Cap. 07,1:

Conto de Salém como (Seguir)

Parte da série OS FILHOS DA LUA

- Não, Demônio. Ainda não estou satisfeito. - O homem assumiu uma voz mais suave, hipnótica. - Mas, prometo, assim que meus experimentos chegarem a uma conclusão satisfatória, você terá sua liberdade.

Isac abriu um olho, tentando resistir a intensa iluminação. O lugar estava inundado por aquela misteriosa luz azul que vira no galpão na noite em que conhecera Jacob.

Estava sentada no centro de um grande pentagrama riscado com carvão sobre o piso de madeira. A luz azul desaparecia, a visão melhorava, e ele viu Legna caída alguns passos à sua esquerda.

Como havia acontecido? O que fazia ali? Não era um Demônio! Pelo que estudara, a intimação de um Demônio nunca afetava quem estivesse perto dele; a intimação era especifica e limitada à fonte de poder conectado ao nome utilizado para o ato de aprisionamento. Então, como havia sido levado também? As respostas teriam de esperar. Precisava ajudar Legna enquanto a transformação não ocorria. Apoiada sobre as mãos e os joelhos, ele se aproximou da amiga e tocou-a no rosto. Legna ardia em febre.

- Ei, aquela está acordada!

- Uma é fêmea. Não pensei que houvesse fêmeas.

- Essas criaturas do inferno são a tentação em forma de gente! Nunca ouviu falar nisso? Veja como se faz linda!

Isac olhou para os nigromantes que estavam falando. Havia dois feiticeiros em pé perto do pentagrama e um casal sentado diante de uma mesa não muito afastada. Só então ele percebeu o cheiro. Insuportável! Como pêlo queimado, ovos podres e gasolina misturados. Ele cobriu a boca e o nariz tentando conter a náusea.

- Aquele é pequeno. - Riu a feiticeira. - Acho que deviam jogar de volta, como fazem os pescadores.

Os feiticeiros riram da piada. Um deles aproximou-se do pentagrama e se abaixou para encarar Isac.

- O que acha, manjuba? Devemos jogar você de volta? Ou prefere ficar e esperar até você se transformar em horror, como acontece com todos? Vai babar, gritar palavrões e dizer todos os nomes que sabe para salvar a própria pele. Vocês nunca ouviram falar em lealdade? Eu disse, Ingrid. - Ele olhou para a feiticeira. - São todos iguais. Como aquele ali.

Isac olhou na direção apontada pelo nigromante. Havia um segundo pentagrama riscado no chão, e dentro dele estava um Demônio transformado. Sua aparência era a mesma de Saul antes de morrer.

- Sabe, Kyle, tenho a impressão de que o pequenino é mais forte do que parece. O outro macho levou horas para acordar. A outra fêmea esta desacordada, mas este aqui já esta consciente.

- Tem razão. E então, demônio? Não vai falar nada? Não quer ir embora? Se cooperar, logo terá sua liberdade. Sei que quer dizer alguma coisa.

Isac sabia que não corria perigo imediato, mas a vida de Legna dependia do que ele fizesse nos próximos minutos. Tinha de manter a calma, descobrir onde estava e convocar quem pudesse ajudá-los.

Sabia que podia neutralizar poderes. Devia funcionar com magia negra, também. E o pentagrama? Continha Demônios, mas aprisionariam também um druida? Ou ele havia anulado os poderes do desenho com sua presença?

Precisava agir. Tinha de salvar Legna e destruir todos que conheciam seu nome, pois só assim ela estaria livre de novas ameaças. Para isso tinha de destruir os nigromantes e o Demônio pervertido que a sacrificara na esperança de obter a liberdade.

Fisicamente, nenhum deles representaria grande desafio. O grupo tinha um excesso de confiança que poderia funcionar a seu favor. Sabia que eram poderosos, inteligentes e capazes de grandes realizações, mas também sabia que eram repudiados pela própria raça pela falta de ética e moral. Eram rejeitados.

Kyle se cansou de observá-lo e voltou para perto dos outros. Ele usava um manto azul e dourado que parecia ter sido copiado de um conto de fadas. Merlin. Os outros também estavam fantasiados. Seria ridículo, se tudo aquilo não ameaçasse pessoas que amava profundamente.

- Por que acham que conseguimos trazer dois? - questionou um feiticeiro gordo e ofegante.

- Não sei, Rick. Mas já que temos dois... Santo vai ficar muito impressionado. Quanto mais dessas coisas pegarmos, mais magia ele dividirá conosco. Mal posso esperar para aprender aquele encantamento com fogo!

- E eu quero saber mais sobre o encantamento do glamour - declarou a feiticeira. - Venderia a alma para ter uma aparência de top model e ir dar umas aulinhas de humildade a um ou dois sujeitos que conheço.

- Você não precisa disso. Ja tem a mim, princesa - disse Rick, aproximando-se para tocá-la no rosto.

Isac olhou para Legna. Ela estava pálida, ainda muito quente, mas não parecia sofrer nenhuma outra alteração. Ele a abraçou. Estava aliviado, mas confuso, também. De algum lugar tirara a impressão de que a transformação começava logo depois da intimação. Por outro lado, era impossível saber se mudanças internas já não estavam em andamento. Fechando os olhos, Isac tentou alcançar Jacob em pensamento.

