Cap. 10:

Conto de Salém como (Seguir)

Parte da série Uma História de Amor

- Pode se vestir... Você está com HPV.

Quando ele disse que eu estava com HPV minhas pernas tremeram, comecei a

tremer todo, ranger os dentes, como eu peguei esse tal de HPV? Eu e Daniel nunca

transamos sem preservativo, antes dele eu só me relacionei com o Bruno... Será que... Não pode ser.

- O quê é HPV, doutor?

- HPV é a abreviatura de 'Human Papilomavirus', o que significa Papilomavírus

Humano.

Os papilomavírus possuem predileção por tecidos de revestimento, no caso a pele e

mucosas, e provocam na região infectada alterações localizadas que resultam no

aparecimento de lesões decorrentes do crescimento celular irregular. Estas lesões são

denominadas verrugas ou vulgarmente conhecidas como "crista de galo". Conhecida desde a antiguidade, as infecções genitais pelo HPV chamaram atenção a partir da década de 80, quando se identificou a correlação destas lesões como câncer de colo uterino. Mais de 100 tipos até o momento foram identificados, dos quais apenas 30 tipos podem infectar a região anogenital feminina e masculina. Meu medo era de que aquela lesão se transformasse em um câncer, parecia um pesadelo, na hora sua cabeça só pensa em besteira, meu corpo parecia não estar dentro daquela sala, fiquei anestesiado, em choque.

O Papilomavírus Humano é um vírus universal, que não tem preferências, quer seja

quanto ao sexo, idade, raça, localização. Pode se instalar em qualquer região do corpo,

bastando haver uma porta de entrada através de micro-traumas da pele ou mucosa. Já se

detectou o vírus não só na região genital, mas também extragenital como olho, boca,

faringe, vias respiratórias, ânus, reto e uretra. Sua presença foi encontrada ainda no

líquido amniótico, aquele líquido que envolve o feto na vida intra-uterina.

- Meu Deus... Quais são as formas de se adquirir esse vírus, Doutor?

- Em relações sexuais.

Estudos comprovam que mais de 40% dos adultos sexualmente ativos, incluindo 10

a 40% das mulheres sexualmente ativas, principalmente as mais jovens, são infectados por um ou mais tipos de HPV. Porém, a maioria das infecções é transitória. Não sei se esse era o meu caso, pois na maioria das vezes, o sistema imune consegue combater de maneira eficiente esta infecção, alcançando a cura, com eliminação completa do vírus,

principalmente entre as pessoas mais jovens, coisa que comigo persistia.

- Não pode ser... Eu tinha um relacionamento fixo...

- Você se prevenia?

- Eu confiava nele...

- Confiança não é o bastante. Por mais que você confie em alguém tem que se

prevenir, sexo é muito gostoso, mas também é muito perigoso.

- Isso tem cura?

- Os tratamentos existentes hoje em dia, têm o objetivo de reduzir, remover ou

destruir as lesões proporcionadas pelo HPV. São eles: químicos, cirúrgicos e estimuladores

da imunidade. No seu caso terá que ser cirúrgico.

- O quê? É tão grave assim?

- Não, quando eu disse cirúrgico não quer dizer que você será internado, é uma

cauterização simples, o cirurgião vai dar uma queimadinha na lesão e pronto. Não leva mais que 10 minutos.

- Faz muito tempo que eu não transo sem preservativo...

- Só o fato de encostar no local contaminado você já pode se contaminar também,

portando aquelas “brincadeiras” preliminares ha uma necessidade de se usar preservativo. Esse vírus pode ficar um tempo sem se manifestar, pode ser que você o tenha há um ou dois anos e ele só veio se manifestar agora...

Claro que eu não ia chorar na frente do médico, me contive o máximo que pude,

minha preocupação era com o Daniel, e se eu tivesse passado para ele? Nunca fizemos nada sem preservativo, apesar de que HPV é transmissível mesmo usando preservativo, por isso todo cuidado é pouco na hora da relação sexual, devemos escolher muito bem com quem vamos sair e mesmo assim tomar todas as precauções.

- Então a única maneira de evitar esse vírus é a camisinha?

- A camisinha não evita o contágio por completo, você pode transar com uma

pessoa que tem o vírus usando preservativo e contrair o mesmo, mas o preservativo ajuda a dificultar a contaminação...

Foi aí que meu medo começou aflorar, o Daniel poderia estar contaminado com o

vírus, se eu passasse alguma doença pra ele não iria me perdoar, ele não merecia e além de tudo ele iria me odiar.

- Bader, vou te passar o encaminhamento de alguns exames que devem ser feitos...

- Exames de quê?

- Hepatite A, B e C, HIV 1 e 2.

Quando ele falou HIV tive vontade de pular da janela, eu queria que o chão se

abrisse e me engolisse, em todo momento eu pensava no Daniel, jamais me perdoaria se

passasse algo para ele. Eu não conseguia mais raciocinar, só pensava que iria morrer, era uma mistura de medo, angústia, desespero, raiva, tristeza, meus olhos começaram a

lacrimejar, em meu pensamento veio à figura do Daniel, aquela gargalhada que ele dava

quando estávamos juntos...

- Quais são os sintomas do HIV, doutor?

- Eu não vou dizer quais são, porque você pode ficar com raiva e sair por aí querendo se vingar passando pra outras pessoas.

- Que absurdo... Eu nunca faria isso.

- Aguarde o resultado que vai ser melhor.

- Está bem, obrigado.

