Cap. 26:

Conto de Salém como (Seguir)

Parte da série Uma História de Amor

Empurrei ele da porta do meu carro e saí arrancando, as revistas que estavam no capô acabaram voando pela rua, sai sem rumo pelas ruas de São Paulo, aquela cena não saia

da minha cabeça, o que me deixou mais magoado é que o Daniel permitiu que aquele cara o chamasse de Dani, meu medo maior era ele se interessar por outra pessoa e deixar de gostar de mim, me tornei uma pessoa muito insegura depois de saber que possuía HIV, tinha medo que o Daniel chegasse um dia e dissesse que não me amava mais. Parei no parque do Ibirapuera e deitei na grama, olhando para o céu estrelado eu fiquei relembrando nossos momentos, não é fácil viver com essa insegurança a vida inteira, lembrei do acidente que nos aproximou, a compreensão dele comigo quando descobriu que eu estava com HIV, quando o apresentei para minha família... Fiquei triste, magoado, mas sabia que ele não tinha culpa, eu confiava no petit, mas o orgulho falava mais alto.

Quando cheguei em casa o Daniel estava no banho, entrei no quarto e comecei a tirar minha roupa, fiquei só de cueca esperando ele sair do banho para eu entrar, enquanto isso, fui até a cozinha e peguei uma maçã, escutei o barulho da água parar de cair do chuveiro, enxugando o cabelo e uma toalha branca enrolada na cintura, ele saiu do banheiro.

- Petit, a gente precisa conversar...

- Eu não quero falar sobre isso agora...

- Por favor, me ouça...

- Tira a mão de mim.

Entrei no banheiro e fui tomar meu banho antes de dormir, confesso que senti falta

dele esfregando minhas costas, passando xampu no meu cabelo, tomei banho chorando,

mas chorando por dentro. Só eu sabia o quanto o amava, e por amá-lo loucamente sentia

ciúme, insegurança por conta da minha doença, não só eu como qualquer outro ser humano que ama. Fiquei quase uma hora no banho, quando terminei fui para o quarto, ele já estava deitado na cama, eu sei que ele não estava dormindo, deitei ao seu lado, a luz do quarto ficou apagada o tempo todo, eu notei que ele estava chorando, minha vontade era de abraçá-lo e pedir perdão, eu sei que ele não tem culpa de ser assediado, mas na hora a gente nem pensa.

Eu acho que todo ser humano deveria saber controlar a dose de amor, alguns amam

demais, outros nem amam, pela primeira vez eu soube o que era amar e ser amado, o Daniel me ensinou a amar de verdade, a viver, ter com quem se preocupar, ter com quem dividir suas alegrias e tristezas, sair do trabalho e ter a certeza que quando chegar em casa terá alguém a sua espera, tudo isso eu tinha, porque eu tinha o meu Daniel.

Ficamos a semana inteira conversando somente o necessário, eu já nem tinha mais

raiva dele, o orgulho falava mais alto que a vontade de ser dele outra vez. Comecei a sentir saudade dos momentos felizes, uma vez eu li em algum lugar que a felicidade não existe, o que existe são momentos felizes, de certa forma é verdade, podemos ter momentos de felicidade, mas ninguém vive feliz eternamente.

Resolvi usar esse pensamento na nova propaganda que eu iria começar a produzir, teria que ser algo chocante, minha intenção era criar mania nacional e pelos comentários dos meus colegas de trabalho isso não seria difícil acontecer. Trabalhamos sem parar a semana inteira na produtora, nos primeiros 2 dias eu fiz a seleção dos modelos, foi difícil encontrar um casal de modelo que agradasse o cliente, mas acabei encontrando, no restante dos dias foram ensaios, gravações e produção.

Na quarta feira eu fui até o Lar do céu levar a televisão pro Rodrigo jogar seu vídeo

game, pois eu havia prometido que daria uma TV pra eles, dei uma breve passada, pois

estava com pressa e não poderia demorar muito, na produtora eu estava abarrotado de

trabalho, mal me sobrava tempo pra dormir.

- Bom dia, seu Bader!

- Bom dia, Roberta... Bom dia, Vânia... Bom dia Rodrigo!

- Oi tio...

- Olha o que eu trouxe aqui...

- O que é isso?

- Uma televisão pra você assistir seus desenhos...

- Obaaaaaaaaaaaaa... Vou poder jogar o vídeo game que você me deu também?

- Claro, vai poder assistir DVD também...

- Seu Bader, nem sei como agradecer o senhor.

- Não precisa me agradecer, Roberta. Só quero que você cuide bem dessas crianças

por mim.

- Mas isso eu já faço.

- Então continue fazendo.

- Tio, como faço pra jogar?

- Assim... Pra ligar você aperta aqui... Coloca o CD dentro e aperta aqui...

- Olha que bonito tia Ro...

