Cap. 16,1:

Conto de Salém como (Seguir)

Parte da série Uma História de Amor

Pela manhã acordei cedo e nem tomei café direito, sai de casa e passei no shopping, comprei alguns brinquedos educativos, saí cheio de sacolas e fui até a entidade das crianças com HIV visitá-las e levar os brinquedos.

Quando cheguei a Roberta estava lavando o quintal da frente, com uma manguei

verde que mais parecia uma peneira, pois a água se perdia tanto pelos buracos que quando chegava na ponta já saia fraca. Ao me ver ali ela ficou toda feliz, largou a manguei no chão, fechou a tornei e veio até mim enxugando suas mãos no avental branco que ela não tirava, praticamente já estava amarelo:

- Bom dia, doutor!

- Bom dia, Roberta. Tudo bem?

- Tudo ótimo.

Sem que eu esperasse, ela deu um berro:

- Vâniaaaaaaaaaaaaaa... Abre o portão pro doutor.

- Já vou...

- Entre doutor, fique à vontade.

- Obrigado.

- O senhor quer um café?

- Eu não bebo café.

- Ah... Não te ofereço um suco porque não tem...

- Não se preocupe, não vim aqui pra comer.

- Sente aí. O que te traz aqui, seu Bader?

- Vim visitar essas crianças que tanto necessitam, e o bebê, como está?

- Tá no hospital, olha doutor seu dinheiro caiu do céu, salvou a vida do bichinho...

Sentei em um banquinho de madeira um pouco roído por cupim, deixei os brinquedos no carro e não falei nada, reparei que na casa havia mais duas mulheres cuidando das crianças, de princípio eu achei que elas não haviam ido muito com minha cara, pois me olharam meio torto, talvez estranhando um rapaz de aparência fora do comum na qual elas estavam acostumadas a ver, pois sempre me vesti com roupas caras e de marca,

perfumes importados e visual impecável, às vezes um pouco relaxado.

- Roberta, essa casa não tem estrutura para abrigar essas crianças...

- Eu sei... Mas se não ficarem aqui, pra onde elas vão?

- Quantas crianças têm aqui?

- Tem 20 criança...

- Eu trouxe umas lembrancinhas pra elas...

- Mas doutor não precisava...

- Pára de me chamar de doutor que já está me irritando.

- Desculpa.

- Hahaha... Tudo bem, me ajude aqui com as sacolas...

- Nossa... Que peso...

Fomos até o carro pegar os pacotes que eu havia comprado, deixamos as sacolas no

canto da sala, não eram muitos brinquedos, mas faziam bastante volume, a Roberta pediu para a Vânia trazer as crianças, junto com elas vieram àquelas mulheres que me olharam diferente, quando o Rodrigo me viu ele veio correndo me dar um abraço, eu me abaixei e o esperei de braços abertos, foi um abraço tão sincero... Carinhoso, por isso que eu gosto de crianças, porque são sinceras, inocentes, e não mentem.

- Tio...

- Oi Rodrigo, tudo bem com você?

- Tudo.

- Olha o que o tio trouxe pra você...

- O que é isso?

- Abre...

Com uma ansiedade sem igual, ele foi rasgando o pacote da caixa com um olhar

curioso:

- Um vídeo game...

- Você gostou?

- Eu gostei...

- Ah que lindo, isso deve ser caro doutor... Quer dizer... Seu...

- Bader.

- Isso...

- Tia, posso jogar?

- Agora não, Rodrigo. A televisão tá no conserto.

- Eles não têm televisão, Roberta?

- Tinha uma velha, mas acabou queimando...

- Não tem problema, em casa tenho 3 televisores, mando trazer um pra cá.

- Ai seu Bader, o senhor é tão bondoso...

- Brigado tio...

- Vem aqui me dar outro abraço... Ai que gostoso...

Ao ver os olhinhos do Rodrigo e de todas aquelas crianças brilharem de felicidade

por ganhar pela primeira vez um brinquedo novo eu fiquei emocionado, tudo bem que não são aqueles brinquedos muito sofisticados, coisas simples. A Roberta foi distribuindo os brinquedos um por um, na casa havia 6 recém nascidos, o resto tinha em média de 3 a 8 anos. Aquelas crianças viviam com dificuldade, passavam necessidades, era a primeira vez que eles ganhavam um brinquedo novo, pelo que vi da última vez que fui lá seus brinquedos estavam quebrados, correndo o risco de se machucarem. Eu que sempre tive de tudo não me conformo que uma criança tenha que trabalhar ao invés de estudar e brincar, o governo parece não dar muita importância para isso, tantas rebeliões na febem, as escolas públicas praticamente sucateadas, um descaso total com a educação e formação de nossas crianças que são o futuro do país. A infância é a melhor fase de nossas vidas, umas vez perdida nunca mais é recuperada, e naquele ambiente elas estavam perdendo a melhor fase. Com o dinheiro do último contrato que fechei com a empresa, eu tinha a possibilidade de tirar aquelas crianças dali e ajuda-las a terem uma vida melhor, digna e feliz como todas as crianças do mundo deveriam ser.

