– Chat? Esperai? Não pode ser... Dimitri? Como? Você era da Rússia... – relembrei-me congelando.

Então era ele. O cara do chat... As coisas começavam a fazer sentido agora. O encontro. A insistência em me conhecer. Tudo armado. Pensado. Projetado. Minha morte já tinha sido planejada e só agora eu sabia. Foi como uma tapa na minha cara.

– O seu HD não resistiu ás minhas investidas... Desculpe por isso. – desculpou-se ele.

Tudo tinha sido ele. O telefonema também tinha sido ele. Dimitri era o hacker. O cara sem face do chat de vídeo. As camadas de camuflagens dele saíam uma por uma. O canalha tinha me seduzido e eu tinha caído direitinho na conversa do psicopata.

– O ursinho? Foi você... – contestei.

– Claro! Eu precisava te vigiar... Aquele ursinho tem olhos bem valiosos... Tenho te observado por semanas... Por horas... Eu sei todos os seus passos... SEI TUDO SOBRE VOCÊ... – admitiu.

Eu ouvia seus passos pesados e sentia que ele estava mais perto de mim. Corri novamente e fui em direção ao corredor escuro. Fiquei tonto e tentei achar alguma porta. Três portas estavam trancadas, mas apenas uma ainda me restava. Abri a porta do quarto do maníaco e procurei uma chave na fechadura, mas não encontrei nenhuma. O que eu faria? Não tinha saída. Toda aquela adrenalina me fazia ter asma e tontura ao mesmo tempo. Eu precisava sair dali... Eu tinha que encontrar uma saída. Mas onde? A janela... Trancada. Droga!

Perdi todas as minhas esperanças quando a porta se abriu bem devagar. O monstro apareceu e me apontou a arma. Minhas únicas alternativas seria pular em cima dele e lutar... O que acarretaria levar um tiro. Desisti e esperei que ele próprio fizesse o serviço logo. Tremi ainda mais à medida que aquela máscara me encarava. Eu já começava a derramar as primeiras lágrimas. Entorpeci. Fui enganado... Eu estava perdido.

– Estou ansioso para começarmos... – ironizou ele.

Ele atirou duas vezes... Vi a morte naquele momento... Só não esperava que fosse rápido e tão superficial... Não senti dor, mas apenas uma dormência que se espalhava aleatoriamente. O tiro na verdade não era de bala e sim de injeção. As cápsulas do tranquilizante me mostraram a verdade. Eu estava sendo sedado. Meu corpo adormeceu rapidamente e me vi sendo carregado sem minha permissão para fora do quarto. Ele cantou uma canção pra mim, e eu dormi profundamente, mesmo querendo gritar até não poder mais. Nenhuma escuridão foi tão acolhedora quanta aquela que me tomava. O lobo finalmente tinha caçado sua presa. O banquete seria servido em instantes.

Nota do Autor: Uma palavra define o título e o enredo do próximo capítulo (Agonia)... Espero que comentem o que estão achando dessa fase pré-bombardeio! Até a próxima... Volto assim que der!

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