Cap. 12:

Conto de Salém como (Seguir)

Parte da série Uma História de Amor

Dias se passaram e depois de muito sofrimento, rejeição, minha vida voltou ao

normal, acordava cedo, tomava meu banho de 30 minutos, dava comida para a Dani,

tomava meu café da manhã com tudo que eu gostava e ia pra academia, depois tomava

outro banho e ia trabalhar. Sofri demais quando fiquei sabendo que era portador do HIV, achei que minha vida iria acabar, entrei em depressão, pensei até em suicídio, mas depois eu percebi que estava perdendo tempo ao invés de viver e curtir minha vida, eu era muito jovem e tinha muito que aproveitar ainda.

Naquela mesma semana eu fui ao médico para fazer os exames de rotina, todo

portador do vírus tem que ir fazer exames de nível de CD4 para manter boa saúde e o

tratamento correr bem. Tirei quatro tubos de sangue, com muita paciência a enfermeira me convenceu a deixá-la coletar, eu morria de medo de agulha.

- Olá Bader!

- Tudo bem com a senhora?

- Tudo ótimo, você parece um pouco abatido. Não tem se alimentado direito?

- Acabei me descuidando um pouco, mas agora vou me cuidar mais.

- É assim que se fala, pense que você é jovem e tem muito que curtir.

- Com certeza. Agora nós vamos nos encontrar sempre por aqui...

- Segure o algodão pra parar de sangrar.

- Tudo bem.

- Dia 1 você pode vir buscar o resultado.

- Obrigado.

Saí do laboratório e atravessei a rua, passei na farmácia para comprar um Band-Aid

e coloquei no lugar do algodão, porque não ia dar pra dirigir e segurar o algodão que ela

colocou para impedir o sangramento. Depois fui trabalhar normalmente, todo mundo me

perguntava por que eu havia sumido, inventei uma desculpa dizendo que tive problemas

familiares, nunca gostei de ficar dando detalhes da minha vida para os outros, existem

pessoas muito indiscretas e curiosas que invadem sua vida sem o menor senso de ética, eu odiava quando isso acontecia. Comecei a fazer muitas mudanças na minha vida, começando pela minha sala na produtora, segui algumas dicas do Feng-Shui para atrair energias boas e sorte, eu precisava de mais harmonia, paz, mudei alguns móveis também, além de elaborar alguns projetos de marketing. Aquela semana foi corrida pra mim, fechei contrato com uma empresa para produzir um propaganda em outdoor, cuidei das mudanças no escritório, acabei nem indo para a academia. No dia de buscar o resultado de sangue acordei mais cedo, fui correr no parque do Ibirapuera, de lá segui para o laboratório que ficava próximo do parque para pegar o resultado de sangue. No caminho parei no semáforo na Avenida Ibirapuera, onde havia algumas crianças vendendo chicletes no farol, uma delas me abordou e me ofereceu sua mercadoria, eu por curiosidade perguntei o que ela fazia com o dinheiro que ela ganhava:

- Tio... Poderia me ajudar comprando essas maçãs do amor?

- Hum... Eu adoro maçã do amor. Quando custa?

- R$ 1.50 cada uma.

- Você tem quantos anos?

- Tenho 14.

- Nossa... Tão novo e já ajuda em casa?

- É...

- E sua mãe?

- Eu não tenho mãe!

- Você mora com quem?

- Eu moro no Lar do céu.

- O que é "Lar do céu?"

- Minha casa.

Fiquei emocionado quando li no papel que vinha junto com a maçã do amor que o

dinheiro era pra ajudar nas despesas de uma entidade que cuidava de crianças com HIV.

- Nossa... Você mora... Quero levar toda essa cestinha sua, quanto custa?

- R$ 50.00...

- Toma aqui R$ 100.00.

- Brigado tio.

Ele saiu pulando de alegria por ter conseguido R$100.00, lágrimas começaram a

descer dos meus olhos, não achei certo uma criança vender maçã do amor no farol pra

ajudar uma instituição a arrecadar fundos, mas acredito que não foi obra do acaso, peguei o endereço do lugar para visitar assim que possível.

Cheguei à clínica para buscar meu resultado e havia duas pessoas na fila, entreguei

o recibo para a recepcionista e fiquei aguardando ser chamado:

- Bom dia!

- Bom dia.

- Aguarde um momento que já está imprimindo.

- Tudo bem...

Sentei no sofá e fiquei folhando uma revista, cruzava a perna de um lado para o

outro por conta do nervosismo, um ventilador de teto tentava diminuir o calor que estava dentro do ambiente, mas meus pensamentos estavam naquela criança do farol, na

instituição que ela ajudava, nas crianças que lá abrigavam... Eu não ficaria em paz enquanto não visitasse.

- Senhor Bader... Estão aqui...

- Obrigado!

- Por nada.

Peguei o envelope e levei para o Centro Médico ao lado, dessa vez eu estava tranqüilo, calmo, mais à vontade para me expressar diante do médico. Na sala de espera fiquei assistindo um pedaço da novela até ser chamado pelo médico.

- E aí Bader, como foi esse mês?

- Nem me fale, entrei em depressão...

- Entendo... Você procurou um psicólogo?

- Não, nem saí de casa.

- Você deu uma emagrecida, não tem se alimentado direito?

- Estive me desanimando um pouco.

- Você sabe que tem que ter um cuidado redobrado com sua saúde.

- Eu sei...

- Uma boa alimentação é fundamental para ter uma boa saúde.

- Humpft.

- Deixa eu ver o resultado do seu exame...

O fato de entrar em depressão fez com que eu me descuidasse da alimentação, eu

tenho ciência que agora meu organismo está vulnerável, mas enquanto eu sofria deprimido nem pensava nisso, agora tenho ciência de que meu organismo foi prejudicado.

- Bader, a sua taxa de CD4 está abaixo de 200.

Comentários

Há 0 comentários.