- Roberta, preciso falar com você...

- Pode dizer, seu Bader.

- Prefiro conversar em um lugar reservado.

- Entendi... Vem comigo...

- Eu quero ajudar vocês com essas crianças, dar condições dignas de sobrevivência

pra elas...

- Como doutor?

- Quero tirar essas crianças daqui... Esse lugar funciona legalmente?

- Humpft... Não...

- Eu não ficarei em paz enquanto não ver essas crianças do jeito que eu quero,

fazendo cinco refeições por dia, brincando, estudando...

- Se Deus quiser... Ah doutor, ia me esquecendo... Já tem uma família interessada

em adotar o bebê...

- Sério?

- Sim, é um casal de médico lá do hospital.

- Que notícia boa. Agora eu preciso ir, espero ter ajudado essas crianças...

- Ajudou muito doutor, obrigado mesmo.

- Tchau Rodrigo!

- Já vai, tio?

- Preciso ir...

- E quando você volta?

- Não sei... Que carinha é essa?

- Tô com fome.

- O que você comeu hoje de bom?

- Pão...

- Como assim, só pão?

- Pois é seu Bader, hoje não tinha comida pra dar pra eles...

- Mas como pode? Essa criança tem mãe?

- Não sabemos, ele foi deixado aqui na porta quando era bebê...

Era uma judiação uma criança não ter o que comer, a fome é uma das piores situações que um ser humano pode passar, dormir com fome, acordar com fome, ver pessoas comendo na sua frente e não ter o que comer, é triste, cruel, dói na alma de quem

passa por isso, graças a Deus nunca havia passado por isso e se dependesse de mim nunca mais essas crianças iriam passar.

- Rodrigo...

- O quê?

- Você gostaria de passear um pouco agora à tarde?

- Obaaaaaaaaaaaa...

- Posso levá-lo, Roberta?

- Ai doutor...

- Fique tranqüila, trago ele ainda hoje...

- Só se a Vânia for junto.

- Então vamos.

No começo ela ficou com um pouco de receio em deixar eu sair com o Rodrigo, talvez por me conhecer pouco e ter pouca confiança em mim e por isso mandou a Vânia junto, mas minhas intenções sempre foram de dar uma condição de viver melhor para

aquelas crianças, e aos poucos ela foi percebendo isso. Abri a porta do carro e o Rodrigo já pulou pra dentro, seguimos em direção do shopping mais perto, dentro do carro coloquei um CD e fomos cantando o caminho todo...

- Poeira... Poeira...

Chegamos ao shopping, deixei o carro no estacionamento, peguei na mão da Vânia

e do Rodrigo, um pouco assustados com o barulho de carros em um ambiente fechado e o cheiro de combustível.

- Onde a gente está, tio?

- Aqui é um estacionamento.

- Pra que serve um estacionamento?

- Serve pra guardar o carro.

- Ah... Bom...

A Vânia quase não abria a boca, já o Rodrigo perguntava tudo, ele estava mesmo na

idade das perguntas, e nessa idade as crianças começam a descobrir as verdades do mundo real, deixando o mundo da fantasia, e nós devemos ser sinceros, dizer sempre a verdade com jeitinho, tomando cuidado com as palavras e a forma de contar. Andávamos pelo corredor do shopping olhando as vitrines, eles seguravam na minha mão admirados com tudo, pra eles era novidade aquele ambiente, um monte de pessoas juntas, muitas luzes, barulho.

Logo na entrada havia um chafariz onde o Rodrigo queria chegar perto e molhar a

mão, criança é muito curiosa, eu disse pra ele que não podia, por ele ser um garoto

inteligente e obediente acabou entendendo e não reclamou, a Vânia também estava

maravilhada com o lugar, acho que eles nunca haviam ido ao shopping, na verdade eu acho que eles nunca haviam saído do "Lar do céu". Quando fomos subir a escada rolante foi um problema enorme, a Vânia ficou com medo, parecia um bicho do mato, não sabia se subia ou não, deve ter ficado com medo de ser engolida pela escada rolante, eu e Rodrigo acabamos subindo e ela ficou lá embaixo, as pessoas ficavam olhando, algumas até achavam graça, o Rodrigo gritava pra ela subir, eu falei várias vezes, mas a coitada ficava com medo até que a empurraram com a movimentação de pessoas no local, por fim ela conseguiu chegar ao segundo piso, peguei pela sua mão e continuamos andando pelos corredores do shopping.