- Eu tô vendo...

- Olha lá... Você vai querer ser qual jogador?

- O de azul...

- Então eu vou ser o de verde.

- Tá bom... Ai...

- Opa... Vou marcar...

- Não vai não... Eu vou...

- Caramba...

- Vai Rodrigo... Vai...

- Goooooooooooooooooooooooooooool...

- Joga com a Vânia agora que o tio Bader precisa ir.

- Mas já seu Bader?

- Eu preciso, Roberta... Estou cheio de trabalho, vim só pra deixar a TV mesmo.

- Tudo bem, eu te acompanho até a porta.

- Obrigado, Roberta.

- Obrigado o senhor.

Deixei o Lar do céu com o corpo mais leve, feliz por ver um sorriso no rostinho

daquela criança que me ganhou logo quando a vi, acabei me apegando demais ao Rodrigo, como pai e filho. No fim da semana terminamos a publicidade, foi cansativo, trabalhoso, mas eu não me queixo, eu faço o que eu gosto e dou o melhor de mim, acho que se todo mundo fizesse a mesma coisa, dedicando-se ao máximo ao trabalho que gosta, conseguiríamos viver bem melhor.

Voltando para casa eu escutava música dentro do carro, com os vidros todos fechados eu estava ansioso para chegar em casa, teria o final de semana todo para descansar, depois de ter trabalhado 18 horas por dia durante uma semana.

Antes de entrar no túnel Ayrton Senna meu celular tocou, era por volta de 21h, não

tinha como eu atender naquele momento, pois eu estava no trânsito, não estava com o vivavoz e por entrar no túnel perderia o sinal.

Peguei o aparelho para ver quem era que estava ligando, o numero não estava na

minha agenda, parecia vim de um telefone público, coloquei o celular novamente no banco do passageiro, quando saí do túnel meu telefone voltou a tocar, atendi e pedi um momento para encostar o carro e assim poder falar sem colocar a vida de ninguém em risco.

- Só um instante que vou encostar o carro... Pronto.

- Quem está falando?

- Espere, você liga para meu celular e ainda pergunta quem está falando?

- Desculpa, é o Bader?

- Sou eu, quem é você?

- Sou eu Bader, o Bruno.

Mal pude acreditar quando ele disse quem era, depois de ter tentado de todas as

maneiras falar com ele sem sucesso, acabei desistindo, e agora ele quem reaparece do nada me procurando com um propósito que eu desconhecia.

- Eu quero falar com você.

- Nós precisamos mesmo conversar.

- Mas tem que ser agora.

- Agora?

- Sim.

- Onde você está?

Anotei o endereço na última folha da minha agenda e fui ao encontro dele, o

caminho era meio sombrio, suspeito, umas ruas escuras na periferia da Zona Sul, cheguei a uma rua onde ele estava à minha espera, na rua havia pouca iluminação, fiquei morrendo de medo de passar por ali, o Bruno estava parado logo na esquina, fiz sinal pra ele com o farol do carro, parei bem de pressa e assim que ele entrou tratei de sair rapidamente.

Fomos para um shopping próximo à Avenida Paulista, o Bruno estava diferente,

barbudo, cabelo cumprido, mal vestido, um pouco sujo, talvez não tomasse banho há uns dois ou três dias, mas continuava bonito.

- Você está bem?

- Estou ótimo, e você?

- Poderia estar muito melhor se estivesse contigo.

- Pensasse nisso antes de me abandonar.

- Eu fiz uma idiotice quando te abandonei...

- Posso ser franco?

- Claro, amor!

- Você me fez um favor quando foi embora.

Parei o carro no estacionamento do shopping, fomos até a praça de alimentação para

conversar tranqüilamente:

- Vamos comer comida chinesa?

- Tô sem grana...

- Pelo que tô vendo você não mudou nada... Eu estou te convidando.

- Tudo bem... Você sempre gostou de comida chinesa...

- Sempre... Vamos direto ao assunto, para que você me procurou?

- Porque eu estava com saudade...

- Já matou sua saudade, não precisa me procurar nunca mais agora.

- Tenho saudade do seu cheiro, seu beijo...

- Ah... Entendi... Nesse caso não poderei te ajudar.

- Você não vai me perdoar nunca, não é?

- Não tenho do que te perdoar, foi como eu disse, você fez sua escolha e me fez um

favor quando foi embora.

- Nossa, não precisava humilhar assim... Eu ainda te amo.

- Você deveria ter escrito isso no bilhete, pelo que eu li me lembro que você tinha

dito que não me amava mais... Se é que um dia me amou de verdade.

- Eu estava iludido.

- E se desiludiu agora?

- Percebi que não era aquilo que eu pensava...

- Eu te procurei como um louco, sabia?

- É... Eu li o e-mail.

- Não respondeu por quê?