- Espere...

- O quê?

- Pense que você é especial, não merece qualquer pessoa, merece alguém especial

como você...

- Já sei, o que você está pensando agora é o que todo mundo pensa: Que todo

homossexual faz parte do "grupo de risco".

- Mas você sabe que isso não é verdade, homossexualidade não tem nada haver com

grupo de risco, esse "folclore" que inventaram em cima da homossexualidade foi para criar uma rejeição à homossexualidade, mas ser humano nenhum está livre de adquiri-la.

- Ok!

- Você é muito jovem. Se cuide...

- Está bem.

- Desejo boa sorte a você e juízo.

O pior de tudo foi a cara que o médico fez, os olhos dele estavam cheios de lágrimas, parecia que ele estava com pena de mim, foi muito ruim, horrível, mantive a postura e o controle enquanto estava naquele hospital, mas quando saí não consegui segurar, entrei no carro e chorava como uma criança perdida, comecei achar que minha vida estava acabada. E agora o que eu faço? E o Daniel? Contar a ele que eu estava com HPV? Que o médico me pediu exame de HIV, pois achava que eu tive um passado promíscuo? Ele nunca iria me perdoar, liguei o carro e fui andar pela cidade, passei a noite toda rodando pelas ruas pensando, decidindo o que iria fazer da minha vida.

Logo no começo da manhã eu passei no shopping, fui fazer umas compras, para

esquecer dos problemas, das preocupações e tudo mais. Estourei o limite do meu cartão de crédito, quase não conseguia andar com tantas sacolas, o shopping não estava muito cheio, talvez pelo fato de estar cedo ainda, comprei o que precisava e o que não precisava, acumulou tantos pacotes que precisei pedir ajuda do segurança do estacionamento para colocar tudo dentro do carro. Saindo do shopping fui direto para a casa do Bruno, minha fúria era enorme, se eu o encontrasse na minha frente seria capaz de mata-lo de tanta pancada, na verdade minha intenção era essa.

Chegando à porta de sua casa buzinei 3 vezes, mas não aparecia ninguém até a

vizinha da casa ao lado sair na janela e me informar sobre a família.

- Você está procurando a Terezinha?

- Estou "caçando" o Bruno.

- Ah... Eles não moram mais aí...

- Obrigado.

Saí arrancando com o carro, nervoso, furioso, irado, quase bati no portão do condomínio, deixei as compras dentro do carro e subi até meu apartamento para telefonar pro maldito do Bruno, pois meu celular havia acabado a bateria, fiquei com um ódio tão grande dele que se conseguisse encontrá-lo nem sei do que eu seria capaz, mas com certeza ele não sairia ileso nessa história.

Peguei o telefone e comecei a discar, na primeira tentativa deu caixa postal, na

segunda atendeu uma pessoa dizendo que o aparelho já não pertencia mais ao Bruno, minha ultima opção era enviar um e-mail, digitei uma carta no Word de 8 páginas contando tudo, todos os detalhes do que estava ocorrendo, e pedi para ele retornar assim que recebesse o email.

Desliguei o computador, liguei na portaria pedindo para um segurança do condomínio

buscar minhas compras no carro e trazer até meu apartamento, pois estava exausto pra

descer até o S1.

Fui tomar outro banho, no chuveiro fiquei pensando na situação e no constrangimento passado naquela sala do médico, me senti humilhado de certa forma, as palavras do médico não saiam da minha cabeça... “Juízo garoto...”

Me envolver com o Bruno foi a pior coisa que fiz na vida. Após o banho, liguei para

a Central de consultas do meu plano médico e agendei a coleta de sangue para os exames, aproveitei e agendei a cauterização e a consulta com o infectologista. Enquanto eu tomava banho meu celular tocou, mas eu não havia escutado, pois o deixei sobre o sofá da sala, depois do banho fui ver quem era e o visor mostrava o número do Daniel, não demorou muito e começou a tocar outra vez, o aparelho estava na minha mão, mas não tive coragem de atender, tocou por 6 vezes e parou, depois começou a tocar o telefone de casa, levei um susto quando deu o primeiro toque, com certeza deveria ser o Daniel, acabei não atendendo o telefone, me faltava coragem de falar com ele, ouvir sua voz gostosa, preferi evitar.

No outro dia pela manhã eu acordei bem cedo e fui pesquisar na internet sobre o

HPV, encontrei várias coisas falando a respeito que me deixaram ainda mais assustado,

algumas fotos me impressionaram demais, me senti um pouco enjoado e desliguei o

computador. Tomei um banho rapidinho antes de sair e fui para o ponto de ônibus, já que meu carro não poderia sair por conta do rodízio naquele dia, a manhã estava um pouco fria, já estávamos no Outono, aquela neblina da manhã cobrindo o horizonte, o cheiro do orvalho nas folhas das árvores... Fiquei quase uma hora dentro do ônibus até chegar no laboratório em Moema, quando entrei na recepção não havia nenhum paciente aguardando, eu deveria ser o primeiro do dia.

- Bom dia!

- Bom dia!

- O senhor está em jejum?

- Não entendi.

- O senhor está em jejum por no mínimo 8 horas?

- Ah... Estou.

- É só aguardar até a enfermeira chamar.

- Obrigado.

Comentários

Há 2 comentários.

Por Fla Morenna em 2016-05-15 08:27:17
Que barra
Por Nando martinez em 2016-05-14 18:39:33
Nossa que triste ,bom ... Esperemos que não seja outra doença mais grave