Cap. 15:

Conto de Salém como (Seguir)

Parte da série Uma História de Amor

Bebi a água em um gole só, as duas ficaram olhando pra mim imóveis, no vão que

ficou entre as duas eu vi o Rodrigo encostado no batente da porta olhando pra mim, com a mãozinha encostada na porta, olhar tímido, interrogativo. Estava na hora de ir, eu precisava fazer outras coisas ainda, isso é, se eu conseguisse.

- Dona Roberta, preciso ir agora...

- Você parece não estar bem.

- E não estou. Eu voltarei aqui outras vezes, precisamos conversar mais sobre a

situação dessas crianças.

- Tudo bem.

- Tchau tio...

- Tchau Rodrigo, fica com Deus.

Deixei aquele lugar chorando, com aperto no coração em ver a situação precária que

as crianças viviam, fiquei impressionado, mas ao mesmo tempo feliz por poder ter

condições de ajudar uma criança que estava necessitada. Na verdade isso é responsabilidade do governo, mas pelo que eu notei indo ao "Lar do Céu" o governo não tinha vínculo algum com o lugar, por ficar praticamente dentro de uma favela era um trabalho comunitário, os moradores se reuniam em um trabalho voluntário, claro que na intenção de ajudar as crianças e suas mães, embora acredito eu que o governo não tinha ciência disso, eu não iria sossegar enquanto não visse aquele bebê andando e falando, ainda tinha muito que ajudar.

Saindo de lá fui pra academia, eu precisava retomar meus exercícios outra vez,

deixar a vida sedentária, no caminho eu tomei uma decisão, eu ia contar toda a verdade ao Daniel, coisa que já deveria ter sido feito ha muito tempo e se ele me aceitasse, reataria nosso namoro e nunca mais o deixaria escapar. Cheguei feliz da vida no estacionamento e comecei a procurar uma vaga para estacionar meu carro, finalmente encontrei uma no G1, quando ia estacionar eu vi o Daniel saindo com seu carro, no banco do passageiro havia um rapaz com ele, a sensação que tive foi como se uma bomba atômica se destruísse dentro de mim, seria um egoísmo meu achar que o Daniel deveria esperar por mim a vida inteira eu sei, ele era jovem e tinha o direito de curtir com quem ele quisesse, mas doeu fundo dentro de mim vendo ele com outra pessoa, não é fácil ver alguém que você ama junto de outra pessoa, por mais que você diga que não, no fundo no fundo bate aquele sentimento de angústia, de perda, aquela cena ficou na minha cabeça me torturando, corroendo meu coração. Dei meia volta no carro e fui pra casa, chorando, triste, minha alma gritava, eu estava morrendo de ciúme, ainda mais vendo que ele estava mais bonito ainda, a cada dia que passava ele ficava mais bonito e meu amor por ele ainda maior.

Saí pelas ruas igual um louco, pensando em tudo que já havíamos vivido, é nessas horas que nós aprendemos a dar valor às pessoas, é preciso perder pra aprender a valorizar. Chegando em casa sentei no sofá chorando de soluçar, a sensação que eu tinha era de ter perdido algo muito importante na minha vida, e de certa forma eu havia mesmo, quem já passou por isso sabe como o coração aperta, o peito dói, era horrível. Peguei o telefone e liguei para o Daniel, nem sei por que eu fiz isso, o medo de perdê-lo talvez, na hora de discar o numero eu tremia, no segundo toque ele atendeu, no visor de seu celular ele identificou meu numero, quando ouvi sua voz falando novamente comigo meu coração disparou, ouvindo sua voz tão doce, eu travei, não conseguia falar nada:

- Oi amor!... Alô?... Petit?... Bad?... Alô?

Não consegui falar, travei, desliguei o telefone e liguei pra minha mãe, pedir um consolo, um colo, eu sempre recorria a ela quando estava triste, pois ela sempre tinha o que me dizer na hora certa:

- Alô, mãe?

- Oi filho!

- Eu quero morrer...

- O que houve, Bader?

- Hoje eu vi o Daniel com outro...

- Humpft... Mas meu filho, você terminou seu namoro com ele, agora é cada um pro

seu lado, seguindo sua vida.

- Eu sei mãe, mas se eu contasse para ele que estou com HIV, ele me odiaria por

isso...

- É muito mais digno você ser odiado por uma verdade, do que fingir uma situação

que não existe, além do que você não pode ter certeza que ele te odiaria, isso você supôs. Conte logo a verdade pra ele, se o que ele sente por você é amor de verdade, ele vai entender e te perdoar.

- Humpft... Não sei... Vou pensar, depois te ligo.

- Tudo bem, pense bem no que você está fazendo com sua vida, um beijo meu filho.

Desliguei o telefone, fiquei pensando no que minha mãe havia dito, realmente eu

não tinha certeza que ele me odiaria sabendo que eu tinha HIV, mas o medo disso acontecer foi tão grande que nem pensei nessa hipótese. Lembrei que o remédio havia ficado no porta-luva do carro, peguei a chave em cima da mesa e fui buscar o remédio, entrei no elevador e apertei o S1, eu já não chorava mais, estava apenas triste. No 9º andar ele parou e a Dona Lídia entrou. A Dona Lídia era uma velha muito fofoqueira, costumava usar o cabelo amarrado, não tirava aquela sandália preta, cuidava da vida de todos os condôminos, eu sempre evitava de cruzar com ela pelo prédio, mas para minha infelicidade ela entrou no elevador bem na hora que eu descia:

- Oi Bader.

- Oi Dona Lídia.

- Nossa, como você está abatido... Você está doente?