- Vamos deixar o passado de lado e pensar no futuro, meu gato.

- Meu futuro está comprometido.

- Por quê?

- Há algum tempo atrás eu descobri que tenho HIV.

- Então você já sabe...

- Sei... Você já procurou um médico?

- Eu tenho medo... Você deve me odiar por isso...

- Fique tranqüilo, não te odeio, mas eu peço para que você procure um médico e use

sempre preservativo, não é justo você sair por aí contaminando pessoas inocentes...

- Desculpa...

- Tudo bem, já estou infectado, só preserve outras pessoas com quem você for sair.

- Nossa... Você é tão compreensivo.

- Nem tanto, quando eu descobri, minha vontade era de te matar, mas te matando

não me livraria desse mal.

- Se você soubesse como eu me arrependo de ter te deixado...

- Agora é tarde, quase um ano se passou e minha vida já está reconstruída.

- Você está namorando?

- Praticamente casado.

- Ah... Tenho tanta saudade dos momentos felizes que passamos... Com certeza

você nunca vai encontrar alguém que te proporcione o que eu te proporcionei.

- Eu não tenho saudade de nada que vivi com você, não posso me queixar, foram

ótimos momentos, eu acreditava que você me amava e pensava que te amava, mas depois acordei. Eu nunca amei ninguém como amo o Daniel, nada se compara ao que eu vivi e vivo hoje, sou muito feliz com a vida de casado que estou levando agora, não vai ser você que vai atrapalhar. Deixe de ser convencido, porque você não é tudo isso... Agora eupreciso ir, está ficando tarde e eu tenho dois amores em casa me esperando.

- Nossa...

- Tenha uma boa noite.

Deixei o shopping e fui direto para casa, no carro eu fui pensando na cara de pau do

Bruno em me procurar outra vez, depois de quase um ano que ele me abandonou tem o

descaramento de me procurar pra dizer que ainda me amava, achando que eu iria acreditar naquelas juras de amor ultrapassadas.

Cheguei em casa e o Daniel ainda não havia chegado, fui até o quarto olhar como a

Dani estava, depois fui até a cozinha e coloquei a comida no microondas, liguei o rádio e fui tomar meu banho, nem notei quando o Daniel chegou, só percebi quando me virei para pegar o xampu e o vi espiando pela porta que estava entreaberta, me partiu o coração ver aquela carinha de cachorro abandonado que ele fazia, eu quase nunca resistia ao ver aquele olhinho baixo de tristeza, quase fui até ele e o agarrei. Vesti meu roupão branco e fui jantar, dei boa noite ao Daniel, morrendo de vontade de dar um beijo naquela boca molhada, mas me controlei, depois da janta vesti uma cueca e fui me deitar, eu estava morrendo de cansaço e sono, deitei na cama e fiquei pensando no Bruno, não que eu ainda gostasse dele, mas fiquei abismado com sua decadência, ele era tão vaidoso, às vezes até mais que eu, coisa que me irritava, sempre andava perfumado, bonito, mas quando eu o encontrei ele estava mal vestido, barbudo, cabeludo, não parecia ser aquele Bruno que um dia eu me apaixonei, ou pensei que estava apaixonado.

O Daniel entrou no quarto e foi tomar seu banho, fiquei deitado de olhos fechados

ouvindo o barulho da água cair do chuveiro, meus pensamentos estavam longe, viajei em uma reflexão pelo que é viver de verdade e fingir que vive. Às vezes paramos para pensar e notamos que esse mundo dá muitas voltas, hoje você é rei, amanhã você pode ser plebeu.

No auge dos meus pensamentos, fui interrompido pela entrada do Daniel no quarto, ele

levantou o edredom e deitou na cama, conforme ele se virou acabou esbarrando no meu

braço.

- Desculpa.

- Tudo bem... Não foi nada.

Ficamos calados por um tempo, até ele levemente ir tocando na minha mão outra

vez, mas agora era proposital, ainda calados permiti que ele tocasse na minha mão, o que era apenas um tocar acabou virando carícias e logo estávamos de dedos entrelaçados, meu coração disparou, minha barriga gelou, sua outra mão tocou minha cintura, subiu um frio pela espinha e um arrepio na pele, sua mão junto com a minha iam se apertando, se acariciando, com a outra mão eu toquei em seu braço, sua pegada firme me deixava louco, ele tocou no meu rosto e trouxe junto ao seu, começamos a nos beijar como se fosse a primeira vez, algo selvagem, gostoso, beijos desesperados intercalados com chupadas no pescoço, lambidas pelo peito, leves puxões de cabelo, em pouco tempo estávamos nos amando outra vez.

O bom das brigas de casal é que quando fazemos as pazes, a relação volta muito mais gostosa.

Comentários

Há 1 comentários.

Por em 2016-07-26 14:02:11
amo amo.