Cap. 05:

Conto de Salém como (Seguir)

Parte da série OS FILHOS DA LUA

- Isac, sei que me culpa...

- Não! Não faça dessas revelações de Gideon mais um pacote de motivos para culpar-se. Você nem estava na guerra. Não nos conhecíamos.

- Bem, mas se não tivéssemos nos conhecido...

- Eu teria vivido uma vida incompleta, como antes. Sempre à margem da sociedade humana, sem me ajustar, solitário, tendo apenas minha irmã por companhia... Na noite em que nos conhecemos, eu olhava para a lua pensando que havia nela algum segredo... Passei muitas outras noites naquela janela, olhando o céu e pensando... Li muito em busca de informações, ansiando por alguma coisa que não conseguia identificar. Agora eu sei.

- Talvez não pensasse assim se pudesse ter escolhido.

- Eu posso escolher. Posso voltar para o local de onde vim e morrer aos poucos, mas não por privação de energia vital. Eu pereceria por não ter mais todas as coisas que finalmente encontrei com você. Tem idéia de como sua presença transformou minha vida? Podia imaginar, se ele se referia a algo tão profundo quanto o que encontrara ao conhecê-lo.

- É isso mesmo, Jacob. Tudo na vida é parte de um grande plano do Destino, uma trama que nenhum de nos conhece até ela realmente acontecer.

- Mesmo assim, podemos escolher. E eu queria você a meu lado por opção própria, não por falta de opção. - Escute, Jacob. Sou uma homem adulto. Não estou desapontado, frustrado ou infeliz. Talvez você tenha dificuldades para se adaptar ou não queira se comprometer com as implicações da minha presença aqui.

- Isso não é verdade!

- Quer mesmo que eu fique? Quer que eu faça parte da sua vida como eu o quero na minha? Diga que não sou o único a estar aprendendo o que significa amar alguém a ponto de se sentir incompleto longe dessa pessoa.

Jacob sabia que o menor estava certo. O destino não podia ter feito escolha melhor para ele. Mas... e ele? Seria tudo de que Isac precisava? Saberia tratar um homem tão amoroso e cheio de vida?

- Isac, nunca duvidei do meu amor por você. Meu medo é não saber ser digno do seu amor por mim.

- Você é digno do que há de melhor no mundo, Defensor. Nos últimos quatro séculos, tudo que conheceu foi censura e hostilidade. Mas agora eu estou aqui, e não vou mais permitir que isso aconteça. Fique comigo, Jacob.

- Eu amo você, meu pequeno!

O silencio na câmara do Conselho era pesado. Todos estavam sem fala, perplexos. Até Ruth, sempre rápida em suas respostas, estava quieta.

A presença de Gideon tinha um forte impacto sobre o grupo, e depois da revelação feita por ele, a atmosfera tomara-se densa, carregada de tensão. Saber que a própria raça havia sido capaz de cometer atrocidades como as que condenavam na "menos evoluída" raça humana era aterrorizante, mas esclarecedor.

- Bem, parece que o futuro de nossa raça vai sofrer uma mudança dramática - Noah anunciou. - o Conselho precisa discutir as ramificações da situação em detalhes. Quero deixar claro que, nesse momento, ninguém deve se aproximar de um ser humano sob nenhuma circunstancia. As leis que nos governam serão mantidas até que possamos revê-las. O Defensor punira os que não controlarem esse impulso. Fui claro?

- Claro e sábio - respondeu Elijah. - Meus guerreiros estarão a disposição de Jacob, caso haja necessidade.

- Perfeito, Elijah. Agora, vamos tratar de um assunto da máxima urgência. Isac, o druida.

Jacob ficou tenso. Não sabia que seu parceiro estava na pauta da reunião.

