Cap. 10,1:

Conto de Salém como (Seguir)

Parte da série Uma História de Amor

Entreguei a guia para o recepcionista e sentei no sofá azul de camurça para aguardar

ser chamado, peguei uma revista que falava sobre um naufrágio recém descoberto os

destroços no fundo do mar, depois peguei outra e fiquei folhando as páginas que falavam sobre a guerra no Iraque, na verdade eu nem prestei atenção nas matérias, eu estava ansioso, trêmulo, só pensava nesse exame e no meu petit.

Quando escutei alguém chamando pelo meu nome meu coração quase saiu pela

boca, com o susto acabei rasgando uma pagina da revista, andei pelo corredor do

laboratório até encontrar a sala onde iria fazer a coleta, fui atendido por uma enfermeira

super simpática, era uma sala simples, alta, falante, morena escura, bem humorada. Na sala havia um armário de vidro com alguns materiais, uma cadeira adaptada com um apoio pro braço para fazer coleta de sangue, um balcão com gavetas todo branco, no teto a luminária tinha uma lâmpada queimada entre as três fluorescentes, tinha até uma maca no canto com um biombo branco, sobre a mesa tinha um freegobar, enquanto ela preparava os tubos e a seringa eu engolia a saliva a seco e morrendo de medo, é claro.

- Estique o braço e fecha a mão.

- Assim?

- Você tem medo de injeção?

- Tenho.

- Então vira o rosto para o outro lado, é rapidinho...

- Tudo bem.

Em poucos minutos ela coletou o sangue e me liberou, colocou um tampão no

orifício e pediu para eu segurar por 2 horas.

- Em quanto tempo sai o resultado?

- Deixa-me ver... Daqui uma semana você já pode vim buscar. Procure não fazer

esforço com esse braço.

- Onde eu pego um atestado médico?

- Pede na recepção que eles fornecem pra você.

- Obrigado.

Fui até a recepção pegar um atestado, chegando à recepção o garoto não estava,

fiquei esperando por quase cinco minutos quando o vejo vindo pelo corredor com um copo de café na mão.

- Desculpe pela demora...

- Tudo bem, eu preciso de um atestado comprovando que eu compareci aqui no dia

de hoje.

- Ah tudo bem, aguarde só um instante...

O rapaz era muito atrapalhado, o balcão da recepção era grande, havia três computadores de ultima geração, uma impressora enorme que tinha mil e uma utilidades, o recepcionista ainda não sabia mexer direito no equipamento, tendo eu que perguntar se queria ajuda:

- O que acontece?

- A impressora não está pegando o papel... Será que está com problema?

- Você abasteceu com papel?

- Sim, fiz hoje de manhã...

- Deixa eu dar uma olhada... Os papéis devem ser nessa bandeja.

O cara acabou colocando papel na bandeja errada, por isso não conseguia imprimir

nada. Depois de resolver o problema com a impressão deixei o local, saindo de lá eu dei

uma passada na agência onde trabalhava e entreguei o atestado. Notei que havia muito

trabalho a se fazer, estava uma correria só, mas eu infelizmente não estava com cabeça pra pensar em trabalho, apenas entreguei meu atestado e saí da produtora.

Dali em diante começou minha tortura, eu não conseguia pensar em outra coisa, a

não ser no resultado daquele exame.

Chegando em casa havia mais de cinco recados do Daniel na secretária eletrônica,

apaguei todos sem escutar, me tranquei no quarto e passei todo meu dia chorando, deitado de pijama, por mais que o telefone tocava, eu não me movia para atender, naquele momento eu queria ficar sozinho, isolado, esquecer de tudo e todos, fiquei abraçado com a Dani e assim eu adormeci.

Dois dias depois fui trabalhar normalmente. Quando cheguei na minha sala e vi

minha mesa com um monte de papéis quase pirei. Tínhamos que escolher uma das

propostas para usar como tema para nossa peça publicitária. Havia briefing para ser

estudado, peças para serem criadas, tudo para ser terminado naquele dia.

Mergulhei de cabeça no trabalho, não consegui parar um minuto se quer. Almocei

no escritório mesmo. Criei duas peças para outdoor e outra para ser veiculada na mídia

televisiva. Pensei que meu dia não iria terminar. Deixei a agência já passava das 23h.

Cheguei em casa quase 00h, morto de cansado, só fui tomar um banho, dei a comida

da Dani e me joguei na cama.

No outro dia tive que acordar mais cedo. Havia ficado alguns trabalhos pendentes e

os acumulados do dia. Não saí de casa, fiz tudo no meu computador, o bom é que

ocupariam minha mente e eu não teria tempo para pensar nos problemas.