- Sim, peguei uma doença que se chama “Síndrome do leva e trás”.

- Que horror, é contagiosa?

- Muito, ela pode até matar.

- Misericórdia... Bom, vou descer aqui no 2º andar e descer o resto de escada, o

médico pediu pra eu fazer exercícios...

- Sim, claro...

- Tchau.

- Vai com Deus.

Foi muito engraçado ver a cara de espanto que ela fez, claro que ela não tinha

exercício nenhum pra fazer, apenas ficou com medo de pegar a “Síndrome do leva e trás”, do jeito que ela era com certeza iria ao médico no outro dia pra saber se não havia

adquirido a tal doença.

Chegando à garagem do prédio, destravei o carro, abri o porta-luva e peguei o

remédio, quando ia fechando a porta reparei que o presente que o Daniel havia me dado de aniversário de namoro ainda estava dentro do porta-malas, tirei o urso de lá e travei o carro, com o gigantesco urso e a sacola da farmácia voltei para o elevador. Quando entrei no elevador, uma moradora me olhou meio estranho e se afastou um pouco, provavelmente a Dona Lídia já havia contado pro prédio todo sobre “minha doença”. Ao abrir a porta de casa eu senti uma tristeza muito profunda, um vazio dentro do meu peito me corroia, olhei para o urso gigante que ele me deu, olhei para o sofá e relembrei os momentos em que havia passado com o Daniel naquela sala, cada canto daquela casa havia uma história diferente, doeu meu coração as lembranças que vieram à tona, só de imaginar o Daniel com outra pessoa me corroia a alma.

Deixei o remédio sobre a mesa de jantar e fui ao banheiro, comecei a encher a banheira de água, sentei no apoio e fiquei com a mão dentro da água, ao mesmo tempo fiquei relembrando do dia em que ele havia bebido bastante e fez uma bagunça no meu

banheiro, fiquei muito puto, revivi aquele momento onde tudo começou, naquele mesmo banheiro onde ainda continha seu cheiro, seu calor. Com a banheira toda

cheia, entrei dentro de roupa e tudo, minha vida já não tinha mais sentido sem o Daniel,

mergulhei meu corpo todo, vi minha vida passar como um filme na tela de um cinema

sobre meus olhos, meu pulmão começou a doer e pouco tempo depois eu desmaiei. Naquela hora que eu liguei pro Daniel e não falei nada ele me retornou a ligação, o telefone estava ocupado porque eu falava com minha mãe, ele retornou a ligação mais uma vez e só chamou, foi naquela hora que eu havia ido buscar o remédio no carro, acabei o deixando preocupado, teimoso como ele era não iria deixar passar e foi até meu apartamento. Ao chegar ele tocou a campainha por três vezes, vendo que eu não abria ele começou a bater na porta, mesmo assim eu não abri, então ele estranhou os latidos agoniados da Dani, começou a chamar pelo meu nome, vendo que eu não respondia ele abriu a porta com sua chave e começou a procurar por mim, em cada canto da casa, quando chegou no banheiro do meu quarto ele notou que a torneira da banheira estava aberta e inundando o banheiro, ele se dirigiu até lá e me viu boiando na banheira, num ato de desespero ele me pegou no colo e me colocou sobre o tapete, chorando e preocupado ele tirou minha roupa molhada e fez respiração boca a boca até eu regurgitar toda a água que havia engolido, comecei a chamar pelo seu nome, com muito carinho ele pegou uma toalha e começou a me enxugar repetindo varias vezes que me amava, depois me colocou na cama, vestiu em mim um pijama e depois me cobriu com um cobertor, enquanto eu delirava.

- Daniel... Daniel...

- Estou aqui amor...

- Te amo... Não me deixa sozinho...

- Eu também te amo... Não vou te deixar sozinho meu amor...

Ele me abraçou para me aquecer com o calor de seu corpo, preocupado comigo ele

chorava em me ver naquele estado, ele beijava minha testa e encostava minha cabeça sobre seu peito, repetindo varias vezes que me amava:

- Petit eu te amo tanto... Se eu te perdesse ficaria louco...

Foi coisa do destino, ele chegou bem a tempo de me salvar e me impedir de fazer

uma besteira, mais um pouco eu teria morrido afogado e graças a ele isso não aconteceu.

Fiquei na cama descansando, enquanto o Daniel fazia um chá de maçã pra mim, naquele

momento eu tinha que contar pra ele toda a verdade, já estava na hora, ele não merecia mais ser enganado, acho que minha mãe tinha razão, com certeza ele iria me entender, chamei por ele que estava na cozinha:

- Daniel...

- Oi petit... Já estou indo...

À caminho do meu quarto ele viu o remédio que deixei sobre a mesa da sala, o

remédio é bem conhecido e ele como professor de educação física tem um conhecimento, pouca coisa, mas tem, quando o vi entrando no meu quarto com o frasco de remédio na mão eu fiquei pálido, não sabia o que dizer, ele acabou descobrindo tudo e o que era pior, não foi pela minha boca.

- O que é isso, Bader?

Comentários

Há 3 comentários.

Por joão em 2016-06-14 21:17:39
Queria ler o próximo capítulo 🌺❤️😭
Por joão em 2016-06-14 03:23:21
Sua série é maravilhosa, adorando cada capítulo. Por favor nunca pare de escrever. É impossível não chorar com cada capítulo que você escreve. 🌸
Por Brulei em 2016-06-13 15:16:33
Espero que o amor deles supere qualquer obstáculo, até mesmo o patológico. A série está sendo muito bem elaborada, Por favor, não desanime e escreva sempre. <3