Jacob estava encolhido sobre uma das inúmeras gárgulas que decoravam o velho edifício de tijolos aparentes. Todos os sentidos estavam aguçados, e ele olhava para a rua onde Noah esperava apoiado contra a fachada do prédio, aparentemente ocioso. Na verdade, Noah monitorava o fluxo de energia no local. Cada ser vivo no universo tinha uma assinatura energética única.

O que os nigromantes não sabiam era que uma intimação não fazia um Demônio simplesmente desaparecer de um lugar e aparecer em outro. A intimação convertia a vitima para uma forma de energia pura e única, e depois essa energia era arrastada por uma rota absolutamente física desde o ponto de partida ate o ponto de chegada. Havia um rastro que podia ser seguido com facilidade por aqueles com habilidade para isso.

O problema vinha no final do rastro. Quanto mais perto do esconderijo de um nigromante, mais confusa ficava a busca. Os feiticeiros se disfarçavam usando encantamentos e truques que os faziam invisíveis ate ao mais poderoso Demônio caçador.

Era nesse ponto que Jacob tinha de abandonar o instinto e usar a lógica. Áreas de elevada densidade populacional, como era o caso do Bronx, dificultavam ainda mais a tarefa. Havia dúzias de galpões e depósitos no bairro onde ficava o apartamento de Isac. Não fosse por sua premonição, jamais teriam encontrado o local exato.

Mas as atividades de um nigromante chamavam muita atenção, e as vezes um punhado de perguntas simples resolvia esse problema de localização. Além do mais, havia o cheiro Se houvessem percorrido uma rua recentemente, Jacob os seguia com facilidade.

Jacob saltou da gárgula e aterrissou com suavidade ao lado do Rei.

- Rastro frio. Teve mais sorte?

- Não - Noah suspirou.

- Não podem estar muito longe daqui.

- Já consegue sentir Isac?

-Não.

De repente Jacob sentiu um cheiro conhecido no ar. - Elijah - os dois Demônios disseram em uníssono. O capitão guerreiro se materializou diante deles.

- Alguma noticia?

- Gideon acha que pode encontrá-los - Elijah anunciou com entusiasmo. - Ele está varrendo a área em sua forma astral. Disse alguma coisa sobre o código genético de Isacser como um anúncio luminoso. Não sei o que isso significa, mas tenho um bom pressentimento.

Isac se afastou de Legna. Talvez assim a amiga recuperasse a consciência. Dois nigromantes haviam deixado o lugar. O terceiro estava ocupado em uma cozinha improvisada no extremo oposto do cômodo. A feiticeira continuava sentada a mesa, fazendo bolas com goma de mascar e lendo um livro quase tão antigo quanto os que encontrara na biblioteca dos Demônios. Sua atenção estava dividida entre o texto e os movimentos de Isac.

Depois de alguns instantes, ela fechou o livro, levantou-se e caminhou ate a beirada do pentagrama. Isac andava de um lado para o outro ao lado do pentagrama riscado no chão.

- Ei, você! Que roupa é essa! Por que usa esse casaco e essas fitas no pulso?

- Estava em um casamento.

Surpresa com a resposta, Ingrid arregalou os olhos.

- Um casamento? Vocês têm casamentos?

- Sim, temos. Casamentos, maridos, esposas, filhos, artistas, poetas, médicos e ministros, exatamente como vocês.

- Ah! - A feiticeira riu.

- Por que eu mentiria?

- Porque vai fazer qualquer coisa para salvar seu pescoço.

- E você não tentaria se proteger, se estivéssemos em posições trocadas?

A pergunta causou um certo desconforto na feiticeira.

- Se estivéssemos em posições trocadas, eu jamais teria aquela aparência - ela disse, apontando para o Demônio transformado no outro pentagrama.

- Tem certeza? Sua magia é cheia de veneno e mal. Talvez consiga dar essa aparência a qualquer ser vivo. Até mesmo para um humano.

- A magia só despe a capa de glamour que vocês criam para esconder suas monstruosidades. Todo Demônio que intimamos é sempre lindo. Não é natural. Aquela é a aparência natural para um monstro.

- Monstros? O que nos faz mais monstros que vocês? Escravizam seres vivos, criaturas que respiram, e as usam para o mal sem misericórdia ou compaixão!

- Você não é uma pessoa, é um Demônio do inferno! Li muito sobre vocês. São sedutores, cheios de lascívia, ambiciosos...

- Parece muito segura do que diz.

- Porque sei que estou certa.

- Como se sentiria se alguém acreditasse nas mesmas coisas a seu respeito? Afinal, também usa a magia! As pessoas teriam medo de você por isso.

- Não seja estúpida! Não é a mesma coisa. E não pense que vai me envolver com suas palavras impressionantes. Conheço todos os seus truques.

- Você não conhece nem a metade deles.

- Vá em frente! Tente usar seus truques. Vai ser divertido ver você se contorcendo no chão quando o pentagrama refletir a energia para o seu interior. Seria um bom castigo por tentar me desafiar.