- Será dever de todos e de cada um aqui cuidar para que a segurança de Isac nunca seja ameaçada entre nós. Esse homem trouxe nossa salvação. Devemos respeitá-lo e protegê-lo. Ele descobriu a profecia, e só por isso já merece nossa gratidão. A profecia mapeou nosso futuro, e é nossa responsabilidade cuidar para que ela se cumpra da maneira mais positiva possível! Noah olhou para Jacob. - Com o tempo, o papel do Defensor será alterado. Suas responsabilidades, já tão vastas, triplicarão. Gideon e eu discutimos essa questão em profundidade, e decidimos que o treinamento de Isac deve começar imediatamente. Ele é um Defensor.

- Tão jovem? O que ele poderia... - Ruth começou.

- Não me lembro de ter aberto a questão a debate. Noah a interrompeu. - Este é um dia importante na historia da nossa raça. O dia em que reparamos severos erros do passado. Isac foi o primeiro a se unir a nos, mas não será o ultimo. Pensem no presente que estamos recebendo. Agora temos a solução para uma existência pacifica. Jacob e Isc são o portal por onde passaremos no futuro. Eles nos guiarão aos Druidas de que tanto necessitamos.

O silencio era ainda mais pesado que antes. Jacob olhou para Noah com gratidão estampada no rosto. O rei acabara de fazer um pronunciamento que mudaria definitivamente a forma de tratamento dispensada por todos ao Defensor.

Defensores, ele se corrigiu. Defensores.

Isac estava em pleno treinamento de combate com Elijah, quando uma súbita tensão invadiu o ambiente. Jacob e o Elijah trocaram um olhar preocupado e, menos de um segundo depois, desapareceram em espirais de poeira e vento.

- Jacob!

- Fique onde está, Isac! Não saia daí!

- Por que? o que aconteceu?

- Alguém tentou transformá-la em poeira, e não fui eu. Nem Elijah.

Isac sentiu no peito as ramificações do anuncio. Ele se sentou, os joelhos fracos demais para sustentá-lo. Seria esse o medo de Gideon? Outro Demônio tentava atingi-lo par conta da velha hostilidade?

- Não, Isac, isso é diferente,- Jacob explicou com tom doce - Meu povo a aceitou.

- Então quem... ?

- É o que estou tentando descobrir. Acha que consegue chegar a Noah em segurança?

- Sim, é claro. Só preciso atravessar um gramado, Jacob.

- Quando tratamos de poderes tão intensos, atravessar um gramado pode ser como atravessar o mundo. Vá. Depressa! Ele o protegerá.

Isac não perdeu tempo.

Assim que foi informado sobre o que havia acontecido, Noah, que discutia um importante pergaminho com dais acadêmicos, mandou Isac para o quarto de Legna, onde ele estaria protegido. Depois, usando apenas o olhar, ele deu ordens aos dois Demônios. O da sua esquerda, do corpo, sentou-se muito ereto e logo projetou para fora de si sua essência astral. O da mente, a direita do Rei, fechou os olhos e desapareceu com um sutil deslocamento de ar. Noah ficou aliviado ao ver que suas ordens eram rapidamente obedecidas. Todos os Demônios se dispunham a proteger o druida entre eles.

Legna usou suas habilidades para cercar a mansão com uma aura de medo e urgência. Quem ousasse atravessar a barreira seria tomado por um súbito impulso de fuga. Noah estendia sua capacidade de ler pensamentos e mentes até muito mais longe que de costume. A energia radiada pelo esforço dos dois irmãos atingia Isac na força de um frio intenso. Ele se aproximou dos dois protetores, tentando absorver um pouco do calor do ambiente.

De repente, o mundo invadiu sua consciência. Seu cérebro foi bombardeado por milhares de sentimentos e instintos que não eram dele, cada um e todos ricocheteando por seu ser com velocidade furiosa. Sentia o medo dos animais afetados pela mudança do ambiente externo. Ouvia discussões, atos de amor, humor e reverência de pessoas próximas dali, e o clamor o forçava a cobrir os ouvidos com as mãos num esforço para protegê-los da cacofonia de emoções. Sentia a tensão de Jacob, o ultraje de Elijah.