Trabalhar faz bem, ocupa nosso tempo nos impedindo de pensar bobagens, fiz meu

trabalho até o começo da tarde, depois fui até a cozinha dar o almoço da Dani. Enquanto ela comia eu bati um suco de maracujá pra mim, abri o armário, peguei uma pipoca de queijo e coloquei no microondas. Depois do suco e a pipoca prontos, fui pro meu quarto, fechei a janela que havia aberto pela manhã, apaguei a luz, fechei a porta e coloquei um DVD pra assistir abraçadinho com a Dani embaixo do edredom, assistimos Moulin Rouge, eu adorava esse filme, as vezes me vinha as lembranças de Paris e conseqüentemente o Daniel.

Eu e a Dani passamos a tarde toda vendo DVD, vimos uns três ou quatro filmes,

comendo pipoca e bebendo suco de maracujá.

Chegou o dia de ir ao hospital fazer a cauterização na lesão, estava marcado para o

período da tarde, cheguei ao hospital com uma hora de antecedência, tamanha era minha

ansiedade e desejo em me livrar logo daquele maldito HPV.

Não demorou muito e fui atendido pelo médico, era um senhor muito simpático que

me deixou bem descontraído. Após esse problema resolvido, só me faltava pegar o

resultado dos exames que havia feito para acabar com minha angústia.

Durante aquela semana me afundei no trabalho, não atendi as ligações do Daniel,

saia de manhã e voltava à noite, sumi do mundo literalmente, às vezes eu ligava pra minha mãe para contar como estavam as coisas por aqui, mas eu queria mesmo era fugir do Daniel.

No dia de buscar o resultado do exame, mal podia me agüentar de ansiedade. Foram

momentos inesquecíveis, a semana mais longa da minha vida.

Dormi pouco na noite que antecedeu, pela manhã tomei um banho rápido e fui

buscar o resultado, o caminho inteiro eu fui pensando na vida que eu teria dali pra frente, aquele resultado iria decidir minha vida, meu futuro.

Cheguei ao ambulatório e entreguei o recibo para retirada, a recepcionista começou

a imprimir os resultados na minha frente, foi no mesmo laboratório onde coletei a amostra, até achei que quem estaria na recepção era aquele rapaz atrapalhado... Eu me retorcia para tentar ver se conseguia ler o resultado, mas não consegui, ela pegou as folhas, dobrou e colocou dentro de um envelope e me entregou. Saí do laboratório aflito, segui em direção ao hospital que ficava ao lado.

No caminho eu parei embaixo de uma árvore para abrir o envelope. Consegui abrilo,

pois o adesivo que ela colou era bem frágil e descolou com facilidade, sem nenhum

esforço, mas não tive coragem de ler, acabei fechando novamente. Entrei no pronto socorro do hospital para passar com o médico sem precisar marcar consulta e saber de uma vez por todas o resultado do meu exame.

- Bom dia!

- Bom dia, eu quero passar com o Clínico Geral.

- Sua carteirinha e RG por gentileza?

- Tá aqui.

- O que o senhor está sentindo?

- Medo.

- Não entendi...

- Dor muscular.

- Ok, é só aguardar.

- Obrigado.

Não sei por que ficar perguntando o que você está sentindo pra colocar na ficha, se

dentro da sala o médico pergunta outra vez e nem dá importância para o que está escrito no papel verde, onde elas colavam um adesivo impresso todos meus dados e pediam pra eu assinar.

Sentei no sofá da recepção e fiquei aguardando ser chamado, recepção de hospital é

tudo igual, as horas parecem nunca passar naquelas salas, é um silêncio que chega até a

incomodar, as pessoas ficam olhando umas para as outras sem dar uma palavra, algumas

cochicham no ouvido da outra para fazer algum comentário, outras ficam observando um quadro sem graça que fica na parede, mas o maldito silêncio só é quebrado com a voz do médico chamando o nome do paciente:

- Bader Pires.

Quando ouvi o médico chamar meu nome eu gelei, minha barriga já estava doendo

de ansiedade, entrei na sala e fechei a porta, eu tremia muito, sentei de frente para o médico quase chorando e entreguei o envelope para ele.

- Então você é o Bader...

- Sou, o senhor já me conhecia?

- Não... Olhei aqui na ficha.

- Hahaha, entendi.

Além de comunicativo ele fazia umas palhaçadas e por alguns momentos eu

esquecia dos problemas.

- O que te trouxe aqui, Bader?

- As pernas...