- Você primeiro - Isac provocou. - Vamos ver se tem mesmo todo esse poder que apregoa. Certamente consegue atravessar a barreira? Vamos lá, use aquela descarga elétrica para fritar minhas entranhas! Isso... - Isac sorriu ao ver a feiticeira arregalar os olhos. - Já vi sua gente em ação antes. E sabe de uma coisa? Estou viva! E bem! Pode imaginar?

- Mentiroso! Demônio, mentiroso!

- Ah, você o conhece! Ele me contou sobre uma certa sociedade... Não deve ser muito grande. Um cara alto, magro, de cabelos escuros... Um cruzamento esquisito de nerd e atleta. Conhece?

- Cale a boca! - A feiticeira se irritou. Uma energia azul começou a percorrer sua aura. - É melhor calar a boca, ou vai descobrir bem depressa como minha magia atravessa o pentagrama.

Isac deu um passo na direção da feiticeira e sorriu.

- Ingrid, saia daí - Kyle a agarrou pelo braço e puxou para longe do pentagrama. - Por acaso é idiota?

- Solte-me! Aquela coisa não pode atravessar o pentagrama. Não há perigo.

Kyle olhou para Isac. Ele sorriu, provocando um arrepio e um desconforto evidentes no nigromante. - Então você fala, afinal...

- E tenho boa dicção, como pode perceber.

- Kyle, ele não é como os outros - Ingrid comentou. - Todos tem aquele sotaque esquisito, mas ele fala... não sei... Como se fosse do Brooklyn, talvez.

- Que diferença isso faz? - quis saber Kyle. – Por mim ele pode falar como Scarlett O'Hara! Ainda será um Demônio. Todos são mentirosos e dissimulados. Atores tentando nos enganar. Deixe de ser ingênua, Ingrid.

- Não sou ingênua! Estou dizendo, tenho um mau pressentimento com relação a... esse aí. Todos os outros ficaram apavorados dentro do pentagrama.

Kyle parou para pensar. Desconfiado, ele olhou para o outro pentagrama e se aproximou dele.

- Você! Conhece aquele ali? - Ele apontou para Isac.

- Aquele... - o Demônio babava de satisfação, as unhas compridas arranhando o piso de madeira.

Legna gemeu atrás de Isac. Nada era mais importante que proteger a amiga. Não sabia se o transformado o conhecia, mas sabia que ele diria o que bem entendesse. Nada poderia impedi-lo.

Ele se abaixou ao lado de Legna.

- Aine ya hulli caun - disse, usando instintivamente o novo conhecimento sobre idiomas antigos para alguma coisa além de interpretar a profecia.

Legna virou a cabeça em sua direção, os olhos expressando choque e medo.

- Língua de Demônio - disse o transformado rindo. - Aquele... Demônio sim...

- O que ele disse? Droga!

- Língua de Demônio. Sim... - o transformado arrancou um pedaço de madeira do chão. - Tenha medo... não. Ele diz Legna não tenha medo... Indirianna... linda... suculenta Indirianna.

Isac engoliu em seco. Sabia que o Demônio havia revelado o nome de força de Legna. Podia ver o horror nos olhos da amiga.

- Lucas - ele chamou com voz rouca.

- Indirianna! - Lucas repetiu, saltando dentro do pentagrama como um chimpanzé excitado e trancafiado em uma jaula. - Rentinon siddah to Indirianna!

- Lucas! - Legna soluçou, aproximando-se do limite do pentagrama e do Demônio transformado.

- Legna - Isac a chamou, segurando-a pelo braço.

- Ele não é o Lucas que você conheceu. Não o provoque. Suas reações só vão feri-la ainda mais.

- Quanto tempo... - Legna perguntou com a voz embargada.

- Pouco mais de uma hora. Quanto tempo ainda temos?

- Não sei. Nenhum de nós sabe. Só conseguimos salvar um Demônio da intimação em todos esses séculos.

- Só um? - Isac repetiu chocada.

- Sim, e ele nunca mais foi o mesmo. Era como se vivesse dividido entre civilização e animal selvagem. Jacob o matou, no final. Foi necessário. Ele começou a atacar nossas fêmeas. Quando Jacob o pegou, houve um confronto horrível e ele teve de matá-lo para defender a própria vida. Oh, Isac! Estou com tanto medo! O que Jacob fará quando me encontrar?

- Ele não vai matar você.

- Jacob, o Defensor! O Defensor vem! Vem me matar! Vem me matar, Defensor! - o animal na jaula riscada começou a rir, pulando de um lado para o outro.

Legna assustou-se. Isac empalideceu.

- Sabe qual e o nome de Jacob? - Legna sussurrou.

- Não.

- Melhor assim. Lucas é um Demônio da mente. Um telepata. Poderia roubar seus pensamentos.

- Sou imune a telepatia. Ninguém pode ler meus pensamentos. Só Jacob.

Comentários

Há 1 comentários.

Por J.K.Haroold em 2016-08-01 02:06:46
Mais mais mais mais 😍😍😍😍❤❤❤❤😆😆😆😆