Atordoado, Isac sentou-se no chão de mármore, os olhos muito abertos tentando encontrar o foco enquanto ele se esforçava para banir da mente todas essas impressões. O instinto de autopreservação ganhou vida dentro dele...

... e morreu em seguida.

Uma conflagração de chamas explodiu a sua volta, desenhando rapidamente círculos que iam se tomando maiores, ondas que tinham seu corpo como foco central. Legna gritou. Noah gritou.

E depois tudo ficou quieto.

De onde patrulhavam a área num ponto acima no céu, Jacob e Elijah sentiram o eco de uma tremenda onda de calor. Os dois se solidificaram, buscando a origem da repentina alteração térmica. Horrorizados, viram os círculos de fogo brotando da casa de Noah, lambendo o gramado e queimando a terra.

Jacob estendeu os braços, erigindo paredes de terra que contiveram o incêndio. Elijah subiu ao céu e soprou um vento furioso que impediu o retomo do fogo. A terra se fechou sobre as chamas, apagando-as pela falta de oxigênio. Por garantia, Elijah despegou uma chuva pesada que ensopou o solo para garantir que o fogo não reviveria.

No segundo seguinte eles voavam para a casa de Noah. Jacob logo notou que não havia nenhuma segurança em torno da casa, o que era inconcebível, considerando que Isac fora procurar o Rei para pedir proteção. Ele tentou estabelecer conexão mental com o menor e sentiu o violento terror que dele se apoderara no instante anterior a explosão. Agora havia apenas o silêncio ocupando o lugar onde deveriam estar os pensamentos dele.

Tudo no salão havia sido tocado pelo fogo.

No centro do negrume deixado pelas chamas havia três corpos.

- Isac! - Jacob gritou, correndo para tomá-lo nos braços.

Ele estava inconsciente e muito ferido, coberta por bolhas e manchas, como se houvesse passado horas ao sol. Os cabelos estavam torrados. As roupas colaram ao corpo. O cheiro que se desprendia dele alimentava o ultraje do Defensor.

- Noah e Legna! - Elijah exclamou, ajoelhando-se perto do Rei e da irmã dele. Ambos estavam irreconhecíveis, escuros, e os lindos cabelos de Legna haviam desaparecido. Com lágrimas nos olhos, Elijah tentava pegar a pulsação do monarca.

- Impossível! - Jacob exclamou com a voz embargada. - Noah é imune ao fogo!

- Precisamos de Gideon. Agora!

Elijah levantou-se, cerrou os punhos e convocou o médico com um chamado urgente e angustiado. Menos de três segundos depois, uma espiral cor de prata penetrava pela janela do salão.

Elijah caiu enfraquecido assim que o médico se materializou no centro da sala. Havia sido necessário grande esforço para realizar a façanha de transportar o Demônio de tão longe.

Os olhos de Gideon revelaram emoção inusitada diante do cenário de horror.

- O que aconteceu?

- Não sabemos - respondeu Jacob, resumindo os eventos recentes.

Enquanto ouvia, o médico já começava a examinar Noah e Legna.

O Rei tinha os pulmões inundados de fumaça, mas pele e cabelo haviam sofrido mais que outras partes do corpo. Para um humano o incidente teria sido fatal, mas, no Rei dos Demônios, o reparo seria rápido e eficiente. Gideon começou bloqueando todos os receptores de dor no corpo ferido. Primeiro curou os pulmões, depois, trabalhando depressa, começou a substituir pedaços de pele, rejuvenescendo-a, célula a célula. Quando conseguiu substituir metade da pele do corpo de Noah, Gideon começou a trabalhar em Legna. Não podia concluir antes o trabalho com o Rei, ou ela não teria chance de sobreviver. Os dedos tocaram o rosto antes tão lindo.

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