- Ai... Que troço horrível...

- Hahaha... Quase você ia ficando lá sozinha.

Quando passamos pela praça principal do shopping o Rodrigo apontou para os

elevadores que cruzavam no alto do poço, espelhados e iluminados:

- O que é aquilo, tio?

- Aquilo é um elevador.

- Pra que serve?

- Ele serve pra levar uma pessoa de um andar para o outro...

- E ele não cai?

- Não, está bem preso naqueles cabos ali... Você nunca andou em um?

- Não.

- E você, Vânia?

- Deus me livre.

- Hahaha... Então vamos andar agora...

- Obaaaaaaaaaa...

- Ai não...

- Deixa de bobagem Vânia, não precisa ter medo.

Apertei o botão e ficamos aguardando junto com um casal de namorados, não

demorou muito e o elevador chegou, esperamos todas as pessoas descerem antes de entrar, por último saiu uma mulher com um carrinho de bebê, nem bem entramos e o Rodrigo foi lá pro fundo espiar a vista do alto, pois o elevador era todo de vidro, pra ele era tudo novidade, a descoberta de um mundo fora do que ele vivia, um mundo cheio de cores, pessoas, luzes, e bem maior do que o que ele vivia, ao mesmo tempo que ele tinha curiosidade também tinha medo, mas fiz de tudo para deixa-los à vontade e proporciona-los um dia de muita diversão:

- Ui...

- O que foi?

- Minha barriga...

- Hahaha... Deu um frio na barriga?

- É...

- Normal, acontece.

- Ah seu Bader... Eu vou morrer...

- Hahaha... Calma Vânia, já vai parar...

O casal que estava junto conosco dentro do elevador se matou de rir, eu também dei

risada da reação deles, foi uma cena muito engraçada, os dois pensando que iam morrer por causa de um frio na barriga ao subir de elevador. Chegamos no 5º andar e fomos para a praça de alimentação, estava vazia, pouco barulho, muitas opções de restaurantes e uma variação de comidas, fomos andando e vendo se encontrávamos algum lugar para nós, a Vânia não desgrudava do meu braço, mas eu compreendo que por ser uma descoberta nova, um mundo que ela não conhecia, causa esse tipo de reação.

- O que é aqui, tio?

- Aqui é uma praça de alimentação.

- O que é isso?

- É um lugar onde as pessoas param pra comer e conversar.

- E a gente vai comer?

- Vamos sim.

- E vamos conversar também?

- Claro... O que você quer comer?

- Deixa eu pensar...

- E você, Vânia?

- Eu quero comer hambúrguer.

- Eu quero comer pizza...

- Então vamos comer pizza e hambúrguer.

- Ebaaaaaaaaaaaaaaaaa.

Paramos em um dos fast-food para almoçarmos, compramos hambúrguer, batata

frita, refrigerante, pizza, torta de maçã. Notei que eles estavam com muita fome pela

maneira que eles comiam, um pouco rápido demais, a satisfação em ver os olhinhos deles brilhando, deslumbrados com o que eu estava proporcionando foi meu pagamento, ganhei meu dia, e eles ganharam um dia de sonho.

- Estão gostando?

- Uhum...

- Muito bom, seu Bader.

- Tio...

- Fala meu anjo.

- Depois eu posso tomar sorvete?

- Ele já melhorou da gripe, Vânia?

- Ele tá melhorzinho sim...

- Só se você prometer comer tudo.

- Obaaaaaaa

Depois de almoçar fomos tomar um sorvete, o Rodrigo quis um com muita cobertura de morango, fez uma mistureba total, matou sua vontade pelo ano inteiro, mas depois fiquei com um pouco de receio em deixá-lo tomar todo aquele sorvete, pois ele estava meio adoentado da primeira vez que fui visitar o orfanato, mas assim que ele terminou de tomar o sorvete eu fiz com que ele bebesse água em seguida. Terminando de

encher as três barrigas nós fomos andar um pouco mais pelo shopping, passamos em frente uma loja de roupa infantil, entramos para dar uma olhada em um tênis que o Rodrigo havia gostado, acabei comprando várias roupas pra ele, pois as que ele vestia estavam muito judiadas, velhas e gastas. Já estava passando da hora, então os levei de volta para o abrigo e fui trabalhar.

Cheguei à produtora já passava das 16h, subi as escadas e encontrei com a Eduarda no corredor:

Comentários

Há 1 comentários.

Por Nando martinez em 2016-06-20 16:33:02
Acho que o bader é uma pessoa maravilhosa ,preocupado com todos e tudo ao seu redor ,queria que houvesse mais como ele