- Hahaha... 1 x 1.

- Hahaha... Preciso saber o resultado desses exames...

- Vamos ver... Mas antes me diga uma coisa, por que o médico pediu esses exames

pra você?

- Porque eu adquiri HPV e ele disse que por ser uma “DST” era bom eu fazer outros

exames também.

- Hum...

- E então?

- Hepatite não reagente.

- O que quer dizer?

- Que você não possui hepatite.

- Ufa... Que alivio. E o HIV?

- HIV... Bom...

- Fala logo doutor.

- HIV não é algo tão absurdo como as pessoas acham...

Eu já comecei a me desesperar, ele estava vindo com aquela conversinha para fugir

do assunto e não me contar o resultado dos exames, notei que seus olhos estavam

lacrimejando, com certeza era mais um com pena de mim.

- Chega de mentir, não tente me esconder doutor, eu tenho HIV?

- Se acalme, sente-se e beba uma água.

- Eu não quero porra de água nenhuma, me fala doutor, eu tenho HIV?

Essa frase foi o suficiente para me deixar em pânico, pra mim foi uma sentença de

morte, e agora? Como eu iria contar ao Daniel que eu era aidético? Ele iria me odiar, corria o risco dele ter pegado talvez, eu até suportaria viver sem o Daniel, mas viver com ele me odiando eu não suportaria, não saberia olhar em seus olhos e ouvir ele dizer que me odiava.

- Você é portador do vírus...

- O quê?... Eu vou morrer... Eu vou morrer...

- Calma...

- Como calma? Não é você o aidético na história...

- Bader... Um sistema imunológico saudável tem de 600 a 1200 células de CD4 por

milímetro cúbico de sangue. Considera-se que o paciente tem AIDS quando esse numero é inferior a 200. O seu resultado está acima de 200, então você não é considerado um aidético, apenas portador do vírus HIV.

- Eu não quero morrer, doutor...

- Mas quem disse que você vai morrer? AIDS quer dizer “ACQUIRED IMMUNE DEFICIENCY SYNDROME” e é causado por um vírus que ataca o sistema Imunológico, quer dizer, as próprias "fábricas" encarregadas de fazer as "armas" com as quais os seres humanos se defendem das infecções e que também servem para controlar o desenvolvimento de cânceres. No Brasil ela é conhecida como SIDA, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, causada pelo vírus HIV, que destrói os mecanismos de defesa do corpo humano provocando a perda da imunidade natural que possuímos, permitindo o aparecimento de várias outras doenças oportunistas.

- Eu vou emagrecer... Ficar feio...

- Não necessariamente, Bader. Para se reproduzir, o HIV entra dentro do linfócito T4, auxiliado pela proteína chamada CD4, que é um tipo de glóbulo branco, que se encontra em volta da célula. Esta proteína CD4 abre a passagem para o HIV entrar no linfócito, depois que entrou no linfócito o HIV transforma-o em fábrica de novos vírus, e em seguida, os linfócitos são destruídos e os vírus são liberados, indo atacar outros linfócitos. Quanto mais o HIV se multiplica no organismo, mais a carga viral se eleva, níveis altos indicam um risco de evolução da infecção pelo HIV e baixa do CD4. Durante o processo, as células CD4 acabam morrendo por razões ainda não totalmente conhecidas. Com a redução do número desses glóbulos brancos, o organismo começa a perder a capacidade de combater doenças até atingir o ponto crítico que caracteriza a Aids. Há pessoas que tem o vírus do HIV, mas não desenvolvem a doença, essas pessoas são chamadas de soropositivas, que seria o meu caso até então. Das pessoas contaminadas somente uma minoria vai desenvolver a forma mais grave de infecção, que é a AIDS.

Minha preocupação era de como seria minha vida dali pra frente, meu futuro com o

amor da minha vida, estava perfeito demais pra ser verdade.

Comentários

Há 1 comentários.

Por Nando martinez em 2016-05-17 18:29:25
Uma pena mesmo ,sinto por ele mas ,SIDA não é tão grave assim ,tenho parentes próximos que tem hiv ,e é triste que a pessoa perca as esperanças de vida ,sendo que tem toda uma pela frente ,sorte que essa pessoa se deu conta e se dedicou ao filho dela para fazer ele feliz ,isso é maravilhoso, essas pessoas não devem ter nosso repudio e muito menos nossa pena... Essas pessoas são batalhadores e vencedores .... Por isso ,Bader tem que ter muita paciência e principalmente fé de que vai dar tudo certo ,obrigado... Nomais ,muito obrigado por retratar essa realidade